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Tag: Racismo

  • O que é  ‘lugar de fala’ científico?

    O que é ‘lugar de fala’ científico?

    Talvez o termo ‘lugar de fala’ seja, hoje, o mais vulgarizado no debate público. Inicialmente pertencente ao campo da análise do discurso, o conceito, inadequadamente, foi transformado em régua moral usada para qualificar e interditar determinadas falas, tomando como o critério o corpo daquele que está falando.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    No seu significado original, “lugar de fala” é categoria cognitiva que parte de verdade óbvia: todo aquele que fala, fala a partir de um lugar na geografia da sociedade. Não existem falantes universais capazes de falar por todos. Toda fala tem pertencimento, é parcial.

    Portanto, ao evocarmos o lugar de fala nosso objetivo deveria ser posicionar, localizar discursos, jogar luz sobre o lugar de onde o falante está falando.

    “Peraí, eu tenho lugar de fala!”. Óbvio, cara pálida, todos temos!

    Ingenuamente, a militância identitária moralizou essa discussão, como faz com quase tudo. Diz o identitário que pretos e pretas seriam mais legítimos para tratar do racismo. LGBTS mais legítimos para tratar de homofobia. Mulheres mais legítimas para denunciar o machismo.

    Com essa leitura enviesada do conceito, identitários entraram numa roubada, numa situação de impasse da qual não conseguem sair, e nem conseguirão.

    As forças do atraso aprenderam rapidamente como explorar a fragilidade do discurso identitário. É fácil, fácil encontrar um preto para reivindicar o fim do sistema de cotas, um LGBT para dizer que não existe homofobia no Brasil, uma advogada mulher disposta a defender publicamente jogador de futebol condenado por estupro.

    Não à toa, o jogador Robinho contratou uma advogada mulher para fazer sua defesa política no tribunal moral das redes sociais. Os perversos não são burros.

    A condição de existência de pretos e pretas, LGBTs e mulheres não lhes garantem o monopólio da virtude. O valor moral da fala não está no corpo do falante. Está no conteúdo discurso.

    O mesmo podemos dizer para o médico que aparece na rede social denunciando a “vacina chinesa”, ou defendendo o uso da cloroquina como tratamento para a covid-19.

    Nesta semana, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL/RJ) entrou em aeroporto portando atestado médico assinado por um dermatologista autorizando-o a dispensar o uso de máscara. Silveira se vangloriou de o médico já ter distribuído “mais de 20 iguais a esse”.

    É fácil, fácil achar “doutor” disposto a endossar o negacionismo científico.

    O “lugar de fala científico”, diferente do “lugar de fala”, não é apenas categoria de posicionamento discursivo. É, também, delimitação de autoridade científica.

    Não basta portar diploma de médico para ter autoridade científica.

    A autoridade científica não é pessoal, não pertence ao sujeito, ou ao diploma. É sempre institucional.

    Quando a Fiocruz, o Butantan, a UFRJ, a UFBA, a USP falam, quem está falando é um colegiado de especialistas autorizados pela comunidade científica. Cientistas que têm seu trabalho fiscalizado por outros cientistas.

    Em ciência, a fala autorizada não pertence aos sujeitos, mas, sim, às instituições.

    Por isso, leitor e leitora, ao esbarrar com algum “doutor” falando na internet, sempre perguntem: qual instituição está autorizando essa fala?

    Se não houver nenhuma, fiquem atentos, pois há o risco de a criatura estar mal intencionada, igualzinho ao preto que nega a existência do racismo, ao LGBT que diz nunca ter sido vítima de homofobia ou a mulher que afirma não precisar do feminismo.

    Pessoas falam o tempo inteiro. Falam sobre tudo, falam qualquer coisa sobre tudo. Afinal, quem tem boca fala o que quer.

    Uma das vocações da boca é falar.

    Cabe a nós, que ouvimos, avaliar o que serve e o que não serve, e jamais nos deixar levar pela crença ingênua de que determinados falantes estão corretos simplesmente por serem o que são.

  • Mulher chama entregador de  hamburguer de “macaco” e  pede troca por branco

    Mulher chama entregador de hamburguer de “macaco” e pede troca por branco

    “Esse preto não vai entrar no meu condomínio. Mandar outro motoboy que seja branco. Eu não vou permitir esse macaco”, avisou uma moradora do Condomínio Aldeia do Vale, de Goiânia, GO, à atendente da hamburgueria Ham Burguer na noite de ontem, 26. No entanto, na noite de terça, 27, o Condomínio soltou nota informando que a autora da mensagem ao aplicativo não mora no local.

    Segundo o jornal O Popular, a mensagem foi recebida às 23h45, quando o motoboy chegou na portaria do condomínio. A gerente da hamburgueria explicou por Twitter e Instagram que quando o entregador chegou ao local, ele pediu que a cliente liberasse a portaria, quando recebeu como resposta a declaração de racismo da cliente.

    “No começo, durante uns 15 segundos, eu pensei que era mentira, ou algum teste com o restaurante, uma vez que me recusei a acreditar que eu realmente havia lido isso”, explicou a gerente, identificada apenas como Carol. O entregador nem tinha feito contado com a moradora, o que leva Carol a acreditar que a cliente tenha ligado para a portaria a fim de perguntar se ele havia chegado e ficou sabendo sobre a cor da sua pele, já que a casa fica a certa distância da portaria.


