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  • Defensoria e Ministério Público abrem Ação Civil contra a reorganização do Ensino de Alckmin

    Defensoria e Ministério Público abrem Ação Civil contra a reorganização do Ensino de Alckmin

    Larissa Gould, do Barão de Itararé, Especial para os Jornalistas Livres. Fotos: Eviton Araújo

    A Defensoria Pública (DP)e o Ministério Público (MP) ajuizaram, na tarde dessa terça-feira (03), ação conjunta contra a reorganização do Governo do Estado. A Ação Civil Pública (ACP) pede a suspensão da reorganização do ensino, a garantia de permanência dos alunos nas atuais escolas no próximo ano, a manutenção de ciclos e turnos existentes, novas matrícula de alunos em 2016 (nas escolas com vagas) e o compromisso do não fechamento de escolas da rede.

    A justificativa para a abertura a ACP foi o anúncio repentino da reorganização por parte do governo, que ignorou as pessoas diretamente envolvidas — estudantes, pais e professores — e deixou de lado etapas de consultas e debates públicos fundamentais para a decisão. A DP e MP relataram que receberam inúmeras reclamações e abaixo-assinados, denunciando o fechamento de escolas, superlotação de salas de aulas e separação de irmãos em unidades distintas e transferência obrigatória de turno, que prejudicariam as rotinas das famílias.

    Os órgãos também declararam a ausência de estudos que comprovam a real efetividade da mudança para a melhoria do ensino “Eles alegam que foram feitos estudos comprovando a efetividade dos ciclos, mas isso não é comprovado em nenhum momento”, declarou a Defensoras Pública Mara Renata da Mota Ferreira.

    Defensoria Pública e Ministério Público informaram ainda que pediram essas e outras informações à Secretaria Estadual de Educação, mas que as respostas chegaram tardiamente (no fim de novembro) e incompletas, o que dificultou a análise do projeto da reorganização.

    Suspensão da reorganização do ensino

    A Ação, de acordo com a defensora Mara, não pede a revogação, mas sim a suspenção para o próximo ano e a garantia de debate com a sociedade. “Ao fim dessas discussões a reorganização pode ou não acontecer, ou pode ser feita de uma outra maneira”, defendeu. A também defensora, Daniela Skromov de Albuquerque, que também tem feito a defesa dos estudantes em outras ações, no entanto, reafirma: “Dialogo tem que ser uma via de mão dupla”.

    A ACP foi assinada pela Defensoria Pública, representadas pelas Defensoras Mara Renata da Mota Ferreira (Coordenadora do Núcleo de Infância e Juventude e de Cidadania) e Daniela Skromov de Albuquerque (Coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos) e pelos Promotores de Justiça João Paulo Faustinoni e Silva (Grupo Especial de Educação), Eduardo Dias de Souza Ferreira (Promotoria de Justiça de Defesa dos Direitos Difusos) e Patrícia Salles Seguro (Núcleo de Políticas Públicas).

    A ação foi distribuída para a 5ª Vara da Fazenda Pública, sob a responsabilidade do Juiz Luis Felipe Ferrari Bedendi, mesmo juiz que concedeu no início de novembro liminar ao Estado para reintegração de posse das escolas estaduais Fernão Dias Paes e Salvador Allende e que após audiência de conciliação, revogou as liminares.

    Em nota Maria Izabel Azevedo Noronha, Presidenta da APEOESP, declarou: “Com a iniciativa do Ministério Público, espera-se que Tribunal de Justiça mantenha o mesmo entendimento, fazendo suspender este processo de ‘reorganização’ em todo o Estado, para que prevaleça a democracia e a participação da comunidade escolar e da sociedade nas definições sobre uma das principais políticas públicas, que é a educação”.

    Para o promotor João Paulo Faustinoni, essas mobilizações têm sim caráter político, mas não partidário: “Também seria um ato político se o Ministério Público se omitisse. O Ministério não irá se omitir”.

    Abuso de poder e repressão violenta

    A ação trata apenas da reorganização, não abordando as denúncias de violência da Polícia Militar contra os estudantes. É competência do Ministério Público apurar, responsabilizar e condenar esses casos. De acordo com o promotor João Paulo Faustinoni e Silva as denúncias estão sendo apuradas.

    Pedro, repórter do Saboia News e estudante da E.E. Padre Sabóia de Medeiros, questionou “Hoje então, depois dessa Ação, eu tenho a garantia e a segurança de que posso voltar para a minha Escola e que não sofreremos nenhum tido de violência?”

    Tropa de choque atua durante manifestação de estudantes nessa quarta-feira (02). Foto: Fernando Sato.

    “Essa garantia não existe. Ou melhor, a garantia legal existe, mas não prática”. Foi a resposta da defensora Daniela Skromov. Ela também informou que a defensoria está fazendo o possível para acompanhar todos os casos denunciados, mas que “faltam pernas” pois são muitas as repressões violentas, e orienta os estudantes a gravarem os abusos e encaminharem a defensoria e ao MP.

    Para Daniela, as ações violentas da PM fazem parte de uma estratégia de tentativa de desmobilização por parte do governo do Estado, sob a gestão de Geraldo Alckmin (PSDB).

    Defensoria Pública, os Estudantes e o Coletivo

    Daniela também explica que as duas frentes da Defensoria devem ser vistas separadamente: “A defensoria tem dois papéis: ode defender os hipossuficientes e outro de falar por ela própria, em defesa do coletivo. Nesse momento, ao abrirmos essa ação estamos defendendo o todo, o coletivo”.

    Daniela foi a defensora responsável por representar os estudantes durante o julgamento da liminar ao Estado para reintegração, em novembro.

    A Ação Civil pública, defende o “todo” sob a perspectiva que a educação é um direito social básico e deve ser garantido principalmente às crianças e adolescentes, conforme a Constituição e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

    A legislação também garante que a gestão das escolas públicas deve seguir o princípio da gestão democrática, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que criou os Conselhos de Escola e os Conselhos Municipais e Regionais de Educação. O Plano Nacional de Educação, que rege as diretrizes da educação para os próximos 10 anos, também assegura esse princípio.

    Daniela também informou que entidades e associações podem entrar conjuntamente ao MP e DP na ação contra o Estado.

  • A vida é cheia de sonho e fúria

    A vida é cheia de sonho e fúria

    Ser periférico é um destino. É uma marca no coração e na testa. É um passaporte para uma viagem sem volta. Sempre serei periférico. Por mais que minha cara, minhas vestes, meus gostos gastronômicos sejam contaminados pela classe média à qual hoje pertenço, eu carrego esta minha história. Sou periférico. O caminho é mais longo, é duvidoso, é sinuoso e cheio de atalhos mentirosos e desvios temporais.

