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  • UM ANO DA PRISÃO DE CANCELLIER: Universidade prepara ação judicial contra abusadores

    UM ANO DA PRISÃO DE CANCELLIER: Universidade prepara ação judicial contra abusadores

    “Que ninguém mais seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês e meu irmão foram”

    (Acioli Cancellier, irmão do reitor suicidado)

    Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor

    Há um ano, o então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, tornou-se a primeira vítima fatal explícita da prisão preventiva abusiva e da espetacularização da justiça no Brasil. Muito pouco, ou nada se conseguiu para reparar justiça à memória do reitor e a sua família, além de algumas derrotas à perseguição que os responsáveis pelo abuso de poder continuaram a promover contra professores e dirigentes da universidade. Esse quadro, contudo, começou a mudar. O novo reitor Ubaldo César Balthazar começa a desencadear uma vigorosa ofensiva para levar à investigação e à punição dos abusadores. A Procuradoria da Universidade deve entrar nos próximos dias com um processo judicial contra os responsáveis pelo linchamento moral e jurídico de Cancellier, desde a sua base na Corregedoria Geral da UFSC. Nesta sexta-feira pela manhã, o professor Marcos Dalmau, preso junto com Cancellier e igualmente banido da instituição com outros quatro colegas, retornou a UFSC, depois de vencer mandado de segurança impetrado no TRF4.  Foi recebido numa cerimônia emocionada pelo reitor e equipe, na qual a solidariedade e o sentimento maior de defesa da instituição e dos direitos jurídicos falou mais alto do que as intrigas e manchas na reputação lançadas pela Operação Ouvidos Moucos no seio da comunidade universitária.

    Reitor Ubaldo Balthazar e pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque entregam memorial dos abusos de poder a pedido do ministro Raul Jungmann

    Um outro passo para a criminalização dos procedimentos abusivos da Ouvidos Moucos na UFSC foi dado na quinta-feira (13/9), quando o reitor Ubaldo Balthazar e o pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque, entregaram um dossiê ao ministro da Segurança Raul Jungmann, a  pedido dele, no seu gabinete em Brasília. O conjunto de documentos e testemunhos relata todos os desmandos, violações dos direitos humanos e jurídicos que envolveram a prisão do reitor, dos cinco professores e de um funcionário celetista. Na mesma hora, o memorial foi encaminhado à Corregedoria do Ministério para investigar a conduta dos agentes dos órgãos federais de representação local implicados na Operação e nas perseguições: Corregedoria Geral da UFSC, Polícia Federal, Justiça Federal, Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União. São relatos da prisão e testemunhas dos abusos da Operação que já corriam de boca em boca na UFSC, mas foram sistematicamente ignorados pelos investigadores e juízes. Em dezembro do ano passado, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, devolveu ao irmão do reitor uma representação da família contra a delegada Érika Mialik Marena, após a realização de uma apuração sumária e viciosa, comandada pelo próprio diretor de comunicação da servidora, Luiz Carlos Korff, quando ela ainda era superintendente da Polícia Federal em Santa Catarina. Dessa vez, com o escândalo da perseguição às vítimas, a denúncia alcançou outra dimensão.

    O pedido do dossiê foi motivado por manifestação do ministro Gilmar Mendes, que provocou Jungmann a investigar a delegada Érika Marena em razão do caráter absurdo e corporativista das perseguições e intimidações promovidas pela Polícia Federal aos dirigentes da UFSC, o chefe de gabinete Áureo Mafra de Moraes e o reitor Ubaldo Balthazar, numa tentativa de criminalizá-los pelas manifestações de dor e protestos da comunidade universitária pela morte de Cancellier. A primeira parte do dossiê denuncia os procedimentos persecutórios do corregedor geral da UFSC, Roldolfo Hickel do Prado, que alimentaram e subsidiaram a prisão de Cancellier e dos demais por tentativa de interdição das investigações, mesmo não tendo nenhum envolvimento com as suspeitas de desvios de verbas. Em seguida, o relatório reúne relatos que denunciam com detalhes as condições abusivas da prisão e tratamento dos professores em presídio de segurança máxima, solicitada pela delegada federal, com a anuência da juíza federal Janaína Cassol. A Corregedoria Geral da União e o Ministério Público Federal de Santa Catarina também são responsabilizados por terem encampado a  perseguição de professores e dirigentes da comunidade.

    Outra importante vitória foi o acolhimento nesta semana da manifestação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para que o corredor do órgão, Orlando Rochadel, investigue o procurador do MPF/SC, Marco Aurélio Dutra Aydos por ter insistido em apelação de denúncia contra o reitor Balthazar e seu chefe de gabinete, mesmo depois de rejeitada pela juíza federal Simone Barbisan Fortes. O Conselho considerou suspeita a atitude do procurador que, “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”.

    Até então, os algozes não só não foram punidos, como continuaram a intimidar suas vítimas. Sequer a lei que pune autoridades por abuso de poder foi aprovada. O Projeto de Lei 7596, batizado em outubro de 2017 como Lei Cancellier, por proposição do senador Roberto Requião, teve decisão favorável no Senado, mas ficou engavetado no Congresso Nacional desde o dia 10 de maio do ano passado. Essas vitórias iniciais, contudo, mostram que nem todo sistema judiciário é conivente com a rede de horrores acionada contra a UFSC desde a prisão de Cancellier.

    14 DE SETEMBRO: DATA DE HORRORES

    O reitor Luiz Carlos Cancellier teve sua reputação arruinada por uma rede de intrigas e calúnias que se estendeu das páginas da Polícia Federal para a grande mídia e redes sociais. De jurista e acadêmico respeitado, ganhou os noticiários como chefe de uma quadrilha que teria roubado R$ 80 milhões da universidade, após ser detido em presídio de segurança máxima, junto com outros cinco professores da UFSC e um funcionário terceirizado.

    No início da manhã do dia 14 de setembro, Cancellier dormia no seu apartamento vizinho a UFSC quando, surpreendido  por uma escolta de mais de cem policiais de várias partes do país, atendeu a porta enrolado numa toalha de banho. Não tinha antecedentes criminais, não respondia um processo administrativo sequer, mas foi submetido à prisão preventiva, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, sem direito à presunção de inocência ou à defesa prévia. No Presídio Masculino de Florianópolis, foi humilhado e desnudado na frente de outros presos por duas horas, antes de vestir o uniforme laranja. Até mesmo o acesso ao seu remédio para o coração foi boicotado, como seu irmão Acioli Cancellier de Olivo constatou com uma carcereira no dia seguinte ao relaxamento da prisão. Segundo os relatos do dossiê, ao reconhecer o reitor, um aluno seu atuante na carceragem teria mostrado no celular mensagem da delegada Marena com a ordem expressa: “É para tratar como preso comum”. Como era um homem alto, cardíaco e sedentário, o professor teve muita dificuldade de se abaixar de costas para ser submetido ao exame de revista anal. “Vejam, que chances ele teria de introduzir algo no seu corpo, se foi arrancado da cama por um esquadrão de policiais?”

    Do dia pra noite, um órgão federal de polícia levou um homem de vida acadêmica ao sacrifício, transformando-o em chefe de quadrilha

    Aos 59 anos, o reitor havia sofrido uma recente cirurgia cardíaca e a interrupção do tratamento pode ter sido fatal para desencadear o estado de depressão que o levou a suicidar-se dezoito dias depois. O verdadeiro horror, contudo, ainda viria. Com o relaxamento da prisão, foi proibido pela justiça de ingressar na UFSC, à qual se dedicou nos últimos 20 anos, como aluno, professor, diretor de centro e finalmente reitor. Sabendo por fontes do Ministério Público Federal em Santa Catarina que não poderia retornar à instituição, pagou seus advogados para não deixar dívidas à família e no dia seguinte, em 2 de outubro, jogou-se de cabeça do sétimo andar do Beira-mar Shopping, em Florianópolis com um bilhete no bolso, no qual atribuía sua morte ao banimento da universidade.

