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Tag: racismo estrutural

  • Frases venenosas dilaceram a alma, não educam e matam

    Frases venenosas dilaceram a alma, não educam e matam

    Assassinatos, espancamentos, palavras e omissões matam, e são a marca dos ataques racistas e xenofóbicos em Portugal. Diversas entidades estão denunciando e se reunindo para se opor a esses ataques. A morte de mais uma vítima, o jovem Bruno Candé, ator, negro e português está motivando diversas ações e um ato de repúdio está marcado para hoje (31.07.2020) Às 18h.
    Esse fato não isolado, é demonstrado neste artigo de Rita Cássia Silva, que também lembra outras vítimas recentes, como Luís Giovani Rodrigues, assassinado por espancamento no fim de 2019, Cláudia Simões e sua filha, que sofreram violência física e também as frases ditas à Deputada da Assembleia da República Portuguesa, Joacine Katar Moreira, Mulher negra.

    Por Rita Cássia Silva (*), especial para o Jornalistas Livres

    “Não existe nem nunca existirá respeito
    às diferenças em um mundo
    em que as pessoas morrem de fome
    ou são assassinadas pela cor de pele” 
    (Sílvio Almeida, 2019, p.190).

    No início do corrente ano de 2020, pudemos observar de camarote (rede social facebook) um Deputado da Assembleia da República Portuguesa, André Ventura, Homem branco, sugerir contra uma Deputada da Assembleia da República Portuguesa, Joacine Katar Moreira, Mulher negra, que “seja devolvida ao seu país de origem”. O contexto demarcava uma proposta da Deputada Joacine Katar Moreira (na época integrante do partido Livre) em que os patrimónios materiais africanos preservados nos museus portugueses deveriam de ser devolvidos aos seus países africanos de origem. Embora tenham decorrido manifestações de repúdios e encaminhamentos de procedimentos contra o tal posicionamento sexista e racista do Deputado André Ventura, por parte de partidos políticos da esquerda portuguesa, junto ao Presidente da Assembleia da República Portuguesa, Dr. Eduardo Ferro Rodrigues, o facto é que os partidos não avançaram para voto de condenação para não “amplificar” as declarações do referido Deputado. 

    Decorre que o “episódio infeliz da democracia” sem sanção disciplinar e, com um entendimento parlamentar de que foi dado um ponto final ao episódio, reverberou-se no passado Sábado, dia 25/07/2020, no ator português, Homem negro, Bruno Candé, assassinado a queima-roupa em plena luz do dia, pelas mãos de um Homem português, branco, no auge dos seus 76 anos de idade. “Preto, vai para a tua terra” trata-se de uma frase muito utilizada contra pessoas negras naturais portuguesas ou com percursos de migrações, contra pessoas racializadas, na sociedade portuguesa em diferentes contextos. Ficámos a saber através das fontes noticiosas portuguesas que esta frase foi justamente uma das frases que Bruno Candé ouvira da boca do Homem que lhe retirou a vida. Bem como, “Vou violar a tua mãe”, “Fui à tua mãe e àquelas pretas todas de merda”, “Tenho armas do ultramar em casa e vou-te matar”. 

