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Tag: Pedro PArente.

  • Um prêmio para a administração da Petrobras

    Um prêmio para a administração da Petrobras

    Imaginemos um país. Poderíamos chamá-lo de Golpelândia ou New Liberalia. O nome não importa, mas fiquemos com o primeiro. O fato é que Golpelândia é um grande produtor de laranjas, tem muitas fábricas de suco de laranja, aptas a suprir quase toda demanda dos Golpeados (nome dado aos habitantes de Golpelândia). Mas, eis que os Golpistas (nome dado à elite governante de Golpelândia) tomaram uma decisão esdrúxula: resolveram exportar laranjas, diminuir a produção de suco nas suas fábricas e importar suco de laranja do exterior.

    Espere um pouco! Temos laranjas, temos fábricas de suco de laranja e resolvemos vender laranjas para outros países para importar suco, deixando nossas fábricas ociosas? Sim, isso mesmo.

    Nossa salvação é que o suco importado é mais caro e perderá a concorrência para o suco produzido aqui, certo? Errado! Os Golpistas resolveram que o preço de suco de laranja vendido aqui deve ser igual ao preço internacional.

    Aí a porca torceu o rabo. Uma parte dos consumidores se rebelou e os Golpistas resolveram acalmar os Golpeados irritados: vão usar dinheiro público para subsidiar o suco preparado com nossas laranjas, vendidas ao exterior, transformadas em suco no exterior (enquanto nossas fábricas usam só parte de sua capacidade de produção), importadas por nosso país e vendidas ao preço internacional. O prêmio da revista “vEXAME” de administradores do ano vai para essa turma.

    Agora sério. Veja esse manifesto de professores de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O que descrevem é exatamente a mesma historinha inventada sobre a laranja, só que relativa a produtos que influenciam todas as cadeias de produção de bens no país: combustíveis.

    Subsídios para o Diesel Importado?

    Recentemente, o conselho de administração da Petrobras, negligenciando os efeitos danosos da volatilidade no preço do petróleo para a atividade econômica, decidiu manter os preços dos combustíveis alinhados com os preços dos derivados no mercado internacional, independentemente dos custos de produção da companhia. Com essa política, a empresa passou a repassar os riscos econômicos da volatilidade dos preços para os consumidores com o objetivo de aumentar os dividendos de seus acionistas. A crise provocada pela reação dos caminhoneiros a essa política é fruto desse grave equívoco.

    Para superar essa crise, é indispensável rever essa política. No entanto, o governo decidiu preservá-la, propondo um subsídio para o diesel com reajustes mensais no seu preço. O governo estima que essas medidas custarão R$ 13 bilhões aos cofres públicos até o final do ano, dos quais mais de R$ 3 bilhões serão gastos para subsidiar o diesel importado O ministro Guardia justificou essa medida econômica heterodoxa como necessária para preservar a competitividade do diesel importado.

    O Brasil importou 25,4 milhões de barris de gasolina e 82,2 milhões de barris de diesel no ano passado, porém exportou 328,2 milhões de barris de petróleo bruto. Na prática, esse petróleo foi refinado no exterior para atender o mercado doméstico, deixando nossas refinarias ociosas (31,9%) em março de 2018. Nesse processo, os brasileiros pagaram os custos da ociosidade das refinarias da Petrobras e aproximadamente US$ 730 milhões anuais pelo refino de seu óleo no exterior. Não é racional que o Brasil subsidie diesel importado para absorver a capacidade ociosa de concorrentes comerciais.

    A Petrobras foi criada para garantir o suprimento doméstico de combustíveis com preços racionais. Não é razoável que o presidente da Petrobras declare que o petróleo produzido no Brasil é rentável a US$ 35 dólares/barril e proponha ofertá-lo aos brasileiros a US$ 70/barril.