    Hoje, o irmão mais velho, Antônio Acioli Cancellier de Olivo, 67 anos, matemático, sindicalista, pesquisador aposentado do INPE, em São José dos Campos, dedica sua vida para a recuperação da memória e da reputação que Cau, filho de uma família muito pobre de Tubarão, construiu a duras penas, comendo pão de trigo com banana para conseguir estudar e se sustentar em Florianópolis. A mãe, costureira e o pai trabalhador no Lavador de Carvão em Capivari, não davam conta de sustentar os sonhos de formação dos três filhos, Acioli, Luiz Carlos e Júlio, o mais novo. É com o carinho do irmão mais velho que tomava conta dos demais, que ele conta e reconta, pacientemente, sem se exaltar com os detalhes mais perversos da sua perseguição, a história do mártir da Ouvidos Moucos. Ele foi, segundo Acioli, um adolescente rebelde e genial, intransigente diante das injustiças, “com uma produção científica espantosa para quem iniciou a vida acadêmica aos 40 anos e aos 59 já era reitor”. Com Cau, Acioli aprendeu o apreço pela luta política, “embora eu, ao contrário dele, tenha começado muito mais tarde nessa esfera”.

    Líder estudantil, jornalista fichado pelo SNI durante a Ditadura, o intrépido militante do Partido Comunista Brasileiro compreendeu na maturidade que o caminho para a luta era a conciliação política e adotou-a como princípio ideológico em sua administração da reitoria. Foi quando mais ele repudiava radicalismos e acreditava na harmonia entre todas as tendências que os aparatos de repressão de Temer puxaram o seu tapete, sem deixar-lhe outra saída, a não ser oferecer a própria vida em sacrifício para denunciar a violação total dos direitos humanos, jurídicos e democráticos que ele apregoava em sala de aula. Abaixo a carta escrita por Acioli em homenagem aos professores que continuam banidos da universidade. Ao mesmo tempo ele homenageia o próprio irmão, mostrando que todos são vítimas da mesma supressão de direitos e do mesmo Estado de Exceção que vitimou Cancellier.

    “Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico”.

    “E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada”

    (Acioli Cancellier de Olivo)

    Irmãos Cancellier, na formatura do reitor em Direito

    Meus caros professores,

    Há exatamente um ano atrás eu nunca havia ouvido falar de seus nomes. Naquela manhã fui acordado com um telefonema de uma amigo que me perguntava: Você é parente do reitor da UFSC? Ao responder que eu era irmão, disse-me que ele acabara de ser preso.

    Naquela manhã, quando a Polícia Federal invadiu as suas residências e a do Cau, a violência da ação mudou drasticamente a vida de vocês e de suas famílias; foi o ato inicial de uma tragédia que nos levou o Cau, abalou profundamente nossa família, seus familiares, os amigos em comum, a UFSC e por que não dizer, o país inteiro que não se submete à ditadura dos tanques e togas, citando um jornalista.

    Daquela data em diante, seus nomes começaram a me soar familiares e mesmo sem conhecê-los, uma empatia imensa me ligou a cada um de vocês. O sofrimento de cada um de seus familiares me fazia sofrer, pois refletia o sofrimento de cada uma dos meus.

    Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico. Se no dia 14 de setembro de 2017, arrancaram da cama um homem digno, o cadáver que nos devolveram 18 dias após, não o reconhecemos. Não por seus ossos estraçalhados; não por sua carne dilacerada; não por sua face desfigurada. Não o reconhecemos porque aquele cadáver não tinha a mínima semelhança da pessoa que o Cau fora em vida: honrado, humanista, generoso e solidário.

    Um ano se passou e, em todos esses dias, minha luta tem sido em uma única direção: resgatar a honra de meu irmão. Buscar que o Estado reconheça que seus agentes erraram. Erraram em caluniá-lo; erraram em humilhá-lo; erraram em castrá-lo, apartando daquilo que ele mais se orgulhava, servir a UFSC.

    Meus caros amigos, se assim posso chamá-los, pois um sentimento de amizade e fraternidade nos uniu pela tragédia. Meus irmãos: vocês foram também vítimas da mesma injustiça; injustiça que não os levou deste mundo, mas que certamente causou perdas e danos irreparáveis. Que lhes irá devolver as angústias, sofrimentos e dores que cada um de vocês passou nestes últimos anos? Quem devolverá a cada um de seus entes queridos a alegria de viver, o brilho nos olhos e o sorriso que minguaram nestes 365 dias? Quem irá garantir que a sua tão esperada reintegração a UFSC ocorra sem traumas? Quem poderá dizer que vocês poderão ensinar, orientar e frequentar o meio acadêmico com a segurança de homens honestos e dignos, sem a certeza de um dedo acusador na figura de um aluno ou de seus próprios pares?

    Em ocasião recente fiz uma analogia, que reitero: O Cau morreu, vocês sobreviveram. Mas esta sobrevida, sem a reparação integral da honra e dignidade feridas, equivale a uma morte em vida. Tramita no Congresso Nacional projeto de Lei que pune o abuso de autoridade, cujo relator no Senado, Roberto Requião, a denominou de Lei Cancellier. Mas não podemos esperar. A cada dia que passa, sem a devida reparação da honra de cada um de vocês, um pouco de cada um morre.

    Então, meus queridos amigos e irmãos, nesta data simbólica, uno meus pensamentos aos seus; nosso familiares são solidários aos seus familiares. E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada, pois citando o mesmo jornalista, “nas ditaduras, não há lugar para míopes inocentes.”

    Um fraterno abraço
    Acioli Cancellier de Olivo

     

    ​COMEÇA A DESABAR NA JUSTIÇA OS DESMANDOS DA “OUVIDOS MOUCOS”

    Docente preso por Érika Marena na UFSC vence mandado de segurança no TRF4 e volta hoje ao trabalho na UFSC

    Abraço coletivo ao professor reintegrado fortalece a própria comunidade, dividida pelo processo calunioso. Foto Ítalo Padilha/AGECOM

    O professor de Administração Marcos Baptista Lopez Dalmau foi restabelecido hoje (14/9) em suas atividades docentes no Curso de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de onde estava proscrito desde o final do ano passado pela Operação Ouvidos Moucos. Em cerimônia de boas vindas realizada hoje (14/9) pela manhã, ele foi recepcionado no gabinete do reitor Ubaldo Balthazar e equipe, alem de gestores da área e colegas de trabalho. Seu retorno cumpre decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tomada na terça-feira (11), que acatou o mandado de segurança da defesa do professor contra as medidas cautelares impostas pela Justiça Federal de Florianópolis que o afastaram da instituição. A vitória de Dalmau em habeas corpus individual abre importante precedente para que os outros quatro professores banidos da universidade possam retornar à sala de aula, como seu colega da Administração Eduardo Lobo, que teve seu pedido para retornar negado pelo mesmo TRF4 no início do ano passado.

    Dalmau recebe o abraço de Acioli que estende luta pela memória do irmão a todos os perseguidos. Foto: Ítalo Padilha/AGecom

    A cerimônia reuniu, além do reitor, pró-reitores e secretários da UFSC, o chefe de Gabinete Áureo Mafra de Moraes; o irmão do ex-reitor Cancellier, Acioli de Olivo; o chefe do Departamento de Administração, Pedro Antônio de Melo; o diretor do Centro Socioeconômico, Irineu Manoel de Souza, que foi candidato de oposição a Ubaldo, e a vice-diretora Maria Denize Henrique Casagrande. Abraçado por todos eles, o primeiro professor a ser reintegrado às atividades docentes desde a prisão, se disse, mais tarde, “emocionado e feliz com a solidariedade e o carinho com que foi recebido no campus e nas instalações do Curso de Administração”.