    Bruno Candé foi assassinado no seguimento do espancamento perpetrado contra o jovem estudante negro, cabo-verdiano, Luís Giovani Rodrigues, no fim de 2019, em Bragança, ato que teve enquanto consequência a sua morte. No seguimento da violência física que deixou Cláudia Simões, Mulher negra, desfigurada e sua filha pequena, criança negra, traumatizada, no Conselho da Amadora, por parte de um agente da força de segurança pública. Também no seguimento do assassinato de George Floyd pelas mãos de um agente da força de segurança pública nos E.U.A., ato potencializador do Movimento Black Lives Matter cujas reverberações fez-se sentir em diferentes localidades do globo terrestre. Em entrevista ao Apenas Fumaça (projeto de média independente), publicada no Geledés – Instituto da Mulher Negra, em 2018, Mamadou Ba, Dirigente da SOS Racismo, comunicara que “Em 15 anos mais de 10 jovens negros morreram nas mãos da polícia”. Quanto as Mulheres negras/mães, Mulheres/mães racializadas (brasileiras), Mulheres/mães brancas em situações de pobreza, as práticas de racismo/xenofobia/discriminações múltiplas não são diferentes: é-lhes negado o direito à maternidade, em situações de vulnerabilidades sociais, a saber: se forem vítimas de violências domésticas, se estiverem no país ao abrigo do tratado de saúde entre Portugal e países africanos ex-colonizados, se estiverem desempregadas e forem pedir ajuda a determinadas instituições do Estado que têm em suas prerrogativas apoiar pessoas em situações de vulnerabilidades sociais. Se não aceitarem ligar as trompas de falópio! É-lhes atribuído a condição enquanto seres humanos indignos de criarem seus filhos e filhas: “a mãe está com problemas psicológicos”, “a mãe não tem competências parentais”, “a mãe é um monstro”, “não se sabe se a mãe, por ser brasileira, é de favela ou empresária”, “a mãe é drogada, anda com drogados e não tem higiene”, “a mãe é burra”, “a mãe é muçulmana, vai praticar fanado”, “a mãe abandonou o filho”, “a mãe é agressiva”, “a mãe mente”, “a mãe é garota de programa”, “a mãe é histérica”, “a mãe trabalha de mais”, “a mãe é alienadora”… Às crianças, por sua vez, por vezes ficam órfãs de mães vivas, sendo subjugadas a vários tipos de violências (perda do direito de conviverem dignamente com suas mães e famílias biológicas – criminalização da pobreza, discriminação étnico-racial, xenofobia, reprodução social do colonialismo, abusos sexuais, discriminação de género, convivências impostas em regimes de guardas compartilhadas entre progenitores agressores e/ou abusadores e, mães protetoras, re-vitimizadas institucionalmente). Tais situações contidas em relatórios entregues a AR, através de associações civis, denunciadas publicamente em jornais portugueses, denunciadas a organismos internacionais, ao que parecem não causam nenhum movimento de empenho transformacional por parte da classe política. 

    No mais recente relatório da ONU, Dainius Pūras, psiquiatra, relator especial, recomenda aos Estados Membros a incorporação do Direito a Saúde Mental em todos os contextos mundiais. Recomenda que os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para garantir a proteção e o florescimento de um espaço cívico como indicador chave do cumprimento do direito à saúde. O que significa que deve haver participação cidadã das pessoas nos processos que dizem respeito às suas vidas. Não pode haver desenvolvimento de saúde coletiva em territórios onde há negação das vozes de grupos de pessoas historicamente oprimidas durante séculos (mulheres, crianças, pessoas negras, pessoas racializadas). Pūras afirma que o modelo biomédico corre o risco de legitimar práticas coercitivas que violam os direitos humanos e podem implantar ainda mais a discriminação contra grupos que já estão em situação marginalizada ao longo de suas vidas e através das gerações. 

    Frantz Fanon (1968), psiquiatra, explicita-nos que:

    “Por ser uma sistematização que nega o outro, uma decisão furiosa de negar ao outro qualquer atributo de humanidade, o colonialismo compele o povo dominado a se interrogar constantemente: Quem sou eu na realidade?”.


    O problema é precisamente este. Vivemos no ano 2020, legitimando posicionamentos e procedimentos coloniais em Portugal. Protege-se agressores, racistas, machistas, abusadores sexuais, raramente as vítimas. 

    A sugestão de “devolução à sua terra” por parte de um Homem branco, detentor de privilégios, dentro da Casa da Democracia – AR, proferida contra uma das três únicas Deputadas Mulheres negras, em Portugal, feriu atrozmente a nossa democracia. Sobretudo porque além de termos perdido um momento único de afirmação dos valores democráticos em Portugal, de dignificação da pessoa humana Mulher negra (torturada durante séculos), de dignificação das pessoas humanas em suas diferentes culturas que contribuem para o desenvolvimento socioeconómico e cultural do país e de inibição de práticas nefastas à humanidade, como o racismo e o sexismo, potencializou-se socialmente mais práticas de violências contra pessoas negras, racializadas, sejam elas naturais portuguesas ou possuam elas percursos de imigrações. Bruno Candé Marques, artista negro português, nascido em Portugal em 1980, foi brutalmente assassinado devido ao racismo estrutural que não tem sido ferozmente combatido em Portugal, desde a primeira infância às faculdades, empresas, instituições do Estado e AR. Não faltam relatos das vítimas! Não faltam pesquisas qualitativas e quantitativas! Não faltam relatórios de organizações internacionais que têm vindo na última década, recomendar mudanças estruturais a Portugal. 

