O movimento LGBT de Salvador, apresentou no dia 17 de Maio, de 2017 (dia nacional de combate a Homofobia), o Projeto de Lei Especial 292/2017, que foi denominado “Teu Nascimento” (em homenagem a um homem trans brutalmente assassinado dias antes da entrega do projeto).
O PL Teu Nascimento, altera a Lei nº 5.275, de 1997, e visa punir administrativamente estabelecimentos públicos e privados, além de agentes públicos, que discriminem pessoas em razão da sua orientação sexual ou identidade e expressão de gênero, no Município de Salvador.
O projeto foi apresentado pela Vereadora Aladilce e contou com a assinatura e apoio de Leo Prates, Marta Rodrigues, Hilton Coelho, Moisés Rocha, Paulo Magalhães Jr., Sidninho Campos, Sílvio Humberto, Tiago Correia, Toinho Carolino e o vereador José Gonçalves Trindade autor da lei de 1997 que está sendo alterada.
Tudo parecia que ia bem até que na comissão de constituição e justiça, primeira comissão da casa onde o projeto é avaliado, ele começou a sofrer diversos e ataques e tentativa de arquivamento.
Os vereadores Alexandre Aleluia DEM e Lorena Brandão PSC
Os vereadores Alexandre Aleluia DEM e Lorena Brandão PSC (membra da bancada evangélica), ambos publicamente contrários a direitos civis LGBT, tem articulado uma verdadeira armada no intuito de enterrar o projeto de lei e postegar o debate para a próxima legislatura.
Procurados pela reportagem e demais militantes do movimento LGBT pra um diálogo, na tentativa de encontrar um consenso e garantir a aprovação do projeto, os vereadores Lorena e Aleluia apresentaram conjuntamente cerca de nove emendas, todas incorporadas ao projeto.
No diálogo ambos os vereadores se comprometeram a se abster na votação do projeto, ou no mínimo não se movimentar pra derrotar o projeto, caso as emendas fossem acatadas, mas infelizmente isso não aconteceu e nessas idas e vindas o vereador Aleluia tentou ficar de relator do projeto, provavelmente pra dar um parecer contrário. Apesar das emendas acatadas e um substitutivo apresentado.
Nesse momento estamos montando uma campanha nas redes e com toda sociedade soteropolitana, além de diálogos com o conjunto dos vereadores e vereadoras, inclusive contrários ao projeto, no intuito de garantir a aprovação do PL Teu Nascimento e coma isso contribuir para a diminuição do índice de LGBTfobia, na cidade de Salvador.
“É preciso compromisso público e responsabilidade pra garantir proteção ao conjunto da sociedade, inclusive a gays, lésbicas, travestis e transsexuais, que apesar de cumprirem seus deveres civis, pagarem seus impostos, não gozam de cidadania plena. Não podemos mais conviver com essa quantidade de crimes de ódio contra comunidade LGBT. Pessoas não podem ser demitidas, assediadas, ficar fora do mercado de trabalho, constrangidas, expulsas em espaços abertos ao público, agredidas, violentadas ou mortas só por serem quem são. Fingir que não tem nada acontecendo, com os dados assustadores que amarguramos, é no mínimo uma desumanidade da parte de alguns.”
Movimento “Escola sem Partido” (EsP) consegue entrar com mais uma proposta de lei municipal. Dessa vez o alvo é Uberlândia, maior cidade do interior de Minas Gerais, onde um grupo de vereadores apresentou projeto de lei intitulado “Programa Escola Sem Partido”. A proposta criou um racha na representação municipal do Partido Democrático Trabalhista (PDT). A polêmica se instaurou devido ao posicionamento do vereador Márcio Nobre, que assina o projeto de lei ao lado do colega do Partido Progressista (o mesmo do prefeito Odelmo Leão), Wilson Pinheiro. Segundo eles, a proposta teria o apoio de mais 11 vereadores. A reação de outros vereadores, do PDT e da sociedade civil, especialmente os professores, foi imediata.
