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  • “Precisamos de mais mulheres trans em cima dos palcos e menos nos caixões”

    “Precisamos de mais mulheres trans em cima dos palcos e menos nos caixões”

    Foto: Brunno Covello

    O Largo da Ordem, em Curitiba, parecia dividido em dois. O primeiro lado ecoava risadas em tom de deboche, assobios maldosos, cantadas baratas e olhares curiosos. O segundo, bem mais interessante, estava preenchido com gargalhadas, batuques de salto alto, purpurina, cílios postiços e orgulho. Ali, a tristeza não teve vez.

    Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

    “Nasci menino, mas sempre me senti mulher”, foi o que ouvimos logo na entrada do camarim. Um dia para entrar para a história da “cidade mais transfóbica do país”. Dia de Miss Curitiba Trans.

    O evento foi todo delas. Comunidades trans de Curitiba, Ponta Grossa, do litoral paranaense, Santa Catarina e Rio Grande do Sul marcaram presença. Noite de gala, trajes de corte fino e “I’m Alive”, de Céline Dion, rufando nas caixas de som. Passarela, tapete vermelho e os holofotes das câmeras fotográficas. Discursos de aceitação, gritos pelo fim da exclusão e uma oportunidade rara para as candidatas exporem suas ideias, para construírem um legado que envolva mais protagonismo das pessoas trans.

    “A minha maior dificuldade é entender a origem do preconceito. A bancada evangélica, por exemplo, tem me exigido horas de paciência. Eu não consigo compreender como alguém usa da sua crença pessoal para decidir a vida de milhares de pessoas. Religião é uma coisa, trabalho é outra. O Estado é laico”, explicou Ana Paula Barreto, presidente da ONG de Transexuais e Travestis de Balneário Camboriú e Região, que veio à Curitiba para prestigiar evento. Ela continuou: “Estou falando de amor, de luta por reconhecimento. Ser transex é o meu caso e de várias outras que têm a identidade gênero-feminina 24 horas por dia. Eu me deito e me levanto mulher. Buscamos uma transformação, mudamos o nosso corpo com cirurgias plásticas, hormônios femininos. Operamos, mudamos de sexo. Somos mulheres de verdade”.

     

    Fotos: Brunno Covello

    A dona da faixa

     

    Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

    Patrícia Veiga, ou Paty Veiga, foi eleita a Miss Curitiba Trans 2015 e é dona da faixa da sexta edição do evento. Ela foi coroada hoje de madrugada no Espaço Cult, no coração do Largo da Ordem, em uma festa de arromba que reuniu apoiadores, familiares, amigos e a sociedade civil. Recebeu o título das mãos de Sabrina Mab Taborda, Miss Curitiba Trans 2010, data da última edição desse grito. Emocionada, Sabrina, que costurou seu próprio vestido para a festa, parabenizou a nova estrela do universo trans.

    Nallanda Bioche ficou com a faixa de 1ª Princesa e Alícia Krüguer com a de 2ª Princesa. Natalia Wolkan ganhou o prêmio de Melhor Traje de Gala da noite e Lana de Cássia foi eleita a Miss Simpatia Trans 2015.

     

    Natalia Wolkan e Lana de Cássia. Fotos: Brunno Covello e Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

    Dezesseis candidatas postularam o título. Mulheres que divaram (e muito) em três desfiles: o de apresentação, com trajes de banho e por último o dos vestidos de gala. Elas também responderam a perguntas do corpo de jurados, composto por artistas, intelectuais e militantes dos Direitos Humanos. Deena Love, cantora que participou do programa “The Voice Brasil 2014”, da Rede Globo, participou do júri, apresentou-se no palco e deixou uma mensagem motivacional para as candidatas. Igo Martini, coordenador da Assessoria de Direitos Humanos da Prefeitura de Curitiba, e Fabiana Mesquita, consultora da UNAIDS, programa conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, também votaram.

    Fabi Mesquita é jornalista e trabalha no projeto de Jovens Lideranças das Populações-Chave Visando o Controle Social do Sistema Único de Saúde. Ela se disse honrada pelo convite e presidiu o júri. “Tudo o que essas mulheres precisam é desse sentimento de divas, maravilhosas, fortalecidas. Elas sofrem discriminações diárias de todos os tipos e aqui (no Miss) elas são quem realmente são, mulheres fortes, mulheres sonhadoras.”