    Que o assassinato de Bruno Candé em Portugal, bem como o assassinato de George Floyd nos E.U.A., todas as mortes de pessoas negras e indígenas no Brasil, resultantes do genocídio que está a decorrer, os assassinatos de 52 pessoas em Moçambique, em Abril deste ano, as retiradas de crianças negras, racializadas, indígenas, de suas famílias biológicas, em Portugal, no Brasil, nos E.U.A., em outros países europeus, entre tantas outras barbaridades, não sejam passíveis de não serem debatidas socialmente. Somos ou não, mulheres e homens do nosso tempo? Somos ou não capazes de responder socialmente com celeridade e firmeza que não podemos ser tornados cúmplices das mais variadas formas de violências? A Bruno Candé Marques, um irmão, paz eterna. Deixou esposa e três filhos pequenos. Deixou a sua Mãe com 78 anos de idade. Mais uma Mãe Mulher negra que perde um filho para a prática racista. Do fim do século XIV até os dias atuais, as Mulheres Negras choram as retiradas violentas dos seus filhos e filhas. Séculos de desumanização do povo negro. Aos familiares e amigos do irmão Bruno Candé Marques: força positiva, resiliência, saúde e determinação. Que nunca nos esqueçamos de que o presente social esclarecedor em que estamos vivenciando em Portugal, demarca o futuro das gerações de crianças que estão crescendo. O Racismo estrutural MATA. Queremos pessoas negras e racializadas a viver em PAZ. Saudar dívidas históricas significa criar os alicerces para que pessoas com responsabilidades políticas e toda a sociedade não reproduzam discriminações racistas, sexistas ou xenofóbicas contra as pessoas. Todas as pessoas têm direito a sua dignificação. Artigo 1o da Constituição da República Portuguesa. Que faça-se Luz! 


    ALMEIDA, Silvio (2019), Racismo Estrutural, São Paulo, Sueli Carneiro Pólen. FANON, Frantz (1968), Os Condenados da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

    RITA DE CÁSSIA é antropóloga; artista, activista e arte educadora brasileira radicada em Portugal há 19 anos. Rita, também escreve no Diário do Distrito de Setúbal, (LINK https://diariodistrito.pt/tag/rita-cassia/) , e também no Jornal Público, de Portugal (LINK https://www.publico.pt/autor/rita-cassia ) .


    Acompanhe nas nossas páginas a cobertura dos atos em Portugal

    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/618323015777558
    https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/967912320374626

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    A pandemia do racismo em Portugal faz mais uma vítima
    https://jornalistaslivres.org/a-pandemia-do-racismo-em-portugal-faz-mais-uma-vitima/

  • A pandemia do racismo em Portugal faz mais uma vítima

    A pandemia do racismo em Portugal faz mais uma vítima

    Por Jorge António, de Lisboa, especial para os Jornalistas Livres

    A pandemia do racismo em Portugal faz mais uma vítima. Bruno Candé Marques, a vítima, que estava sentada em um banco e acompanhada por sua cadela, foi atingida por quatro tiros. O autor dos disparos, um homem de 80 anos, foi imobilizado por transeuntes até a chegada das autoridades, que o detiveram e apreenderam a arma de fogo que teria sido usada no crime.

    Em um comunicado, a família do ator fala de um crime premeditado e racista, já que “o assassino já o havia ameaçado de morte três dias antes, proferindo vários insultos racistas” a ele e à família. 

    Em reportagens televisivas, testemunhas relatam o mesmo comportamento racista e as ameaças de morte feitas pelo assassino.

    “Racismo! Esse homem que ele matou não chateava ninguém…”. – referiu uma testemunha. “O senhor ainda disse: Vai para a tua terra!” – Completou.