    Ser periférico moldou meu espírito. Sei disso. E hoje agradeço por ter essa marca em meu coração e em minha testa. O meu caráter foi formado no campinho da Praça dos Pneus, na minha querida Padre Roser e seus carrinhos de rolimã, na Jean Buff, no Horto Florestal, no quase Quilombo de Dona Maria do Rosário, nos caminhos dos matagais adjacentes, nas comunidades pobres do Jardim Paraíso, Chácara do Encosto, Jardim Peri, nas pinguelas do Córrego Água Fria, no recreio do Crispim.

    Crispim. Minha escola. Almirante Visconde de Inhaúma. Escola pública. Lembro de vários professores, dos bróders, dos campeonatos de salão, da educação física no frio de junho, as aulas perdidas apertando campainhas, as ruas dos outros, as ovadas de aniversário, o bafo, a copa de 82. Eu era o rei das colas, das pipas feitos com bambu, do rolimã. Lembro de uma professora de história, que deu como leitura “As veias abertas da América Latina”. Uma professora que simplesmente, num dia qualquer, não era mais nossa professora. Depois fui me ligar que ainda era a senhora ditadura. Por onde andará essa professora? “As veias abertas da América Latina”. Não só li, engoli, mastiguei, degluti, fiz a mais completa digestão.

    Eu quero conquistar esta cidade. Ela será a minha cidade. E depois, esse meu país. E depois, essa América Latina, e depois, esse mundinho aí.

    Crispim. Também moldou meu espírito. Meu pertencimento. Minha pertinência. Meu primeiro beijo de verdade. Meu primeiro time. Equipe. Convivência. Aprendizado. Trocar segredos de confiança, estabelecer limites a serem atravessados, procurar espaços não-reconhecidos, inventar plataformas de lançamento. E se jogar pra frente, sempre.

    Depois, Escola Técnica Federal de São Paulo. Antigo colegial. Também pública. Profissão, realidade, sistema. E a leve certeza de sonhos suspensos. Aqui, uma escola de toda a cidade. Gente de todos os cantos da Pauliceia. Conhecer Vila Sonia, Aclimação, Parelheiros, Planalto Paulista, Rudge Ramos, Campo Limpo, Tatuapé, Grajaú, que Itaim Paulista não é Itaim Bibi. Aprendi mais sobre minha cidade do que a serventia de um relê, de um capacitor (além de dar choques), de um circuito integrado, das aulas do curso de eletrônica. Dois festivais de música por ano, primeiro mural de grafite, oficinas de música, teatro, artes plásticas, da qual fui assistente por 6 meses, também ajudaram na escolha dos meus caminhos dali pra frente.

    Esses tempos de catapultas imensas, problemas gigantescos, tristezas epidêmicas, máquinas do tempo engrenadas, formaram meu balão de oxigênio proto-futurista. Desprendendo do cordão umbilical familiar e avançando sobre o planeta diário de tags, descobertas e as forças do acaso, cheguei na estação involuntária temporária. O centro, o meio. A cidade.

    Crispim, Federal e Mandaqui. Tudo o que veio depois, na interminável procura, teve origem nesses três pontos cardeais da minha vida. Tudo. O que quero desse mundo, o que entendo de identidade, formação e referência. O que procuro na insanidade diária da responsabilidade, o que penso e faço sobre caráter, dignidade, fidelidade às minhas palavras, o que berro, o que silencio. Nunca esquecerei em cantos obscuros da lembrança. Nunca.

    Hoje, já tenho essa cidade em mim. Aqui dentro. Trespassada, pisoteada, mastigada, reconhecida. Já faz muito tempo desde o primeiro lusco-fusco. Às vezes a visão turvou, nublou, a voz sumiu, silenciou, as mãos se esconderam nos bolsos ou socaram o vácuo, os ouvidos se fecharam, e o jantar não foi servido. A proposta sempre foi mudar o mundo. Mas o tempo vai e vem, e você vai e trabalha um tanto, projeta riscos e linhas e se perde nelas, o tempo vem e vai e você degusta o sabor amoroso de uma conquista, o tempo se inunda e você, quietinho, espera a tempestade passar. Não é medo, não é traição, não é desistência. É apenas… o tempo. E vai. E vem.

    E nesse passar do tempo, a velhice chega voando. Não que o tempo seja o medidor da velhice. Não é isso. Velhice não é marca do tempo. Velhice é uma contemplação preguiçosa da memória. Podemos ser velhos, jovens. E sermos jovens, bem velhos. Mas ainda assim, enquanto você se pendura na rede e deixa o vento escaldar sua vivacidade, algumas vezes você é atingido por uma bomba de gases libertários, você é empurrado por um abismo de cordilheiras, você é engolido por uma baleia estratosférica, você é banhado por sprays poderosos de juventude, e você se olha no espelho, e tá lá, aquela madita espinha no meio do teu nariz, a te conferir a adolescência de seus destinos.

    Fotos: E.E. Diadema — Por Sato do Brasil

    Escolas em luta.

    Esse dias fui atropelado por essa porra de sentimento. Em dias de ruas em manifesto, enfrentamentos quase ingênuos, hinos revoltosos. Os primeiros nomes de uma subversão cheia de frescor foram chegando lacerando os ouvidos. Sabóia, Kopke, Orestes, Raul Fonseca. Outra manifestação como muitas outras tentaram? De repente, esse meu preconceito foi sendo quebrado. Acompanhando pela cobertura dos Jornalistas Livres, fui sendo levado, em moto perpétuo, a um universo real de destempero, de raiva, de arrebatamento ingênuo, de vontade represada, de gritos que cabem na boca, de causa e gesto.

    O óbvio ululante, seu Nelson. A polícia começou a resenha descendo a porrada. No seu mais confortável estigma. Porrada nesses vândalos. Porrada nesses vagabundos. E se for fotógrafo querendo só um clique mais favorável, porrada também. E se escorregar, e você estiver na minha frente, mais porrada. Com gosto.

    Mas algo nessa fórmula deu errado. Não sei se foi o sol, a mandinga juvenil, a leveza das danças. Algo saiu do eterno controle. Algo escapou pela fenda inesgotável da rebeldia. Uma pequena gota. Uma só. E tudo ficou fora da ordem. E tudo ficou sem lugar. E tudo ficou estranho no espelho. Não são vagabundos, afinal, os esforços desses soldados são exatamente pra destronar a estatística e empatar o jogo. Querem estudar, estudar em escolas que lhes desafiem, que deem possibilidades de virar o jogo. Não são vândalos, por mais que queiram os constantinos, azevedos, jabores em devaneio. Eles não quebram carteiras, aplicam atividades, fazem seu rango, lavam os pratos, limpam os banheiros, varrem o chão. Vocês podem não lembrar, mas esses meninos e meninas da rede pública aprenderam muito cedo, no cerne de seus lares, ajudando suas famílias, cuidando de seus irmãos, primos e vizinhos.

    Mas nenhuma autoridade do governo ousou conversar com esses estudantes, ninguém quis entender suas reivindicações, ninguém quis partilhar seus medos e desejos, nada. O outro lado da linha sempre silenciosa. Alguém deve ter falado: deixa quieto, que eles já já cansam e vão embora, ou também: nem responde, tem Brasileiro, Copa do Brasil e Brasil x Argentina, relaxa.