    Dalmau foi preso em 14 de setembro com outros quatro professores, um servidor terceirizado e o reitor da universidade, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, todos incriminados pela Operação Ouvidos Moucos, sob suspeita de desvio de verbas do Ensino a Distância do Programa Universidade Aberta. Comandada pela delegada Érika Marena, responsável pela prisão de Cancellier, com o aval da juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Janaína Cassol, a operação prometia desvendar um esquema milionário de desvios de verbas da educação. Passado um ano da prisão, o braço catarinense da Lava Jato nada concluiu e postergou a investigação, depois de emitir um relatório que resultou no indiciamento de outros 23 docentes da UFSC.

    Outros quatro professores – Marcio Santos, Rogério da Silva Nunes, Gilberto de Oliveira Moritz e Eduardo Lobo -, também investigados pela operação, continuam impedidos de retornar às suas atividades. Eles recorreram ao próprio TRF-4 em mandados diferentes, mas como tiveram seus pedidos negados, apelaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ainda aguardam decisão.

    Reitor e equipe manifestam solidariedade ao professor reabilitado Marcos Dalmau e aos demais que permanecem afastados. Foto: JL

    Pela decisão unânime, Marcos Dalmau deveria reassumir seu cargo de professor e atuar em sala de aula com a notificação da universidade, o que aconteceu ontem (13/9). A relatora responsável por analisar o mandado de segurança em favor de Dalmau, Salise Monteiro Sanchotene, votou a favor do retorno do docente, seguida pelos desembargadores Luiz Carlos Canalli e Claudia Cristina Cristofani. O parecer foi unânime, mas com restrições: até o final das investigações, Dalmau está impedido de “atuar nas atividades que gerem percepção ou pagamento de bolsas relacionadas ao ensino à distância (EAD) e ao Laboratório de Produção de Recursos Didáticos para Formação de Gestores (LabGestão)”.

    “Essa decisão vem reparar uma injustiça perpetrada contra o impetrante, que ficou impedido de exercer seu trabalho durante quase um ano, por conta da ilegalidade do afastamento indeterminado, sem mera previsão de formação de culpa, em face de uma marcha pré-processual confusa, retardatária e revestida de autoritarismo injustificável”, afirmou o advogado Adriano Tavares da Silva, que defende o professor da UFSC .

     

     

    Conselho propõe inquérito contra procurador que criminalizou manifestações na UFSC

    Por Marcelo Auler
    O conselheiro Leonardo Acciolly da Silva quer que o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel investigue o procurador da República de Santa Catarina, Marco Aurélio Dutra Aydos por ele “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”. Na suposta defesa da honra da delegada federal Erika Mialik Marena, Aydos tentar processar o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Ubaldo Cesar Balthazar e o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, por conta de críticas feitas por manifestantes não identificados, em cerimônia na UFSC, aos responsáveis pela Operação Ouvidos Moucos que levou o antigo reitor, Luiz Carlos Cancellier, ao suicídio. Depois de ver sua denúncia rejeitada, Aydos continua tentando processar o reitor e o chefe de gabinete.

    Insistência de Aydos

    Apesar de a denúncia do procurador Aydos contra o reitor e seu chefe de gabinete ter sido rechaçada pela juíza Simone Barbisan Fortes, em 30 de agosto, como informamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos, ele não se deu por vencido.

    Quatro dias depois, em 3 de setembro, recorreu da decisão à 3ª Turma Recursal de Santa Catarina. Insiste na sua posição de processar os dois por não terem impedido que durante uma cerimônia na universidade, em dezembro de 2018, manifestantes não identificados expusessem uma faixa com críticas à delegada, a juíza Janaína, ao procurador da República, André Stefani Bertuol,  ao corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado e ao superintendente da CGU, Orlando Vieira de Castro Junior. Ou seja, cobrou de ambos a censura à livre manifestação da comunidade acadêmica.

    Neste recurso (leia aqui) chega a dizer que a juíza Simone, invertendo os papéis, perdoou os agressores da delegada mesmo sem procuração para tal.  Na peça com 13 laudas, ele expõe:

    Exorbitou a decisão recorrida em excesso passional e argumentativo que normalmente fazem parte da defesa prévia, fazendo-se lamentável disfunção de justiça, consistente na condenação da vítima, de um lado, e perdão, ilegítimo, dos agressores, de outro lado. A ninguém é conferido direito de “perdoar por procuração” – um “horror” que deturpa a essência da Justiça, segundo extraordinária lição do filósofo Emmanuel Lévinas (in Quatro leituras talmúdicas, São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 56).” (grifo do original)

    Em seguida insistiu nas críticas à juíza:

    “A decisão recorrida abrigou no largo guarda-chuva da justa causa tudo quanto encontrou para perdoar por procuração. A magistrada simplesmente substituiu-se à Ofendida para decidir que ela não devia ter representado criminalmente. Mas com que direito? O cenário do equívoco é metajurídico. Construiu-se uma narrativa histórica de alegado progresso, não apenas questionável, mas também falseável (segundo o método de Popper, que aqui é aplicável, por tratarmos de uma teoria, não de um fato). Em primeiro lugar, é preciso resgatar a autoridade do Supremo Tribunal Federal, que não ampara essa narrativa.”

    Procurador contesta afirmações de Nassif sobre o fascismo

    Onde está o fascismo?

    Nesta sua apelação, ele também criticou o jornalista Luís Nassif de tentar intimidar a Justiça, ao escrever no JornalGGN – MPF denuncia reitor da UFSC por não censurar manifestação – que ele, Aydos, “colocou o MPF na ante-sala do fascismo”. Para o procurador, o fascismo esteve próximo da manifestação ocorrida na universidade com críticas à delegada. Diz na sua peça:

    “(…) é oportuno refutar com veemência tentativas de intimidação à Justiça, mal disfarçadas sob o manto sempre sagrado da crítica, exemplificadas na verve do jornalista Luís Nassif, que deseja ver na denúncia do Ministério Público a “ante-sala do fascismo”. No nascimento da modernidade, criou-se a imprensa como uma instituição liberal, bem retratada por Jürgen Habermas como a primeira grande “transformação estrutural do espaço público”. Naquele tempo havia publicistas. Mas Leibnitz (1646-1716), contemporâneo do nascimento da modernidade, já registrava, a propósito, que essa criação típica da Inglaterra, a dos “public spirits” inspirados pelo amor à coisa pública que praticaram outrora gregos e romanos, já estava desaparecendo e ficando fora de moda em seu tempo (…)

    Hoje os publicistas desapareceram. Remanescem os ideólogos, tipos forjados da adulteração do original, que decretam respostas antes de fazerem as perguntas. Uma via de esclarecimento mútuo consiste em usar o esquecido ponto de interrogação do teclado e reformular seus decretos. Podemos perguntar, por exemplo. Onde fica a ante-sala do fascismo?

    Assim como outras formas de dominação descobertas pela modernidade, o fascismo não é uma experiência completamente reeditável. Ocorreu na Itália, sob circunstâncias dadas, e não se repetirá jamais de modo completamente igual, porque a história não se repete. Mas um fenômeno desses, depois de descoberto, integra o arsenal de agressões que forma o subterrâneo bárbaro de nossa civilização. Elementos de fascismo, assim como dos totalitarismos nazista e soviético, eventualmente podem emergir na superfície civilizada de democracias. Normalmente emergirão em contextos fortemente ideologizados, à revelia da consciência dos atores.