    A organização SOS Racismo também pensa assim, e lançou um comunicado à imprensa em que diz:

    “Sobre o assassinato racista:

    Hoje, pelas 14h, Bruno Candé Marques, cidadão português negro, foi assassinado com 4 tiros à queima roupa. O seu assassino já o havia ameaçado de morte três dias antes e reiteradamente proferiu insultos racistas contra a vítima.

    O caráter premeditado do assassinato não deixa margem para dúvidas de que se trata de um crime com motivações de ódio racial.

    25 anos depois de Alcino Monteiro ter sido assassinado por ser negro, hoje foi a vez de mais um homem negro a morrer, em plena luz do dia, por motivos racistas.

    O SOS Racismo presta homenagem ao Bruno Candé Marques e apresenta as suas condolências à família.O racismo já matou e continua a matar. Para que o assassinato do Bruno Candé Marques não seja mais um sem consequências, exigimos que justiça seja feita.” diz o SOS Racismo em nota divulgada no Facebook.

    https://www.facebook.com/sos.rac/posts/3693090934053643

    Bruno Candé era conhecido como um homem sorridente e brincalhão. Apaixonado pela arte, o ator fez várias participações em novelas e peças teatrais, e era um ativista pela luta antirrascista. Deixa três filhos, sendo dois meninos (5 e 6 anos) e uma menina (2 anos).

    Semanas antes deste trágico episódio, a realização de um protesto promovido por André Ventura, um deputado da extrema-direita portuguesa que fez saudações nazistas num ato cuja a bandeira principal dizia que “Portugal não é racista”. Ventura é conhecido pelos seus ataques à comunidade cigana e a outros imigrantes, e em seus discursos costuma repetir sem nenhum constrangimento a frase “Volte para a tua terra!”, não coincidentemente, a mesma proferida pelo suposto assassino de Bruno Candé.

    No mesmo dia do crime realizou-se um encontro neonazi, em Lisboa, reunindo grupos criminosos ultra-nacionalistas da extrema-direita, muitos deles integrantes e apoiadores do partido Chega (o mesmo de André Ventura).

    Em resposta, no mesmo horário deste encontro, realizou-se a 2ª Mobilização Nacional Antifascista, organizada pela FUA – Frente Unitária Antifascista e apoiada por diversas organizações nacionais e internacionais.

    2ª Mobilização Nacional Antifascista – Foto: Vasco Santos – Frente Unitária Antifascista

    Ainda que a constituição portuguesa, em seu artigo 46º, criminalize atos racistas e fascistas, as autoridades, sob a passividade do próprio governo e dos partidos de direita portugueses parecem ignorar a constituição e fazer vistas-grossas para crimes raciais, e parecem não poupar esforços para negar as mais diversas formas de racismo praticadas no país.

    “Em termos de motivação, ainda não percebemos muito bem o porquê. Poderá ter a ver com questões meramente passionais, dado que não existe qualquer ligação entre os próprios” – apressou-se a PSP (Polícia de Segurança Pública) a normalizar o assassinato de Bruno Candé, no sábado à tarde à Lusa (Agência de Notícias de Portugal).

  • Lançado vídeo da campanha “Com racismo não há democracia”

    Lançado vídeo da campanha “Com racismo não há democracia”

    Em nosso passado, formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país. Hoje, lutamos por uma verdadeira democracia, exercício de poder da maioria, e conclamamos aqueles e aquelas que se indignam com as injustiças de nosso país.

     

    Assista, compartilhe, marque os amigos e depois assine o Manifesto:

    NÃO HÁ DEMOCRACIA SEM ENFRENTAR O RACISMO.

    imagem comracismonaohademocracia

    “Enquanto houver RACISMO, não haverá DEMOCRACIA.

    Nós, população negra organizada, mulheres negras, pessoas faveladas, periféricas, LGBTQIA+, que professam religiões de matriz africana, quilombolas, pretos e pretas com distintas confissões de fé, povos do campo, das águas e da floresta, trabalhadores explorados, informais e desempregados, em Coalizão Negra por Direitos, viemos a público exigir a erradicação do racismo como prática genocida contra a população negra.