    “Me indigna o fato de que isso realmente aconteceu. Não divulguei nenhuma informação da pessoa porque não quero ser processada por difamação, mas vou à polícia denunciar esse crime de ódio. Gravei tudo e está no meu acervo pessoal. Espero que essa criminosa não saia impune, isso é CRIME! Nunca tinha passado por isso antes. No momento, estava em ligação com o entregador, porque precisava passar informações de quadra e lote e ele, percebendo que eu tinha me calado, perguntou o que havia acontecido. Eu, parada e atônita, tive que contar pelo telefone que um crime de ódio tinha sido cometido contra ele, devido à cor de sua pele. A pessoa finalizou o chat dizendo que não compra em restaurante judaico”, contou Carol no tweet.

    Desmentido

    Enquanto a Polícia Civil apura o caso, na noite dessa terça-feira, 27, o Condomínio Aldeia do Vale divulgou nota informando que a cliente de hamburgueria não mora no residencial. Informou ainda que recebeu da polícia o nome cadastrado no aplicativo que foi usado para fazer o pedido.

    “Checando em nossos cadastros, temos certeza em informar que ela não é e nunca foi moradora do Aldeia do Vale”, disse o comunicado.

    A assessoria de imprensa do condomínio alega ainda que foram verificados os registros de visitante e que nenhuma pessoa com o nome usado para fazer o pedido de entrega passou pelo condomínio. “Tudo não passou de um trote criminoso por alguém que nunca residiu aqui”, diz a nota.

  • De Minneapolis a Mariana: presença do racismo e outros fantasmas da escravidão

    De Minneapolis a Mariana: presença do racismo e outros fantasmas da escravidão

    No dia 25 de maio, na cidade de Minneapolis, EUA, George Floyd foi detido e asfixiado até a morte pelo policial Derek Chauvin. Floyd era um homem negro. Ele repetiu várias vezes que não conseguia respirar, enquanto Chauvin, o policial, um homem branco, apertava o joelho contra o seu pescoço. As imagens do assassinato foram amplamente disseminadas, na mesma medida em que os protestos se espalharam por diversas cidades dos Estados Unidos e, em seguida, em outros países. 

    Mayra Marques, Mateus Pereira e Valdei Araujo professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Mariana, MG *

    Como se sabe, uma das ações que passou a fazer parte destes protestos foi a derrubada de estátuas que homenageiam personagens de algum modo envolvidos com a história da escravização moderna ou do colonialismo, o que logo suscitou um debate entre a defesa do “patrimônio histórico” e a necessidade de “fazer justiça às memórias” de grupos historicamente oprimidos. A polêmica se dá entre aqueles que alegam a defesa de um certo patrimônio histórico e artístico versus os que demandam por justiça e reparação.  

    Nos Estados Unidos, uma das tensões com a derrubada ou remoção de estátuas de Cristóvão Colombo envolveu parte da comunidade ítalo-americana, que via e vê na imagem de Colombo um elemento de reforço de sua identidade estadunidense. Segundo um articulista do The New York Times, as estátuas “reconhecem a dívida geral que os colonizadores do Novo Mundo, colonos e imigrantes, têm com o homem que conectou a Europa às Américas, junto (em muitos casos) com o desejo específico dos imigrantes ítalo-americanos de reconhecer e reivindicar o explorador italiano”.[1] 

    Os personagens históricos, assim como os seres humanos, são multidimensionais, isto é, suas vidas possuem diversos aspectos contraditórios. Assim, como separar o que está sendo homenageado daquilo que deveria ser repudiado, se ambos estão presentes em um mesmo personagem-monumento? Podemos celebrar o Colombo explorador e repudiar o Colombo conquistador? Podemos nos afastar dessa concepção tradicional e homogênea das biografias que ainda organiza as expectativas de boa parte público? Para começar a responder a essas perguntas é preciso analisar em que medida uma visão celebrativa e acrítica do colonialismo que Colombo representa ainda é uma ferida aberta, assim como as concepções racistas e eurocêntricas que fundamentam essa concepção de história.

    Os que criticam a revisão dos monumentos públicos possuem origens sociais e políticas distintas; seus enfoques e argumentos são variados. O mesmo pode ser dito dos que defendem a revisão dos monumentos. Este debate está longe de ser uma simples polarização. Alguns críticos questionam o gesto de revisar monumentos por um suposto moralismo anti-histórico que poderia levar à destruição de qualquer ponto de apoio no passado. Segundo esse argumento, a nova iconoclastia (destruição de imagens) desconsidera os contextos históricos, os progressos alcançados na luta por igualdade e relativiza valores morais e políticos que teriam sido decisivos na construção de projetos nacionais bem-sucedidos. 

    Mais recentemente alguns críticos invocaram o tema da liberdade de expressão em torno de uma suposta cultura do cancelamento, da qual a destruição das estátuas seria apenas mais uma dimensão. Nesse grupo de críticos pode-se encontrar quase todas os matizes da direita política contemporânea, mas, também, setores da esquerda, como muitos dos que assinaram a carta publicada na Revista Harpers em 7 de julho deste ano em um manifesto contra uma alegada cultura do cancelamento que estaria colocando em risco a liberdade de expressão. As posições, naturalmente, vão oscilar desde uma recusa total a qualquer esforço de revisão – como defendido por Donald Trump no caso dos militares confederados que nomeiam bases militares estadunidenses – até críticos moderados que admitem a legitimidade de algumas demandas e que questionam apenas os métodos de algumas dessas ações.