    Professores do Instituto de Economia da UFRJ:
    Adilson de Oliveira
    Ary Barradas
    Carlos Frederico Leão Rocha
    David Kupfer
    Denise Lobato Gentil
    Eduardo Costa Pinto
    Fernando Carlos
    Isabela Nogueira
    João Saboia
    João Sicsu
    José Eduardo Cassiolato
    José Luís Fiori
    Karla Inez Leitão Lundgren
    Lena Lavinas
    Lucia Kubrusly
    Luiz Carlos Prado
    Luiz Martins
    Marcelo Gerson Pessoa de Matos
    René Carvalho
    Ronaldo Bicalho
    Victor Prochnik

  • O Parentesco de Pedro Parente é com o PSDB

    O Parentesco de Pedro Parente é com o PSDB

    Pedro Parente e o modo como geriu a Petrobras têm no DNA a ideologia entreguista de Serra, Doria, Alckmin, Goldman. FHC e partidários do PSDB em geral. Lembremos das privatizações das telefônicas, das empresas de energia elétrica, dos bancos estaduais e muitas outras empresas que acabaram em mãos estrangeiras. Para quem não leu, é fortemente recomendado o livro Privataria Tucana. Lembremos que tirar a obrigatoriedade da Petrobras estar nas associações para explorar o pré-sal foi o primeiro projeto de Serra após o golpe.

    Não foi somente a reação à política de preços de Parente que o derrubou. Sua entrega de ativos da Petrobras a empresas estrangeiras, sua determinação de reduzir o refino e importar derivados, sua determinação de não mais privilegiar conteúdo nacional em suas compras, enfim seu modo privado de gerir uma empresa pública fez proliferar uma oposição contra ele que atingiu o auge com a greve dos caminhoneiros. Muito do apoio conferido aos caminhoneiros teve origem na indignação com as medidas de Parente de entregar ativos da empresa e nossas reservas de petróleo ao controle estrangeiro. Nem mesmo a autoritária decisão do Tribunal Superior do Trabalho de impedir a greve dos petroleiros foi capaz de estancar sua sangria do presidente da maior empresa brasileira.

    Os blocos dominantes, a elite econômica brasileira e a elite estrangeira com interesses no Brasil, estão em franca disputa pelo poder no nosso país. Sem candidato que consiga assumir a hegemonia da classe, o que assistimos é um jogo com derrotas impostas aos mais diversos atores. Temer e seus aliados eram o alvo preferido. Até chegarmos a essa derrota fragorosa do PSDB.

    Não podemos descartar a possibilidade de se reconstituir um pacto com conteúdo semelhante àquele estabelecido na Constituição de 1988. A luta política está aí para quem é de luta.

  • Os caminhoneiros e o mercado

    Os caminhoneiros e o mercado

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com charge de Bira Dantas

    Na última semana, todos assistimos o desenrolar de um novo capítulo da crise brasileira, talvez aquele que até aqui mais tenha feito a sociedade civil sangrar. Cada vez mais fica claro que golpe é aquele tipo de coisa que custa caro para todos, para golpistas e legalistas.

    Os golpistas sofrem por serem golpistas e os legalistas por serem covardes. O golpe não é um evento. É um processo que ainda não terminou.

    É óbvio que estou falando da “greve dos caminhoneiros”, que no país inteiro bloqueou as principais estradas e rodovias, causando um gravíssimo problema de abastecimento.

    Hoje, quando o movimento dá sinais de esvaziamento, talvez seja possível visualizá-lo com mais clareza e compreender o seu lugar na crise brasileira contemporânea. É isso que tento fazer neste ensaio, reconstruindo a cronologia dos acontecimentos, analisando com cuidado as agendas que foram apresentadas, os interesses envolvidos.  

    O que o tempo inteiro esteve em jogo foi a disputa pelo Estado. Nesse jogo, os caminhoneiros entenderam o poder que possuem sobre a sobrevivência material da sociedade. De posse desse poder, eles acuaram o governo o golpista, estrangularam a nação e venceram. Mas não foram os únicos vencedores.

    O mercado também venceu, já que Pedro Parente, presidente da Petrobras e grande responsável pelo colapso energético que estamos vendo no Brasil, não teve o nome citado por aqueles que ocuparam as estradas brasileiras.

    Sem dúvida, a grande derrotada foi a sociedade brasileira, que perdeu sorrindo, gozando. A sociedade brasileira comemorou a própria derrota, aplaudindo os caminhoneiros, num surto de masoquismo coletivo.

    É importante acompanhar com cuidado a cronologia dos acontecimentos, fato a fato, passo a passo. Crônica factual é igual a canja de galinha: sempre ajuda.