    Vale então conhecer um bom retrato da ascensão do fascismo italiano no extraordinário romance de Ignazio Silone, Fontamara. Numa das cenas memoráveis do livro, presenciamos uma cerimônia típica do Fascismo, o exame da população em praça pública a partir de duas perguntas: Viva quem? Abaixo quem?

    A solenidade de que trata a presente causa ecoa vividamente as cerimônias daquela descoberta italiana. Ergue-se a fotografia de um servidor público em praça pública com a descrição, sempre sumária, de seus alegados malfeitos. Como o fascismo é um movimento de massas, é sempre suficiente que se grite “Abaixo” alguém, para liberar o exército de seguidores para barbarizarem. É extraordinariamente curto o passo da violência simbólica para a violência física”.

    Leia os detalhes e conheça os documentos em: https://marceloauler.com.br/por-querer-censura-na-ufsc-procurador-sera-investigado/

     

     

     

     

     

  • O Xadrez e o Direito

    O Xadrez e o Direito

    Através de uma analogia do Xadrez com o Direito (a torre é a Polícia Federal, o cavalo é o Ministério Público…), Igor explica o que é Lawfare e como é possível prender qualquer inimigo político, seja quem for.

    Sobre os acontecimentos do domingo, 08 de julho, envolvendo o habeas corpus de Lula, Igor afirma: “Você não entendeu nada. Por quê? Porque há muito tempo esse jogo deixou de ser xadrez. Só o tabuleiro é de xadrez. As peças estão se movendo como bem entendem. O rei ainda está de pé e ele está validando todo esse jogo. Lawfare é isso que está acontecendo: um campo de batalha jurídico, onde leis e instituições estão sendo usadas para atingir fins políticos.”

    Para saber mais sobre Lawfare, veja a matéria Movimentos sociais: prestem atenção a essa expressão em inglês: “Lawfare”! Quem será a proxima vítima?” em https://jornalistaslivres.org/movimentos-sociais-prestem-atencao-essa-expressao-em-ingles-lawfare/.

  • Algumas lições da farsa do 8 de julho

    Algumas lições da farsa do 8 de julho

    Artigo de Eduardo Nunes Campos, advogado e jornalista em Belo Horizonte, especialmente para Jornalistas Livres

     

    Muitos de nós ainda têm grandes ilusões em relação à “justiça” brasileira, não entendendo que ela, hegemonicamente, é promotora do Estado de Exceção que se instalou no país.

    Muitos de nós não compreendem, de fato, o papel determinante das mobilizações de massa para reverter o quadro sombrio que vivemos. Fazem profissão de fé das manifestações, mas não se sujeitam a deixar o conforto de suas casas para ir às ruas.

    O rei está, mais que nunca, totalmente nu. Por mais tendenciosos e abjetos que sejam os noticiários da grande mídia, sistema Globo à frente, não é possível, a esta altura, esconder que a justiça foi atropelada pela política (como se isto não fosse uma constante entre ambas) e que suas decisões obedecem não ao Direito, mas às conveniências das elites, sejam nacionais, sejam estrangeiras.

    O sistema judicial brasileiro chegou ao fundo do poço. Sua desmoralização não tem precedentes. Pior: tudo graças à sua “cabeça”, ou à falta dela. O STF é hoje uma corte patética, como demonstra, inequivocamente, a nota oficial de sua presidente.

    A justiça nunca foi e nunca será igual para todos, em um regime social de desigualdades. A balança sempre penderá para um lado, o dos poderosos.

    Se a situação das forças progressistas é muito adversa, a das elites que comandam o poder também não é fácil. Ainda que estejam cumprindo seus objetivos, liquidando a soberania nacional e os direitos sociais, a instabilidade política tem se mostrado um custo alto pra elas. O desespero tomou conta de alguns de seus segmentos. Um notório jurista reacionário chegou a afirmar no domingo que o desembargador que mandou soltar Lula, valendo-se de uma prerrogativa a ele assegurada pelo ordenamento jurídico, é um “guerrilheiro e terrorista”.

    As urnas, que parecem ser o único objetivo que impulsiona hoje as forças vivas da nação, não resolverão, por si só, este quadro caótico. Também entre nós prevalece uma grande ilusão em relação ao seu papel e aos seus limites, ainda que não possamos, em nenhuma hipótese, desprezá-las ou subestimá-las.

    Se temos o dever de denunciar à nação o processo de desmonte a que ela está sendo submetida e os interesses econômicos que o determinam, temos a obrigação de refletir sobre os erros que cometemos e de fazer autocrítica sincera deles, para contribuir com sua reconstrução. A educação política de nossa gente é a única garantia de que as mudanças pelas quais lutamos, não apenas hoje, mas historicamente, serão consolidadas e abrirão caminho para um mundo verdadeiramente novo. Nosso campo, genericamente considerado, pode até vencer as eleições. Podemos até viabilizar uma reforma política minimamente progressista. Podemos até estancar o processo regressivo em curso, embora nada disto seja fácil. Isto valerá muito pouco, contudo, se não crescermos, juntos, enquanto nação, se não elevarmos o patamar de nossa consciência política, o que exige de nós o abandono de nossa mística religiosa e de nossa visão de cima, como se fôssemos a elite dos de baixo.

    Um gol a nosso favor!

    A despeito de alguns de nós, ainda iludidos com a “justiça” brasileira, termos ficado decepcionados com o desfecho do domingo, marcamos um gol, sem dúvida alguma.

    Em primeiro lugar, o país parou, depois da Seleção sair da Copa, para acompanhar a evolução dos acontecimentos, na expectativa da soltura ou não de Lula. Independentemente das torcidas a favor e contra, não há como contestar o desespero que tomou conta do Judiciário golpista, na tentativa de impedir a soltura. Moro, em particular, caiu na arapuca. De férias, escancarou de vez sua atuação política e sua perseguição a Lula. Imiscuiu-se em matéria em que é totalmente incompetente. Desacatou ordem de instância superior e articulou para que fosse descumprida. Abriu uma brecha enorme, não apenas para ser punido, quanto para ser considerado suspeito no processo do sítio de Atibaia, em que também já definiu, por antecipação, a culpa de Lula.

    O TRF4, de certa forma, foi pelo mesmo caminho. Por que, pelo menos, não esperou o fim do plantão, para rever a decisão de seu desembargador? Seria o caminho natural, não apenas porque previsto no ordenamento jurídico, como também aos olhos da população atenta. Por que tanta pressa, tanto desespero? Claro, para impedir que Lula tivesse, em algumas horas de liberdade, a possibilidade de potencializar a resistência aos abusos que tem sofrido e impedi-lo de fazer gravações a serem aproveitadas na campanha eleitoral, já que impedi-lo de participar da campanha, como candidato e não só, é o objetivo principal de sua prisão.

    O Judiciário se desmoralizou de vez. Com ele, sua presidente golpista e, paradoxalmente, acéfala. Chegou ao fundo do poço, evidenciando sua total incompetência para garantir a aplicação da lei e mediar, no que tange à sua competência, os conflitos no interior da sociedade. Esse desnudamento pesa a favor das forças democráticas. já que ele é um dos protagonistas do golpe.

    Por mais que a grande mídia queira fazer prevalecer a ideia de que a “jogada do PT” deu errado, sabe, perfeitamente, que isso não aconteceu. Foi, na verdade, uma jogada de mestre. Duvido que seus articuladores tivessem confiança na soltura de Lula. isto nem importa. A estratégia foi tão bem trabalhada que deixou de fora a equipe da defesa de Lula, preservada para continuar seu trabalho junto aos órgãos superiores, em especial o STJ e o STF, sem o desgaste inevitável que teria tido se tivesse participado abertamente da trama.

    De quebra, mais dois dividendos: os acontecimentos deste 8 de julho estimulam a ampliação das mobilizações, ainda muito fracas, e aumentam o desgaste da perseguição a Lula no cenário internacional.