    Os que defendem a revisão dos monumentos são muitas vezes enquadrados no rótulo de uma nova esquerda identitária ligada aos movimentos negros, de mulheres e LGBTQIA+. Não raro esses grupos também apresentam demandas por novas histórias e novos monumentos. Por outro lado, setores da direita também não estão alheios ao trabalho de revisão de personagens e eventos históricos em perspectiva iconoclasta, mesmo que frequentemente lançando mão de procedimentos negacionistas e de falsificação, ou seja, da distorção programática de nosso conhecimento sobre a história. Estes grupos de direita promovem a narrativa de uma guerra cultural para salvar uma fantasiosa civilização “cristã-ocidental” e os valores da pátria e da família tradicional, ignorando qualquer esforço de acolhimento crítico daqueles que pensam e vivem de modo diferente.    

    No dia de 13 de maio, que no Brasil se comemora a abolição da escravatura, a “derrubada simbólica” da figura de Zumbi pela Fundação Palmares foi acompanhada do reforço de personagens supostamente mais afinados com a base do bolsonarismo, como a Princesa Isabel e Joaquim Nabuco; mas também do intelectual negro Luiz Gama, celebrado como patrono da abolição. A operação reforçava a oposição entre uma narrativa de resistência violenta dos negros e a via por dentro do sistema através de reformas. De certo modo, Luiz Gama, filho de pai branco e mãe negra, cuja biografia destaca sua capacidade de prosperar dentro da ordem, estaria mais adequado à mitologia conservadora promovida pelo bolsonarismo.

    Pelourinho

    Na Praça Minas Gerais, em Mariana, cidade que abriga nosso campus da UFOP, há um dos poucos pelourinhos em espaços públicos ainda existentes no Brasil. Esses marcos eram usados no período colonial para identificar o poder local quando da criação de vilas, simbolizava o poder de administrar a justiça, o que na época poderia envolver a exposição e o açoite em público. Muito frequentemente as pessoas punidas nesses espaços eram seres humanos escravizados. O pelourinho de Mariana havia sido derrubado em 1871, mesmo ano em que entrou em vigor a Lei do Ventre Livre, mas foi reconstruído e reinstalado em 1981, em novo local, a mando do então prefeito Jadir Macedo.

    Muitos turistas que visitam a Praça Minas Gerais em Mariana se divertem tirando fotos nas quais simulam estar algemados, e alguns brincam que estão sendo chicoteados. Não há, no monumento, uma explicação clara sobre a sua história, apenas uma placa dizendo que o prefeito havia “restituído” o pelourinho à “memória nacional”. Alguns metros ao lado há outra sinalização em que se lê: “Símbolo do poder municipal, inicialmente composto por simples coluna de madeira com argolão ao pé, no qual eram amarrados criminosos e cativos expostos ao castigo público” e mais alguns detalhes técnicos. É interessante notar que o “poder municipal” não precisaria necessariamente continuar a ser simbolizado pelo pelourinho para as gerações futuras, já que o prédio da Câmara Municipal, erguido também no século XVIII, se encontra preservado e ativo nessa mesma praça.

    Caso a placa de identificação do pelourinho contivesse mais informações sobre a violência contra os presos e escravizados, os turistas continuariam a tirar fotos agrilhoados? Encarar este local como um lugar onde pessoas foram torturadas no passado não tem nenhuma relação com os inúmeros casos de violência que presenciamos hoje em dia? Como não lembrar de vários casos em que pessoas alegando fazer justiça com as próprias mãos amarram suspeitos de roubo (geralmente pobres e negros) em postes? O pelourinho como monumento não não seria também um símbolo dessa violência policial e social de nosso presente? Não seria ele a reafirmação de frases populares como “bandido bom é bandido morto”, que autorizam a prática do justiçamento contra pessoas pretas e pobres? O tipo de frase inúmeras vezes repetida pelo presidente Bolsonaro e que tem nas condições genocidas das prisões e cadeias brasileiras sua materialização enquanto política pública.

    Esse seria um exemplo da plurissignificação aderida aos monumentos históricos, pois, nesse caso, a elite local celebra, com a reinauguração do Pelourinho, uma suposta autonomia que reforçou a imagem da cidade como a origem administrativa do poder em Minas, enquanto também representa um passado-presente violento e racista que é invisibilizado ou ignorado. O reerguimento do pelourinho no final da Ditadura Militar está relacionado à onda ufanista de valorização do patrimônio colonial, mas também com as ansiedades que a expansão da mineração trazia. Segundo o mesmo prefeito, em declaração para o Jornal do Brasil em 1981, a cidade corria o risco de ter um “futuro vazio”. O pelourinho representava a atualização de uma forma de poder baseado na hierarquia e na violência racial que, de algum modo, pacificava a consciência das elites locais em um momento de rápida transformação. Na época, o turismo histórico baseado em uma concepção celebrativa do passado colonial também começava a ser alvo de políticas públicas locais.