    Mais um erro. Um erro estratégico imperdoável. Perdeu playboy! Quando recusam o diálogo, quando a prepotência reina, quando pensam apenas no controle e repressão. Não existe espaço para esse tipo de raciocínio ultrapassado. O mundo cabe dentro do zap. Em velocidade de cruzeiro. Essa molecada deu um banho de inteligência, coletividade, convivência e vizinhança. Deram mais um passo à frente e o abismo se modelou num voo interminável. Vocês permitiram o voo desse exército de brancaleones jovem e solene. Peter Pan e a meninada. Com a vantagem de saber que estão crescendo e mudando essa cidade, esse Estado, esse País.

    Fotos: Paulo Ermantino

    Segue o voo.

    Sem respostas, sem conversas, sem explicações de uma re(des)organização autoritária e unilateral, o caldo entornou. Porque minha escola vai ser fechada? Porque vão acabar com o ensino médio? Porque vão separar os cursos médios e fundamentais? Porque? Não quiseram saber que na E. E. João Kopke, no bairro da Luz, os alunos mais velhos acompanham os alunos mais novos por uma região em completo litígio. Não quiseram entender que na E. E. Fernão Dias Paes e em outras escolas mais centrais, quem está matriculado são estudantes que moram longe dali, em bairros periféricos, mas que almejam um nível de estudo melhor e que muitos deles trabalham na região, e por isso, resolveram estudar ali? Nem passou pela cabecinha deles que a E. E. Padre Saboia de Medeiros ensina permacultura, reutilização de água, horta urbana, teatro e muitas outras atividades extra-curriculares que tentam achar alternativas comunitárias para o enriquecimento social de seus alunos? Nem quiseram conhecer a E. E. Diadema, onde os alunos passam boa parte da vida e constroem uma relação de confiança e empoderamento, levando para o campo lado a lado com os professores, verdadeiras noções de cidadania, que transformam-na em um modelo de educação em toda a região? E tantas outras experiências inovadoras e coletivizadas nas outras escolas reféns dessa medida descuidada e arrogante do governo do Estado de São Paulo?

    O que se quer ver está a nossa frente. Fechando escolas públicas nos bairros “nobres” de São Paulo, você empurra os jovens pobres, pretos e periféricos para as bordas invisíveis da cidade. Somando a atuação repressora e agressiva da polícia na periferia, o barato vai ser louco e sangrento. Esses meninos e meninas que ousaram sacudir o marasmo institucional, que ousaram atravessar o grande muro das marginais, que ousaram querer ser grandes, que ousaram andar por onde a classe média branca apenas passa com seus tanques de guerra com vidros fechados e ar condicionados ligados. Que ousaram lutar por uma vida simplesmente melhor. Que ousaram sonhar.

    Dividindo os estudantes dos fundamentais I, II e do curso médio, você rouba a referência, o pertencimento, o exemplo. Você não tem mais o atrito, as diferenças de trajeto, os ajuntamentos intencionais, e assim, suas resoluções, seus impactos, suas descobertas sobre tolerância, diversidade e igualdade no centro explosivo diário da convivência. Isso é cidadania, porra!

    Mais. Separando o ensino médio, em conjunto com a redução da maioridade penal, você constrói um painel delicioso para as hordas repressoras da Polícia Militar, Civil e Tropa de Choque do Estado. Junta uma base da polícia na esquina e as escolas serão transformadas em engradados de vândalos registrados. Prontos para o abate.

    Última. A falta de diálogo, a prepotência ferrenha, o franco desdém com o futuro dessa garotada, parece coisa de criança. Aquela dona da bola, que não quer mais brincar se todas as regras não forem criadas por ela. Uma criança mimada, vingativa e birrenta. Xilique de chefe. Então, essa escola é progressista? Fora. Quer dizer que esses professores fizeram greve? Fora. De novo essa diretora exigindo mudanças? Fora. O que? Horta comunitária, participação dos pais, participação política? Comunistas… Foraaaaaaaaaaa!

    E.E. Fernão Dias — Foto: Sato do Brasil

    Quem não pode com a formiga, não assanha o formigueiro.

    Quando o silêncio zomba desse exército com corações em pólvora, a razão se junta ao espírito, e o próprio caminho aponta a direção. Tomarão de volta o que é deles por direito. Seu primeiro time. Seu primeiro beijo de verdade. Sua referência. Seu pertencimento. Equipe. Convivência. Aprendizado. E assim foi feito. As escolas se tornaram seus castelos de convívio. Ocupação. Invasão? Não se invade quando já está dentro. Não se invade algo que já é seu. Não se invade onde se gosta, se cuida.

    Diadema. Fernão. Salvador. Castro Alves, Valdomiro, Ana Rosa, Pio Telles,

    Carlos Gomes, Heloisa, Tancredo, Silvio Xavier, Antonio Manuel, Oscavo, Melega

    Cenário de Guerra. Força Tática, Rocam, Tropa de Choque, Ronda Escolar. Um efetivo de quase 300 policiais nas cercanias da E. E. Fernão Dias Paes, em Pinheiros. 50 sirenes nervosas, armas em punho, capacetes, escudos, cassetetes. Tudo brilhando. Você quase consegue ver um sorriso maroto junto com aquela saliva empoçada, no canto da boca. Meu Buda querido. Meu gordinho. Me explica o porque isso? Desde quando decidir sobre educação, um dos direitos básicos, que é conferida à população, virou um complexo caso de polícia? E de muita polícia? 300 policiais x 30 estudantes. Moral da história. 10 cassetetes para cada estudante menor de 18 anos. Algo descomunal. Davi x Golias, coisa assim. Os 300 de Esparta contra os centenas de milhares do Exército Otomano. Ou mais próximo, Canudos.

    Miguel Maluhi, Elizete, Godofredo, Adib Chammas, José Lins, Cohab Inacio, Mary Moraes,

    Negrini, Solitto, Kopke, Souza Cunha, Saboia, Sinhá Pantoja, Demy

    E lá vem as notícias globais do movimento. “Estudantes invadem escolas”. Já disse antes, como invadir se já está dentro do que é seu? “Vândalos quebram…” Engraçado falar nisso, se nenhuma carteira foi sequer amassada, quando as imagens mostram meninos e meninas limpando os banheiros, cozinhando sua comida, lavando seus pratos, com sorriso no rosto e vontade nas mãos. Ah, pais, como vocês devem ter orgulho desses seus filhos! É quase piada pronta falar em vândalos. Ok, cobriram a cabeça do bandeirante sanguinário com um plástico preto, dando apoio à questão indígena. Mas isso não é bem vandalismo, isso é coerência de pensamento de País.