    Divido a greve dos caminhoneiros em três momentos distintos:

    1° momento – O protagonismo da ABCAM

    O marco inicial do movimento se deu no dia 18/5, uma sexta-feira, quando a Associação Brasileira dos Caminhoneiros (ABCAM) fez uma representação ao governo, exigindo o fim dos impostos sobre o diesel e agendando o início da greve para o dia 21/5.

    Já há uns bons seis meses que estavam tensas as relações entre o governo federal e a ABCAM. Mas como o governo federal tinha problemas mais urgentes, como salvar o coro de Michel Temer das duas flechas disparadas por Rodrigo Janot, a poeira foi sendo varrida pra debaixo do tapete.

    A atuação de Rodrigo Janot na crise brasileira ainda precisa ser estudada com mais cuidado. Não é isso que faço. Não aqui.

    Não custa lembrar que a ABCAM apoiou o golpe parlamentar que destituiu a presidenta Dilma. Ninguém apoia um golpe de Estado se não alimenta expectativas de ganhar algo com o novo regime de poder. O governo golpista de Michel Temer frustrou as expectativas da ABCAM.

    No início, portanto, a “greve dos caminhoneiros”, tão celebrada à esquerda e à direita, foi conflito travado entre golpistas.

    Percebam, leitor e leitora: a ABCAM, entidade que representa também os donos das transportadoras, protestou contra a carga tributária. Nada mais coerente e óbvio do que patrão protestar contra imposto.

    A essa altura, não existia agenda política clara nas reivindicações do movimento. Não tinha “fora Temer”, não tinha “Lula Livre”. Também não tinha “intervenção militar já”. A pauta era pela redução de impostos. Apenas isso.

    A ABCAM também não questionou a forma como Pedro Parente vem administrando a Petrobrás. A pauta era liberal e exigia redução de impostos.

    Em 19 de maio, aconteceu mais um aumento no preço dos combustíveis, o que azedou ainda mais as relações entre a ABCAM e o governo.

    Esse aumento já estava previsto no plano de operação da Petrobrás. Mesmo com uma crise grave, a empresa não mudou o plano. Segundo Pedro Parente, a estatal deve ser autônoma e agir por “motivações técnicas e não políticas”. Como se existisse motivação técnica que não seja também política.

    Ou seja, para Parente, a empresa pública criada para controlar um setor estratégico para o desenvolvimento nacional deve obedecer às leis do mercado e não ao interesse público.

    Isso gerou um problemão para o governo, já que exatamente no momento em que estava acontecendo a negociação com a ABCAM a Petrobrás, agindo por conta própria e obedecendo a “lei do mercado”, aumentou o preço do combustível.

    É claro que Michel Temer tentou impedir o aumento, adiá-lo. Provavelmente telefonou para Pedro Parente e ouviu um sonoro “não se meta aqui no meu feudo”. Quando o governo é ilegítimo acaba não sendo respeitado nem pelos aliados.

    É irônico que o governo que desregulamentou a Petrobrás tenha se tornado refém das “leis do mercado”. O mercado é ingrato com os seus provedores.

    A ABCAM, então, radicalizou sua posição e a greve começou no dia 21 de maio. Ou melhor: até aqui não se tratava de greve. Era lockout mesmo.

    2° momento – A horizontalidade do WhatsApp e o protagonismo das bases da categoria

    Já no dia 21 de maio foram registrados bloqueios em estradas e rodovias em todo território nacional. Começaram os transtornos: falta de combustível nos postos e produtos nos supermercados.

    Percebendo que a situação era grave, o governo decide sentar-se à mesa com aqueles que eram considerados os líderes dos caminhoneiros. Um acordo foi fechado, assinado, suas resoluções publicadas em edição extraordinária do Diário Oficial.

    Pra “ajudar”, Pedro Parente autorizou um pequeno desconto no preço do diesel, deixando claro que era uma concessão pontual e que isso não voltaria a acontecer. Afinal, segundo ele, a Petrobrás deve atender às leis do mercado.

    Os representantes dos caminhoneiros saíram da reunião dando-se por satisfeitos e prometendo o fim do movimento. O governo veio a público dizer que a situação estava resolvida.

    As estradas continuaram bloqueadas e o desabastecimento se aprofundou. O governo ficou com cara de bobo, desmoralizado.

