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  • Aula magna de Boulos unifica esquerdas em defesa da previdência e humilha bolsonaristas

    Aula magna de Boulos unifica esquerdas em defesa da previdência e humilha bolsonaristas

    Boulos, ao lado de líder do DCE e ver. Afrânio Boppré.
    Foto Carol Morgan e Leonardo Gatti

    A Universidade  pública federal foi, na noite de quarta-feira (19), em Florianópolis, território de resistência e ocupação das esquerdas, como nos tempos das grandes reações à ditadura militar. Aula magna promovida pelo Diretório Central dos Estudantes da UFSC mobilizou mais de 2.000 pessoas para ouvir o líder do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-candidato a presidente da República pelo PSoL, Guilherme Boulos, falar sobre as estratégias de resistência contra a destruição da previdência pública e dos direitos sociais. Boulos defendeu a unidade e a maturidade da esquerda para “enfrentar um inimigo maior que quer destruir nossa perspectiva de futuro”. Bolsonaristas mobilizados por Luciano Hang foram postos pra correr pela esmagadora maioria.

     

    Do lado de fora, mais de 1.500 pessoas acompanhavam a aula magna

    Depois de lotar o auditório e o hall da reitoria da UFSC, o público ocupou o espaço externo, na Praça da Cidadania, em frente à administração, transformando em ratinhos constrangidos pouco mais de uma dúzia de militantes do MBL e estudantes de extrema direita, convocados pelo bolsonarista Luciano Hang. Dono da rede de Lojas Havan, Hang atacou a universidade por permitir a palestra de Boulos, que chamou de “invasor de propriedades”.  O empresário biliardário é famoso por ter sido indiciado em processos judiciais de sonegação de impostos, apropriação indébita de descontos do INSS, evasão de divisas, fraude em documentos federais, violação dos direitos trabalhistas e, durante o período eleitoral, constrangimento e assédio político aos empregados.

    Recebido pelo público com o bordão do Povo Sem Medo, “Aqui está, o povo sem medo, sem medo de lutar”, Boulos defendeu a universidade como espaço público de debate do pensamento crítico em oposição à tentativa de mordaça e perseguição do Projeto Escola sem Partido. Na capital de Santa Catarina, reduto do bolsonarismo, mas também a cidade onde obteve a votação mais expressiva do país nas eleições presidenciais, Boulos proclamou a união das esquerdas contra o desmonte da previdência pública, a fúria de privatização e a entrega das riquezas nacionais  ao capital estrangeiro. Ao protestar contra o assassinato de Marielle Franco e a prisão política de Luiz Ignácio Lula da Silva, foi encorajado por um coro uníssono de “Lula Livre”. Os ecos do lado de fora, onde pelo menos 1.500 pessoas acompanhavam a aula por um telão, chegaram ao auditório e levaram o palestrante ao encontro desse público.  Na Praça da Cidadania, Boulos falou em forma de jogral com a multidão: “Universidade deve ser espaço democrático, instância pública de debate. Ninguém vai impedir que a gente fale, que a gente debata, lute. Vamos em frente, resistir, até a vitória!”.

    Entre os organizadores da aula magna, dirigentes do PSoL, do DCE Luís Travassos e da universidade, havia muito temor pela segurança do palestrante e do público. Bolsonaristas chegaram a criar um evento na página do Facebook do movimento fascista Endireita UFSC para chamar um ato de repúdio contra a presença de Boulos na universidade. Contudo, em vez de intimidar, os ataques  só conseguiram  aumentar a mobilização dos estudantes, que começaram a ocupar o espaço às 17 horas, duas horas antes do início marcado, para evitar a invasão dos pró-governistas. Partidos de oposição como PT , PCB, PCdoB e PCO mobilizaram seus coletivos, assim como outras agremiações e entidades populares em defesa da democracia, da universidade e dos direitos humanos, a exemplo do Floripa Contra o Estado de Exceção, Movimento Negro Unificado, Movimento das  Ocupações Urbanas e 8M Santa Catarina e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.