    Quase quatro décadas depois de restauração do pelourinho o futuro de Mariana não foi vazio. De algum modo as elites locais conseguiram repetir o passado colonial de desigualdades e hierarquias. A município saltou de 14 para 60 mil habitantes, as periferias cresceram com pouca ou nenhuma infraestrutura, a mineração nos legou o crime da Samarco e somos hoje o município com um dos piores indicadores socioeconômicos de Minas Gerais. O turismo valorizou as áreas centrais da cidade beneficiando os herdeiros do casario colonial e a especulação imobiliária.

    Seria uma saída buscar meios de separar a celebração das elites locais da memória da escravidão? Uma saída difícil, é fato, já que a violência foi perpetrada por este mesmo poder que a celebra. Ao mesmo tempo, nas disputas por prestígio e investimentos, a elite política constantemente recorre à história da cidade como a primeira de Minas, gesto que atinge seu ponto alto no dia 16 de julho quando, por artigo na Constituição estadual, a cidade volta ser a capital do Estado. Geralmente a data é comemorada com a presença do governador, o que reforça seu papel nos mitos constitutivos da história mineira. 

    Para o antropólogo haitiano Michel-Rolph Trouillot, em Silenciando o Passado, “trivializar a escravidão – e o sofrimento que ela causou – é algo inerente ao presente, que envolve tanto o racismo como as representações da escravidão”.[2] É importante ressaltar mais um aspecto da presença do pelourinho em Mariana: a cidade é sede, desde os anos de 1980, de um curso de História vinculado à Universidade Federal de Ouro Preto.

    Como professores isso significa que não estamos ali só de passagem, vivemos a cidade e suas contradições. Como em muitas outras salas de aulas no Brasil e no mundo, concordamos com as palavras dos colegas Francisco Carballo, David Martin e Sanjay Seth que recentemente escreveram sobres os protestos antirracistas em Londres: “Os manifestantes, muitos deles jovens, porém já amadurecidos, estão fazendo a ligação entre a história do colonialismo, a história da escravidão e o racismo estrutural que é o seu legado. Eles estão fazendo isso apesar de sua educação formal, e não porque esta lhes deu essa oportunidade. A rua é a sala de aula porque as salas de aula falharam”.[3] 

    Seria ingênuo, e mesmo violento, imaginar que comunidades humanas possam viver sem suas narrativas de orientação e presença no tempo. Para que sejam eficazes,  no entanto, é preciso que essas narrativas sejam representativas e inclusivas. O que observamos em situações como a do pelourinho em Mariana é uma perda de representatividade de narrativas tradicionais convivendo com uma crise mais profunda da forma como vivemos a nossa história comum. Portanto, não se trata apenas de refundar e atualizar narrativas históricas, mas de questionar seus efeitos e duvidar das condições de que isso aconteça em um tempo atualista que nos pressiona a viver uma história pobre. 

    A derrubada de estátuas pode simbolizar um deslocamento ou uma atualização da relação com o tempo histórico, levando a inevitáveis redimensionamentos das disputas por orientação e performances. Exemplos conhecidos são as estátua do Czar Alexandre III, retirada pelos revolucionários russos em 1917, os bustos de Lenin e Stalin, com o fim da URSS, e, mais recentemente, a estátua de Saddam Hussein, em Bagdá, em 2003. Em Budapeste, encontramos um jeito próprio de lidar com o passado: as estátuas retiradas de locais antes públicos agora se encontram no Memento Park, um museu a céu aberto, bem longe do centro da cidade. 

    O fato é que perpetuar e destruir registros são gestos siameses e constitutivos de nossa condição humana, que podem acontecer de modo programático ou espontâneo.  No caso atual, a retirada, ressignificação ou atualização das estátuas simbolizaria não a inauguração de um novo regime político, mas a tentativa de dar visibilidade àqueles sujeitos que a história teria invisibilizado ou registrado a partir de hierarquias e distorções. A luta por equilibrar a economia da memória histórica compõe o rol das lutas por uma sociedade menos violenta, racista e sexista e mais igualitária. Essas novas disputas, em torno de personagens muitas vezes desconhecidos, indica também que a presença do passado é mais complexa do que a “consciência historiográfica” gostaria de supor. Ou seja, longe de um passado morto e domesticado por um historiador terapeuta, o que vemos nessas disputas é uma sociedade plural e muito atenta à forte presença da história, capaz de identificar e disputar passados-presentes sensíveis e apontar para um necessário esforço de atualização que abra outros futuros. 

    Se considerarmos as cidades ou os países como grandes museus, nos quais se integram as estátuas, os casarões históricos e os monumentos que os compõem, assim como as peças expostas, precisamos pensar sobre as decisões em relação às seleções feitas pela curadoria que, em última instância, vai decidir sobre a relevância desse ou daquele objeto presente nestes espaços. Ou seja, estamos diante de figuras fundamentais nessas escolhas: os/as curadoras, que, no caso das cidades, geralmente são as autoridades políticas, mas que também podem ser pessoas comuns que reivindicam a inserção ou a retirada de um monumento.

    Nessa direção, ao analisar o caso americano, Trouillot afirma que: “O fato de que a escravidão estadunidense tenha acabado oficialmente, mas continue sob muitas formas mais sofisticadas – em especial, sob a forma de racismo institucionalizado e de degradação cultural da negritude –, torna a sua representação particularmente incômoda nos Estados Unidos. A escravidão, aqui, é um fantasma, isto é, simultaneamente uma figura do passado e uma presença viva; e o problema da representação histórica é como representar este fantasma, algo que é, mas não é”.