    “Vagas ociosas…” Todas as escolas que estão na lista de reorganização e que visitei, não têm vagas ociosas. Ociosas pra quem? Quem sabe sobre quantidade x qualidade? Autoridades que nunca entram em escolas a não ser em reintegração de posse? A maioria das escolas tem quase 40 alunos por classe. Você jura que esse número é satisfatório? 40 alunos na mesma sala? Só pode ser brincadeira. Você já participou de alguma reunião com 40 pessoas? Aquelas reuniões que não se chega a lugar nenhum na imensa maioria da vezes?

    Coronel Sampaio, Avesani, Godofredo, Suely, Astrogildo, Marilsa, Stela Machado,

    Colonia, Santinho, Carvalho Mange, Américo, Azevedo, Vilas Boas, Eloy

    E quanto às escolas de lata? Deveriam ser as primeiras na lista de uma provável reorganização. O Governo do Estado, através de reformas ridículas em que apenas abraçam as paredes com pré-moldados mantendo a estrutura de zinco, mentem ao dizer que não existem mais. Essa reforma apenas mudou o nome de “escolas de lata” para “escolas padrão Nakamura”. A maioria delas ainda resiste na região do Grajaú, extremo sul da cidade. Essas escolas fazem parte da reorganização? Pelo que eu saiba, projeto de construção de novas escolas para substituir essas, não existe. O que vão fazer? Transferir essas centenas de estudantes para outras escolas da região, deixando em cada classe, 50, 60 alunos? Que coerência, hein?

    Raul Fonseca, Carlos Gomes, Josefa, Galeão, Pedro Fonseca, Wilma Flor, Benedita,

    Mocam, Guaracy, Caetano, Alexandrino, Aracati, Chuery, Saint Exupéry

    Mas como o homem de camisa branca que parou os tanques na Praça da Paz Celestial, na China, essa molecada parou a polícia, parou a reintegração de posse, parou o Governo de SP. As reintegrações de posse, que no próprio nome carregam um trocadilho infame, foram barradas pelo próprio juiz que as pediu. Ouvi pelas redes, um salve para esse juiz. Parem com isso, ele que assinou as reintegrações, demorou dias para se colocar, e devido à pressão que os estudantes, professores, imprensa alternativa, direitos humanos, Apeoesp, movimentos sociais como o MTST, advogados ativistas, pensadores, aí sim, canetou a paralisação das reintegrações.

    Augusto Cesar, Magalhães, Agari, Viana de Souza, Eulália, Naked, Cotrim,

    Homero, Lauro, Cleóbulo, Silvia Ribeiro, João Batista, Di Cavalcanti, Miss Brownie

    Como disse Seu Bezerra:

    Aaaah, meu bom juiz, (meu bom juiz) Não bata este martelo nem dê a sentença/

    Antes de ouvir o que o meu samba diz/

    Pois este homem (menino) não é tão ruim/

    Quanto o senhor pensa

    Clybas, Alayde, Petronila, 21 de Abril, Francisca, Ede Wilson, Fidelino, 8 de Abril,

    Cotolendo, Tito, Honório, Glicério, Maria de Lourdes, Damo, Joaquim Leme.

    Fotos: Sato do Brasil

    Trila, seu juiz! Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo.

    A porteira foi aberta. O vespeiro foi cutucado. O formigueiro foi pisoteado. A caravana então passa. A boiada passa. As vespas mandarinas picam. As formigas traçam seu caminho. No mapa das ocupações desse google territorial, os pins vão pululando como pipocas em cio. Uma na Zona Norte, duas no ABC, outras na Sul 1, Extremo Leste, centro, Zona Oeste, e mais e mais, a cidade toda florescendo pins. 10, 13, agora são 15. Tem mais? Tem mais esse! Outras 4. Esse já deu? 20. 20? Não, agora já são 23. 25. 30. Caraca, 30 escolas? Quase 40. E assim vai. Cada número alcançado, uma pitada na revolução.

    Malatrasi, Caetano, Ináh de Mello, Marajoara, Giannasi, Nanci Cristina, Pizzotti,

    Souza Penna, 16 de Julho, Otoniel, Emigdio, Ayrton Busch, Sapopemba, Ciridião

    Comecei esse texto com menos de 40 escolas ocupadas. Nem posso prever quantas estarão ao terminá-lo. Torço, sinceramente, que sejam três dígitos. 100, 200, 300. Um movimento claro em suas reivindicações. Um movimento que sabe donde surgiu, como surgiu e para que surgiu. Um movimento que aceita os esforços de apoio, seja de pais, associações de professores, movimentos sociais, movimentos estudantis, mas que se colocam como artífices da porra toda. Pontas-de-lança nesse tabuleiro de forças e obstáculos institucionais que teimam em domesticar esse delay educacional.

    Andronico, Azevedo Junior, Beathris, Rachid Jabur, Capitão Amaral, Jesuíno, Irene,

    Julio de Mesquita, Vilela, Eliseu, Cícero, Arlindo, Orville, Renê

    E mais. A rede. O zap. A revolução nunca será televisionada. Será zapeada. Será postada. Será compartilhada. E muito mais. Essa rede está se organizando viralmente como nenhum governo soube antever. Escolas em luta. Uma assinatura de lealdade, comunidade, resistência. Troca de ideias pelo whatsapp, imagens da ocupação pelo instagram, notícias pelo facebook, apelos pelo telegram, documentações via periscope, snapchat, tsu. Uma teia gigantesca e inimaginável começa a traçar veias e artérias com informação, templates, documentos, atividades. Cada escola carrega em seus símbolos todas as outras escolas. Nas ruas, faróis, passarelas, vê-se o nome de todas as escolas em luta. E quanto mais resistente, quanto mais comunitário, quanto mais lealdade, mais forte, mais viral. Disparador de uma revolução verdadeiramente popular e continuada.

    Crispiniano, Aracy Leme, Etelvina, Moabe Cury, Barão de Jundiaí, Plínio, Riolando,

    Jamil Gadia, Humberto de Campos, Notari, Antonio Vieira, Olindo, Estela, José Alfredo

    Acompanhei os estudantes na Audiência Pública no Fórum João Mendes. Frente a frente com o secretário estadual de educação, Sr. Herman Voorwald. Representantes de várias escolas que estão movimentando essa placa tectônica invisível resistente e autoritária, estiveram presentes. E, sinceramente, deram um baile na presunção do Governo do Estado. Primeiro, não aceitaram uma proposta tacanha do Senhor Secretário, onde se dizia que a partir da desocupação das escolas e da leitura do regulamento de reintegração, e posterior envio das demandas dos estudantes, seria aberto um possível diálogo. Depois, trouxeram a sua carta de intenções. Clara e objetiva:

    “A reorganização suspensa por todo o ano de 2016. O debate sobre o tema deve incluir toda a comunidade escolar, pais, professores, associações e ainda alunos que concluirão o ensino médio em 2015. Nenhum estudante, funcionário, professor, diretor que tenha apoiado o movimento será punido. A premissa principal para que os estudantes iniciem o diálogo é a garantia de que nenhuma escola será fechada.”