    A campanha Lula Livre teve uma presença marcante no cenário do evento, com faixas cartazes, venda de camisetas, bandanas e palavras de ordem endossadas pelo palestrante que defendeu a pluralidade política no espaço da universidade. “Onde querem fazer o debate sobre as diferentes posições sobre os rumos da sociedade? No quartel?”, provocou o sociólogo. “Gostaríamos que em vez de dizerem que vão jogar pedra e ovo, tivessem a coragem de sentar aqui nessa mesa para debater com a gente o futuro do Brasil. Não debatem porque não têm projeto. Nem o chefe deles vai ao debate. Fugiu dele a eleição inteira!”. Por isso, acrescentou, “é fundamental manter esse evento depois das ameaças daqueles que só fazem gesto de arminha, mas não têm disposição de debater o futuro do Brasil”.

    Quanto mais a cobra do fascismo rodopia, mais ela provoca o grito das multidões. Em efeito contrário, as ameaças acabaram provocando um “momento emblemático de união  e resistência das esquerdas, que deve ter continuidade em 22 de março, dia de e mobilização contra a Reforma da Previdência e construção da greve nacional”, como propôs o sociólogo. O clima de grande tensão e até a expectativa de incidentes graves e agressão física se extinguiu com o carisma do guerreiro e a sede de esperança da plateia sob a lua cheia. Sem violência, como mostram os vídeos, mas com firmeza, a própria militância de esquerda enquadrou e controlou os militantes de direita do Instituto Imperial Catarinense, Liberalismo Radical, Endireita UFSC e Direita Santa Catarina, que tentavam sabotar o evento, com barulho de apitos, cornetas e palavras de ordem provocativas. Alguns deles reivindicavam a posse dos símbolos nacionais e a bandeira do Brasil, quando foram questionados sobre a posição submissa e entreguista do presidente do Brasil nas relações com Trump, nos Estados Unidos, denunciando esse falso patriotismo. Uma bandeira de Bolsonaro foi consumida pelas chamas. Numa resposta vigorosa aos ataques dirigidos do presidente contra o movimento estudantil nomeando-o  inimigo do governo, Boulos referendou a importância da juventude na luta contra a ditadura militar e, agora, no combate ao projeto fascista e entreguista. Luís Travassos, o líder estudantil, torturado e assassinado pela Ditadura Militar, homenageado no nome do DCE, foi referendado pelo vereador Afrânio Boppré como símbolo da força e da organização estudantil nacional, que tomou fôlego em Florianópolis.

    Gravação ao vivo da Aula Magna publicada pelo DCE Luís Travassos

    https://www.facebook.com/dceluistravassosufsc/videos/781675198873303/

    Com uma crítica construtiva à esquerda que foge ao divisionismo cultuado por membros do seu próprio partido, Boulos apontou como falhas da esquerda que conquistou o poder nos últimos anos o afastamento das periferias e das bases. Afirmou que Bolsonaro é fruto da desesperança, da desilusão, fruto do medo. “Para construir outro caminho, temos que ser capazes de nos reencantar para encantar as pessoas. Capazes de construir sonhos coletivamente e de nos organizar”.  Como desafio, o ativista político propôs que as esquerdas fortaleçam a unidade considerando que as diferenças entre si são menores  do que as ameaças de futuro impostas pelo governo Bolsonaro.

    Defesa de Boulos e da previdência pública une esquerda em Florianópolis. Foto: Carol Morgan e Leonardo Gatti

    O que está em jogo no país com os projetos de Bolsonaro é a perspectiva de futuro, acredita Boulos. A começar pela reforma da previdência, que quer fazer com que todos nós não tenhamos perspectiva nenhuma de se aposentar, temos que morrer trabalhando. Mas não é só a reforma da previdência: “É um ideário de sociedade que coloca o privilégio acima dos direitos, que colocar o cada um por si como princípio de organização social acima da solidariedade. É isso que eles querem fazer com a previdência como é isso que querem fazer com a universidade. Um ministro que diz que universidade e para elite intelectual. Se eles acham que a porta que se abriu, abriu demais, nós achamos é que abriu pouco. Tem que ser escancarada. Tem que ter mais negras, mais favelados “.

    Sobre as perspectivas de um governo tirano e imbatível, o líder popular apontou esperança em meio à tragédia. “Há pouco mais de quatro meses Bolsonaro foi eleito como se fosse uma derrota irreversível. Não demorou 60 dias para aqueles que se diziam ser o novo, mostrassem práticas vergonhosas de corrupção e as táticas mais velhas da política brasileira. Não demorou 60 dias para que as pessoas percebessem o despreparo, o quando colocaram um bando de trapalhões na Presidência da República”. E prosseguiu: “Não demorou 60 dias para aqueles que garantiriam a segurança pública e que acabariam com a violência se mostrassem um bando de milicianos, associados ao que tem de pior no Rio de Janeiro, que são as milícias que mataram Marielle Franco e que exploram milhões de moradores de comunidades carentes por extorsão. Essas milícias hoje estão bem próximas do Planalto, se é que não estão alojadas lá”.