    A essa altura, a ABCAM não pautava mais as estradas.

    A ABCAM puxou o movimento, mas perdeu o controle sobre ele. A base se autonomizou e aprofundou suas reivindicações: diminuição dos impostos, redução dos pedágios e intervenção militar.

    Não dá pra saber se a bandeira da intervenção militar estava sendo levantada por todos os caminhoneiros. Até acredito que não. Porém, é inegável que os grupos intervencionistas foram fortes o suficiente para vincular a greve dos caminhoneiros à narrativa da intervenção.

    Parte considerável dos caminhoneiros se achou legítima para exigir a renúncia do presidente da República e reivindicar uma intervenção militar saneadora, assim, sem dialogar com o restante da sociedade.

    Enquanto isso, a nação sofria o drama do desabastecimento: pequenos produtores perdendo a colheita, motoristas de uber perdendo a semana de trabalho, escolas e universidades sem funcionar. Hospitais tendo sua rotina prejudicada. A cadeia produtiva parada.

    A ABCAM, rapidamente, se manifestou, criticando o clamor pela intervenção militar e solicitando que os caminhoneiros abandonassem essa pauta. Novamente, os caminhoneiros, ou aqueles que estavam no controle do discurso do movimento, deram de ombros.

    Pedro Parente e sua gestão privatista, outra vez, passaram batidos, não foram sequer mencionados.

    Nesse momento, estava acontecendo, de fato, uma greve relativamente independente do lockout inicial. Mas era uma greve diferente daquela que estamos acostumados a ver no Brasil desde o final da década de 1970. Dessa vez, não existia sindicato, como alguns caminhoneiros falavam, com algum orgulho, em entrevistas à imprensa.

    “Isso aqui não é sindicato. Nós decidimos tudo na estrada”.

    O país foi paralisado durante uma semana por homens organizados em grupos de WhatsApp.

    3° momento – Negociação e refluxo do movimento

    Em dia 28 de maio, finalmente o governo conseguiu negociar com as lideranças corretas e, completamente acuado, entregou até as cuecas. O acordo foi assinado e progressivamente os bloqueios foram sendo desfeitos e o abastecimento retomado.

    Começou a violência.

    Alguns grupos mais exaltados, que, segundo relatórios da Polícia Rodoviária Federal não pertencem à categoria dos caminhoneiros, começaram a atacar os trabalhadores que desejavam retomar suas atividades.

    Não é que a violência, em si, seja um problema. Espero que ninguém aqui seja ingênuo o bastante para achar que reivindicação de trabalhadores pode ser feita sem alguma dose de violência.

    De uns tempos pra cá, quando a classe média conservadora descobriu o caminho das ruas, sendo sempre tratada com docilidade pelas forças policiais, a violência se tornou um elemento de distinção entre as micaretas dos “cidadãos de bem” e os movimentos dos trabalhadores. Se não tem bomba estourando, gás de pimenta no ar, é porque a manifestação não é séria.

    Mas a violência que estamos vendo nas estradas brasileiras é diferente, tem outro teor. O governo atendeu a pauta dos caminhoneiros. Esses que ainda estão nas estradas insistindo nos bloqueios querem outras coisas. Querem derrubar o governo.

    Bom, querer derrubar o governo golpista eu também quero. Mas não sou inocente a ponto de achar que o inimigo do meu inimigo será sempre meu amigo. Não, de forma alguma.

    Também não podemos esquecer que o golpe já conta dois anos.

    Há dois anos Michel Temer governa o Brasil, alterando os fundamentos constitucionais do Estado brasileiro e sacrificando os mais pobres.

    Já teve PEC dos gastos, já teve reforma trabalhista, o preço dos combustíveis subiu mais de 200 vezes.

    Por que só agora, nas portas das eleições, parte dos caminhoneiros tenta derrubar Michel Temer com tanta volúpia?

    O golpe não conseguiu construir uma candidatura viável capaz de defender nas urnas a agenda neoliberal imposta pelo governo de Temer. Até apresentador de TV o golpe tentou transformar em presidenciável.

    Lula ainda lidera com folga as pesquisas eleitorais e se deixarem será eleito mesmo estando preso, mesmo sem fazer campanha.