    O Brasil é um país em dívida com a população negra – dívidas históricas e atuais. Portanto, qualquer projeto ou articulação por democracia no país exige o firme e real compromisso de enfrentamento ao racismo. Convocamos os setores democráticos da sociedade brasileira, as instituições e pessoas que hoje demonstram comoção com as mazelas do racismo e se afirmam antirracistas: sejam coerentes. Pratiquem o que discursam. Unam-se a nós neste manifesto, às nossas iniciativas históricas e permanentes de resistências e às propostas que defendemos como forma de construir a democracia, organizada em nosso programa.

    Esta convocação é ainda mais urgente em meio à pandemia da Covid-19, quando sabemos que a população negra é o segmento que mais adoece e morre, que amplia as filas de desempregados e que sente na pele o desmantelamento das políticas públicas sociais. Em meio à pandemia de Covid-19, o debate racial não pode mais ser ignorado.

    Neste momento, em que diferentes setores se unem em defesa da democracia, contra o fascismo e o autoritarismo e pelo fim do governo Bolsonaro, é de suma importância considerar o racismo como assunto central.

    “Estamos vindo a público para denunciar as péssimas condições de vida da comunidade negra.” Este trecho, retirado do manifesto de fundação do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, de julho de 1978, é a prova de que jamais fomos ouvidos e

    de que sempre estivemos por nossa própria conta.

    Essa é uma luta que não começa aqui, mas que se materializou no pensamento e na ação de homens e mulheres que, em todos os momentos históricos em que a brutalidade foi imposta ao povo negro, levantaram suas vozes e disseram: NÃO!

    imagem comracismonaohademocracia

    Não há democracia, cidadania e justiça social sem compromisso público de reconhecimento do movimento negro como sujeito político que congrega a defesa da cidadania negra no país. Não há democracia sem enfrentar o racismo, a violência policial e o sistema judiciário que encarcera desproporcionalmente a população negra. Não há cidadania sem garantir redistribuição de renda, trabalho, saúde, terra, moradia, educação, cultura, mobilidade, lazer e participação da população negra em espaços decisórios de poder. Não há democracia sem garantias constitucionais de titulação dos territórios quilombolas, sem respeito ao modo de vida das comunidades tradicionais. Não há democracia com contaminação e degradação dos recursos naturais necessários para a reprodução física e cultural. Não há democracia sem o respeito à liberdade religiosa. Não há justiça social sem que as necessidades e os interesses de 55,7% da população brasileira sejam plenamente atendidos.

    O racismo deve ser rechaçado em todo o mundo. O brutal assassinato de George Floyd demonstra isso, com as revoltas, manifestações e insurreições nas ruas e a exigência de justiça racial. No Brasil, nos solidarizamos com essa luta e com esses protestos e reivindicamos justiça para todos os nossos jovens e para a população negra. E, entre muitos que não podemos esquecer, João Pedro presente!

    Em nosso passado, formamos quilombos, forjamos revoltas, lutamos por liberdade, construímos a cultura e a história deste país. Hoje, lutamos por uma verdadeira democracia, exercício de poder da maioria, e conclamamos aqueles e aquelas que se indignam com as injustiças de nosso país.

    Porque a prática é o critério da verdade.”

    imagem comracismonaohademocracia

    por Coalizão Negra Por Direitos

    Vídeo: João Wainer

  • É muita Coisa, muito Símbolo!

    É muita Coisa, muito Símbolo!

    “Esse horror que é a morte do menino Miguel é a história com mais símbolos de que eu tenho lembrança:⁣

    A empregada que trabalha durante a pandemia;⁣
    A empregada, mãe solo, que não tem com quem deixar o filho;⁣
    A empregada é negra;⁣
    A patroa é loura;⁣
    A patroa é casada com um prefeito;⁣
    O prefeito tem uma residência em outro município, que não é o que governa;⁣
    A patroa tem um cachorro, mas não leva ele pra passear, delega;⁣
    A patroa está fazendo as unhas em plena pandemia, expondo outra trabalhadora; ⁣
    A patroa despacha sem remorso o menino no elevador;⁣
    O menino se chama Miguel, nome de anjo;⁣
    O sobrenome da patroa é Corte Real;⁣
    A empregada pegou Covid com o patrão;⁣
    A empregada consta como funcionária da Prefeitura de Tamandaré;⁣
    Tudo isso acontece nas torres gêmeas, ícone do processo e verticalização desenfreada, especulação imobiliária e segregação da cidade do Recife;⁣
    Tudo isso acontece em meio aos protestos Vidas Negras Importam;⁣
    Tudo isso acontece no dia em que se completaram cinco anos da sanção da lei que regulamentou o trabalho doméstico no Brasil; ⁣