Mesa diretora da Câmara Municipal de Uberlândia. Da esquerda para direita Michele Bretas (PSL), o presidente da Câmara Ronaldo Alves (PSC), Wilson Pinheiro (PP) e Paulo César (SD). Além de Pinheiro que é proponente, Bretas e Alves são apoiadores da “Escola Sem Partido”. Foto: Diego Leão
O vereador pedetista, de acordo com Bruno Pickles, do Núcleo de Base do PDT na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), estaria descumprindo orientações partidárias acerca da posição sobre o projeto. “Em reunião da executiva municipal, representando a juventude e o setor de movimentos sociais, fizemos um pedido para que o vereador retirasse o projeto. Contudo, ele tem se negado. Assim, vamos ingressar com um pedido de expulsão do parlamentar junto à comissão de ética do partido caso ele mantenha essa posição”, afirma. Os Jornalistas Livres enviaram uma série de perguntas a Nobre (veja no final dessa reportagem), mas ele se recusou a responder. Além de dele, o PDT de Uberlândia conta com a vereadora Flávia Carvalho, que também faz parte da Comissão de Educação da Câmara, e se dispôs a acolher as orientações do partido acerca da discussão e votação do projeto. O diretório mineiro do partido, aliás, emitiu nota em que afirma que “condena o projeto da ‘Escola sem Partido’ e está analisando internamente o assunto para promover as providências cabíveis”.
Da economia para o falso-moralismo
O projeto de lei uberlandense, não é uma novidade e basicamente é uma cópia de um projeto base disponível no site de uma campanha nacional criada em 2004 pelo advogado Miguel Nagib. No site da campanha constam versões, ainda, para projetos de lei estaduais e também um projeto federal. Seus autores afirmam que a proposição seria apenas a fixação de cartazes nas escolas com um conjunto de seis deveres dos professores para que “não ocorra doutrinação dos alunos” (veja o cartaz em: http://especializado.jor.br/escola-sem-partido-gera-polemica-entre-profissionais-da-educacao). No site do movimento, porém, há modelos de notificação extrajudicial para a criminalização de professores, prints de postagens em redes sociais nas quais profissionais se posicionam politicamente (exercendo seu direito de livre expressão do pensamento), uma representação contra a exigência do Exame Nacional do Ensino Médio de que as redações não atentem contra os Direitos Humanos e artigos contra o educador Paulo Freire, referência internacional de pedagogia. É um verdadeiro festival de fascismo, censura, manipulação, desinformação e incitação ao ódio.
O EsP recebe apoio de grupos da direita brasileira, que têm praticado lobby em diversas câmaras municipais para que ocorra a tramitação do projeto. Entre esses grupos, também está o Movimento Brasil Livre (MBL), que defende pautas ultraliberais e de retirada de direitos. Recentemente, conforme reportagem de Piauí, publicada em 03 de outubro, o grupo chegou a ser convidado por um deputado da base aliada do governo federal para que auxiliasse em tarefas de comunicação que defendessem Reforma da Previdência (Veja mais em: http://piaui.folha.uol.com.br/o-grupo-da-mao-invisivel/ ).
Na verdade, ao efetuarem o deslocamento da agenda econômica para pautas moralizantes, como a perseguição efetuada pelo MBL à exposição do QueerMuseu em Porto Alegre e do Museu de Arte Moderna em São Paulo (Veja mais em: https://jornalistaslivres.org/2017/09/mam-unido-contra-o-fascismo-e-censura/ , https://jornalistaslivres.org/2017/09/mam-unido-contra-o-fascismo-e-censura/ e https://jornalistaslivres.org/2017/09/mam-unido-contra-o-fascismo-e-censura/ ) ou o EsP , esses grupos escondem proposições tirando os holofotes da imprensa e das redes sociais sobre o grande intuito que têm trabalhado, que é de impor uma agenda do chamado “livre-mercado” no país. Com isso, a direita tenta manipular e angariar a simpatia de setores da população propensos ao conservadorismo, dentre eles setores ligados aos proselitismo religioso, a despeito dos prejuízos sociais, econômicos e de direitos que suas verdadeiras pautas representam para a maioria da sociedade.
Vereador Wilson Pinheiro (PP) discute com colegas o projeto de lei “Programa Escola Sem Partido” e tenda conseguir mais apoios. Foto: Diego Leão
Professores contra do EsP
Apesar do empenho de parlamentares e movimentos da direita brasileira, a proposta do EsP, tem encontrado resistência, especialmente de uma significativa parcela de professores e estudantes. “O nome ‘escola sem partido’ parece bom, afinal, escola não deve ter mesmo filiação a partidos políticos, não é mesmo? Mas por trás desse projeto, que agora é proposto por dois vereadores em Uberlândia, há nada mais nada menos do que um atentado à educação e à profissão do professor, já tão desrespeitada, desvalorizada, menosprezada.”, afirma Lucielle Arantes, professora da Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia. Para a professora, a proposta, que tenta se apoiar numa suposta doutrinação imposta por professores aos alunos, não se sustenta. “Não há ensino neutro. Não há neutralidade nas ciências, nem na arte, nem na filosofia. A imposição dessa pretensa neutralidade é sim a mais pura manifestação de uma ideologia conservadora, visando cercear o pensamento, a análise crítica, a expressão humana”.