    De todo modo, pra avaliar o resultado, basta ver a cara dos “jornalistas” da Globonews e o desespero da emissora em tentar legitimar suas posições, a partir da fala de juristas ligados ao golpe. Falam por si só!

    Síntese jurídica da batalha de 8 de julho
    1. O desembargador Rogério Favreto, que cumpria plantão judiciário no TRF4, em sistema de rodízio, concede habeas corpus em favor de Lula, impetrado por três deputados do PT.

    2. Sérgio Moro, de férias em Portugal, acionado pela Polícia Federal, resolve entrar na história, dizendo que se recusava a acatar a ordem. Faz contato com Thompson Flores, presidente do TRF4, e pede a ele que resolva a parada.

    3. A Polícia Federal obedece a ordem de Sérgio Moro, e não a do desembargador, e mantém Lula preso.

    4. O desembargador Gebran Neto, arguindo ser o relator do processo de Lula no TRF4, dá uma contraordem à Polícia Federal, determinando a manutenção da prisão de Lula e chamando pra si a responsabilidade de conduzir o tema, fora do plantão. Diz que Favreto foi induzido a erro.

    4. Favreto reafirma sua decisão, sustentando a legitimidade dela e refutando a tese de que foi induzido a erro.

    5. Carmen Lúcia, presidente do STF, emite uma patética nota oficial, sem dizer, rigorosamente, nada. O mesmo faz a OAB nacional.

    6. A Procuradoria da República pede que Flores, enquanto presidente do TRF4, resolva o conflito, emitindo sua opinião, de que a prisão em segunda instância não poderia ser desafiada por um desembargador de plantão.

    7. Flores, enquanto presidente do tribunal, decide por um ‘ponto final’ no conflito, devolvendo a questão para Gebran, negando competência a Favreto.

    Quem agiu em conformidade com o Direito e quem o confrontou:

    1. Favreto, como juiz de plantão, tinha não apenas o direito, mas o dever de apreciar o pedido a ele submetido. Habeas corpus visa a proteção da liberdade, sendo, por definição, sempre urgente.

    2. Moro, Gebran, Flores, a Procuradoria e, claro, a grande mídia, argumentaram que a matéria não poderia ter sido apreciada, por já ter sido decidida pelas instâncias superiores. A Procuradoria põe acento na jurisprudência do STF relativa à prisão em segunda instância. Todos afirmam que Favreto estava passando por cima de decisões de instâncias hierarquicamente superiores.

    3. De fato, o juiz de plantão, mesmo em se tratando de habeas corpus, não poderia analisá-lo, se se tratasse de matéria já apreciada em outro plantão ou já decidida em instâncias superiores, sem fato jurídico novo embasando o pedido.

    4. Favreto sustentou que o fato novo era a pré-candidatura de Lula à presidência da República e seu direito de fazer campanha, como qualquer outro candidato, já que, ainda que se reconheça a legitimidade da prisão em segunda instância – que Lula e sua defesa contestam – , seus direitos políticos encontram-se integralmente preservados, já que não houve trânsito em julgado da sentença condenatória. Gebran, Flores e a grande mídia batem na tecla, insistentemente, que a candidatura é fato público, há muito conhecida, não apenas por todo o Judiciário, mas pela população brasileira. Falácia! Não se trata aqui de fato político novo, mas de fato jurídico. A matéria ainda não havia sido apreciada por qualquer órgão julgador, de qualquer instância. Está à espera de julgamento no STF. Assim, havia no pedido, efetivamente, um fato jurídico novo, e é ele que sustenta a competência de Favreto para julgar o habeas corpus. Matéria nova, sim, sem qualquer relação com a prisão em segunda instância.

    5. Flores afirmou, em sua decisão, que sequer havia advogado de Lula entre os impetrantes do habeas corpus e que, mesmo isso não sendo exigência legal, em se tratando do caso concreto, deveria merecer cautela. Balela! Ainda que a afirmação fosse verdadeira, por que cautela, já que o habeas corpus é instrumento para proteção do direito do réu? Além disto, faltou com a verdade. O deputado Wadih Damous (PT-RJ) foi incorporado à equipe de defesa de Lula, fato que, além de estar nos autos, é de domínio público.

    5. Moro jamais poderia ter se insubordinado em relação à ordem de soltura de Favreto. Ainda que, por absurdo, pudesse despachar, mesmo de férias – há uma antiga decisão do ministro Marco Aurélio Mello admitindo a hipótese, em casos excepcionais -, não tem, hoje, qualquer relação com o acompanhamento do processo, que está na segunda instância e nas mãos de uma juíza da Vara de Execuções Penais de Curitiba. Imiscuiu-se, ele sim, em área em que é absolutamente incompetente, acusação que fez a Favreto, para impedir o andamento do alvará de soltura. Ademais, é inadmissível, em um Estado de Direito um juiz de primeira instância rebelar-se contra decisão de um de segunda instância, em relação a matéria de competência do grau de jurisdição acima dele.

    6. A Polícia Federal cometeu, igualmente, insubordinação. Primeiro, contatou Moro no exterior, não tendo ele qualquer jurisdição sobre o caso; segundo, recusou-se a acatar a ordem de Favreto, e fez corpo mole até receber a contraordem de Flores.

    7. Flores, igualmente, não tinha competência para revogar a ordem de Favreto, mesmo sendo presidente do Tribunal. Só quem poderia fazê-lo era órgão colegiado, depois que terminasse o plantão de Favreto. Certamente, o faria, com legitimidade para tal. Flores não aguardou o trâmite regular do processo, contudo, apenas e tão somente para impedir a soltura de Lula, ainda que por poucas horas, que ele, com certeza, aproveitaria para gravar uma série de inserções para a campanha eleitoral.

    8. A Procuradoria Geral da República, ao invés de levar a questão ao STJ ou ao Supremo, preferiu fazer conluio com a Procuradoria Regional, para que o caso fosse parar, ainda que ilegitimamente, nas mãos de Flores. Seu argumento, já contestado, não tinha qualquer relação com o fundamento do pedido de habeas corpus, mas com a legalidade da prisão em segunda instância.

    9. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe), entidade corporativa e reacionária, apoiando as manobras jurídicas de Moro e do TRF4, e a grande mídia, sustentam que Favreto sequer é juiz concursado, e que foi nomeado por Dilma Roussef para o cargo. Pouco importa se é juiz concursado. É desembargador colocado no cargo, legítima e legalmente, por seus méritos. Foi eleito para lista tríplice da OAB do Rio Grande do Sul e nomeado por Dilma em respeito à sua eleição, o que lhe confere, aliás, muito mais legitimidade que um juiz simplesmente concursado. A Ajufe e a grande mídia se esqueceram, propositalmente, de prestar esta informação. A OAB sequer lembrou isto em sua patética nota, que se recusa a entrar no mérito das manobras urdidas e a defender a legitimidade e a legalidade da decisão do desembargador.

    10. A campanha sórdida feita pela grande mídia contra Favreto, classificando-o como petista histórico e desqualificando sua decisão, como se fosse meramente partidária, não ancorada no Direito, se esqueceu também de lembrar que os ministros do STF foram, todos, indicados por presidentes da República, e que o nomeado mais recente, Alexandre de Morais, era tucano militante, de carteirinha, além de ser ministro do governo usurpador.

    11. Carmen Lúcia, como afirmou o jurista conservador Walter Maierovitch, perdeu boa oportunidade de ficar calada, já que não disse nada em sua nota, tentando, como sempre, dar uma de magistrada isenta, enquanto é uma das patrocinadoras maiores da falência de nosso sistema jurisdicional.