    Vila Any, Tullio, João XXIII, Faggin, Décio, Maria Zilda, Benedita Lino, Augusto Meireles

    Rodrigues Bueno, Maria José, Adelaide Rosa, Conte, Arthur Chagas, Mignoni

    A partir desse momento, o movimento só se fortaleceu. Transformando a tecnologia de rede na tecnologia de encontro. Assembleias, encontros, troca de saberes e experiências. Horizontalidade. Parafraseando a Marcha das Mulheres, mexeu com uma escola, mexeu com todas. Todas as escolas, escolas de luta. Nunca antes na história. A última cartada do Alckmin e do Governo de São Paulo é criar uma milícia extra-curricular, onde diretores regionais, diretores de escolas, professores antiquados, pais desinformados e alunos enganados são os soldados armados de violência e intransigência, mentiras e ameaças rasas sobre perda de ano letivo, castigos infames e perseguições prováveis, com a salvaguarda do efetivo da Polícia Militar como escudo e brasão. Talvez o movimento mais forte e saudável desde a luta contra a ditadura, recebendo o ataque de um governo nos moldes dessa mesma ditadura.

    Virgília, Jardim Angela, Firmino, Alves Cruz, Salim, Casimiro, Monsenhor Maggi,

    Antônio Aggio, Castanho, Dom Barreto, Gonçalves Vieira, Ivani, Marta Teresinha

    Meus tempos de Crispim e de Federal não voltam mais. Sei disso, mas acompanhar de perto essa chama inflamável de rebeldia, traz de volta aqueles sonhos suspensos. O oxigênio entra mais forte. O sangue corre mais rápido. Os olhos vasculham incessantemente. Chegamos junto, levamos conosco pavios de outros tempos que se acendem novamente. O que aprendemos passamos como testamento para essa nova geração. Conceitos, ideias, palavras, ações, documentos da revolução. Tudo exposto. O que foi nosso agora já é do tempo. Meu buda, já são 200.

    Wanda, Leico Akaishi, Alvaro, Bruno Pieroni, Gaspar, Georgina, Helio del Cistia,

    Julio Prestes, Madureira, Otília, Gregório, Monsenhor Bicudo, Maria do Carmo, Oswald

    Eu vejo os primeiros dias do resto de nossas vidas. O Exército de Brancaleones está sabendo recontar a história, está recontando, experimentando, tentando, errando e acertando. Não se deixem levar por pequenos obstáculos, desvios de passagem, intimidações toscas e mentiras arquitetadas em mesas de marfim. Vocês estão aprendendo na vida, cidadania e identidade. Fazendo política. Entenderam que somos seres políticos. Lacem o destino e se coloquem à frente da parada. O arco e a flecha. As esperanças de um movimento esquecido. Aquele cidadão que dirige essa cidade. Que se comove, que escuta, que aprende, que pratica, que transforma. Um cidadão que constrói esse País, que continua grande no coração dessa rapaziada. Tamojunto de verdade.

    Dagoberto, Bonilha, Senador Vergueiro, Genésio, Cordeiro, Martinho, Zulmira, Guiomar, Poletto, Pastor Cicero, Wilfredo, Maria Ramos, Procópio, Antonio Caio, Jethro, Romeu, Cavalcanti, DeGaulle, Funaro, Cepam, Toufic, Norberto, Hugo, Ezequiel, Ossis, Lysanias, Clotilde, Ferreira de Menezes, CEDOM, Iracema Crem, Savino, Sebastiana, Ferrucio, Galhiego, Asa Branca, Prisciliana, Anhanguera, Colonia dos Pescadores, Justina, Maria de Lourdes, Zacarias, Lacava, Apparecido, José Ermírio, Maria Osório, Brotero, da Ré…

    … e que venham mais…

    Eu acredito na fúria. Eu acredito no sonho. Eu acredito em corações cheios de sonho e fúria.

    Queremos conquistar esta cidade. Porque esta é a nossa cidade. É aqui o nosso lugar. A partir daqui, na incessante busca desse lugar, aqui estaremos.

    E.E. Fernão Dias — Fotos: Sato do Brasil

    P.S.: Antes desse meu depoimento chegar a vocês estive cobrindo a manifestação dos estudantes na Avenida Nove de Julho, no dia 01 de dezembro, pelos Jornalistas Livres. Essa ação que chamo de “Carteirada”. Já que não existe o mínimo diálogo entre o governador do Estado, Geraldo Alckmin, ou do seu secretário da educação, Hermann Vorwald, os estudantes estão promovendo a “Carteirada”. Salas de aula nas ruas, parando a cidade para expor suas necessidades e sua luta. Deixo com vocês essa última imagem. Diz muito sobre tudo o que escrevi aqui. Estamos de “luta”.

    Lute como uma menina

    PS 2: Hoje, dia 4 de dezembro de 2015, o governador Geraldo Alckmin fez um pronunciamento oficial, dizendo que a reorganização escolar está suspensa.

    Sossega coração
    Ainda não é agora
    A confusão prossegue
    Sonhos afora
    Calma calma
    Logo mais a gente goza
    Perto do osso
    A carne é mais gostosa.
    (Paulo Leminski)

    Desculpe seu governador. Mas eu só confio, vendo. É ver para crer. No exato momento de seu pronunciamento, a imprensa alternativa (Jornalistas Livres, Carta Capital, Jornal do Professor, entre outros) foi proibida por seguranças truculentos do Palácio do Governo a acompanhar o ato. No exato momento de seu pronunciamento, a Polícia Militar deitava o cassete(te) nos estudantes secundaristas em manifestação no centro da capital. Se a censura faz parte do seu dia-a-dia e a repressão violenta continua como abre-alas de sua instituição, não há como acreditar em suas ações.

    A reorganização está suspensa, apenas suspensa. E não, cancelada. Suspensa até quando? Não existem datas nem previsão. Você diz que haverá audiências para discussão sobre a reorganização. Como se darão essas audiências, em que momento e que pessoas participarão delas? As matrículas estão garantidas, é um progresso, mas isso não garante o ano todo. Um decreto, como muitos outros que já foram feitos, pode mudar isso de um dia para o outro, não é mesmo, governador? Aliás, governador, onde está a revogação do decreto anterior, que previa as reorganizações das escolas? Esperemos pelo “Diário Oficial”? E plano, plano mesmo, nada.

    Escola por escola. Sério, governador, até hoje de manhã, você não dialogaria com ninguém, agora vai conversar com escola por escola? As 400? Jura mesmo que você quer que a gente acredite nessa ladainha? A força do movimento está na unidade. O senhor sabe disso, né, governador? Mas os estudantes também sabem. Eles construíram esse conceito, essa forma, essa coletivização, essa rede, esse encontro.