Há ainda a preocupação de professores da rede municipal de ensino que a medida institucionalize mecanismos de perseguição a professores que realizam determinadas discussões em sala de aula. “Acredito que o projeto ‘Escola Sem Partido’, proposto pelos vereadores, é uma forma de perseguição contra as pessoas que pensam e que conscientizam os estudantes para os problemas que enfrentam no cotidiano”, afirma Cid Carlos Marcos, professor de História em escolas públicas de Uberlândia. “Na verdade, a chamada ‘Escola Sem Partido’ é uma escola com censura”, complementa Ronan Hungria, professor efetivo da rede municipal. “É um projeto muito contraditório, pois os vereadores vieram discutir a liberdade, retirando a liberdade dos educadores. Além disso, o projeto tem um grave problema por ser inconstitucional”, destaca Flávio Muniz, professor em cursinhos preparatórios da cidade (ver vídeo em https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/616286168495264/) .
No mês passado, a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) sediou o III Seminário Internacional Desafios do Trabalho e da Educação no Século XXI, com a presença de diversos pesquisadores e professores do Brasil e do Exterior. Por iniciativa do curso de jornalismo da instituição, oito palestrantes foram entrevistados e muitos deles também falaram sobre o EsP. O resultado pode ser visto nas reportagens “Escola Sem Partido gera polêmica entre profissionais da educação” (http://especializado.jor.br/?p=2377 ), “A doutrinação ideológica nas escolas brasileiras” (http://especializado.jor.br/?p=2356) e “Onde entra a liberdade de expressão?” (http://especializado.jor.br/?p=2318).
Projeto é inconstitucional
Em fevereiro de 2017, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), se manifestou favorável a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no 5.537, solicitada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino contra lei semelhante que foi promulgada no estado de Alagoas. “É tão vaga e genérica que pode se prestar à finalidade inversa: a imposição ideológica e a perseguição dos que dela divergem. Portanto, a lei impugnada limita direitos e valores protegidos constitucionalmente sem necessariamente promover outros direitos de igual hierarquia”, argumentou Barroso. (Veja mais: http://justificando.cartacapital.com.br/2017/03/22/barroso-decide-pela-suspensao-de-lei-alagoana-baseada-no-escola-sem-partido/ ). Ao conceder a liminar, o ministro Luís Roberto Barroso destacou ainda que, do ponto de vista formal, compete exclusivamente à União legislar sobre diretrizes e bases da educação, não podendo o Estado “sequer pretender complementar” normas federais.
O vereador uberlandense Adriano Zago (PMDB) listou outros princípios constitucionais contrários ao EsP: “o projeto é totalmente inconstitucional. Fere a livre manifestação de pensamento (Art. 5º, IV, CF); a liberdade de ensinar e aprender (Art. 206, II, CF); e a gestão democrática do ensino público (Art. 206, VI, CF); isso para citar apenas alguns dispositivos”, cita o também advogado, estudante de História na UFU e presbítero da Igreja Presbiteriana Central da cidade.
Em agosto, o Ministério Público Federal foi mais um órgão a apontar, à Câmara Municipal de Belo Horizonte, a inconstitucionalidade da proposta do EsP e alertou para os vícios de origem e de conteúdo do projeto. O ofício do MPF destaca trechos da liminar do STF, entre eles a decisão de que a proposta “é antagônica à de proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e à promoção da tolerância, tal como previstas na Lei de Diretrizes e Bases”. (Veja mais: http://www.mpf.mp.br/mg/sala-de-imprensa/noticias-mg/mpf-aponta-inconstitucionalidade-do-projeto-escola-sem-partido-da-camara-municipal-de-belo-horizonte/).
Vereadores proponentes compõem bancada da bíblia e do boi
Os vereadores que apresentaram o projeto do EsP têm mais um ponto em comum além da ideia de que há proselitismo ideológico nas escolas: ambos são evangélicos e costumam orientar suas posições no plenário a partir de convicções religiosas. Apesar de fazer parte do PDT, não é primeira vez que Márcio Nobre descumpre orientações partidárias. Em maio, o vereador se opôs ao projeto de lei que propunha instituir o uso do nome social para pessoas travestis e transexuais (Veja mais em: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/528018413988707). Mesmo com o voto contrário do vereador, o projeto foi aprovado (Para acessar a lei completa: https://goo.gl/RvVzKb). Nobre é membro da Igreja Assembleia de Deus em Uberlândia.