    12. A gangue do Ministério Público, agora, leva Favreto ao CNJ, na tentativa de obscurecer, mais que sua atuação absurda no caso, a desobediência de seus comparsas, Moro, Gebran e Flores. É a marcha do golpe, que só pode ser detida pela presença massiva do povo nas ruas, já que o STF, ao invés de contê-lo, foi e continua sendo um de seus protagonistas.

    13. Os Juristas Pela Democracia, por sua vez, pedem a prisão de Moro e do delegado da Polícia Federal, que desobedeceram a ordem de Favreto.

    A conferir os próximos capítulos, em particular a postura do STF e de seus integrantes, individualmente.

  • Deduragem e prisão espetacular matam reitor da Federal de Santa Catarina. Chega!

    Deduragem e prisão espetacular matam reitor da Federal de Santa Catarina. Chega!

    “Minha morte foi decretada no dia de minha prisão”, escreveu o reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, no bilhete que deixou ao se suicidar nesta segunda-feira, 2/10, em Florianópolis.

    Não foi um suicídio discreto. Cancellier, morto aos 60 anos, deixou à vista de todas e todos o seu corpo inerte no meio do vão central às 10h30, no mais tradicional shopping da capital catarinense, o Beiramar.

    Trata-se de suicídio que cobre de vergonha todo o país, que consagrou como métodos de investigação a deduragem, a humilhação pública e a prisão estrepitosa, sob os holofotes de uma mídia linchadora e vulgar.

    Reconhecido como intelectual e jurista comprometido com os Direitos Humanos e a diversidade, Cancellier militou no movimento estudantil durante a resistência à Ditadura Militar (1964-1985), tendo participado ativamente das campanhas pela anistia, pelas diretas-já e pela Constituinte.

    Nada dessa trajetória, entretanto, foi capaz de frear o ânimo da delegada Erika Mialik Marena, da Polícia Federal, que pediu e conseguiu da Justiça a decretação da prisão temporária do reitor Cancellier por supostas irregularidades cometidas com relação às prestações de contas dos contratos do Ensino à Distância (EaD) oferecidos pela instituição entre 2008 e 2014. Ressalte-se que Cancellier tornou-se reitor da UFSC apenas em maio de 2016. A mesma delegada pediu e obteve a decretação do “AFASTAMENTO CAUTELAR DO EXERCÍCIO DO CARGO/FUNÇÃO PÚBLICA de todos os servidores públicos abaixo relacionados [inclusive o reitor], com proibição de que exerçam cargo público de qualquer natureza, de que entrem na UFSC e de que tenham acesso a qualquer material da UFSC…”

     Como sempre tem ocorrido, foi uma delação que serviu de gatilho às investigações –“ao que tudo indica feita por um professor do Curso de Física e dirigida ao MPF/SC”.

    Na edição de 14 de setembro, o “Bom Dia Brasil” abriu com informações sobre a operação da Polícia Federal desencadeada naquele mesmo momento em Santa Catarina e Brasília contra “fraudes no ensino à Distância”. A apresentadora Ana Paula Araújo assim comentou a notícia: “É roubalheira para tudo que é lado! (…) O reitor da Universidade de Santa Catarina foi preso!”

    Em artigo publicado no jornal “O Globo”, apenas quatro dias antes do suicídio, o reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo relatou o sofrimento moral que lhe foi imposto:

    “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira; avaliada com vários cursos de excelência em pós-graduação pela Capes e homenageada pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.”

    Em entrevista à jornalista livre Raquel Wandelli, Júlio Cancellier, irmão do reitor morto, disse Luiz Carlos “deu todos os sinais em público de que estava fortemente deprimido e se sentindo exilado, mas não pôde receber o apoio dos amigos porque a juíza responsável pela primeira ordem de prisão mantinha-o incomunicável. Essa foi a grande mágoa dele: estava se sentindo humilhado e vexado e ainda privado do convívio com as pessoas”.

    A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), emitiu uma nota pública em que expressa o pesar pela morte prematura de Cancellier ao mesmo tempo em afirma a “absoluta indignação e inconformismo com o modo como foi tratado por autoridades públicas o Reitor, ante um processo de apuração de atos administrativos, ainda em andamento e sem juízo formado.”

    “É inadmissível que o país continue tolerando práticas de um Estado policial, em que os direitos mais fundamentais dos cidadãos são postos de lado em nome de um moralismo espetacular. É igualmente intolerável a campanha que os adversários das universidades públicas brasileiras hoje travam, desqualificando suas realizações e seus gestores, como justificativa para suprimir o direito dos cidadãos à educação pública e gratuita.”

    Só para lembrar, a narrativa inspiradora do juiz Sergio Moro é a Operação Mãos Limpas, levada a cabo durante os anos 1990 na Itália. Também baseada em delações, vazamentos seletivos, prisões e humilhações públicas, a Mãos Limpas teve relação causal direta com 11 suicídios em 1992, 10 em 1993 e outros 10 em 1994, que foram os anos em que as fogueiras estiveram mais acesas.

    Quantos mais aceitaremos que morram, literalmente “de vergonha”, até que paremos com a máquina de moer gente que está instalada no Judiciário brasileiro?

     

  • Moro atropela lei brasileira para atender pedido da polícia dos EUA

    Moro atropela lei brasileira para atender pedido da polícia dos EUA

    O Juiz Sérgio Moro determinou em 2007 a criação de RG e CPF falsos e a abertura de uma conta bancária secreta para uso de um agente policial norte-americano, em investigação conjunta com a Polícia Federal do Brasil. No decorrer da operação, um brasileiro investigado nos EUA chegou a fazer uma remessa ilegal de US$ 100 mil para a conta falsa aberta no Banco do Brasil, induzido pelo agente estrangeiro infiltrado.

    Na manhã da última terça-feira (20), os Jornalistas Livres questionaram o juiz paranaense sobre o assunto, por meio da assessoria de imprensa da Justiça Federal, que afirmou não ter tempo hábil para levantar as informações antes da publicação desta reportagem (leia mais abaixo).

    Todas essas informações constam nos autos do processo nº. 2007.70.00.011914-0 – a que os Jornalistas Livres tiveram acesso – e que correu sob a fiscalização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região até 2008, quando a competência da investigação foi transferida para a PF no Rio de Janeiro.

    Especialistas em Direito Penal apontam ilegalidade na ação determinada pelo juiz paranaense, uma vez que a lei brasileira não permite que autoridades policiais provoquem ou incorram em crimes, mesmo que seja com o intuito de desvendar um ilícito maior. Além disso, Moro não buscou autorização ou mesmo deu conhecimento ao Ministério da Justiça da operação que julgava, conforme deveria ter feito, segundo a lei.

     

    ENTENDA O CASO

    Em março de 2007, a Polícia Federal no Paraná recebeu da Embaixada dos Estados Unidos um ofício informando que as autoridades do Estado da Geórgia estavam investigando um cidadão brasileiro pela prática de remessas ilícitas de dinheiro de lá para o Brasil. Na mesma correspondência, foi proposta uma investigação conjunta entre os países.

    Dois meses depois, a PF solicitou uma “autorização judicial para ação controlada” junto à 2ª Vara Federal de Curitiba, então presidida pelo juiz Sérgio Moro, para realizar uma operação conjunta com autoridades policiais norte-americanas. O pedido era para que se criasse um CPF (Cadastro de Pessoa Física) falso e uma conta-corrente a ele vinculada no Brasil, a fim de que policiais norte-americanos induzissem um suspeito a remeter ilegalmente US$ 100 mil para o país. O objetivo da ação era rastrear os caminhos e as contas por onde passaria a quantia. A solicitação foi integralmente deferida pelo juiz Moro, que não deu ciência prévia ao Ministério Público Federal da operação que autorizava, como determina a lei:


    “Defiro o requerido pela autoridade policial, autorizando a realização da operação conjunta disfarçada e de todos os atos necessários para a sua efetivação no Brasil, a fim de revelar inteiramente as contas para remeter informalmente dinheiro dos Estados Unidos para o Brasil. A autorização inclui, se for o caso e segundo o planejamento a ser traçado entre as autoridades policiais, a utilização de agentes ou pessoas disfarçadas também no Brasil, a abertura de contas correntes no Brasil em nome delas ou de identidades a serem criadas.”