    A quem interessa a derrubada de Michel Temer a essa altura do campeonato? Justamente agora, quando ele é um cadáver político apodrecendo em praça pública.

    Quem quer derrubar Michel Temer exatamente no momento em que o Congresso Nacional aprova uma PEC que regulamente eleições indiretas em caso de vacância da Presidência da República?

    Ainda não está claro quem são essas pessoas que estão na estrada ameaçando caminhoneiros e impedindo a completa normalização da situação. Há quem diga que se trata de grupos vinculados à campanha de Jair Bolsonaro, que estariam tentando impulsionar uma candidatura que parece ter chegado no seu limite, ali, entre 13 e 15%.

    Por enquanto, não dá pra saber. Mas sou um daqueles sujeitos que acreditam nas conspirações. Afinal, para que exista uma conspiração basta que pessoas poderosas estejam dispostas a conspirar. A ver o desenrolar dos acontecimentos.

    Que tá estranho, ah tá….

    Deixando as especulações de lado, estou muito convencido de que a crise de abastecimento provocada pelo movimento dos caminhoneiros demonstrou, na prática, que a crença neoliberal no livre mercado é falaciosa. É fictícia.

    Os caminhoneiros tiraram do governo a promessa de que o preço nas bombas dos postos será fiscalizado. Nada contradiz mais o princípio do livre-mercado que o controle dos preços.

    Fato, fato mesmo, é que não existe livre mercado em sociedades complexas. O que existe é a disputa pelo Estado: os grupos sociais querem Estado máximo para si e, como o cobertor é curto, isso significa impor Estado mínimo aos outros.

    Nessa disputa, os caminhoneiros venceram.

    O mercado também venceu, já que nenhum dedo foi relado no regime privatista que Pedro Parente vem impondo à Petrobrás.

    Perdemos nós, a sociedade brasileira, pois como não existe mágica no orçamento, o dinheiro que vai subsidiar os caminhoneiros sairá da saúde, da educação, da segurança.

    É possível resumir, portanto, o resultado da greve/lockout dos caminhoneiros em poucas palavras: Estado máximo para os caminhoneiros e para o mercado. Estado mínimo para o resto da nação.

    O mais impressionante é que tudo isso aconteceu com o apoio da classe média conservadora e sob o entusiasmo de partes das esquerdas. A classe média conservadora olhava para as estradas e via ali um movimento saneador, de combate à corrupção. A esquerda via um movimento autônomo dos trabalhadores, um ato de resistência ao golpe.

    Ambos os grupos, como já tinha acontecido em 2013, erraram porque têm o péssimo hábito de fetichezar as ruas, porque olham pra realidade e enxergam somente aquilo que querem. Quem enxerga somente aquilo que quer acaba não vendo coisa alguma.

    Mas como a realidade é dura, teimosa, outra vez mostrou que nem tudo que reluz é ouro.

     

  • Jean Wyllys: Pedro Parente precisa ser afastado da Petrobrás

    Jean Wyllys: Pedro Parente precisa ser afastado da Petrobrás

    Desde que foi anunciado por Michel Temer como presidente da Petrobras, o nome de Pedro Parente é amplamente criticado por funcionários de carreira da empresa e especialistas no setor de petróleo. O motivo, é claro, é sua biografia com longo histórico de atuação contra os interesses da população brasileira.

    Na década de 1990, Parente era consultor do FMI e se notabilizou nas gestões de FHC como uma espécie de ponte junto aos grandes empresários e, depois, como simpatizante da entrada do país na ALCA, a área de livre comércio que os EUA gostariam de criar no continente para facilitar a exportação de seus produtos industrializados para América Latina. Na época, ele também estava entre os que defendiam que a Petrobras deveria mudar de nome, e passar a se chamar “Petrobrax” para facilitar a pronuncia em inglês.

    Ainda naquele governo, ficou conhecido como “ministro do apagão”, porque foi nomeado em 2001 o responsável por chefiar a equipe com profissionais de diversas áreas para gerir a crise de abastecimento que levou o Brasil ao racionamento de energia e a situações de cortes devido à falta de geração. Parente se tornou um dos rostos mais conhecidos do sucateamento e das sucessivas privatizações no setor.