    Espero, mesmo, que eu esteja errado, pois esta é uma vitória coletiva, horizontal, gigantesca, monumental. Uma vitória de cada escola em luta que, juntas, tornaram-se um organismo só. Forte, pungente, brutal. Nunca mais essa escola será o que já foi. Nunca mais essa escola será um lugar estranho novamente. Vocês, estudantes, reconheceram cada canto, cada armário, cada buraco, cada giz que a vocês pertence. Essa escola agora é de vocês. Pertence a vocês e vocês pertencem a ela. Vocês alimentaram cada espaço, dentro da escola e na rua, no campo, no espaço público, com seus espíritos. Isso é imensurável. Vocês, começaram a revolução educacional que sempre sonhamos. Vocês, agora, são pontas-de-lanças de um novo tempo que está apenas abrindo suas portas.

    Lembrem-se de tudo que aprenderam e compreenderam até aqui. Lembrem-se das tretas, do gás, do rango, das noites mal-dormidas, dos abraços. Olhem-se nos espelhos. Hoje não será como antes. As espinhas podem ainda estar lá mas isso não importa mais. Olho para vocês e vejo companheiros de jornada. Companheiros na construção de uma nova ideia, um novo país.

    E por fim, insisto: ninguém sai, ninguém sai, ninguém sai.


    Menino, não chore!

    Menino, cresça e apareça!

    Menino, seja homem!

    Não, senhores! Serei menino

    Serei menino a correr atrás da bola

    Meus senhores

    Serei menino a correr atrás de ideias

    Meus senhores

    Serei menino a correr atrás de sonhos

    Meus senhores

    E mais, meus senhores

    Serei menino para errar quando poderia ter acertado

    Serei menino para gritar quando poderia escutar

    Serei menino para dar uma porrada quando poderia ter soprado

    Serei menino para silenciar quando poderia sussurrar

    Por isso peço a mim mesmo, meus senhores

    Quando for homem crescido que não erra

    que não grita, que não dá porrada, que não silencia

    Que esse homem crescido não chore

    quando o menino que vocês,

    meus senhores, chamam de homem

    Tenha crescido quando ainda menino.

    Foto: Sato do Brasil
  • Sai o decreto da vergonha

    Sai o decreto da vergonha

    Alckmin assina o decreto que promove a “reorganização escolar”, mas omite os nomes dos estabelecimentos que serão afetados

    Por Laura Capriglione, especial para os Jornalistas Livres

    O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) fez publicar hoje (1º/12) no “Diário Oficial do Estado de São Paulo” o decreto da “reorganização escolar”. Trata-se de uma peça medíocre e covarde, que não inclui nem mesmo a assinatura do titular da pasta da Educação paulista, Herman Jacobus Cornelis Voorwald.

    É covarde ainda porque a Secretaria de Educação simplesmente não menciona as 94 escolas que serão extintas, as que terão ciclos fechados, as que serão obrigadas a receber alunos de outras, superlotando as salas de aula.

    O decreto contém meras 166 palavras, excluindo a numeração, as assinaturas dos secretários e do governador, seus títulos, e a frase protocolar… “Este decreto entra em vigor na data de sua publicação…”.

    A omissão à forma prática como a reorganização acontecerá se deve a uma estratégia “bolada” na incrível reunião realizada no domingo (29/11), vazada em gravação exclusiva pelos Jornalistas Livres, em que a Secretaria da Educação declarou “guerra” às escolas em luta.

    A partir dos 19 minutos e 45 segundos da gravação, pode-se ouvir Fernando Padula Novaes, chefe de gabinete do secretário Herman Jacobus Cornelis Voorwald, perguntando aos dirigentes de ensino se gostariam que fosse incluído o nome das escolas “reorganizadas”. Levantou-se um clamor entre todos:

    “Nããããããão!”

    O que os dirigentes queriam com esse “não” enfático era tentar disseminar entre professores, funcionários e alunos a idéia de que o governo tem alguma disposição para o diálogo. Uma dirigente de ensino assim resumiu o medo: “Só assim [omitindo os nomes das escolas] a gente ganhará os professores”.

    Abaixo, o decreto.

    DECRETO Nº 61.672, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2015

    Disciplina a transferência dos integrantes dos Quadros de Pessoal da Secretaria da Educação e dá providências correlatas

    GERALDO ALCKMIN, Governador do Estado de São Paulo, no uso de suas atribuições legais, Decreta: Artigo 1º — A Secretaria da Educação fica autorizada a proceder as transferências dos integrantes dos Quadros de Pessoal, nos termos dos artigos 54 e 55 da Lei Complementar nº 180, de 12 de maio de 1978, nos casos em que as escolas da rede estadual deixarem de atender 1 (um) ou mais segmentos, ou, quando passarem a atender novos segmentos.

    Parágrafo único — Aplica-se o disposto no “caput” deste artigo às unidades escolares de Diretorias de Ensino distintas.

    Artigo 2º — No caso de transferência dos integrantes do Quadro de Apoio Escolar e Quadro da Secretaria da Educação, a manutenção do Adicional de Insalubridade será por apostilamento do Dirigente Regional de Ensino.

    Artigo 3º — As despesas decorrentes da aplicação do disposto neste decreto correrão à conta das dotações orçamentárias da Secretaria da Educação.

    Artigo 4º — Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.

    Palácio dos Bandeirantes, 30 de novembro de 2015

    GERALDO ALCKMIN

    Irene Kazumi Miura Secretária-Adjunta, Respondendo pelo Expediente da Secretaria da Educação

    Edson Aparecido dos Santos Secretário-Chefe da Casa Civil

    Saulo de Castro Abreu Filho Secretário de Governo

    Publicado na Secretaria de Governo, aos 30 de novembro de 2015.

     

  • Secretaria de Educação prepara “guerra” contra as escolas em luta!

    Secretaria de Educação prepara “guerra” contra as escolas em luta!

    Em reunião com 40 dirigentes de ensino, braço direito do secretário Herman anuncia que o decreto da “reorganização” sai na terça e lança estratégia para “isolar” e “desmoralizar” as escolas em luta, com o apoio da Polícia Militar

    Por Laura Capriglione, especial para os Jornalistas Livres
    às 14h de 29/11/2015

    Em reunião realizada agora há pouco, na antiga escola Normal Caetano de Campos, a primeira escola pública de São Paulo na era republicana, cerca de 40 dirigentes de ensino do Estado de São Paulo receberam instruções de Fernando Padula Novaes, chefe de gabinete do secretário Herman Jacobus Cornelis Voorwald, sobre como deverão agir a partir de amanhã para quebrar a resistência de alunos, professores e funcionários que estão em luta contra a reorganização escolar pretendida pelo governador Geraldo Alckmin.
    A reunião foi realizada em uma sala anexa ao próprio gabinete do secretário.

    Jornalistas Livres estavam lá e escutaram o chefe de gabinete anunciar para os dirigentes de ensino que o decreto da “reorganização sai na [próxima] terça-feira”. Segundo ele, “estava pronto na quinta passada (26/11) para o governador assinar”, mas pareceria que o governador não “tinha disposição para o diálogo”. A maioria na sala (todos “de confiança” do governo), suspirou de alívio, e Padula emendou: “Aí teremos o instrumento legal para a reorganização”.