    Derrubar estátuas não significa que o passado a elas relativo será apagado, mas que há um desejo de mudança em direção a um futuro em que aqueles que construíram suas vidas baseadas na escravização de outras pessoas não se tornem referência. Portanto, a questão que se coloca é: como lidar com a obsolescência de monumentos? Haveria lugar na monumentalização pública para objetos obsoletos? Haveria uma força de atualização, em sentido próprio, que pode ser despertado pelo que nosso presente considera obsoleto?

    As estátuas não deveriam ser celebradas. Qualquer pessoa familiarizada com a imperfeição das coisas humanas saberá que por trás de cada personagem ou evento escondem-se falhas, insuficiências, erros, mentiras e mesmo crimes. A ambivalência é constitutiva da vida humana e se enquadra mal às exigências rigorosas da escala moral e ética. Assim, o mais prudente é entendermos que a monumentalização de personagens e eventos históricos deveria ser um motivo para comemoração no sentido estrito da palavra, ou seja, um convite à rememoração coletiva, à reavaliação crítica dos sentidos e consequências dessas pessoas e eventos para o nosso tempo. 

    (*) Mateus Pereira, Mayra Marques e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Mayra Marques é doutoranda em História na mesma instituição.


    [1] DOUTHAT, Ross. The Ghost of Woodrow Wilson. The New York Times, Nova Iorque, 30 de junho de 2020. Opinion. Disponível em  <https://www.nytimes.com/2020/06/30/opinion/woodrow-wilson-princeton.html> Acesso em 26 ago.

    [2] TROUILLOT,  Michel-Rolph.  Silenciando  o  Passado: Poder  e  a  Produção  da  História.  Curitiba:  Huya, 2016.

    [3] CARBALLO, Francisco; MARTIN, David; SETH, Sanjay. A sala de aula e a rua. HH Magazine, 08 de julho de 2020. Ensaios. Disponível em <https://hhmagazine.com.br/a-sala-de-aula-e-a-rua/> Acesso em 01 set. 2020.

  • Grupos antirracismo denunciam  parada Ku Klux Klan em Portugal

    Grupos antirracismo denunciam parada Ku Klux Klan em Portugal

    Menos de um mês depois da sede do SOS Racismo ter sido vandalizada em Lisboa, com a frase racistas e xenofóbicas “Guerra aos inimigos da minha terra”, a associação foi, mais uma vez, vítima de perseguição. No último sábado, 8 de agosto, um grupo neofascista de Portugal, nomeado “Resistência Nacional”, juntou seus membros em frente a sede do SOS Racismo para uma “parada Ku Klux Klan”, que exaltava os agentes da Política de Segurança Pública (PSP) e atacava a luta antirracista travada em Portugal pela SOS Racismo e outras associações, frentes, coletivos e partidos políticos.

    Para tal, o grupo utilizou máscaras brancas e tochas, numa iconografia semelhante à dos supremacistas brancos Ku Klux Klan, organização que surgiu no século XIX, nos Estados Unidos, para perseguir, assassinar, incendiar e espancar pessoas negras e quem mais defendia os direitos civís para os afrodescendentes norte-americanos.

    Segundo jornal Público, o grupo “Resistência Nacional”, que atacou a Associação SOS Racismo, tem nas suas fileiras ex-membros da suspensa Nova Ordem Social, organização neonazista criada por Mário Machado; o grupo supremacista Portugal Hammer Skins; o grupo de adeptos 1143, afeto ao Sporting; o Partido Nacional Renovador; e o partido de extrema-direita Chega, de André Ventura, que já organizou duas manifestações de cunho fascista em Portugal neste ano.

    O dirigente do SOS Racismo, Mamadou Ba, afirmou que a página da associação recebe centenas de ameaças da extrema-direita. A associação está a juntar todas estas ocorrências para uma queixa no Ministério Público de Portugal, por ofensa à integridade física, ofensas morais, danos patrimoniais e incitamento ao ódio e violência.

    “Nenhuma ação criminosa nem nenhuma manobra intimidatória nos desviará do combate sem tréguas contra o racismo”, afirmou Mamadu Ba.

    Coletivos e associações da luta antirracista de Portugal expressaram sua solidariedade aos companheiros de luta da SOS Racismo e não se intimidaram frente às ameaças fascistas e supremacistas dos grupos de Portugal.

    O Coletivo Esquerda Revolucionária postou  em suas páginas na internet o ato tinha a dupla finalidade de intimidar os militantes antirracistas e em defesa do insignificantes agentes dos órgãos de repressão do Estado burguês.

    “As manifestações anti-racistas e anti-fascistas deste ano mostram claramente não apenas que as camadas mais pobres e racialmente oprimidas do proletariado não vão mais tolerar que este tipo de violência continue impune – incluindo a violência racista de Estado, como o enorme potêncial revolucionário que têm — como se verificou em particular na manifestação de 6 de Junho onde marcharam mais de 20.000 trabalhadores e jovens negros. São os fascistas que vivem intimidados (…) nós, a classe trabalhadora, somos capazes de destruir o sistema capitalista, raíz de todas as opressões, e por conseguinte de os purgar da nova sociedade, da sociedade socialista. A Esquerda Revolucionária manifesta toda a sua solidariedade com os companheiros do SOS Racismo e compromete-se uma vez mais com a luta anti-racista e anti-fascista. Não passarão! Está na hora da organização e da luta!”