     

    Foto: Brunno Covello

    “E se você pudesse mudar alguma coisa do passado, o que faria?”, perguntou um jurado a Maria Fernanda Ramos, uma das concorrentes. “Não mudaria nada. Acho que não precisamos mudar nada. Eu gostaria de mudar os outros, mudar a vontade das pessoas em ir atrás da compreensão de que somos mulheres”. Alícia Krüguer, 1ª Princesa, ao falar sobre sua influência como liderança e os frutos da visibilidade, disse que o Miss Curitiba Trans é um concurso que não olha apenas para a beleza das candidatas. “O que precisamos é deixar um legado, lutar por essa população que é estigmatizada. Curitiba é a cidade que mais procura diversão sexual com transexuais e também a que mais mata, a capital que mais mata transexuais no país. Temos que usar essa visibilidade para diminuir o preconceito e a criminalidade. Precisamos de mais mulheres trans em cima dos palcos e menos nos caixões”.

    “Curitiba é uma cidade violenta, conservadora e hipócrita. Isso porque é a capital do Sul do Brasil que mais mata transexuais, e também é a que melhor paga pelo programa com pessoas trans, o que significa que temos mercado aqui”, disse Rafaelle Wiest em uma reunião na Comissão de Direitos Humanos, Defesa da Cidadania e Segurança Pública na Câmara Municipal de Curitiba, em maio desse ano.

    Fotos: Brunno Covello
     

     

    Fotos: Amanda Souza
    Foto: Brunno Covello

     

     

    Fotos: Amanda Souza

    Antes de dar início à cerimônia, Carla Amaral, organizadora do Miss Trans e diretora do Transgrupo Marcela Prado, lembrou a morte trágica de uma colega vitimada pela pressão do isolamento social. Fabi Mesquita, pouco antes da cerimônia, sofreu preconceito ao tentar pegar um táxi com as meninas em Curitiba. “Todos os dez taxistas que estavam estacionados em um ponto se recusaram a nos levar até o evento”. Nas cercanias do Largo da Ordem, pouco antes de começar a cerimônia, um homem assediava mulheres que passavam por ele com beijos. Mesmo as acompanhadas.

    Exemplos recorrentes em qualquer lugar, realidade extremamente difícil, mas da porta para fora. Por quase cinco horas de evento, todas as candidatas e a comunidade se sentiram representadas, ouvidas, protagonistas. Famílias, coros e torcida. Dividiram histórias emocionantes, como a da candidata trans que teve todo o amor do mundo de um homem trans, sua mãe. Ou da candidata que teve que sair de casa aos 14 anos por que os pais não aceitaram sua escolha. Dificuldades que o concurso abraçou e eliminou. Histórias que as meninas compartilharam durante os meses que antecederam o Miss Curitiba Trans 2015 e durante toda essa noite de glória.

    Patrícia Veiga. Foto: Isabella Lanave/R.U.A Foto Coletivo

    Ontem elas foram tudo. Revolucionárias.

    “Você não precisa passar por cima dos outros, tudo tem que ser de coração”, falou Patrícia Veiga, a Miss Curitiba Trans 2015. Ela é a voz desse grupo pelo próximo ano.

     

    Foto: Brunno Covello
  • O show do Los Hermanos em Curitiba

    O show do Los Hermanos em Curitiba

    Por Matheus Placha Chequim, especial para os Jornalistas Livres, com fotos de Isabella Lanave (R.U.A Foto Coletivo)

    Chego na Pedreira Paulo Leminski cerca de uma hora antes do show. “Será que dá tempo de ver a banda que vai abrir?”, pergunto para dois ou três amigos que encontro no longo trajeto entre o meu carro e o amontoado de catracas que organizam a entrada de pessoas. Ninguém sabe me dizer ao certo.

    O movimento é significativo, mas não há tumulto ou fila pra entrar, o que casa bem com a ideia que o Los Hermanos se tornou a banda de massa com o público mais “seletivo” do rock nacional.

    Faz sentido. A trajetória do grupo carioca é deveras consistente. Dos quatro discos lançados entre 1999 e 2005, pelo menos os três últimos são grandes sucessos de crítica. O único que não é unânime — o de estreia — acabou se firmando como um patinho feio charmoso da discografia da banda, musicalmente mais cru, emocionalmente tão carregado quanto os seguintes.