    É muita coisa, muito símbolo.”⁣

    Texto por Joana Rozowykwiat (@joanagr) (@JoanaRozowyk)

  • QUEM FETICHIZA A ESCRAVIDÃO TEM QUE SER PRESO POR RACISMO

    QUEM FETICHIZA A ESCRAVIDÃO TEM QUE SER PRESO POR RACISMO

    O ato racista da socialite, diretora da Vogue Brasil e esposa do publicitário baiano Nizan Guanaes, Donata Meirelles, que comemorou seu aniversário de 50 anos sentada em uma cadeira de sinhá e cercada de mulheres negras ‘fantasiadas’ de mucamas, dá uma noção a nós de até que ponto o fetiche da elite branca brasileira pela escravidão pode chegar.
     
    A festa, que aconteceu no Palácio da Aclamação, em Salvador, foi frequentada por personalidades, artistas, famosos e subcelebridades que, a troco das boas relações com o centro do poder comercial brasileiro, passaram pano para o racismo e fingiram que nada relevante acontecia ali. De Caetano Veloso a produtores culturais, empresa´rios e jornalistas do metiê, ninguém sequer questionou o simbolismo da ‘temática’ da festa: o Brasil Colônia.
     
    Nada de novo sob o sol, diria o próprio Caetano (que inclusive cantou durante a festança) em uma de suas canções. O que vimos foi mais um episódio do racismo brasileiro, subjetivo, engenhoso e disfarçado de ‘homenagem’. E aplaudido por gente como o governador do Estado e o prefeito da capital, que se fizeram presentes.
     
    Sob o pretexto de saudar a Bahia, Donata Meirelles evocou os fetiches, mas principalmente as saudades dos brancos ricos do País. Com sua festa de aniversário, a socialite terminou por festejar, de verdade, o maior desejo da mesma elite que construiu a candidatura vencedora da última eleição presidencial: o retorno da subjugação do nosso povo por eles.
     
    Como a emenda é pior que o soneto, ao tentar se justificar por uma rede social, Donata afirmou que a comemoração não era temática e que a cadeira na qual ela e suas convidadas brancas sentavam para serem fotografadas não era de sinhá, mas sim um assento religioso do candomblé. Disse ainda que as mulheres negras não estavam vestidas de mucamas, mas sim de baianas, ofício que, lembrou ela, é considerado Patrimônio Imaterial.
     
    Ora, sendo assim, nada muda. Continua evidente o tesão branco sobre as nossas tradições, que, na cabeça adubada por racismo deles, devem servir como cenário e fantasia para suas festas regadas a champanhe e nas quais, sabemos bem, nosso povo tem local e funções reservados: a cozinha, a portaria e o papel de garçons e garçonetes.
     
    Não adianta Nizan Guanaes tentar trazer o ex-presidente dos Estados Unidos Barack Obama para a Bahia, se o episódio envolvendo sua mulher, do qual tratamos aqui, trata-se do velho e violento racismo estrutural, como bem pontuou em uma rede social a escritora Lilian Schwarcz: racismo tão enraizado e banalizado socialmente que parece não existir, que parece invisível. Mas existe, é visível, machuca, desrespeita e mata todo um povo.
     
    O genocídio da população negra na diáspora africana no Brasil se dá de várias formas. Duas delas, o encarceramento e o extermínio físico, são mais concretas. Mas as outras, a exemplo da destruição subjetiva da nossa história e a zombaria comumente feita com a nossa dor, não são menos graves. São racismo. São práticas criminosas. E devem levar à cadeia.
     
    Não sendo assim, brancos continuarão festejando a escravidão.
     
    Yuri Silva, jornalista e coordenador-geral do Coletivo de Entidades Negras (CEN)