    O Coletivo Consciência Negra também expressou sua firmeza diante da polarização que está sendo criada em Portugal e enviou uma mensagem aos fascistas:

    “Aos fascistas, nomeadamente os ‘antigos elementos da Nova Ordem Social’: se sabem quem somos, onde moramos e o que fazemos, sabemos igualmente quem são, ondem moram e o que fazem e, sempre que se justificar, sem quaisquer hesitações, faremos uso da legítima defesa – artigo 32 do Código Penal. Nem um passo atrás! Não passarão!”

    https://www.instagram.com/p/CDwMZTFBY_i/
  • Frases venenosas dilaceram a alma, não educam e matam

    Frases venenosas dilaceram a alma, não educam e matam

    Assassinatos, espancamentos, palavras e omissões matam, e são a marca dos ataques racistas e xenofóbicos em Portugal. Diversas entidades estão denunciando e se reunindo para se opor a esses ataques. A morte de mais uma vítima, o jovem Bruno Candé, ator, negro e português está motivando diversas ações e um ato de repúdio está marcado para hoje (31.07.2020) Às 18h.
    Esse fato não isolado, é demonstrado neste artigo de Rita Cássia Silva, que também lembra outras vítimas recentes, como Luís Giovani Rodrigues, assassinado por espancamento no fim de 2019, Cláudia Simões e sua filha, que sofreram violência física e também as frases ditas à Deputada da Assembleia da República Portuguesa, Joacine Katar Moreira, Mulher negra.

    Por Rita Cássia Silva (*), especial para o Jornalistas Livres

    “Não existe nem nunca existirá respeito
    às diferenças em um mundo
    em que as pessoas morrem de fome
    ou são assassinadas pela cor de pele” 
    (Sílvio Almeida, 2019, p.190).

    No início do corrente ano de 2020, pudemos observar de camarote (rede social facebook) um Deputado da Assembleia da República Portuguesa, André Ventura, Homem branco, sugerir contra uma Deputada da Assembleia da República Portuguesa, Joacine Katar Moreira, Mulher negra, que “seja devolvida ao seu país de origem”. O contexto demarcava uma proposta da Deputada Joacine Katar Moreira (na época integrante do partido Livre) em que os patrimónios materiais africanos preservados nos museus portugueses deveriam de ser devolvidos aos seus países africanos de origem. Embora tenham decorrido manifestações de repúdios e encaminhamentos de procedimentos contra o tal posicionamento sexista e racista do Deputado André Ventura, por parte de partidos políticos da esquerda portuguesa, junto ao Presidente da Assembleia da República Portuguesa, Dr. Eduardo Ferro Rodrigues, o facto é que os partidos não avançaram para voto de condenação para não “amplificar” as declarações do referido Deputado. 

    Decorre que o “episódio infeliz da democracia” sem sanção disciplinar e, com um entendimento parlamentar de que foi dado um ponto final ao episódio, reverberou-se no passado Sábado, dia 25/07/2020, no ator português, Homem negro, Bruno Candé, assassinado a queima-roupa em plena luz do dia, pelas mãos de um Homem português, branco, no auge dos seus 76 anos de idade. “Preto, vai para a tua terra” trata-se de uma frase muito utilizada contra pessoas negras naturais portuguesas ou com percursos de migrações, contra pessoas racializadas, na sociedade portuguesa em diferentes contextos. Ficámos a saber através das fontes noticiosas portuguesas que esta frase foi justamente uma das frases que Bruno Candé ouvira da boca do Homem que lhe retirou a vida. Bem como, “Vou violar a tua mãe”, “Fui à tua mãe e àquelas pretas todas de merda”, “Tenho armas do ultramar em casa e vou-te matar”. 

    Bruno Candé foi assassinado no seguimento do espancamento perpetrado contra o jovem estudante negro, cabo-verdiano, Luís Giovani Rodrigues, no fim de 2019, em Bragança, ato que teve enquanto consequência a sua morte. No seguimento da violência física que deixou Cláudia Simões, Mulher negra, desfigurada e sua filha pequena, criança negra, traumatizada, no Conselho da Amadora, por parte de um agente da força de segurança pública. Também no seguimento do assassinato de George Floyd pelas mãos de um agente da força de segurança pública nos E.U.A., ato potencializador do Movimento Black Lives Matter cujas reverberações fez-se sentir em diferentes localidades do globo terrestre. Em entrevista ao Apenas Fumaça (projeto de média independente), publicada no Geledés – Instituto da Mulher Negra, em 2018, Mamadou Ba, Dirigente da SOS Racismo, comunicara que “Em 15 anos mais de 10 jovens negros morreram nas mãos da polícia”. Quanto as Mulheres negras/mães, Mulheres/mães racializadas (brasileiras), Mulheres/mães brancas em situações de pobreza, as práticas de racismo/xenofobia/discriminações múltiplas não são diferentes: é-lhes negado o direito à maternidade, em situações de vulnerabilidades sociais, a saber: se forem vítimas de violências domésticas, se estiverem no país ao abrigo do tratado de saúde entre Portugal e países africanos ex-colonizados, se estiverem desempregadas e forem pedir ajuda a determinadas instituições do Estado que têm em suas prerrogativas apoiar pessoas em situações de vulnerabilidades sociais. Se não aceitarem ligar as trompas de falópio! É-lhes atribuído a condição enquanto seres humanos indignos de criarem seus filhos e filhas: “a mãe está com problemas psicológicos”, “a mãe não tem competências parentais”, “a mãe é um monstro”, “não se sabe se a mãe, por ser brasileira, é de favela ou empresária”, “a mãe é drogada, anda com drogados e não tem higiene”, “a mãe é burra”, “a mãe é muçulmana, vai praticar fanado”, “a mãe abandonou o filho”, “a mãe é agressiva”, “a mãe mente”, “a mãe é garota de programa”, “a mãe é histérica”, “a mãe trabalha de mais”, “a mãe é alienadora”… Às crianças, por sua vez, por vezes ficam órfãs de mães vivas, sendo subjugadas a vários tipos de violências (perda do direito de conviverem dignamente com suas mães e famílias biológicas – criminalização da pobreza, discriminação étnico-racial, xenofobia, reprodução social do colonialismo, abusos sexuais, discriminação de género, convivências impostas em regimes de guardas compartilhadas entre progenitores agressores e/ou abusadores e, mães protetoras, re-vitimizadas institucionalmente). Tais situações contidas em relatórios entregues a AR, através de associações civis, denunciadas publicamente em jornais portugueses, denunciadas a organismos internacionais, ao que parecem não causam nenhum movimento de empenho transformacional por parte da classe política. 