    Trata-se de uma gravação esclarecedora, que merece ser ouvida em sua íntegra pelo que tem de revelador. Nela, o chefe de gabinete Padula repete inúmeras vezes que todos ali estão “em uma guerra”, que se trata de organizar “ações de guerra”, que “a gente vai brigar até o fim e vamos ganhar e vamos desmoralizar [quem está lutando contra a reorganização]”. Fala-se da estratégia de isolar as escolas em luta mais organizadas. Que o objetivo é mostrar que o “dialogômetro” do lado deles só aumenta, e que a radicalização está “do lado de lá”.

    Também importante foi o ponto em que o chefe de gabinete falou da estratégia de “consolidar” a reorganização. A idéia é ir realizando as transferências, normalmente, deixando “lá, no limite” aquela escola que estiver “invadida”. Segundo ele, o máximo que ocorrerá será que aquela escola “não começará as aulas como as demais”.

    A reunião mencionou também o papel de apoio que a Secretaria de Segurança Pública, do secretário Alexandre de Moraes, está tendo, fotografando as placas dos veículos estacionados nas proximidades das escolas, e identificando os seus proprietários. Com base nessas informações, a Secretaria de Educação pretende entrar com uma denúncia na Procuradoria Geral do Estado contra a Apeoesp.

    Padula contou como procurou o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, “A gente precisa procurar todo mundo, não é?”, dele recebendo a orientação para responder aos que se opõem à “reorganização”. “Vocês precisam responder”, teria dito dom Odilo ao chefe de gabinete do secretário Herman Jacobus Cornelis Voorwald. Dom Odilo teria afirmado ainda que “as ocupações nas escolas têm o objetivo de desviar o foco de Brasília”.

    Foi interessante notar que a mesma reunião que insistia em denunciar a presença de partidos e organizações radicais entre os meninos e meninas contou com o anúncio solene da presença de um militante do Movimento Ação Popular, ligado ao PSDB e presença frequente nas manifestações pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

    Escute o áudio da reunião:

  • Escolas ocupadas: Um relato, um pedido

    Escolas ocupadas: Um relato, um pedido

    Quando cheguei notei a fachada da Escola com diversos cartazes, faixas e stencils com dizeres: Ocupada, Escola de luta, Não fechem nossas escolas, Nós não desistiremos, Podem destruir nossas escolas mas não podem destruir nossos pensamentos, entre muitas outras. A que me chamou mais atenção era uma faixa amarela de 5 metros com o escrito ocupado pendurada na empena cega do edifício que utilizava dois livros didáticos como contrapeso para não voar.

     Do lado de fora havia uma barraca com algumas pessoas sentadas. Enquanto aguardava a fila para entrar me dirigi a barraca e descobri que eram as professoras dos alunos em vigília apoiando a causa. Tomavam café e se aqueciam com cobertores doados por um frei do bairro. Elas não podiam ficar lá dentro com os alunos pois configuraria adesão a ocupação e possível demissão, mas se solidarizavam com um protesto tático acampadas na rua.

    Já na entrada, um aluno de 13 anos coordenava o fluxo de pessoas, indagava o que seria feito lá dentro, anotava o nome e R.G. de cada visitante em um caderno e principalmente abria e fechava o grande cadeado do portão principal. Entrei e logo me deparei com o cartaz convidativo: Bem vindo a nossa luta, agradecemos pela companhia! e me dirigi ao pátio coberto no qual já se encontravam diversas pessoas para iniciar uma roda de conversa. Ali se apresentaram os alunos da escola e em seguida os artistas e jornalistas dos workshops. Após as apresentações nos dividimos em 4 grupos: o de jornalismo — que propôs um workshop de como fazer uma matéria em vídeo, o de artes — que propôs a criação de intervenções comunicativas, o de ilustração e caricaturas #‎vitorTeixeira — que propôs a criação de charges e memes para divulgação na internet, e o de drones #‎miranteweb — que propôs o manuseio e entendimento do funcionamento dos mesmos.

    Fiz parte do grupo de artistas formado por integrantes dos coletivos

    (‪#‎Bijari, #CasadaLapa, #‎ProjetoMatilha, #‎Ocupeacidade,‪#‎CasaRodante,#‎Frente3deFevereiro‬ ‪#‎LauraGuimarães e#JornalistasLivres)

    para junto com os alunos pensarmos em alguma intervenção prática. Após uma primeira roda de conversa fizemos perguntas e escutamos com maiores detalhes como estava a ocupação. Eles nos contaram como estão se organizando junto com as outras escolas para criar uma comunicação maior — tinham feito pela manhã uma reunião na EE Fernão Dias com dois representantes de cada escola ocupada. Relataram como estão apoiando uma escola a outra com comidas e pessoas na hora que a polícia chega. Falaram como estão se organizando para fazer as assembléias diárias, a comida, a limpeza, o dia a dia da ocupação. Revelaram também das pequenas rixas entre escolas vizinhas que acontece nesses momentos — por diferenças e protagonismos frente a idéia de ocupação.

    Expuseram como se sentem em conflito por lutar por seus direitos e ver o Estado e a polícia contrários ao seu movimento. Explicitaram a angústia que é ter que ir para casa e deixar os amigos na escola, pois nem todos tem autorização dos pais para ficar tantos dias na ocupação. Contaram com orgulho como estão conseguindo ficar firmes e cada vez mais conscientes de seus direitos. Depois de uma grande rodada de conversa iniciamos uma dinâmica de palavras e frases feitas por todos e elegemos algumas para a criação de peças de comunicação. As mais diretas e sintéticas foram selecionadas (Nossas escolas nossas escolhas. A gente ocupa, a policia invade. Alckmin mata aula) e transformadas em cartazes, faixas e projeções na fachada.

    Mas o que mais me chamou a atenção foi tudo aquilo que fazia a ocupação funcionar, e que não consegue ser capturado por uma frase de efeito. Eu entrava no dormitório para conhecer as instalações e via todos os cobertores dobrados e empilhados perfeitamente, entrava na cozinha e dois meninos de 13 anos com toucas de cozinheiro eram os responsáveis pelo fogão que fazia a comida dos 60 e poucos que ali estavam. Faziam comida, cantavam, pediam ajuda para mais quatro da cozinha, e se divertiam. A sutileza de servirem sucos e sanduíches para todos no meio de uma reunião longa. Olhava os banheiros mega limpos, alguns alunos jogando ping pong, vôlei, outros empenhados na portaria, todos atentos para a assembléia, participando das oficinas, cantando e lutando em uníssono. Vi um menino afirmar: ta vendo, eles falavam que eu não tinha talento, e olha só eu recebendo um elogio da artista por pintar esse cartaz!
    Essas imagens me mostraram um engajamento com a vida muito poderoso que segue com eles e conosco. São jovens que fazem uma outra escola nesse momento de suspensão da normalidade, fazem uma escola na qual é o sentido de estar junto e criar coletivamente é mais forte que as regras instituídas.