    REFORMA VAI FALIR A PREVIDÊNCIA PÚBLICA

    Com a aula magna, Guilherme Boulos, começou por Florianópolis uma turnê em 17 cidades brasileiras para organizar a luta contra Bolsonaro e a Reforma da Previdência. De Florianópolis, ele segue hoje (20/3) para Curitiba, amanhã para Porto Alegre, e na sequência para Brasília, Belém, Macapá, Fortaleza, Teresina, Recife, as cidades paulistas de São Roque, Campinas, São Carlos e Franca, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Niterói e Rio de Janeiro. Boulos qualificou o projeto da Reforma da Previdência como criminoso e covarde. “Eles querem com a proposta da reforma destruir a previdência pública e jogar o dinheiro de quem puder poupar para os bancos privados. Como destroem a previdência? Tornando a aposentadoria quase impossível, determinando 40 anos de contribuição num país onde a maioria está na informalidade, 60 anos de idade num país onde a expectativa de vida não chega aos 60 em várias periferias”. Na sua avaliação, o projeto inviabiliza a previdência pública pois quem tiver condições vai para a previdência privada e dar o dinheiro pro Bradesco, pro Itaú e pro Santander. Quem não tiver, vai ganhar R$ 400,00 depois dos 60 anos. “E dizem que isso é que vai salvar a Previdência? Isso é o que vai falir de verdade, pensem bem. Hoje 2/3 da previdência é financiado por contribuição do empresário e do trabalhador em folha de pagamento. Se o trabalhador  deixa de contribuir para a capitalização, esse dinheiro que ia pro INSS vai pra previdência privada. Aí que a previdência pública vai falir porque não vai ter como sustentá-la”, afirma.”Ah mas a previdência privada é uma opção”, pondera. “Opção coisa nenhuma. Na previdência pública a empresa tem que contribuir, na privada não paga nada. Se isso acontecer, acham que o empregado vai contratar trabalhador que opte pelo INSS? Claro que não! Será uma condição para contratar. É uma jogada pra dar dinheiro pra banco e acabar com a perspectiva de futuro”.

    O que está em jogo, enfatiza o guerreiro, é a nossa geração, as próximas gerações. “O que está em jogo são as conquistas mais básicas de uma sociedade civilizada. É não ter Idoso com receita de remédio pedindo esmola na sinaleira. O que está em jogo é que a universidade seja um direito. O que está em jogo é que uma briga de trânsito não vire um bangue-bangue. Se queremos igualdade e solidariedade, ou privilégio, privatização e cada um por si. Esse é o momento da decisão”.

    Antes de proferir a palestra na UFSC, Boulos participou às 16 horas da sessão na Câmara de Vereadores em homenagem à Marielle Franco, constantemente evocada por gritos de “Marielle, presente!” e “Marielle perguntou, eu também vou perguntar: quantas mães têm que morrer pra essa guerra acabar”. Foi uma aula magna curta e antológica, com o impacto das palestras dos anos 70 e início dos 80, quando multidões se apinhavam nos auditórios da UFSC para buscar na voz de grandes líderes, de esquerda como Luís Carlos Prestes, uma saída para o inferno da ditadura. Eles são uma tragédia, mas tudo isso mostra mais cedo do que muitos imaginavam, o que previu Pepe Mujica quando veio ao Brasil falar sobre o Golpe de 2016: “Nenhuma vitória é definitiva e nenhuma derrota é definitiva”.

  • Nem os  Ossos dos Desvalidos São Respeitados

    Nem os Ossos dos Desvalidos São Respeitados

    Fogueira de Ossos num ritual macabro dos que destoem os signos da indiferença mórbida do Capital, com seus lacaios escolhidos para fazer o espetáculo dos negócios escusos de um poder a serviço do construto cultural do Capital Financeiro apoiados num Sistema Judiciário perverso se manifestaram neste domingo dia 23 de junho deste ano. Este é o novo modo de privatizar dos tucanos liderados por seu mais jovem agente político que governa a Cidade de São Paulo. Já estamos há muitos anos vivenciando esse processo em que a mágica do poder desses grupos apoia-se na privatização a qualquer custo. Assim foi possível verificar mais uma etapa desse processo: os cemitérios públicos serão privatizados. Como eles estão num estado lamentável de abandono, o Prefeito Covas, ironia do nome, resolveu limpar a área para obter melhores preços para esses lugares que para ele nada significam, uma vez que esses mortos apenas ocupam poucas gavetas nos cemitérios ricos da cidade e muitas covas rasas nos cemitérios das periferias.