    No mais recente relatório da ONU, Dainius Pūras, psiquiatra, relator especial, recomenda aos Estados Membros a incorporação do Direito a Saúde Mental em todos os contextos mundiais. Recomenda que os Estados devem adotar todas as medidas necessárias para garantir a proteção e o florescimento de um espaço cívico como indicador chave do cumprimento do direito à saúde. O que significa que deve haver participação cidadã das pessoas nos processos que dizem respeito às suas vidas. Não pode haver desenvolvimento de saúde coletiva em territórios onde há negação das vozes de grupos de pessoas historicamente oprimidas durante séculos (mulheres, crianças, pessoas negras, pessoas racializadas). Pūras afirma que o modelo biomédico corre o risco de legitimar práticas coercitivas que violam os direitos humanos e podem implantar ainda mais a discriminação contra grupos que já estão em situação marginalizada ao longo de suas vidas e através das gerações. 

    Frantz Fanon (1968), psiquiatra, explicita-nos que:

    “Por ser uma sistematização que nega o outro, uma decisão furiosa de negar ao outro qualquer atributo de humanidade, o colonialismo compele o povo dominado a se interrogar constantemente: Quem sou eu na realidade?”.


    O problema é precisamente este. Vivemos no ano 2020, legitimando posicionamentos e procedimentos coloniais em Portugal. Protege-se agressores, racistas, machistas, abusadores sexuais, raramente as vítimas. 

    A sugestão de “devolução à sua terra” por parte de um Homem branco, detentor de privilégios, dentro da Casa da Democracia – AR, proferida contra uma das três únicas Deputadas Mulheres negras, em Portugal, feriu atrozmente a nossa democracia. Sobretudo porque além de termos perdido um momento único de afirmação dos valores democráticos em Portugal, de dignificação da pessoa humana Mulher negra (torturada durante séculos), de dignificação das pessoas humanas em suas diferentes culturas que contribuem para o desenvolvimento socioeconómico e cultural do país e de inibição de práticas nefastas à humanidade, como o racismo e o sexismo, potencializou-se socialmente mais práticas de violências contra pessoas negras, racializadas, sejam elas naturais portuguesas ou possuam elas percursos de imigrações. Bruno Candé Marques, artista negro português, nascido em Portugal em 1980, foi brutalmente assassinado devido ao racismo estrutural que não tem sido ferozmente combatido em Portugal, desde a primeira infância às faculdades, empresas, instituições do Estado e AR. Não faltam relatos das vítimas! Não faltam pesquisas qualitativas e quantitativas! Não faltam relatórios de organizações internacionais que têm vindo na última década, recomendar mudanças estruturais a Portugal. 

    Que o assassinato de Bruno Candé em Portugal, bem como o assassinato de George Floyd nos E.U.A., todas as mortes de pessoas negras e indígenas no Brasil, resultantes do genocídio que está a decorrer, os assassinatos de 52 pessoas em Moçambique, em Abril deste ano, as retiradas de crianças negras, racializadas, indígenas, de suas famílias biológicas, em Portugal, no Brasil, nos E.U.A., em outros países europeus, entre tantas outras barbaridades, não sejam passíveis de não serem debatidas socialmente. Somos ou não, mulheres e homens do nosso tempo? Somos ou não capazes de responder socialmente com celeridade e firmeza que não podemos ser tornados cúmplices das mais variadas formas de violências? A Bruno Candé Marques, um irmão, paz eterna. Deixou esposa e três filhos pequenos. Deixou a sua Mãe com 78 anos de idade. Mais uma Mãe Mulher negra que perde um filho para a prática racista. Do fim do século XIV até os dias atuais, as Mulheres Negras choram as retiradas violentas dos seus filhos e filhas. Séculos de desumanização do povo negro. Aos familiares e amigos do irmão Bruno Candé Marques: força positiva, resiliência, saúde e determinação. Que nunca nos esqueçamos de que o presente social esclarecedor em que estamos vivenciando em Portugal, demarca o futuro das gerações de crianças que estão crescendo. O Racismo estrutural MATA. Queremos pessoas negras e racializadas a viver em PAZ. Saudar dívidas históricas significa criar os alicerces para que pessoas com responsabilidades políticas e toda a sociedade não reproduzam discriminações racistas, sexistas ou xenofóbicas contra as pessoas. Todas as pessoas têm direito a sua dignificação. Artigo 1o da Constituição da República Portuguesa. Que faça-se Luz! 