    Quando saía da escola, já na calada da noite, lembrei que algumas escolas estaduais que não passariam pela “reorganização” também haviam sido ocupadas em solidariedade as outras. Nesse momento me perguntei porque outras escolas mesmo sendo particulares ou municipais não poderiam prestar seu apoio a essa causa?

    Gostaria muito que toda e qualquer escola pudesse de alguma maneira apoiar essa luta. Seja escrevendo uma carta apoio aberta, ou qualquer ato que amplie a possibilidade de mais pessoas entrarem em contato frente essa situação absurda que passa a educação, afinal isso é algo que temos em comum.

    Um abraço, Rodrigo Araujo

    Vejam mais fotos da ocupação na EE Kopke em: flickr.com/photos/jornalistaslivres/sets/72157661595504955

  • Ocupando o que é seu por direito: a radicalização da democracia na medida certa

    Ocupando o que é seu por direito: a radicalização da democracia na medida certa

    Zeitgeist é um vocábulo alemão cuja tradução literal significa espírito da época, espírito do tempo ou sinal dos tempos.

    Zeitgeist pode ser definido também como um conjunto de circunstâncias, o clima intelectual e cultural de um determinado lugar numa determinada época, as características peculiares de um determinado período de tempo.

    Como eu havia dito anteriormente aqui, o governador do Estado de São Paulo e seu secretário de Educação — Herman Jacobus Cornelis Voorwald — têm promovido um ataque implacável contra a Educação, e o propósito desse ataque é o desmonte para posterior privatização do Ensino Público Estadual.

    Uma matéria de Karen Marchetti para o “ABC Maior”, publicada no Viomundo dá conta de que Geraldo Alckimin tem a intenção de reduzir em 2 bilhões o orçamento para a Educação do Estado de São Paulo em 2016.

    Baseando-me nessa premissa, faz mesmo todo sentido o governador praticar políticas absurdas e autoritárias, ficando bem claro que seu objetivo é desvalorizar a carreira dos professores, desestimular o ingresso de novos quadros na rede pública do Estado, aumentar o número de alunos dentro de uma mesma sala de aula, fechar unidades escolares e com isso precarizar ao máximo possível todo o Ensino Público.

    Só que ele não contava com a força, a determinação e o poder de mobilização de uma juventude que ele sempre tentou criminalizar.

    “Criar, criar, poder popular!”

    Sem saber, Geraldo Alckmin acabou criando as condições ideiais para que oZeitgeist — o espírito do tempo — entrasse em ação, possuindo os corações e mentes dos jovens em uma luta contra o autoritarismo e pela manutenção de seus direitos poucas vezes vista na história de São Paulo.

    Os jovens estudantes, dando um magnífico exemplo de organização e coragem, radicalizaram a democracia como há muito tempo não se via.

    Já são mais de 83 escolas ocupadas em todo o Estado de São Paulo.

    Contando com o apoio de ex-alunos, muitos deles pais de estudantes nessa mesma luta, o movimento só cresceu.

    Parte da população, sensibilizada pela coragem dos alunos e a importância dessa luta, e com a percepção de que os alunos realmente estão fazendo a coisa certa, passou a contribuir com alimentos, além de materiais de higiene e limpeza.

    Outros apoios importantes devem ser registrados: o MST — Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra doará 1.000 litros de leite, 500 litros de suco de uva e 1.000 caixas de achocolatado para os estudantes em luta.
    A UBES — União Brasileira dos Estudantes Secundaristas também declarou seu apoio ao movimento, assim como uma parcela considerável de professores da rede pública estadual declarou seu apoio às ocupações.

    Charge da cartunista Larte em apoio aos estudantes em luta

    E não há a menor demonstração por parte dos estudantes de que eles cederão ou abrirão mão de seus direitos, muito pelo contrário.

    A luta dos estudantes contra os vários Golias

    Boa parte da mídia tradicional faz clara oposição ao movimento de ocupação das escolas pelos estudantes, usando a sempre covarde tática de noticiar as ocupações como se fossem “invasões”.

    No último dia 19, numa provável “tabelinha” com o governador a “Folha de S.Paulo”, jornal que é useiro e vezeiro em publicar notícias falsas disparou a falsa notícia de que a reestruturação das escolas imposta por Alckimin estaria suspensa.

    Ficou evidente que a notícia tinha como propósito desmobilizar os alunos, fazendo com que comemorassem antecipadamente uma vitória que de fatoainda não existia.

    As duas correções da notícia feitas posteriormente por aquela “Folha” ratificam o propósito nefasto do jornal.

    A falsa notícia publicada pela “Folha” visava desmobilizar os estudantes em luta

    Contra os estudantes há também a truculenta polícia militar sob o comando direto do governador.

    Tristemente célebre por seus antecedentes de desrespeito aos direitos civis, a Polícia Militar do Estado de São Paulo é aquela polícia que até por ser militar sempre está preparadíssima para a guerra, mas totalmente despreparada para participar ou mesmo entender o que é uma democracia.

    Em pelo menos três escolas a truculenta milícia, a despeito da falácia de seu comandante em chefe — que disse que “não usaria a PM” — fez uso da violência com a qual costuma lidar cotidianamente com cidadãos indefesos, desarmados e lutando por seus direitos.

    O que se viu nas escolas Sylvia Ribeiro, na cidade de Marília, Professora Francisca Lisboa Peralta em Osasco e Professora Maria Petronila Limeira dos Milagres em Santo Amaro, São Paulo, foram ataques com spray de pimenta, agressões físicas, intimidação e prisões arbitárias sem fundamento algum.

    A molecada de São Paulo batendo um bolão. A escola é deles e o orgulho é nosso!

    Nada disso intimidou os estudantes, fortalecidos com o espírito do tempo, inabaláveis.

    São meninos e meninas que não escolheram o atalho do mais fácil, antes escolheram lutar pela manutenção e até mesmo pela ampliação de seus direitos como cidadãos.

    São meninos e meninas que têm a convicção de que só há saída na política, e que tudo é política.

    São meninos e meninas que ousaram lutar e ousaram vencer.

    Que diferença fará essa geração de jovens em nossa sociedade!

    Mais que defender a manutenção de um direito — o direito constitucional inalienável que lhes está sendo negado, a Educação — esses meninos e meninas estão nesse exato momento escrevendo uma linda página na história do país, pavimentando a promessa de uma revolução que continuará em curso, a construção de um novo mundo e de uma nova sociedade, onde a radicalização da democracia e a participação popular nas decisões governamentais serão cada vez mais intensas.

    Foi pensando na chegada de meu primeiro filho (que virá ao mundo em junho do ano que vem), com profunda admiração e muito orgulho dessa molecada que escrevi esse artigo, uma pequena homenagem aos jovens guerreiros resistentes em São Paulo, desejando que, como eles, meu filho(a) também escreva uma linda história de luta e de vida.


    *Diógenes Júnior é estudante de Ciências Sociais, pesquisador independente, militante do PC do B, ativista dos Direitos Humanos e Jornalista Livre.