    Meus amigos logo atrás de mim, todos na área VIP, trazem confetes. Vejo um ou dois figurões vestidos de Pierrô, de traje completo e maquiagem impecável. “Imagina se perder de um namorado de barbudo por aqui”, é um comentário que surge ao redor, seguido de risos. Até aqui, tudo dentro das expectativas.

    O show começa poucos minutos passados do horário previsto. “O Vencedor” e “Retrato pra Iaiá” são, sem muita surpresa, as duas primeiras. É, de certa forma, impressionante como as pessoas não apenas cantam as músicas do começo ao fim, mas também cantarolam as notas de trompete, trombone e seja lá qual instrumento de sopro estiver mais evidente em cada música.

    Não há muito que reclamar da execução das músicas, tudo transcorre certinho, a banda continua muito entrosada. Gosto que não esqueceram de “Do Sétimo Andar”, faixa pela qual tenho um apreço especial. É difícil detectar alguma reação mais entusiasmada por parte do público com relação a alguma música. A empolgação é quase linear.

    A música que causa comoção um pouco maior que a média é justamente a deixada para o final: Pierrot. Mais uma vez, não surpreende. Mas fico pensando como uma banda que não lança nada inédito há dez anos faria pra surpreender.

    Fico pensando também se o público deseja ser surpreendido.

    Depois que termina “Pierrot”, me parece que todos estão satisfeitos. O setlist foi bastante abrangente, teve músicas dos quatro discos, teve até “Anna Júlia”, e é um ótimo resumo do que foi a carreira do Los Hermanos. Me ponho a pensar se o show todo não seria um saudosismo precoce.

    O Los Hermanos é, hoje, um plano de carreira interessante. Muito se fala da parte financeira que as já não tão esporádicas reuniões do grupo têm rendido, mas talvez seja um ganho de mesma proporção a manutenção do “espírito Los Hermanos”, caso um dia a banda queira lançar algo novo.

  • Em Curitiba, protesto com mais de mil famílias pressiona prefeitura e governo do estado por moradia digna

    Em Curitiba, protesto com mais de mil famílias pressiona prefeitura e governo do estado por moradia digna

    Integrantes de três ocupações cobraram cumprimento de compromissos por parte da administração pública municipal e estadual; Secretário Especial de Assuntos Fundiários, Hamilton Serighelli, propôs saída para moradias por meio do Programa Minha Casa Minha Vida Entidades.

    Mais de mil famílias, vindas de ocupações da periferia, foram às ruas do Centro Cívico de Curitiba na manhã de hoje (29) para cobrar da prefeitura e do governo do estado compromissos firmados em relação à moradia. Entre eles estão a regulamentação da lei que institui o Programa de Aluguel Social (PAS), a construção de condomínios já negociados com a prefeitura por meio do Programa Minha Casa Minha Vida Entidades e a mediação de conflito fundiário que envolve um dos terrenos ocupados.

    Foto: Isabella Lanave (R.U.A. Foto Coletivo)

    As famílias, organizadas pelo Movimento Popular por Moradia (MPM), vivem em três ocupações localizadas na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), fronteira com o município de Araucária, e enfrentam péssimas condições de habitação e de acesso a outros direitos básicos. Duas delas- Ocupação Nova Primavera e Ocupação 29 de março- são mais antigas e abrigam 400 famílias cada. A Ocupação Tiradentes é mais recente e abriga maior número de pessoas. São 800 famílias em cima de um terreno com 145,2 mil metros quadrados, disputado pela empresa vizinha Essensis Soluções ambientais, que busca ampliar seus negócios na região.

    Foto: Leandro Taques (Jornalistas Livres)

    Aluguel Social

    A Lei do Aluguel Social foi aprovada em junho deste ano pela Câmara Municipal de Curitiba- e sancionada pelo prefeito Gustavo Fruet (PDT)- após muita pressão popular. Ela é destinada a famílias de baixa renda, que não possuem imóvel próprio e que se encontram em situação habitacional de emergência. Para serem contempladas com a concessão de benefício de até um salário-mínimo regional (R$ 1.032,02) e por até 24 meses, as pessoas devem residir na cidade há pelo menos um ano.