Já Wilson Pinheiro, que durante os anos 1980 e 1990, se afirmava comunista e militava em movimentos e sindicatos de esquerda, se tornou evangélico durante os anos 2000. No mesmo período, começou a compor com grupos da direita uberlandense e durante os quatro mandatos em que foi eleito tem sido uma das principais lideranças de sustentação do grupo político ligado ao prefeito Odelmo Leão, que se compõe basicamente de ruralistas. Mesmo tendo votado favoravelmente ao uso do nome social, Pinheiro costuma ser liderança nas discussões de pautas ultraconservadoras e anti-esquerda na Câmara de Uberlândia. Além deles, pelo menos outros dois vereadores são pastores e costumam orientar seus votos a partir de convicções religiosas: Pastor Átila Carvalho (PP), da Igreja Evangelho Quadrangular; e o Pastor Isaac Cruz (PRB), que é da Igreja Universal do Reino de Deus.
Outras contradições se verificam entre os vereadores de Uberlândia. Wender Marques (PSB), que compõe grupo político ligado ao deputado estadual Tenente Lúcio (PSB), que apesar de afirmar em sua biografia no site da Câmara ser “Socialista, militante, está presente nas bases na luta por uma sociedade mais justa, na emancipação das pessoas mais carentes e na erradicação de qualquer forma de preconceito, seja racial, geracional, de gênero, entre outras”, votou contra o uso do nome social. Embora hoje no PDT, Márcio Nobre é oriundo do mesmo grupo político na cidade. Sendo que o próprio Tenente Lúcio chegou a compor os quadros do partido.
Por fim, Silésio Miranda, do PT, embora faça acirrada oposição ao governo municipal, também costuma orientar seu voto, em pautas de questões morais e de cultura, de acordo com sua religiosidade. Na votação sobre o nome social, por exemplo, o vereador votou contra o projeto.
Para além da questão de se manifestarem de acordo com convicções religiosas, o que preocupa setores que se organizam na luta contra opressões (como mulheres, LGBTs, negros e negras, dentre outros) é que os parlamentares ligados a bancadas evangélicas costumam se posicionar contra pautas fundamentais de direitos e, não raro, avessas à própria concepção de Estado laico. “Aqui, como em tantos outros cantos deste país, temos que nos empenhar a desconstruir mentalidades fundamentalistas religiosas, principalmente pentecostais, que ficam cegas para a dimensão humana e mesmo crítica da vida. Atualmente essas forças estão muito atuantes dentro de partidos à direita e à esquerda, como se viu na bancada evangélica da Câmara Municipal, que votou contra o projeto”, afirmou a ativista lésbica Tânia Martins em ocasião da votação do Projeto de Lei do uso do nome social.
Procuramos a Prefeitura Municipal de Uberlândia solicitando o posicionamento do mandato do prefeito Odelmo Leão (PP) sobre a proposta da “Escola Sem Partido” que tramita na Câmara Municipal. Contudo, até o fechamento desta matéria não houve pronunciamento do órgão.
Veja abaixo as perguntas enviadas pelos Jornalistas Livres ao vereador Márcio Nobre no dia 9 de outubro e ainda sem resposta:
Boa tarde vereador Márcio Nobre, aqui é o Gabriel Lima, jornalista do Jornalistas Livres.
Estou encaminhando estas perguntas para o senhor de modo a oferecer o amplo espaço necessário para defender sua posição quanto ao projeto “Programa Escola Sem Partido”. O senhor tem um prazo de 12 horas para respondê-las, para termos tempo publicar as respostas na matéria sobre o tema, que estamos produzindo para publicação ainda essa semana.
PERGUNTAS:
1) O senhor foi eleito para a câmara de vereadores de Uberlândia em uma coligação com o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Hoje eleito por um partido de centro-esquerda (PDT), evangélico, tem se posicionado favorável a pautas conservadoras que não dialogam nem um pouco na coligação que o levou na câmara. Podemos dizer que esse cenário pode se enquadrar em um estelionato eleitoral?
2) O senhor protocolou um projeto vitrine da pauta conservadora no Brasil que é o “Escola Sem Partido”, que busca denunciar professores que se posicionem politicamente, negando a história do seu partido, que tem pessoas como Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, quadros eternos da legenda. O senhor não se sente envergonhado com essa situação?
3) O que te faz pensar que continuará no PDT? Analistas dizem que isso seria uma manobra para o partido lhe expulsar e o senhor angariar votos dos evangélicos para deputado federal? Isso é verdade? O senhor pensa em desistir de ser vereador e ir tentar ser deputado surfando na onda reacionária no Brasil?