    No mesmo despacho, Moro determinou que não configuraria crime de falsidade ideológica a criação e o fornecimento de documentação falsa aos agentes estrangeiros: “Caso se culmine por abrir contas em nome de pessoas não existentes e para tanto por fornecer dados falsos a agentes bancários, que as autoridades policiais não incorrem na prática de crimes, inclusive de falso, pois, um, agem com autorização judicial e, dois, não agem com dolo de cometer crimes, mas com dolo de realizar o necessário para a operação disfarçada e, com isso, combater crimes.”


    Depois disso, foram feitas outras quatro solicitações da PF ao juiz Moro, todas deferidas pelo magistrado sem consulta prévia à Procuradoria Federal. Atendendo aos pedidos, o juiz solicitou a criação do CPF falso para a Receita Federal:

    “Ilmo. Sr. Secretário da Receita Federal,


    A fim de viabilizar investigação sigilosa em curso nesta Vara e realizada pela Polícia Federal, vimos solicitar a criação de um CPF em nome da pessoa fictícia Carlos Augusto Geronasso, filho de Antonieta de Fátima Geronasso, residente à Rua Padre Antônio Simeão Neto, nº 1.704, bairro Cabral, em Curitiba/PR”.

    Além disso, o magistrado solicitou a abertura de uma conta no Banco do Brasil, com a orientação de que os órgãos financeiros fiscalizadores não fossem informados de qualquer operação suspeita:

    “Ilmo. Sr. Gerente, [do Banco do Brasil].

    A fim de viabilizar investigação sigilosa em curso nesta Vara e realizada pela Polícia Federal, vimos determinar a abertura de conta corrente em nome de (identidade falsa).

    (…) De forma semelhante, não deverá ser comunicada ao COAF ou ao Bacen qualquer operação suspeita envolvendo a referida conta”.

    Criados o CPF e a conta bancária, as autoridades norte-americanas realizaram a operação. Dirigiram-se ao suspeito e, fingindo serem clientes, entregaram-lhe a quantia, solicitando que fosse ilegalmente transferida para a conta fictícia no Brasil.

    Feita a transferência, o caminho do dinheiro enviado à conta falsa foi rastreado, chegando-se a uma empresa com sede no Rio de Janeiro. Sua quebra de sigilo foi prontamente solicitada e deferida. Como a empresa era de outro Estado, a investigação saiu da competência de Moro e do TRF-4, sendo transferida para o Rio.



    LEI AMERICANA APLICADA NO BRASIL


    A ação que Moro permitiu é prevista pela legislação norte-americana, trata-se da figura do agente provocador: o policial que instiga um suspeito a cometer um delito, a fim de elucidar ilícitos maiores praticados por quadrilhas ou bandos criminosos.

    No caso em questão, o agente norte-americano, munido de uma conta falsa no Brasil, induziu o investigado nos EUA a cometer uma operação de câmbio irregular (envio de remessa de divisas ao Brasil sem pagamento dos devidos tributos).

    Ocorre, porém, que o Direito brasileiro não permite que um agente do Estado promova a prática de um crime, mesmo que seja para elucidar outros maiores. A Súmula 145 do STF é taxativa sobre o assunto:


    “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.”


    Ou seja, quando aquele que tenta praticar um delito não tem a chance de se locupletar por seus atos, caindo apenas em uma armadilha da polícia, o crime não se consuma.

    É o que explica o advogado criminalista André Lozano Andrade: o agente infiltrado não deve ser um agente provocador do crime, ou seja, não pode incentivar outros a cometer crimes. “Ao procurar uma pessoa para fazer o ingresso de dinheiro de forma irregular no Brasil, o agente está provocando um crime. É muito parecido com o que ocorre com o flagrante preparado (expressamente ilegal), em que agentes estatais preparam uma cena para induzir uma pessoa a cometer um crime e, assim, prendê-la. Quando isso é revelado, as provas obtidas nesse tipo de ação são anuladas, e o suspeito é solto”, expõe Lozano.


    Já Isaac Newton Belota Sabbá Guimarães, promotor do Ministério Público de Santa Catarina e professor da Escola de Magistratura daquele Estado, explica que “a infiltração de agentes não os autoriza à prática delituosa, neste particular distinguindo-se perfeitamente da figura do agente provocador. O infiltrado, antes de induzir outrem à ação delituosa, ou tomar parte dela na condição de co-autor ou partícipe, limitar-se-á ao objetivo de colher informações sobre operações ilícitas”.


    CONTESTAÇÃO JUDICIAL

    A ação policial autorizada por Moro levou à prisão vários indivíduos no âmbito da Operação Sobrecarga. Uma das defesas, ao impetrar um pedido de habeas corpus junto à presidência do TRF-4, apontando ilicitude nas práticas investigatórias, argumentou que seu cliente havia sido preso com base em provas obtidas irregularmente, e atacou a utilização de normas e institutos dos Estados Unidos no âmbito do Direito brasileiro:

    “Data venia, ao buscar fundamento jurisprudencial para amparar a medida em precedentes da Suprema Corte estadunidense, a d. Autoridade Coatora (Sérgio Moro) se olvidou de que aquela Corte está sujeita a um regime jurídico diametralmente oposto ao brasileiro.”

    “Enquanto os EUA é regido por um sistema de direito consuetudinário (common law), o Brasil, como sabido, consagrou o direito positivado (civil law), no qual há uma Constituição Federal extremamente rígida no controle dos direitos individuais passíveis de violação no curso de uma investigação policial. Assim, a d. Autoridade Coatora deveria ter bebido em fonte caseira, qual seja, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e das demais Cortes do Poder Judiciário brasileiro.”

    O habeas corpus impetrado, no entanto, não chegou a ser analisado pelo TRF-4. É que, logo depois, em 2008, a jurisdição do caso foi transferida para a Justiça Federal do Rio de Janeiro. Lá, toda a investigação foi arquivada, depois que o STF anulou as interceptações telefônicas em Acórdão do ministro Sebastião Rodrigues atendendo outro habeas corpus impetrado por Ilana Benjó em defesa de um dos réus no processo.

    Processo arquivado, crimes impunes.



    OUTRO LADO

    Os Jornalistas Livres enviaram na manhã da última terça-feira à assessoria de imprensa da Justiça Federal no Paraná, onde atua o juiz Sérgio Moro, as seguintes questões a serem encaminhadas ao magistrado:


    “Perguntas referentes ao processo nº. 2007.70.00.011914-0


    – Qual a sustentação legal para a solicitação do juiz Sérgio Moro para que a Receita Federal criasse CPF e identidade falsa para um agente policial dos Estados Unidos abrir uma conta bancária no Brasil em nome de pessoa física inexistente?

    – Por que o juiz Moro atendeu ao pleito citado acima, originário da Polícia Federal, sem submetê-lo, primeiramente, à apreciação do Ministério Público Federal, conforme determina o ordenamento em vigor no país?

    – Por que o juiz Moro não levou ao conhecimento do Ministério da Justiça os procedimentos que autorizou, conforme também prevê a legislação vigente?”

    A assessoria do órgão não chegou a submeter os questionamentos ao juiz. Disse, por e-mail, que não teria tempo hábil para buscar as informações em arquivos da Justiça:


    “Esse processo foi baixado. Portanto, para que consiga informações sobre ele precisamos buscar a informação no arquivo.


