Jornalistas Livres

Tag: Política Econômica

  • Austeridade para quem?

    Austeridade para quem?

    Quando o governo federal resolve fazer um ajuste fiscal precisa decidir, em seguida, sobre quem recairá o custo, o ônus do ajuste. Como a meta é gastar menos do que arrecada, o governo pode tributar mais quem tem patrimônio superior a R$ 5 milhões. É possível também aumentar o imposto de quem tem mais de três imóveis ou mais de cem hectares de terra. Talvez aumentar os impostos dos bancos e outras instituições financeiras. Ou, ainda, aumentar os juros, diminuir os investimentos públicos e fazer uma recessão brutal, em que o custo cai, em grande medida, sobre a classe trabalhadora, sob a forma de desemprego. A pergunta “Austeridade para quem?, título do livro com artigos de vários professores de economia, vai nesse sentido: se queremos austeridade, quem deverá pagar?

    Como entender a publicidade e o apoio da mídia ao ajuste fiscal?

    Sempre nos perguntamos o motivo dos empresários apoiarem a austeridade e não o aumento de renda da população, que seria benéfico para suas empresas. Pedro Paulo Zahluth Bastos tem sua hipótese sobre isso.

    austeridade ppzb

    Se levarmos em conta que 20 mil famílias detêm 70% da dívida pública brasileira e que há nos private banks brasileiros cerca de 57 mil clientes, com média de aplicações financeiras em R$ 13 milhões, torna-se evidente que a dívida pública é o ponto chave no debate sobre a questão fiscal. “Parcela importante da burguesia encontra renda na dívida pública”, que comporá um grupo com visão “conservadora neoliberal” que defende que a “Constituição de 1988 criou um excesso de direitos”, aponta Bastos.

    Como a média da taxa de juros desde 1997 é 10% ao ano acima da inflação, torna-se quase impossível encontrar melhor rendimento, mais seguro e com maior liquidez do que emprestar ao governo. A preocupação de quem aplica é com a solvência do governo: nada é mais importante do que assegurar que não haverá calote na dívida. E para isso todo o apoio irá para políticas que assegurem que o governo gastará menos do que arrecada, mesmo à custa de falta de investimentos, de recessão e de desemprego, que coloque a economia nacional de joelhos.

    Para esse grupo “conservador neoliberal”, os direitos sociais, instituídos pela Constituição de 1988, precisam ser reformados. Além disso, a meta de superávit do governo, a meta de inflação e a lei de responsabilidade fiscal destinam-se a “limitar a democracia”, a assegurar que o governante eleito fique contido em suas ações, que não tenha liberdade de alterar a distribuição de renda e de bens no país. A perspectiva neoliberal pressupõe que todos os políticos são populistas, daí viria a motivação de limitar essa ação populista, estabelecendo regras que os controlem.

    Um pouco além da renda proporcionada pela dívida, está o “poder disciplinador” das taxas altas de desemprego, como descreve Bastos:

    “Com a austeridade, a política econômica restaura a “credibilidade” dos empresários de que os trabalhadores serão colocados “em seu devido lugar” com a ameaça crescente de desemprego; e que os beneficiários do gasto público reduzirão expectativas de novos benefícios em um cenário de sacrifício geral, deixando de pressionar para que novos gastos sejam financiados por novos impostos.”

    Não é possível distinguir o que é crise econômica do que é crise política.”

    A economia é uma ciência social e, nesse sentido, não há que se dizer que esse governo errou. Trata-se, sim, de constatar que a correlação das forças políticas, levou a esse momento que vivemos. Desse modo, Rosa Maria Marques enfatiza que todos aqueles que se preocupam com os trabalhadores, todos aqueles que militam no grande campo da esquerda, em suas diversas facetas, deveriam ter se concentrado “na defesa do emprego e da renda”. O que não ocorreu.

    austeridade rosa

    “A crise será longa”, continua ela. A crise de 1929 começou com uma queda abrupta nos preços das commodities, como hoje. “Não é só a queda da taxa de crescimento da China”, a economia mundial tem tido crescimento medíocre há anos. A crise que vemos hoje no Brasil é “a crise que havia sido impedida, que não se deixou escancarar em 2013/2014”, com medidas do governo de estímulos ao consumo e ao investimento. Claramente, para ela estamos diante de uma crise cíclica do capitalismo, como tantas já verificadas na história. Um crise que não se encerra em 2008, na crise do Euro ou na redução do crescimento chinês, masn a conjunção de todos esse eventos em uma crise do capitalismo, sob a hegemonia do pensamento econômico neoliberal.