    Fotos: Leandro Taques (Jornalistas Livres)

    “Foram quase três anos na mão dos vereadores e, após 15 atos do MPM para pressionar, a lei saiu. Se há alguém que merece o aluguel social somos nós”, defendeu o integrante do MPM, Fernando Marcelino, durante parada dos manifestantes em frente à prefeitura. Marcelino ainda reforçou o compromisso firmado pelo Secretário do Governo Municipal, Ricardo Mac Donald, e pelo presidente da Companhia de Habitação Popular de Curitiba (COHAB), Ubiraci Rodrigues, para que a regulamentação da lei acontecesse em diálogo com o movimento.

    Foto: Isabella Lanave (R.U.A. Foto Coletivo)

    Após conversa entre uma comissão de sete representantes das três ocupações e a administração pública municipal, as famílias saíram do ato com uma agenda de compromissos que inclui visita da prefeitura às áreas ocupadas, reunião para a regulamentação do Aluguel Social e indicação de terreno possível para a construção de casas para as famílias da Ocupação 29 de março, que ainda aguarda solução habitacional definitiva.

    Foto: Isabella Lanave (R.U.A. Foto Coletivo)

    Ocupação Tiradentes

    A pressão sobre o governo do estado, que levou as famílias a ocupar pela manhã o Palácio das Araucárias- sede do governo do Paraná e onde está localizada a Secretaria Especial para Assuntos Fundiários- tem relação com a situação da Ocupação Tiradentes. “A última vez que estivemos aqui foi para lutar contra uma reintegração de posse. Deu certo, o despejo não aconteceu e o governo prometeu encontrar um terreno caso tivéssemos que sair dali”, relatou Chrysanto Figueiredo, do MPM.

    Fotos: Isabella Lanave (R.U.A. Foto Coletivo)

    Em resposta à pressão dos manifestantes, com a saída do prédio ainda ocupada, o Secretário Especial de Assuntos Fundiários, Hamilton Serighelli, anunciou o resultado de negociação com representantes das ocupações. “Saímos da reunião com o compromisso de buscar uma saída por meio do Minha Casa Minha Vida Entidades”, afirmou. O secretário explicou que esse tipo de negociação é feita com a prefeitura, mas como quem faz a mediação em caso de reintegração de posse é o estado, eles ficarão responsáveis pela visitação das seis áreas apresentadas pelo MPM para construção do projeto e pela condução de uma agenda de trabalho junto com as famílias.

    Foto: Leandro Taques (Jornalistas Livres)

    Durante o ato, um policial militar espirrou spray de pimenta nos olhos de um manifestante, o que gerou indignação da multidão. Apesar disso, a situação foi rapidamente mediada pelas lideranças do movimento.

    Foto: Leandro Taques (Jornalistas Livres)
  • Assassinatos em nome da lei

    Assassinatos em nome da lei

    Relatório da Anistia Internacional acusa o sistema de Justiça Criminal de perpetuar a violência e os homicídios cometidos pela Polícia Militar

    A Anistia Internacional acaba de divulgar relatório sobre os homicídios cometidos pela Polícia Militar no Rio de Janeiro, cidade que sediará os Jogos Olímpicos de 2016. O surpreendente não é a feroz rotina de crimes, violências, abusos e torturas cometidas pelos agentes do Estado contra a população pobre, estigmatizada e sofrida da Cidade Maravilhosa. Isso já se sabe. O que espanta é a garantia de impunidade que o Rio de Janeiro e o Estado brasileiro dão aos assassinos e torturadores fardados.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Diz o relatório da prestigiosa Anistia Internacional, organização presente em mais de 150 países, com 7 milhões de apoiadores: “Em 2011, a Polícia Civil abriu 220 procedimentos administrativos — que incluem uma ou mais vítimas — referentes a ‘homicídios decorrentes de intervenção policial/autos de resistência’ na cidade. Os dados do Instituto de Segurança Pública apontam que houve um total de 283 vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial na capital do Rio de Janeiro naquele ano. Ao consultar a situação desses 220 procedimentos, a Anistia Internacional observou que, até abril de 2015, 183 investigações ainda estavam em curso. Foi pedido o arquivamento de 12 casos, sendo cinco deles por ausência de provas ou testemunhas. Em apenas uma ocorrência houve denúncia à Justiça por parte do Ministério Público contra os policiais envolvidos.”

    Repita-se: de 220 procedimentos administrativos abertos para apurar a atuação policial em 283 homicídios (283 vidas humanas ceifadas), o Ministério Público apresentou denúncia à Justiça em apenas uma ocorrência.

    E os policiais seguem matando os filhos enquanto xingam as mães e mulheres deles de “putas” e “vacas”; seguem chutando o rosto de rapazes que agonizam na rua, enquanto se negam a providenciar-lhes o socorro devido; seguem acusando inocentes de traficantes, enquanto lhes estouram os corpos com tiros de calibre 12. Dizem que apenas estavam respondendo a uma “injusta agressão”.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Para eludir suas responsabilidades (e por que não, sua covardia), o arsenal de truques policiais é imenso: consiste em ameaçar testemunhas; matar as vozes acusadoras mais renitentes; alterar a cena do crime; colocar uma arma na mão do jovem estendido no chão, e dispará-la para deixar resíduos de pólvora; “plantar” um pacote de drogas na mochila do morto. Mas sempre dá para melhorar.

    Guarde essa gíria: “Tróia”. A polícia do Rio acaba de incorporar mais essa tática ao seu arsenal de dissimulações. A coisa funciona assim: um grupo de PMs entra na favela a pretexto de fazer uma patrulha qualquer. Então, os soldados saem, aparentemente sem confronto — e vão embora. Só que deixam lá dentro um esquadrão colocado em posição estratégica. E esses poucos homens matam, na base da tocaia, o seu alvo. Encontrado o corpo, a polícia entra novamente na favela, em grande estardalhaço. Com isso resgatam-se os policiais da tocaia e dificulta-se a identificação dos culpados.

    Tróia, sacou?

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Eduardo de Jesus, 10 anos, morto por policiais militares em 02/04/2015

    Eduardo de Jesus, um menino de 10 anos, foi morto por policiais militares na porta de sua casa, no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio de Janeiro, no dia 2 de abril de 2015.
    Por volta de 17h30, Eduardo se sentou na porta de casa para esperar a irmã que estava chegando e brincar com um telefone celular. Não havia nenhuma troca de tiros ou operação policial em andamento.
    Segundo sua mãe, Terezinha Maria de Jesus, de 40 anos, foi tudo uma questão de segundos.
    “Eu escutei só um estouro e um grito dele: Mãe… Nisso eu corri para o lado de fora e me deparei com aquela cena horrível do meu filho lá caído”. Terezinha entrou em desespero, viu uma fileira de policiais militares e gritou: “Você matou meu filho, seu desgraçado maldito”. O policial respondeu:
    “Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem te matar porque eu matei um filho de bandido, um filho de vagabundo”.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    O policial apontou o fuzil na cabeça de Terezinha e ela disse: “Você pode me matar porque uma parte de mim você já levou. Pode levar o resto”. Outro policial militar o afastou da mãe de Eduardo e evitou mais uma tragédia.
    A mãe afirma que a cena do crime quase foi desmontada pelos policiais, que foram impedidos pela própria comunidade. Eduardo estava morto e os policiais tentaram retirar o corpo do local e colocar uma arma para incriminá-lo. Um dos policiais disse: “Coloca logo uma arma aí perto do corpo e acabou”.
    Terezinha relembra: “Eles chegaram perto do meu filho dizendo que iam levar o corpo. Eu disse que eles não iam tirar o meu filho de lá porque eu não ia deixar. Eles estão acostumados a fazer isso, carregar o corpo e dar sumiço. Eles dando sumiço, não acontece nada. Aí fica na imprensa que fulano desapareceu e nunca acham. Foi assim que eles fizeram com o Amarildo. Então ele queria fazer isso com meu filho”.
    Alguns moradores, revoltados com a morte de uma criança na porta de sua casa, iniciaram um protesto, mas acabaram sendo fortemente reprimidos pela Polícia Militar, que utilizou bombas de gás lacrimogêneo contra a população.
    Terezinha desabafa: “Meu filho foi brutalmente assassinado. Isso não é justo. Você entrar dentro de uma comunidade e o primeiro que vê pela frente você pegar e atirar. Isso não se faz”.
    Um dia depois da morte de Eduardo os policiais responsáveis pelo tiro que o atingiu foram afastados e tiveram suas armas recolhidas para análise pericial. O caso está sendo investigado pela Divisão de Homicídios da capital.

    A família foi ameaçada e teve que se mudar de sua residência no Complexo do Alemão com medo de represálias. (Depoimento à Anistia Internacional)

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Para piorar a situação das vítimas e suas famílias, o Ministério Público, a quem cabe, por dever constitucional, o papel de titular das ações penais públicas, omite-se reiteradamente, quando se trata de violência policial. Não determina a instauração do inquérito policial, não requisita diligências investigatórias e não acompanha as investigações, além de não “exercer o
    controle externo da atividade policial”.
    Um defensor público do Estado do Rio de Janeiro afirmou, em entrevista
    à Anistia Internacional, que percebe a omissão do MP em relação aos casos de homicídios decorrentes de intervenção policial: “Eu entendo que o MP tem faltado com uma atuação mais objetiva em relação aos ‘autos de resistência’ para verificar se efetivamente se caracterizam como casos de legítima defesa e, naqueles em que houver indícios de autoria e materialidade, oferecer denúncia. Há agentes do Estado com 19, 20, 40 ‘autos de resistência’, e isso soa estranho: tanta resistência, tantos homicídios, em cima de uma só pessoa”.

    E tem mais:

    Diz o relatório da Anistia:

    Às vezes, mesmo quando as investigações são concluídas com a indicação dos autores do homicídio e o Ministério Público oferece denúncia contra os policiais, pode ser o próprio Judiciário o empecilho para que os responsáveis sejam levados a julgamento. Em um dos casos que a Anistia Internacional documentou, o juiz usou os argumentos da “legítima defesa” e da “resistência criminosa” para rejeitar a denúncia oferecida pelo Ministério Público e impedir que o homicídio cometido por policial militar fosse julgado. Leia o caso abaixo:

    Edilson Silva dos Santos, 27 anos, morto por policial militar da UPP em 22/04/2014

    Edilson Silva dos Santos, de 27 anos, foi baleado na cabeça durante um protesto na favela do Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, no início da noite do dia 22 de abril de 2014111. O protesto espontâneo foi uma reação pacífica da comunidade à morte do dançarino conhecido como DG112, assassinado por policiais militares horas antes.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo

    Edilson tinha uma deficiência mental e morava na favela com sua família adotiva (uma mãe e um irmão). Ele e outros moradores da comunidade estavam desarmados no protesto; mesmo assim policiais militares dispararam tiros para o alto e contra eles. Edilson foi levado por policiais militares para o hospital, porém, de acordo com o laudo médico, já chegou morto.
    Ao longo das investigações, o policial militar responsável pelo disparo que matou Edilson foi identificado pela gravação das câmeras de segurança de um prédio. O vídeo revela ainda que não havia necessidade para o uso de armas de fogo naquele momento e que o policial efetuou os tiros de forma aleatória na direção dos moradores. Testemunhas afirmaram que Edilson estava descendo a ladeira com as mãos para o alto quando foi alvejado.

    O delegado responsável pela investigação solicitou a prisão preventiva do policial por homicídio. Os outros policiais que o acompanhavam foram indiciados por falso testemunho. O Ministério Público ofereceu denúncia, levando o caso ao Poder Judiciário, mas o juiz encarregado (da 1ª Vara Criminal) a rejeitou, o que impossibilitou o julgamento113. Em sua decisão, o juiz afirma que “os policiais estariam sob o manto da legítima defesa porque encontraram verdadeira resistência criminosa de pessoas não identificadas, mas possivelmente marginais e moradores, comprometidos com a marginalidade”. (Depoimento à Anistia Internacional)

    Entre 2010 e 2013, contabilizam-se 1.275 vítimas de homicídio decorrente de intervenção policial apenas na cidade do Rio de Janeiro. Desses 99,5% eram homens, 79% eram negros e 75% tinham entre 15 e 29 anos de idade.

    A investigação desse verdadeiro massacre, já se viu, é marcada pelo descaso e leniência. Em vez de punir os abusos, o que mais frequentemente acontece é a criminalização das vítimas, “já estigmatizadas por uma cultura de racismo, discriminação e criminalização da pobreza”.

    O relatório da Anistia Internacional contém uma previsão sombria: “A ausência de investigação adequada e de punição dos homicídios causados pela Polícia envia uma mensagem de que tais mortes são permitidas e toleradas pelas autoridades, o que alimenta o ciclo de violência.”

    O território das próximas Olimpíadas está coalhado de sangue e de impunidade.

    Foto Tércio Teixeira /R.U.A Foto Coletivo