    ALMEIDA, Silvio (2019), Racismo Estrutural, São Paulo, Sueli Carneiro Pólen. FANON, Frantz (1968), Os Condenados da Terra, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.

    RITA DE CÁSSIA é antropóloga; artista, activista e arte educadora brasileira radicada em Portugal há 19 anos. Rita, também escreve no Diário do Distrito de Setúbal, (LINK https://diariodistrito.pt/tag/rita-cassia/) , e também no Jornal Público, de Portugal (LINK https://www.publico.pt/autor/rita-cassia ) .


    Acompanhe nas nossas páginas a cobertura dos atos em Portugal

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  • A pandemia do racismo em Portugal faz mais uma vítima

    A pandemia do racismo em Portugal faz mais uma vítima

    Por Jorge António, de Lisboa, especial para os Jornalistas Livres

    A pandemia do racismo em Portugal faz mais uma vítima. Bruno Candé Marques, a vítima, que estava sentada em um banco e acompanhada por sua cadela, foi atingida por quatro tiros. O autor dos disparos, um homem de 80 anos, foi imobilizado por transeuntes até a chegada das autoridades, que o detiveram e apreenderam a arma de fogo que teria sido usada no crime.

    Em um comunicado, a família do ator fala de um crime premeditado e racista, já que “o assassino já o havia ameaçado de morte três dias antes, proferindo vários insultos racistas” a ele e à família. 

    Em reportagens televisivas, testemunhas relatam o mesmo comportamento racista e as ameaças de morte feitas pelo assassino.

    “Racismo! Esse homem que ele matou não chateava ninguém…”. – referiu uma testemunha. “O senhor ainda disse: Vai para a tua terra!” – Completou.

    A organização SOS Racismo também pensa assim, e lançou um comunicado à imprensa em que diz:

    “Sobre o assassinato racista:

    Hoje, pelas 14h, Bruno Candé Marques, cidadão português negro, foi assassinado com 4 tiros à queima roupa. O seu assassino já o havia ameaçado de morte três dias antes e reiteradamente proferiu insultos racistas contra a vítima.

    O caráter premeditado do assassinato não deixa margem para dúvidas de que se trata de um crime com motivações de ódio racial.

    25 anos depois de Alcino Monteiro ter sido assassinado por ser negro, hoje foi a vez de mais um homem negro a morrer, em plena luz do dia, por motivos racistas.

    O SOS Racismo presta homenagem ao Bruno Candé Marques e apresenta as suas condolências à família.O racismo já matou e continua a matar. Para que o assassinato do Bruno Candé Marques não seja mais um sem consequências, exigimos que justiça seja feita.” diz o SOS Racismo em nota divulgada no Facebook.

    https://www.facebook.com/sos.rac/posts/3693090934053643

    Bruno Candé era conhecido como um homem sorridente e brincalhão. Apaixonado pela arte, o ator fez várias participações em novelas e peças teatrais, e era um ativista pela luta antirrascista. Deixa três filhos, sendo dois meninos (5 e 6 anos) e uma menina (2 anos).

    Semanas antes deste trágico episódio, a realização de um protesto promovido por André Ventura, um deputado da extrema-direita portuguesa que fez saudações nazistas num ato cuja a bandeira principal dizia que “Portugal não é racista”. Ventura é conhecido pelos seus ataques à comunidade cigana e a outros imigrantes, e em seus discursos costuma repetir sem nenhum constrangimento a frase “Volte para a tua terra!”, não coincidentemente, a mesma proferida pelo suposto assassino de Bruno Candé.

    No mesmo dia do crime realizou-se um encontro neonazi, em Lisboa, reunindo grupos criminosos ultra-nacionalistas da extrema-direita, muitos deles integrantes e apoiadores do partido Chega (o mesmo de André Ventura).

    Em resposta, no mesmo horário deste encontro, realizou-se a 2ª Mobilização Nacional Antifascista, organizada pela FUA – Frente Unitária Antifascista e apoiada por diversas organizações nacionais e internacionais.

    2ª Mobilização Nacional Antifascista – Foto: Vasco Santos – Frente Unitária Antifascista

    Ainda que a constituição portuguesa, em seu artigo 46º, criminalize atos racistas e fascistas, as autoridades, sob a passividade do próprio governo e dos partidos de direita portugueses parecem ignorar a constituição e fazer vistas-grossas para crimes raciais, e parecem não poupar esforços para negar as mais diversas formas de racismo praticadas no país.

    “Em termos de motivação, ainda não percebemos muito bem o porquê. Poderá ter a ver com questões meramente passionais, dado que não existe qualquer ligação entre os próprios” – apressou-se a PSP (Polícia de Segurança Pública) a normalizar o assassinato de Bruno Candé, no sábado à tarde à Lusa (Agência de Notícias de Portugal).