    Nos anos seguintes, trabalhou sempre com o alto empresariado. Não com setor de petróleo, como seria de se imaginar para quem foi empossado no cargo de presidente da Petrobras, mas preferencialmente com mercado de ações e especificamente com banco JP Morgan, presidido no Brasil por José Berenguer, sócio de Parente na empresa PRADA Ltda. A empresa dos dois é especialista em gestões de grandes fortunas. [Leia-se, aí, especialista em especulação com ações]

    Agora a frente da Petrobras, a gestão de Pedro Parente tem as mesmas características de seus trabalhos anteriores. Com ele à frente, a empresa viu uma rápida valorização das ações negociadas na Bolsa de Valores e a divulgação de lucros bem maiores que os das gestões anteriores, dois fatos que geraram certamente dividendos excepcionais para os rentistas, mas, enquanto isso, o preço nas bombas de combustíveis teve alta delirante, provocada por sua diretriz de reajustes diários e atrelados à variação internacional, e as refinarias brasileiras diminuíram o uso das suas capacidades em benefício de um aumento das importações.

    Poderíamos sintetizar mais esta gestão de Parente como um mar de rosas para os especuladores, que olham sobretudo para seus lucros, e um novo desastre para população consumidora – que espera de uma empresa pública, como a Petrobras, uma contribuição para melhoria das condições sociais no Brasil, e não uma sabotagem no desenvolvimento. Afinal, a diferença entre uma estatal e uma empresa privada é que a primeira tem função pública, deve pautar seus investimentos e políticas de preços de olho no benefício do Estado, e a segunda só precisa se preocupar com os lucros dos seus proprietários.

    Hoje o que há na prática é que a Petrobras é gerida como se ela já tivesse sido privatizada, como se os donos da empresa já fossem os banqueiros, e não os brasileiros. O caráter nacional e o papel estratégico foram abdicados pelo presidente em exercício em atendimento aos lobistas do setor, que estão sempre empenhados em melhorar os negócios das multinacionais do petróleo e das empresas privadas nacionais que possuem contratos com a Petrobras.

    Como resultado, profissionais dos transportes, como os caminhoneiros(as) que estão em greve, se tornaram há tempos as vítimas preferenciais dos lucros que Parente entrega na outra ponta da cadeia para os acionistas da empresa.

    Por estes motivos, não vejo outra saída para crise que se alastra pelo país senão o imediato afastamento de Pedro Parente da presidência da Petrobras. Sua atuação não combina com o que se espera de um gestor da maior empresa pública que nós temos. É preciso substituí-lo e substituir suas políticas, impedindo essa privatização disfarçada que, em poucos meses, já demonstrou os impactos calamitosos que teria para todos os setores produtivos.

  • A tentativa desesperada de preservar a lógica do golpe

    A tentativa desesperada de preservar a lógica do golpe

    Já há algum tempo, ninguém tem mais dúvidas sobre a real motivação do golpe de Estado perpetrado contra Dilma em 2016: fazer a balança de ganhos pender para os ricos, fazer retroceder o pequeno avanço dos trabalhadores em favor dos endinheirados.

    Depois de uma enxurrada de cortes nos direitos dos trabalhadores, eis que surge um movimento capaz de fazer tremer o acordo de classes dominantes que tomaram o poder. Não somente as fissuras foram evidenciadas, como o desespero para encontrar soluções que não arranhassem a lógica do golpe: ampliar os ganhos das elites, especialmente das elites financeiras.

    Reparem que as tentativas de solução para terminar o movimento passaram sempre por redução de impostos e nunca por uma mudança nas políticas da Petrobras adotadas de 2016 para cá. Políticas compostas por seguir os preços internacionais dos combustíveis, por diminuir o refino, por vender óleo cru para o exterior e por importar derivados. Políticas que dão o tom para a greve dos petroleiros que está começando.

    Será que Pedro Parente é intocável? Na verdade, parece que a explicação mais plausível é que a lógica do golpe de Estado estaria destruída se a direção da Petrobras voltar a ser regida por interesses do Brasil e dos brasileiros.

    No momento em que escrevo (28/05), a ação preferencial da Petrobras está caindo 9%. Está sendo negociada perto dos R$ 18,00, depois de ter fechado a R$ 20,42 na sexta (25). Por que cai tanto? Bem, parece que temos um sinal importante de que o mercado financeiro desconfia que a lógica do golpe não sairá ilesa desse movimento dos caminhoneiros e apoiado pela sociedade.