    Sua opinião sobre a disputa política é que a direita busca “completar o que ficou no meio do caminho desde o governo Lula”. A reforma da previdência não se completou, tampouco a privatização e o amplo acesso dos estrangeiros ao Brasil. “O interesse não está no SUS ou no Regime Geral da Previdência Social, mas na ruptura com a Constituição de 1988 na questão dos direitos sociais”.

    Marques acredita que “Lula e Dilma servem a dois senhores”. Tentaram manter os ganhos das elites e, ao mesmo tempo, diminuir a desigualdade social. Mas no momento em que o conflito se acirra a balança pende para o lado economicamente mais forte. Por isso assistimos “a continuidade do que parou após Fernando Henrique Cardoso.” É fácil fazer coalizão de classes com crescimento econômico vigoroso. No entanto, quando a crise econômica se instala, essa coalizão se desfaz e, nessa luta, o poder econômico sai vencedor, para retomar sua agenda conservadora interrompida.

    “As perspectivas são as piores possíveis. Não vamos convencer quem está do outro lado. A derrota não será uma derrota do PT. Será uma derrota da esquerda.” Contudo, nesse ambiente de esgarçamento do tecido social, o outro lado também está sem saída: “os neoliberais são contraditos pelos fatos. Tudo que eles defendem não acontece. Mas teremos perdido a oportunidade”, conclui ela.

    Presidente de esquerda que adota um política de direita

    Ladislau Dowbor nos adverte que a história que vivemos no Brasil é muito semelhante à de vários países, em que presidentes de esquerda são coagidos a executar planos de direita e isso se deve à “dominância financeira”, o imenso poder econômico nas mãos do mercado financeiro, no contexto internacional. Para ele é fundamental olharmos o mundo como um todo, com o fluxo financeiro integrado.

    austeridade dowbor

    Dowbor aponta as taxas de juros, tanto a taxa Selic como as taxas ao consumidor e cobradas das empresas, como o principal vazamento de renda a impedir um crescimento saudável da economia. Parte cada vez maior da renda das famílias e das empresas não retorna para movimentar a economia, é esterilizada, drenada para o sistema financeiro Para ele, o lucro que o mercado financeiro extrai da sociedade hoje o faz “sentir saudades dos antigos capitalistas que produziam sapatos e exploravam os trabalhadores.”

    O livro Austeridade para quem? Balanço e Perspectivas do Governo Dilma Rousseff

    Organizado por Luiz Gonzaga Belluzzo e Pedro Paulo Zahluth Bastos, e editado pela Carta Maior e pela Fundação Friedrich Ebert, o livro discute uma saída para a crise. Muito mais do que um trabalho acadêmico, o livro é uma tentativa de fazer frente ao pensamento neoliberal, hegemônico entre os economistas e nos meios de comunicação brasileiros. Trata-se de um trabalho político, de enfrentamento, onde os intelectuais orgânicos do campo da esquerda buscam mudar o rumo do jogo

    Bastos enfatiza: “Não há alternativa! Esse é o lema para impor a austeridade aos trabalhadores desde que Margaret Thatcher o declamou na década de 1970. Há alternativa sim. Austeridade para quem? Essa é a pergunta cuja resposta precisamos dar e, principalmente, mudar.”

    Para baixar o livro clique Austeridade para quem?

  • A economia brasileira ruma para o caos?

    A economia brasileira ruma para o caos?

    Brinca-se que para termos quatro opiniões diferentes, sobre um mesmo tema, basta ouvirmos três economistas. No entanto, o encontro de Leda Paulani, Bresser-Pereira e Guilherme Melo produziu mais convergências do que o habitual. Nossa economia enfrenta graves problemas, mas certamente não estamos, tampouco rumamos para o caos. Vejamos algumas das opiniões desses três economistas reveladas no debate promovido pelo Barão de Itararé, cuja pergunta central era: a economia brasileira ruma para o caos?

    1ailustra

    “Nós fracassamos!” Desse modo Bresser-Pereira resume nosso desenvolvimento econômico desde a crise da dívida externa nos anos 1980. E ele se inclui entre os fracassados, pois foi Ministro da Fazenda no governo Sarney. “Crescemos, em média, 7% ao ano, entre 1930 e 1980. E não fomos capazes de crescer mais do que 1% ao ano depois dos anos 1980”. Explica ele que tivemos uma redução da desigualdade de renda extremamente importante durante os governos do Partido dos Trabalhadores, mas desde 1990 temos perdido indústrias e temos voltado ao patamar de economia exportadora de produtos primários. Claramente há certo exagero nessa afirmação, mas é verdade que perdemos muitas indústrias, especialmente em razão da competitividade dos produtos chineses aliada à nossa taxa de câmbio.

    Vamos nos deter um pouquinho sobre esse ponto. Quando a cotação do dólar está baixa, em reais, conseguimos comprar produtos importados pagando menos e, se formos exportar, nossos produtos ficaram mais caros para o consumidor do outro país. Esse fato diminui fortemente nossa competitividade da nossa indústria. Imaginemos que um carro, produzido aqui, precise ser vendido por R$ 20 mil. Se a taxa de câmbio está em R$ 2 por dólar, precisamos vender, para o exterior, por US 10 mil. Se a taxa de câmbio estiver em R$ 4, podemos vender o carro por US$ 5 mil. A taxa de câmbio pode nos colocar ou nos expulsar do mercado por si só.

    Bresser-Pereira insiste que matamos um número enorme de indústrias ao manter o real valorizado, ou seja, o dólar barato, por muito tempo. Com taxas de juros baixas em todo o mundo e altíssimas no Brasil, atraímos uma montanha de dólares que vagava pelo mundo, por conta da política dos EUA de inundar o mercado de moeda para tentar evitar uma recessão maior. A taxa de juros “escandalosamente” alta e o dólar muito barato foram os principais desequilíbrios macroeconômicos que levaram o Brasil ao crescimento muito menor do que poderíamos.

    Devemos ainda considerar o componente político que contribuiu para a recessão atual. Segundo Bresser-Pereira, “os derrotados de 2014 e os irresponsáveis de sempre se colocaram em marcha” e transformaram “a política em ódio”. Sem um acordo nacional, a recessão será muito mais profunda, conclui.

    2ailustra

    Leda Paulani iniciou seu raciocínio pelo lado político: “a elite brasileira sempre teve comportamento predatório e irresponsável” e é a elite que fracassou, pois não foi o povo que comandou a política neoliberal vigente desde 1990. Ela ressalta que, em que pese Lula ter feito uma política social efetiva, seu governo não mudou a política neoliberal em curso desde o governo de Fernando Collor. “A indústria foi minada por três décadas de governos neoliberais”, pontua.

    O momento econômico que vivemos é fruto da contribuição de quatro variáveis, segundo Leda Paulani. A primeira é que nossa economia andou assentada no consumo e não no investimento, entre 2004 e 2010, e esse modelo esgotou-se. Era impossível que consumo continuasse a crescer, o investimento, que seria o motor natural da economia, não compareceu no nível adequado. A segunda variável foi o aprofundamento da crise internacional. A queda do ímpeto importador da |China teve efeitos perturbadores sobre o comércio mundial e, especialmente, levou à queda forte dos preços das commodities. Tornou-se muito mais difícil para o Brasil manter-se em crescimento com a queda vertiginosa dos preços dos produtos que exportamos. Continuamos, hoje, a exportar em grande quantidade, mas com preços muito menores.

    A terceira variável que contribuiu para o estágio atual da nossa economia foi a taxa de câmbio. Muitos industriais tornaram-se importadores. Ora, se aquilo que produzo não é competitivo porque o dólar está muito barato em reais, dito de outra forma, porque o real está muito apreciado, vou deixar de produzir, comprar o produto importado e vendê-lo no mercado interno.

    A quarta variável, segundo Leda Paulani, é o cerco político que começou a se fechar em 2012. A coalizão produtivista, ou seja, a aliança entre industriais que se colocava contra o poder do mercado financeiro, rompeu-se, detonada pelo movimento de junho de 2013. A partir desse ponto instaura-se, nos termos que Leda colocou em seu artigo de 2014, o “terrorismo econômico” em que se exagera tudo. “Não há razão para tanto escândalo”, assegura ela. Não há eventos estritamente econômicos que expliquem a recessão que estamos vivendo, mas o discurso foi tão forte que capturou Dilma. Estamos vivendo num círculo em que a política alimenta a deterioração da economia e a economia, por seu turno, alimenta a deterioração da política, finaliza a professora Leda Paulani.

    Um dos exemplos do exagero, sublinhado pela professora Leda, está na questão da dívida pública. Sempre se usou a dívida líquida como o dado principal do endividamento, que retira da dívida, por exemplo, as reservas cambiais que o país possui. Bem, a dívida líquida consolidada do setor público estava em 36% do PIB em dezembro de 2015, um percentual historicamente baixo para o país. No entanto, o mercado financeiro, apoiado pelo FMI e pelas agências de rating, resolveu que não iria mais usar a dívida liquida, e sim, a dívida bruta. Esse número é uma medida pior para nós, especialmente por que desconsidera os 370 bilhões de dólares (quase 1 trilhão e meio de reais) que temos de reservas cambiais. De todo modo, a dívida bruta interna e externa do governo geral está em 72,6% do PIB, valor perfeitamente razoável pelo padrões internacionais. Veja que França, Estados Unidos e Reino Unido tem dívida próxima a 100% do PIB, enquanto que o Japão tem dívida perto de 200% do PIB.

    O Plano Real não resolveu completamente a questão da inflação, da inércia inflacionária. Tanto é verdade que após quatro anos, em 1999, o Plano Real acabou e adotou-se, no Brasil, o tripé macroeconômico que vigora até hoje. A questão do endividamento externo também não foi resolvida pelo Plano Real: tivemos uma crise cambial em 2002. Com essas opiniões, Guilherme Mello iniciou sua palestra. Ele brinca que felizmente tivemos o evento do caseiro, que terminou com a saída de Antonio Palocci, pois a condução da política econômica no governo Lula, após sua saída foi completamente diferente. Ele chega a afirmar que não houve “um” governo Lula, pois não haveria PAC e política social com ele.

    Dilma e Mantega, opina Guilherme, apostaram no investimento privado a partir de 2011, apostaram no apoio ao investimento industrial: baixou os juros, baixou o preço da energia elétrica, desonerou impostos sobre diversos produtos industriais. Mas o investimento privado não aconteceu. O investimento privado não aconteceu como esperavam e o consumo tinha atingido seu limite de crescimento, não prosseguiria sendo o motor da economia.

    A aposta que o governo Dilma fez para incentivar o investimento privado não deu certo. Foram dois fortes agravantes: o primeiro foi que nossa burguesia industrial virou rentista importadora, ou seja, nossos industriais passaram a lucrar com juros das aplicações financeiras, da mesma forma que o mercado financeiro, e passaram a importar e vender aqui, ao invés de produzir e investir na produção. O segundo agravante foi que o consumo, que ia muito bem pelo baixo desemprego e aumento da renda da população, “vazou para os importados”, ou seja, o consumo impulsionou indústrias na China e em outros países, e não a indústria nacional.

    3ailustra

    Guilherme Mello brinca que elegemos uma candidata cujo lema era “Muda Mais”, só que ela mudou para o lado que não esperávamos. Dilma está, timidamente, tentando fazer uma conciliação que está impossível, não somente no Brasil, mas no âmbito internacional, pondera ele. Para exemplificar, ele cita Tony Volpon, ex-diretor da Nomura Securities, que durante a eleição fez campanha contra Dilma e, após a derrota, pregava o “pragmatismo com coação”, em outras palavras, Volpon advogava que o mercado financeiro deveria coagir o governo a tomar decisões de política econômica em linha com o pragmatismo neoliberal. E é exatamente o que estamos temos assistido desde a reeleição. Mesmo com essa postura, Tony Volpon foi premiado com a diretoria de assuntos internacionais do Banco Central do Brasil. Volpon votou pelo aumento da taxa de juros na última reunião do Comitê de Política Monetária.

    A nomeação de Tony Volpon é emblemática. Revela o constrangimento de todos que apoiamos a candidatura de Dilma. Demos assento no Banco Central a um dos líderes do “Terrorismo Econômico” que vivenciamos diariamente.

    Para ler mais:

    1 Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé – http://www.baraodeitarare.org.br/

    2 Artigo: O terrorismo econômico dos mercados por Leda Paulani – http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Terrorismo-economico/7/32034

    3 Outros textos de Guilherme Mello – http://brasildebate.com.br/author/guilhermemello/

    4 Para ver o currículo de Tony Volpon – http://www.bcb.gov.br/pre/quemequem/port/tonyvolpon.asp?idpai=diretoria