    Outra coisa, precisa ver o que realmente ocorreu e entender pq o processo foi desmembrado para o Rio de Janeiro. Não tenho um prazo definido pra conseguir levantar o processo. Também preciso entender como proceder para localizar o processo aqui. Infelizmente essa não é minha política, mas não consigo te dar um prazo para resposta neste momento. Fizemos pedidos para o juiz e para o TRF-4.

    Sugiro que vc (sic) tente com a Justiça Federal do Rio de Janeiro também.

    Espero que compreendas.

    Assim que tiver alguma posição, te aviso.”

  • AO MPF COMPETE ZELAR PELA CONSTITUIÇÃO, NÃO FAZER POLÍTICA

    AO MPF COMPETE ZELAR PELA CONSTITUIÇÃO, NÃO FAZER POLÍTICA

    O argumento da força-tarefa da Operação Lava Jato, segundo o qual o ex-presidente Lula teria lavado dinheiro com palestras não se sustenta.

    Diz reportagem publicada pela “Folha de S.Paulo”, no dia 4/3:

    As investigações da Operação Alethéia, a 24ª fase da Lava Jato, apontam indícios de que o ex-presidente Lula simulou contratos de palestras para receber dinheiro da empreiteira OAS.

    Nos autos que levaram à ação sobre Lula nesta sexta (4), o Ministério Público Federal mostra, por exemplo, um caso envolvendo uma palestra dele em Santiago (Chile) no dia 27 de novembro de 2013.

    O valor celebrado foi de US$ 200 mil. Uma troca de e-mails entre executivos da empreiteira apontou que o arquivo da minuta do contrato foi criado no dia 7 de janeiro de 2014. “Portanto, em momento posterior à suposta realização da palestra”, destacam os investigadores.

    Bastaria aos investigadores e ao repórter da “Folha” uma breve pesquisa no Google e eles teriam localizado a foto abaixo, comprobatória da reunião que o MPF diz não ter ocorrido.

    Reunión de empresarios chilenos con Ex Presidente Lula

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    Palestra do ex-presidente Lula com 30 empresários em 27/11/2013. Fonte: Confederación de La Producción y del Comercio (Chile)

    O fato suspeito, citado na matéria, de o contrato ser formalizado pouco mais de 1 mês depois do evento, logo depois do recesso de natal e ano novo, não traz em si nenhuma ilegalidade e portanto não diz nada, ou talvez represente um pelo no ovo a fortalecer uma determinada narrativa. Tampouco o não-conhecimento por parte dos diretores da empresa OAS prova qualquer ilícito. Trata-se de pura ilação. Menos ainda a justificativa de que há outros contratos iguais, mudando-se somente as informações necessárias. Esta é uma pratica comum em todos os ramos de atuação, usar modelos para atividades iguais. Basta ver que muita gente atualmente usa modelos da internet para realizar os mais diversos tipos de contratos, é só dar uma busca no google e o cidadão encontra inúmeros sites com todos os tipos de modelos. Isto não é indício de nada. A que serve então o lançamento dessa nuvem de suspeitas?

    A palestra no Chile ocorreu. A nota da Confederación de la Producción y del Comercio e a foto, publicadas no site em 28/11/2013, provam-no. Por que então não se tomou o devido cuidado de checar antes de lançar na imprensa as suspeitas de que as palestras não ocorreram?

    Qual jogo está sendo jogado?

    Combate à corrupção ou atuação política ativa com fim específico e determinado de criminalizar o ex-presidente Lula?

    Como explicar o silêncio e a inação investigativa sobre a delação que apontou que ⅓ de propina iam diretamente ao Senador Aécio Neves?

    É este o papel que a Constituição atribui ao MPF?

     

    A foto do ex-presidente Lula rodeado dos empresários chilenos que participaram do evento, expõe fragilidades da investigação e uma ação orquestrada para criminalizar um partido e o possível candidato presidencial das próximas eleições de 2018, podendo ser lida, tal atitude, como algo inconstitucional. Mais do que isso, diz sobre intenções nada republicanas sendo gestadas em Curitiba.

    palestra-lula-2

    Por duas horas os 30 destacados empresários chilenos conversaram com o ex-presidente Lula, cujas palestras custam tanto quanto as de Bill Clinton. Não é atribuição do MPF precificar as palestras já que se trata de relação comercial acordada entre partes.

    O ex-presidente Lula, inclusive, conforme nota, declarou os valores à receita federal e pagou os impostos sobre o valor recebido.

    Agora, se a empresa OAS usou o dinheiro desviado da Petrobras para efetuar o pagamento, esta responsabilidade juridicamente recai sobre a empresa e não sobre as pessoas a quem ela eventualmente tenha pago com o fruto do roubo. Ou será que todos os funcionários da OAS também serão criminalizados pela investigação, já que também teriam sido remunerados com o chamado “dinheiro sujo”?

    A ação coercitiva contra o ex-presidente Lula teve sim o papel de atiçar a sociedade, servindo de mobilizadora para o ato do dia 13/03 pelo impeachment da presidente Dilma. Isso fica ainda mais claro pela prática dos vazamentos seletivos para a grande imprensa, que age como coadjuvante a clamar pelo justiçamento do principal partido de esquerda do país.

    A divulgação de suspeitas infundadas, sem a menor investigação anterior, como fica claro no caso da palestra no Chile, é sinal de que as intenções são facciosas e nada republicanas.

    O Ministério Público Federal foi uma conquista cidadã na Constituição de 1988. O conjunto dos procuradores e procuradoras do MPF não merece ter suas imagens vinculadas a aberrações quetais. O Brasil precisa que o Ministério Público Federal zele pela Constituição para o aprimoramento da vida democrática e não o contrário.

    Ao país, como disse o ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, frente a esta investigação cabe corrigir rumos, gerar mecanismos de controle e governança para melhorarmos como nação e não voltar no tempo e nos métodos. E aqui é importante destacar a imagem do arbítrio do paredão, formulada pelo ministro, diz muito do retrocesso que vivemos. Como disse em recente entrevista, o jurídico usa o meio para chegar ao fim e não o contrário.

    A corrupção é um câncer antigo a corroer o Estado brasileiro. Basta lembrar a denúncia feita pelo jornalista Paulo Francis, a respeito de roubos na Petrobras, em meados dos anos 90, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. Por que então as investigações são usadas para criminalizar um segmento político da sociedade, como se a corrupção só se tivesse criado a partir de 2003? Existem casos com valores até maiores do que os desviados atualmente da Petrobras. O Banestado no Paraná, sede da Operação Lava Jato, é um exemplo e os procuradores sabem disso.

    O Brasil mudou muito nestes últimos doze anos, mudou para melhor, tornou-se mais inclusivo, a sociedade tem exercido mais os direitos que possui, mesmo com todos os conflitos que vivemos em inúmeras áreas da vida nacional.

    Temos convicção, em função dos procuradores e procuradoras que conhecemos no Ministério Público Federal, pelos anos de convivência e atuação solidária com a instituição, que o MPF saberá fazer valer a Constituição e orientar as práticas de luta contra a corrupção dentro dos marcos democráticos.

    GRUPO TORTURA NUNCA MAIS-SP

     

    Para assistir as palestras do Lula, pagas ou gratuitas, em outros eventos acesse:

    https://www.youtube.com/playlist?list=PLzC4rq-1oifwMl4oQRF8NGIvTEIhxTyyx

     

    Para ler as matérias da “Folha de S.Paulo” que geraram esta reflexão:

    1. http://wwwfolha.uol.com.br/poder/2016/03/1746396-lulapodetersimuladocontratosdepalestrascomoasdizinvestigacao.shtml
    2. http://wwwfolha.uol.com.br/poder/2016/03/1747078-ministeriopublicofederalrequisitaprovasdepalestrasdoexpresidente.shtml