    Como a solução proposta pelo governo golpista, composto pelo PMDB e pelo PSDB, na noite do domingo, foi de redução de impostos. Teoricamente os interesses dos acionistas da Petrobras estariam preservados e o custo recairia sobre o orçamento do Estado. Não haveria razão para cair tão fortemente. Lembremos que no último dia 16 de maio, a ação da Petrobras chegou a ser negociada a R$ 27,23, uma queda de quase 35% desse período.

    No entanto, como o mercado financeiro vive de expectativas quanto ao futuro, parece claro que a maioria vê rachaduras irreparáveis na nau golpista. Já impostas pelos caminhoneiros ou em vias de serem pelo petroleiros.

    PS. A ação preferencial da Petrobras terminou o pregão de hoje, 28/05, cotada a R$ 16,91, queda de 14,6% ante sexta-feira, 25/05.

     

  • A paralisação dos caminhoneiros e a dessintonia entre as esquerdas e suas direções

    A paralisação dos caminhoneiros e a dessintonia entre as esquerdas e suas direções

    A atual mobilização dos caminhoneiros relembra, em parte, os impasses e desafios que a esquerda brasileira enfrentou durante as jornadas de junho. Apesar das várias diferenças entre os dois processos políticos, ambos tiveram, como elemento comum, algum nível de adesão espontânea e disputas de seus sentidos, pela esquerda e pela direita.

    Nas jornadas de junho, no intervalo entre 02 e 20 de junho, as direções majoritárias das esquerdas negligenciaram os acontecimentos, bem como a possibilidade de dirigi-lo politicamente. Consequentemente, as direitas ressignificaram os atos e transformaram o dia 20 em um grande ato de direita, mesmo tendo as esquerdas comparecido ao fatídico dia.

    Agora, na paralisação dos caminhoneiros, as direções foram precisas: a Frente Brasil Popular, as centrais sindicais e os partidos de esquerda declararam apoio ao movimento, e desde o início o politizaram – o problema central estaria na tentativa de privatização e sucateamento da Petrobras, bem como na política de preços de Temer, que atrela reajuste automático dos combustíveis quando da alta do dólar e do petróleo, e não nos impostos.

    Por outro lado, sua base social não as seguiu: foram dias de intermináveis discussões sobre se estaríamos perante uma greve ou locaute, frequentemente pautadas no senso comum e sem nenhuma implicação prática. É como se a esquerda renunciasse a disputar hegemonia – os valores e sentidos comuns que orientam a sociedade – e a luta política; é como se aguardasse a sublevação ideal, existente apenas em nossos cérebros e desvaneios.

    A marxista Rosa Luxemburgo dizia, há um século, que as grandes transformações derivam de explosões populares autônomas, pois apenas elas têm o condão de mobilizar grandes massas. Ao surgir de demandas reais, concretas, econômicas, de sobrevivência, elas arrastam multidões. Mas, por outro lado, é nesse processo de luta que é possível politizar e fazer com que uma reivindicação pontual se transforme em estrutural. Somente lutando e buscando uma direção política é possível politizar-se e, ao mesmo tempo, alterar profundamente a realidade.

    Por enquanto, desperdiçamos as duas últimas mobilizações de massas no Brasil. Não que a paralisação atual  tenha levado milhares às ruas, mas ela irradiou-se pelo país e por toda sua composição social. De imediato, nos resta recuperar a palavra de ordem “O Petróleo é nosso”, nos solidarizarmos com os caminhoneiros e, assim, preparar as condições objetivas para que a greve dos petroleiros transforme-se em greve dos brasileiros em luta pela soberania nacional.

    Porém, a médio prazo, a dessintonia entre direção e base precisa ser superada. É necessário aprofundar a relação orgânica entre a base social e suas entidades representativas, a formação política, a capacidade de agir, em bloco, diante de qualquer mudança de conjuntura. Ou seja, quem se pretende de esquerda – enxerga-se no mundo e quer transformá-lo – tem de reconhecer que não apenas as nossas direções e representantes, mas todos e todas nós ainda estamos aquém do que nos exige o momento histórico do país.

    Por Daniel Araújo Valença, professor do curso de Direito da UFERSA