4) O senhor disse que chamará o MBL para defender seu projeto. O MBL faz claros ataques ao PDT e Ciro Gomes. Não acha ser contraditório? O MBL subiria em tribuna com um vereador que venceu as eleições em coligação com um partido comunista?
5) Ciro Gomes já se posicionou fortemente contra o projeto “Escola Sem Partido”. Com isso, o senhor “rasga” seu projeto político na segunda maior cidade de Minas Gerais. O senhor não é a favor de Ciro Gomes como candidato do PDT para Presidente da República?
Os motivos que levam um parlamentar a votar a favor ou contra um projeto — quando o comando da bancada não “fecha questão” em torno da matéria, deixando os seus membros livres para decidir como queiram — geralmente se resumem a uma mistura de convicções, fidelidade a acordos políticos e interesses.
Para o público, essa última palavra é a Geni do sistema. O interesse é tido por definição como espúrio, ilegítimo, imoral — suprema traição do eleito aos seus eleitores. Mas isso não é necessariamente verdadeiro. Como não é verdade que os interesses que nos movem a todos em todas as esferas da vida sejam indignos e ofensivos ao ideal da integridade que deve pautar os atos dos seres decentes.
De mais a mais, condenar os políticos à lapidação por violação contumaz da ética pode ser conveniente para ocultar os nossos próprios cadáveres — os pecadilhos que vamos acumulando ao longo do tempo por força do que os romanos chamavam com sabedoria e resignação ipsa humana natura.
Só que o desprezo e a repulsa que muita gente, em quase toda parte, sente pelos que, em vez de representar quem os elegeu, servem aos interesses entrelaçados com o seu sucesso, é tão fútil como tentar ler jornal contra o vento.
É assim que a democracia parlamentar funciona — misturando sujeira e limpeza em proporções difíceis de determinar de antemão.
Mas tem o raro dia em que o interesse dos políticos e o interesse da sociedade convergem. Foi o que aconteceu na terça à noite no plenário da Câmara, quando 267 deputados (ante 210) abateram a escabrosa proposta concebida pelo vice de Dilma, Michel Temer, e apoiada com entusiasmo pelo presidente da Casa, o até então invicto Eduardo Cunha, do PMDB do Rio: o chamado “distritão” para a eleição de deputados e vereadores.
O projeto equipararia essas votações àquelas para prefeito, governador e presidente, em que o voto dado a um candidato de nada valeria se não ajudasse a elegê-lo. No sistema proporcional em vigor no país desde 1946, o voto individual serve também para ajudar o partido ou a coligação do dito cujo a conquistar assentos nas câmaras e assembleias — mesmo que ele pessoalmente não chegue lá.
O sistema tem um defeito grave. Permite que o voto dado ao candidato A do partido X acabe elegendo o candidato B do partido Y a ele coligado. É o que dá sobrevida aos nanicos, que vendem aos maiores o tempo de que dispõem no horário eleitoral — pouco, mas nem por isso menos precioso — em troca de lugares na chapa comum.
Perto do distritão, porém, é uma beleza. Na perversão da democracia imaginada pela dupla Temer&Cunha, as 70 vagas para a Câmara federal a que o Estado de São Paulo tem direito, seriam preenchidas pelos 70 candidatos mais votados, fossem quais fossem as siglas a que estivessem filiados. E estas seriam induzidas a “contratar” radialistas, celebridades e outras figuras de destaque na chamada cultura de massa para entrar com presumível vantagem nas disputas distrito a distrito.
Eduardo Cunha Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
Não há notícia de que algum cientista político brasileiro tenha manifestado apoio à enormidade. Ao contrário, os mais respeitados entre eles assinaram um documento de alerta para o desastre que representaria a sua adoção.
Quem quiser encontrar um motivo para explicar cada um dos 267 votos que salvaram o país do que seria o maior retrocesso político desde a ditadura militar de 1964–1985 vai acabar encontrando mais motivos do que é capaz de segurar nas mãos.
Mas o que decidiu a parada, pode-se apostar, foi o interesse da maioria de suas excelências. Políticos são essencialmente seres que calculam. A cada votação importante, se não forem tolhidos pelo “fechamento da questão” pesam os pros e contras para as suas carreiras se a proposta na ordem do dia prevalecer ou cair no processo.
No caso do distritão, a maioria entendeu que a aprovação do monstrengo seria ruim para os partidos pelos quais se elegeram e para suas chances pessoais de longevidade política.
E assim se deu que o que eles entenderam ser vantajoso para si mesmos coincidiu com que é vantajoso para o país. Isso é tão bom e tão infrequente que hoje devia ser feriado nacional.