    O que nesse tema nos importa: em primeiro lugar, o poder público desde o início da história desta cidade foi responsabilizado pela tarefa de dar destino ético e digno aos restos mortais de seus moradores. Dever que congrega duas responsabilidades públicas: o respeito aos vivos em suas memórias e perdas afetivas e manter a cidade saneada, devido a centralização dos locais destinados aos mortos, onde seus parentes pudessem simbolicamente visita-los e tratar da morte como um ritual que demonstra a generosidade e os afetos dos vivos, e ao mesmo tempo preservar esses restos como provas da vida humana ao longo dos tempos históricos.

    Entretanto, no tempo presente, onde a banalização da vida e da morte é parte da ação dos “gestores públicos “, o lidar com essa esfera da vida passou a apontar o descaso e a omissão frente ao grande número de pobres que vivem na cidade, sem qualquer proteção, sejam homens, mulheres ou crianças. Assistimos há alguns anos mortes ocorridas por miséria, por fome, falta de abrigo, desespero pela solidão, ataques policiais, desocupações forçadas por tropas genocidas que despejam moradores das ruas da cidade com jatos d´água ou por tratores que derrubam imóveis ainda ocupados por sem tetos com suas crianças e idosos desassistidos e considerados lixo urbano.

    Além desses flagelados, também aparecem na cena macabra desses espetáculos de crueldade, corpos de pessoas perdidas, atropeladas ou assassinadas e desovadas em terrenos baldios da cidade, muitas delas identificadas e colocadas em necrotérios ou tanques hospitalares a espera de que seus parentes as encontrem, aliviando o desespero das perdas não resolvidas para realizarem o luto necessário ao descanso de todos os seus membros.

    Os ossos hoje ameaçados de desaparecimento escondem todas essas histórias e atestam como o mundo privado do capital exige dos governantes filiação incondicional aos seus interesses, não tolerando nem mesmo as covas rasas dos pobres que muitas vezes nem as possuem, e seus ossos acabam sendo emparedados em cubículos apertados nos muros fronteiriços dos cemitérios entre o lugar dos mortos e a cidade.

    Soube-se pela imprensa numa nota muito escondida em seus jornais, que as ossadas tinham fichas de identificação, mas que ao serem empilhadas fora das covas (rasas ou fundas?) como haviam sido feitas à caneta, os dados foram borrados e nada mais se poderia identificar nesses restos. Será mesmo? Há nas possibilidades científicas formas de se saber com clareza dados das ossadas e a Arqueologia é prova cabal desse conhecimento cujas ancestralidades já existem há séculos!

    Deste modo, quero concluir afirmando que a atitude do Prefeito e seus auxiliares não permitem outra compreensão senão a do descaso, indiferença e submissão aos ditames do mercado, que para comprar os cemitérios dos pobres e lucrarem com esse grande negócio o Município deve retirar todos os entulhos para que os compradores não arquem com o ônus desse descarte. Assim os compradores ao recebe-los poderão transformá-los em cemitérios para ricos construírem seus mausoléus, demonstrando que seus restos mortais devem seguir à posteridade, apagando a história de que essas riquezas foram obtidas pela violenta exploração dos trabalhadores ou da ausência de afeto, cuidado e proteção aos pobres descartados como se fossem lixos.

    Acordem trabalhadores, esse Modelo é revelador de quem são os gestores, de como nos consideram e de como escondem seus processos de massacre e morte daqueles que se voltam a criticá-los por seus atos.

     

    Zilda Marcia Grícoli Iokoi  Mestre e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo. É professora titular do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, na área de História do Brasil Independente, atuando principalmente na linha de pesquisa História das Relações e dos Movimentos Sociais, nos temas da educação, lutas camponesas, políticas públicas, imigração contemporânea, humanidades, direitos e outras legitimidades. Atualmente coordena o Diversitas ? Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos e o Programa de Pós-Graduação Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades.