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  • A difícil escolha entre cozinhar ou tomar banho

    A difícil escolha entre cozinhar ou tomar banho

    O Brasil concentra 53% da água doce da América do Sul e 12% do mundo. Esse recurso, essencial para a vida humana e cada dia mais cobiçado pelas grandes potências, corre sérios riscos de ser privatizado em nosso país. Depois que o Congresso Nacional aprovou e Bolsonaro sancionou, com vetos, há pouco mais de dois meses, o Novo Marco Legal do Saneamento (PL 4.162/2019), o governo federal tem feito gestões para que os governos estaduais apressem esse processo.

    Ana Luisa Naghettini, estudante de Matemática Computacional na UFMG e militante independente em defesa do meio ambiente, e Ângela Carrato, jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG

    Um forte lobby na mídia também está em ação. O objetivo, na linha da privatização imediata proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, é que os governos estaduais vendam, rápido e a qualquer preço, as suas empresas. O objetivo é convencer a população de que a privatização das companhias de água e saneamento é “o único caminho para o Brasil enfrentar o grave déficit no setor”. Para tanto, dados alarmantes são apresentados quase diariamente: “48% da população brasileira não tem coleta de esgoto”; “o país convive com 3.257 lixões a céu aberto”; “é necessário investir R$ 753 bilhões até 2033 para enfrentar esses problemas”.
    Antes mesmo de a nova legislação ser aprovada, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), já dava um largo passo nesse sentido, com a Copasa, a estatal mineira de águas e saneamento, informando aos seus acionistas e ao mercado que iria contratar serviços para começar o processo de desestatização.

    A situação se torna mais grave ainda quando se sabe que, caso o Congresso Nacional não derrube os 11 vetos de Bolsonaro a esta legislação, as empresas estatais, responsáveis por 70% desse serviço, não poderão mais assinar contrato com os municípios, sendo obrigadas a se submeterem às licitações, sob a ótica do mercado. Além disso, a obrigação de realizar licitações e as metas de desempenho para contratos tenderão a prejudicar as empresas públicas locais, piorando a qualidade dos serviços prestados.

    Os vetos eram para ter entrado em pauta no Congresso em setembro, com muitos governadores e prefeitos trabalhando pela derrubada deles. Até agora não foram apreciados e não falta quem aposte que, por conta das eleições municipais, dificilmente isso acontecerá em 2020. O que complicará ainda mais a situação das empresas de saneamento, a começar pela Copasa.

    Risco

    Num momento em que o governo Bolsonaro é mundialmente criticado pelo desmonte das políticas ambientais e pela negligência no combate aos incêndios na Amazônia e no Pantanal, além do negacionismo em relação ao vírus do covid-19, não só a nova legislação sobre saneamento virou lei, como o risco agora é que essas empresas sejam privatizadas sem que as pessoas se deem conta da gravidade do que está em jogo.
    Uma das principais causas da rápida proliferação do covid-19 no Brasil (o país ostenta o triste recorde de terceiro no mundo em mortes) reside exatamente na falta de acesso de expressivos contingentes da população à água tratada e ao saneamento.
    Some-se a isso que estudo do Observatório Fluminense Covid-19 (formado por sete instituições de ensino e pesquisa do Rio de Janeiro, entre elas a UFRJ e a UFF) aponta que a própria estabilização do vírus na América Latina deve se dar em patamares elevados e permanecer atuando na região por mais dois anos.

    Ao defender a privatização imediata de suas empresas de saneamento, o Brasil coloca-se na contramão do que acontece no mundo. Segundo estudo do Instituto Transnacional da Holanda (TNI), entre 2000 e 2017, cerca de 1700 municípios de 58 países, entre eles Berlim (Alemanha), Paris (França) e Budapeste (Hungria) reestatizaram seus serviços. Só na França, 106 cidades fizeram isso. Fora do continente europeu, Buenos Aires (Argentina) e La Paz (Bolívia) são alguns dos casos sul-americanos que reestatizaram serviços públicos básicos, entre eles o de fornecimento de água e ampliação de redes de esgoto.

    Lucro

    As principais razões para as reestatizações foram a colocação do lucro acima dos interesses das comunidades, o não cumprimento dos contratos, das metas de investimentos – principalmente nas áreas periféricas e mais carentes -, e os aumentos abusivos de tarifas.
    O governo Bolsonaro e a mídia corporativa brasileira que o apoia ignoram esse tipo de alerta e destacam apenas que “a livre concorrência no setor permitirá mais investimentos – são esperados R$ 600 bilhões, grande parte internacionais, até 2033” – e que “a universalização dos serviços de saneamento ocorrerá em 30 anos”. Acena-se com promessas, para quebrar resistências e ganhar a opinião pública.

    Não foi por falta de recursos, como alega o governo Bolsonaro, que se optou pela privatização. Um total de R$ 1,2 trilhão acaba de ser repassado para os bancos privados a título de auxiliá-los durante a pandemia. Um terço desse valor por ano seria mais do que suficiente para resolver o problema do saneamento no Brasil.
    Nada foi dito sobre a nova legislação possibilitar que os pobres fiquem cada vez mais distantes do acesso à água tratada e ao saneamento e que o alegado prazo próximo a vencer, para o fim dos lixões, foi prorrogado. Não foi dito, igualmente, que as empresas multinacionais dispõem agora de uma chance de ouro para controlar também as cobiçadas águas brasileiras.

    Esse, aliás, parece ser o ponto essencial, porém obscuro nessa legislação.

    A nova lei trata da questão do saneamento, mas empresas de saneamento são também as que fornecem água. Assim, a privatização das primeiras traria, como consequência, também a privatização das águas, cujo fornecimento ficaria a cargo de quem visa apenas o lucro.

    Dos atuais 5.571 municípios brasileiros, no máximo 500 têm condições de atrair investimentos no setor. Sem dúvida haverá disputa pela privatização de empresas estatais em grandes metrópoles como Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Curitiba e Brasília.

    Mas quais empresas se interessarão por fornecer serviços em municípios pobres do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, no sertão nordestino ou no interior da Amazônia? Esses, certamente, serão abandonados à própria sorte, pois o chamado “investimento cruzado”, que determina que o lucro obtido pelas empresas estatais nas áreas mais ricas seja aplicado nas regiões pobres e carentes, não existirá mais.

    Jereissati e sua Coca-Cola

    Não há também justificativa social para a pressa com a qual essa nova legislação foi aprovada. O relator da matéria, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), rejeitou todas as emendas de mérito propostas para que o texto não voltasse à Câmara dos Deputados para uma nova apreciação. A oposição propôs que a matéria fosse debatida após o fim da pandemia. Deveria ter sido o caminho natural, diante de uma medida de tamanha
    importância, mas foi derrotada.
    De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Sinis) de 2018, mais de 83% da população brasileira tem acesso a serviços de abastecimento de água e 53,2% usam serviços de esgotamento sanitário. O marco legal anterior, estabelecido por lei de 2007, definia diversos princípios fundamentais como universalidade, integralidade, controle social e utilização de tecnologias apropriadas.
    Também estabelecia funções de gestão para os serviços públicos, como planejamento municipal, estadual e nacional e a regulação, que devem ser usados como normas e padrões. Uma das mudanças mais significativas introduzida pelo novo Marco foi a retirada da autonomia dos estados e municípios do processo de contratação das empresas que distribuirão água para as populações e cuidarão dos resíduos sólidos.
    Em síntese, o que foi aprovado é um enorme retrocesso sob a ótica dos interesses da maioria da população. Razão pela qual a aprovação desse novo marco legal provocou reação imediata apenas nas redes sociais, pois a mídia corporativa o apoia e o endossa, bem como a toda a agenda ultraliberal de Paulo Guedes.

    “Sobreviverá quem puder pagar”, escreveu a destacada jornalista Hildegard Angel, ao frisar que “a água de nossas nascentes, fontes, rios, lagoas não pode ter dono. Querem engarrafar a água (…) colocar uma etiqueta e botar preço”.

    Já o deputado e ex-ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias (PT-MG), preferiu lembrar que “a privatização das águas foi votada no dia em que morreram mais de 1100 brasileiros”, acrescentando que é “assustador observar esse tipo de prioridade, que é do grande capital e do mercado, não dos brasileiros”.

    Mais contundente, a presidente da Associação dos Profissionais Universitários da Sabesp, a companhia estatal de águas e saneamento do Estado de São Paulo, socióloga Francisca Adalgisa, garantiu que “é bala na cabeça da população mais pobre”, pois se essas empresas não forem privatizadas, também não receberão mais recursos do governo para os investimentos de que necessitam.
    Nada disso parece ter sensibilizado uma população anestesiada em meio a várias pandemias simultâneas. E o lobby pela privatização cresce e aposta na vitória de candidatos “sensíveis” ao mercado nas eleições desse ano nas principais capitais para facilitar as vendas.

    Ribs


    Atualmente no Brasil os serviços de água e esgoto são prestados, em sua grande maioria, por empresas estatais, não sendo vedada a possibilidade de associações entre entes estatais e o setor privado, através das chamadas parcerias público-privadas (PPPs). Nesse sentido, a Sabesp, a empresa de saneamento de São Paulo, é um mau exemplo, que a mídia corporativa brasileira esconde. Mesmo pública, a empresa tem 50% de seu capital privado. Os acionistas dão as cartas e deixam milhões de pessoas sem coleta e tratamento de esgoto na maior cidade do Brasil e da América Latina.

    Outro mau exemplo do que faz o setor privado nessa área é Manaus. Com 20 anos de gestão privada, a capital amazonense tem apenas 12,5% de cobertura de esgoto, dos quais só 30% são tratados. Mais de 600 mil pessoas – um terço do total da população -, continuam sem acesso à água potável. Não por acaso Manaus liderou a primeira onda de mortes por coronavírus no país e o risco de um retorno do vírus, mais forte ainda, na cidade é real.
    Por isso, o economista Ladislau Dowbor, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), consultor de agências da ONU e autor de mais de 40 livros sobre desenvolvimento econômico e social, propõe que diante do Covid-19 e da situação caótica da economia brasileira sob a gestão Bolsonaro é fundamental o resgate do papel do Estado, a adoção da renda básica generalizada, o reforço da saúde pública e o financiamento local, com a transferência, de maneira organizada, de
    recursos a cada município. “É no nível local que se sabe qual bairro é mais ameaçado, onde falta água ou saneamento, quais famílias estão mais fragilizadas”, afirma.
    O que Dowbor defende é o oposto do que define a nova legislação. Na mesma linha, o economista francês Thomas Piketty, autor de “Capital e Ideologia”, seu mais recente trabalho lançado no país, diz que as elites brasileiras cometem um erro ao perpetuar o abismo social, comprometendo o futuro da nação.
    Diferentemente do que pensa Piketty, as elites brasileiras sabem o que querem. Em 2009, no XXIII Fórum da Liberdade, promovido pelo Instituto Millenium, um think tank brasileiro ultraliberal, o ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, figura reverenciada pela mídia nacional, proclamava: “jamais os direitos humanos irão suplantar o direito à propriedade”.

    Nos oito anos em que governou o Brasil (1995-2003) isso foi verdade. Seu governo privatizou mais de 100 empresas, entre elas a mineradora Vale do Rio Doce, rebatizada como Vale S.A. O argumento era o de sempre: “ineficiência” e falta de recursos para investir no setor.

    Doze anos depois, a Vale foi responsável pelos dois maiores crimes humanos e ambientais da história brasileira: o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho, ambas em Minas Gerais, com a morte de duas centenas e meia de pessoas e a destruição da bacia do rio Doce, um dos maiores da região Sudeste. As famílias dos mortos, desaparecidos e dos atingidos pela lama e água contaminada ainda lutam para receber indenizações. Enquanto isso, as ações da vale seguem nas alturas.
    Foi também no governo de Fernando Henrique Cardoso que o Brasil passou a ter agências reguladoras para fiscalizar a atuação das empresas recém-privatizadas. O resultado é que essas agências, Anatel, na área da telefonia, Anac, na aviação civil, e Aneel, nas águas e energia, rapidamente foram colonizadas pelo capital privado, por aqueles a quem deveria fiscalizar. E acabam não fiscalizando nada. Resultado: serviços de péssima qualidade, tarifas caras e cidadãos transformados em meros consumidores. E os serviços, antes um direito social, viraram atividade econômica regulada pelo mercado, possibilitando basicamente acúmulo do capital privado.

    Durante a realização do 8º Fórum Mundial da Água, em 2018 em Brasília, empresas como a gigante nacional de refrigerantes e cervejas Ambev, e as multinacionais Nestlé e Coca-Cola participaram do evento como financiadoras, mas também fizeram várias sugestões. Coincidentemente, essas sugestões, pelas mãos do senador Tasso Jereissati, foram transformadas em projeto de lei e agora integram o novo Marco do Saneamento. Para quem não sabe, Jereissati é acionista da Coca-Cola Brasil e um dos maiores interessados em entregar à iniciativa privada os bens comuns nacionais.
    Duramente criticadas pelos brasileiros em suas redes sociais, essas empresas apressaram-se em dizer que não têm nada a ver com a privatização de águas no país. A Coca-Cola Brasil divulgou um longo texto em que considera “boato” qualquer relação com o novo Marco Legal do Saneamento Básico. Já a Nestlé, há anos, vem desmentindo, também por redes sociais, que tenha interesse em privatizar o aquífero Guarani, uma reserva de 1,2 milhões de quilômetros quadrados, compartilhada por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.

    Esse assunto, claro, nunca é tratado nas TVs ou emissoras de rádio.

    O então presidente da República, Michel Temer, que chegou ao poder depois do golpe, travestido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff em 2016, também negou que houvesse qualquer entendimento nesse sentido. Mas não deixa de ser coincidência que tenha sido em seu governo que o primeiro projeto de lei alterando a legislação de 2007 sobre saneamento fosse enviado ao Congresso.
    Igualmente não deixa de ser coincidência que esse novo marco tenha sido aprovado a toque de caixa pelo governo Bolsonaro, em plena pandemia, quando a população brasileira está assustada com o número crescente de mortos e sem condições de protestar nas ruas e praças públicas, como sempre fez.
    Pelo visto, o governo Bolsonaro está seguindo à risca a proposta de seu mundialmente criticado ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para quem a pandemia deveria ser aproveitada “para passar a boiada”.
    As medidas impopulares não só estão sendo aprovadas, como se preparam para sair do papel sem que a maioria das pessoas se dê conta disso. Quando perceberem, poderão já estar pagando muito mais caro pela água que utilizam. Ou, pior ainda: tendo que escolher entre cozinhar e tomar banho.

    Charge de Bacellar


  • Golpe pra quê?

    Golpe pra quê?

    Um dos principais gestos analíticos para a devida compreensão do atual momento da crise democrática brasileira é a distinção entre a figura pessoal do presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarisimo, entendido como projeto político disruptivo.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Sim, por mais estranho que possa parecer, fica cada vez mais claro que uma coisa não está, necessariamente, vinculada à outra.

    Explico.

    Há Jair Bolsonaro na política brasileira desde a década de 1990. Já bolsonarismo começou a nascer em 2014, quando o até então parlamentar de baixo-clero, inexpressivo, animador de auditório, aumentou seu capital eleitoral em quase 400%, tornando-se o deputado federal mais votado pelo Estado do Rio de Janeiro.

    O bolsonarismo é o resultado de um conjuntura específica de crise, alimentado por uma sociedade que se vê colapsada e impulsionada por outro projeto político disruptivo: o lava-jatismo.

    Durante algum tempo, bolsonarismo e lava-jatismo estiveram na mesma trincheira, mas nunca foram a mesma coisa. Juntos, mas não misturados!

    Bolsonaro soube se aproveitar do clima. Havia concorrentes. Marina Silva era a principal. Jair acabou vencendo a corrida. Venceu, também, porque foi mais esperto.

    Parece que agora, no exato momento em que escrevo este texto, o presidente Jair Bolsonaro começa a fazer o movimento de descolamento do bolsonarismo, abandonando a agenda da ruptura disruptiva e adotando a estratégia do aparelhamento institucional.

    Novamente, vem agindo com astúcia política, e se mostrando ainda mais perigoso para o contrato social inaugurado na redemocratização e instituído pela Carta de 1988.

    Olhando daqui, com certo distanciamento, creio que seja possível localizar na crônica os dois momentos que marcaram a inflexão do Bolsonaro disruptivo, que acreditava estar liderando uma revolução saneadora, para o Bolsonaro sistêmico, manipulador das instituições.

    Foram dois momentos que mostraram ao presidente que se continuasse marchando com os insanos, provavelmente não terminaria o mandato.

    O primeiro foi o dia 22 de maio, quando o presidente Bolsonaro, diante da possibilidade de ter seu aparelho de celular apreendido para perícia por ordem do ministro Celso de Melo, decidiu que, sim, interviria no Supremo Tribunal Federal. Em seus devaneios golpistas, Bolsonaro acreditou mesmo que bastava enviar um destacamento militar ao STF para fechar a corte superior da Justiça brasileira. O mais assustador é que ele não estava sozinho no projeto. Entre os generais palacianos houve quem apoiasse a ideia.

    Ao perceber que generais da ativa, com comando efetivo de tropas, não o acompanhariam na quartelada, o presidente recuou. Os bastidores da conspiração foram revelados na edição de agosto da Revista Piauí, em matéria assinada por Mônica Gugliano.

    O segundo momento foi o dia 18 de junho, quando Fabrício Queiroz, depois de mais de um ano desaparecido, foi preso.

    Queiroz é o fio solto do esqueminha de corrupção de baixo clero que enriqueceu o clã Bolsonaro. O presidente sabia perfeitamente que estava ali o seu ponto fraco e, acuado, se convenceu de que não tinha vara longa o suficiente para bancar o conflito com as outros poderes da República.

    A partir de então, vimos outro Bolsonaro, mais habilidoso no jogo político institucional. Aproximação com o centrão, piscadelas para medidas de transferência de renda, afastamento do núcleo ideológico mais radicalizado e liderado por Olavo de Carvalho, constantes pitos públicos em Paulo Guedes. Tudo isso indica que Bolsonaro está tentando se afastar do bolsonarismo.

    Os pilares do bolsonarismo são o neoliberalismo ortodoxo de Guedes e a guerra ideológica olavista. Ao que parece, Bolsonaro está dando de ombros para ambos. A ver se sustenta.

    Precisamos mencionar ainda o dedo certeiro na escolha do comando do Ministério Público. A dupla Augusto Aras e Lindoura Araújo não está apenas esvaziando a Operação Lava Jato. Está ocupando o território.

    Quando começou o governo, Sérgio Moro parecia muito maior e mais perigoso para as garantias democráticas que o próprio Bolsonaro.

    Moro era o herói laureado pela grande imprensa, o lorde gentil e educado, premiado, capa de revista, maxilar quadrado, terno preto alinhado, com caimento perfeito nos ombros. Já Bolsonaro era o aloprado desajeitado, feioso, o “burro chucro” que prometia tropeçar nas próprias pernas na primeira esquina.

    Nas crises, o tempo corre especialmente rápido.

    Hoje, Moro, sem nenhum poder efetivo de decisão, tenta se manter no jogo, contando com a lealdade de seus aliados na grande mídia e no poder Judiciário. Não é algo irrelevante, mas parece pouco para o homem que, em algum momento, foi o mais poderoso player em atuação no tabuleiro da política nacional.

    Já Bolsonaro demonstra ter aprendido a operar, e manipular, as instituições da República.

    Um dos mais importantes e inesperados acontecimentos nesta “temporada 2020” da crise democrática brasileira é o apequenamento de Moro e o amadurecimento político de Bolsonaro. Como os dados estão rolando, nada garante que até 2022 a situação continuará assim. A fotografia do momento é essa.

    Os dias 28 de agosto e 1º de setembro são outros dois momentos cruciais na recente crônica da crise.

    Em 28 de agosto, Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro, foi afastado do mandato por decisão monocrática de Benedito Gonçalves, ministro do Superior Tribunal de Justiça, em episódio inédito na história da moderna democracia brasileira. Witzel foi afasto à revelia da Assembleia Legislativa, sem que seus advogados tenham sequer recebido denúncia formal do Ministério Público. O processo foi manipulado pelo Palácio do Planalto, diretamente pelo gabinete do presidente da República.

    Parte da esquerda comemorou a derrocada de Witzel, como se fosse a redenção da memória de Marielle Franco. A derrocada de Witzel é vitória de Bolsonaro, mais uma. Nada além disso.

    Ao abater Witzel, Bolsonaro matou dois coelhos com única paulada: eliminou um desafeto político e controlou o processo de escolha do próximo procurador Geral do Estado do Rio de Janeiro, a quem caberá decidir o futuro de Flávio, o 01.

    Em 1º de setembro, dando desculpa esfarrapada, Deltan Dallagnol se desligou da operação Lava Jato. Dallagnol enfrenta dificuldades no STF e no Conselho Nacional do Ministério Público, onde Gilmar Mendes e Augusto Aras afiam a lâmina da guilhotina. Dallagnol não seria o primeiro a perder o pescoço na mesma guilhotina que ajudou a montar.

    Caiu, assim, o último grande símbolo da Lava Jato, deixando o terreno livre para que Bolsonaro se aproprie da força-tarefa, direcionando a artilharia lava-jatista aos seus adversários, à esquerda e à direita.

    Vamos combinar, né? É muito melhor do que, simplesmente, extinguir a operação, que ainda conta com sólido capital político. Mas vale usar a marca e manter a narrativa do combate à corrupção, fazendo do Ministério Público uma política “soft”, sem armas de fogo.

    Nem precisa de arma de fogo não. O monopólio do processo penal é mais mortal que fuzil. Além do mais, essa coisa de canhão na rua e milico fechando tribunal é tão demodê.

    Claro que tudo pode mudar, que Dallagnol e Moro podem se recuperar, que os quadros lava-jatistas ainda leais à República de Curitiba podem virar o jogo, novamente. Mas a fotografia do momento, repito, é essa.

    Fato fato mesmo é que nos últimos dias Jair Bolsonaro está dormindo mais tranquilo, assistindo a recuperação de sua popularidade e se sentindo cada vez mais confortável nos corredores do poder. A cadeira já não queima tanto.

    Talvez esteja perguntando a si mesmo: onde eu estava com a cabeça? Golpe pra quê?

  • CENSURA: Quando a gente para de gritar de horror, a gente aceita tudo

    CENSURA: Quando a gente para de gritar de horror, a gente aceita tudo

    A censura ao JornalGGN e ao jornalista Luis Nassif está naquele rol de obscenidades a que o Brasil se acostumou. Se nem Deus mais se respeita (olha o padre e a evangélica que gabaritam em todos os pecados), se nem médico mais se respeita (veja as invasões de hospitais insufladas por Bolsonaro), se advogado agora leva socos na boca quando vai a presídios (e quem os dá são os policiais), se uma criança estuprada de 10 anos é xingada de “puta” e querem obrigá-la a levar a gestação a termo, mesmo que ela morra… Se num dia é uma patroa praticamente jogando um menino das alturas de um prédio e, no outro, é o surgimento instantâneo da Máfia dos Respiradores (enquanto o País sufoca com cento e picos mil mortos). Se morrem cento e picos mil e o presidente que perguntou “E daí?” está praticamente reeleito… Se tudo isso é verdade, por que não censurar o JornalGGN e o jornalista Luis Nassif? O que é, diante de tanto horror, um juiz mandar apagar as matérias que mencionem o BTG Pactual, não por acaso o hiper-banco de investimento de onde emergiu o atual ministro Paulo Guedes, antes de se consagrar como o maior criminoso do País? Só para dar uma idéia do tamanho, em julho de 2014, o BTG Pactual alcançou a marca de US$ 200 bilhões em ativos totais. Mais de R$ 1 trilhão.

    É que, se eles conseguirem censurar o JornalGGN e o jornalista Luis Nassif, se eles conseguirem censurar a imprensa, eles também serão capazes de suprimir todas as notícias que foram mencionadas acima. Bastará um juiz decidir que quer que seja assim. Cancelam-se as matérias. Cancela-se o jornalismo. Cancela-se o que é inconveniente para os amigos do Presidente.

    E por que o BTG Pactual quer censurar o mais importante jornalista de economia do País, Luis Nassif?

    Essa é fácil: para que ele não possa contar a todos que o Brasil está sendo esquartejado e vendido como lavagem para porcos, para ser comprado em seguida por bancos como o BTG Pactual, o hiper-banco de investimento de onde emergiu o atual ministro Paulo Guedes — antes de se consagrar como o maior escroque do País (é sempre bom lembrar).

    Follow the money (“Siga o dinheiro”) é um bordão que foi popularizado pelo filme “Todos os Homens do Presidente” (EUA, 1976). É assim: se você está investigando um escândalo de corrupção, o primeiro aspecto a considerar é quem vai ganhar com isso. Quem vai ganhar na loto.
    

    Luis Nassif, porque é o mais importante jornalista de economia do País, estava fazendo exatamente isso. Mostrando os grandes fluxos de dinheiro que permitem provar os esquemas de corrupção graúdos. Censurar Nassif e o JornalGGN é calar o jornalismo, impedir as reportagens. É cassar da população o direito de se informar. É tornar os entes financeiros absolutamente fora de qualquer controle social, sob o argumento de que, estando nas bolsas de valores, não podem sofrer qualquer vibração na opinião pública. Absolutamente fora de qualquer controle social.

    Pense nisso. Bancos livres para fazer o que quiserem…

    Por tudo isso, os Jornalistas Livres solidarizam-se com o mais importante jornalista de economia do País, Luis Nassif. E colocam-se à disposição para republicar em nossas páginas os conteúdos censurados.

    Pela liberdade de imprensa!

    Pela liberdade de expressão!

    Abaixo a censura

  • Querem uma boa notícia? O bolsonarismo está sendo derrotado!

    Querem uma boa notícia? O bolsonarismo está sendo derrotado!

    É muito difícil para qualquer ser humano de boa vontade conseguir ver algo positivo neste Brasil dos nossos dias. Religiosos fazendo protesto em hospital para impedir que uma menina de 10 anos, violentada pelo tio, exerça o direito ao aborto legal. Médicos se recusando a cumprir ordem judicial e realizar o aborto legal na criança, ideologizando seu ofício.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    O presidente da República disparando dia sim e dia também cascatas de selvageria que se capilarizam pela sociedade civil, chegando até às pessoas comuns, nossos irmãos, tios, pais e mães.

    No Brasil de Bolsonaro, as pessoas comuns se sentem autorizadas a descumprir os ritos civilizados tão importantes para o nosso convívio comum.

    Mas algo de bom vem acontecendo, pouco a pouco, desde o dia 18 de junho, quando Fabrício Queiroz foi preso pela primeira vez.

    O presidente sabe que Queiroz é uma bomba relógio, que é o fio solto de um esqueminha de corrupção de baixo clero que enriqueceu o clã Bolsonaro.

    Bolsonaro percebeu também que no século XXI, na era do “soft power”, golpe de Estado do tipo clássico, com canhões nas ruas, não é algo tão simples, ainda mais em país tão grande e tão internacionalmente conhecido como é o Brasil.

    Não é que as ameaças de golpe fossem bravatas. Realmente, o núcleo do governo achou que seria possível uma intervenção militar no STF, como mostrou a reportagem publicada na edição de agosto da Revista Piauí, assinada por Monica Gugliano.

    O golpe não aconteceu. Bolsonaro ficou acuado com a prisão de Queiroz. Moderou o discurso e passou a se comportar como algo próximo a um presidente normal. Fez mais por necessidade do que por convicção.

    Investiu na formação de uma base legislativa, se aproximando do centrão. Ampliou sua base de apoio social para além do bolsonarismo orgânico, com o auxílio emergencial.

    O país vive a maior crise sanitária de sua história. As pessoas estão assustadas, esgotadas com o colapso institucional que se arrasta desde meados de 2013. Nenhuma sociedade consegue viver eternamente no caos. Chega uma hora em que as pessoas cansam, e passam a desejar alguma tranquilidade, alguma estabilidade.

    Independente de quem seja o governante, é como se a sociedade estivesse dizendo “chega, pelo amor de deus, deixa essa criatura governar”. É a paz dos cemitérios.

    Soma-se a isso o carisma pessoal de presidente e o sucesso inegável do auxílio emergencial. Era meio que óbvio que a aprovação do governo cresceria.

    Bolsonaro parece ter gostado dessa história de ser amado pela massa.

    Em 2019, primeiro ano de mandato, Bolsonaro governou como líder revolucionário, convencido de que estava predestinado por Deus a construir um “novo Brasil”. Ao que tudo indica, 2020 acabará de forma bastante diferente.

    Bolsonaro percebeu que a agitação fascista só serve pra fidelizar a malta já convertida, que, sim, é minoria. A maioria da população, especialmente os mais pobres, quer só uma vidinha tranquila, com orçamento folgado pra comer pizza no shopping e comprar danone pros meninos.

    Os hábitos de consumo estimulados pelo reformismo petista ainda estão vivos no imaginário popular.

    É, justamente, esse imaginário que está derrotando o bolsonarismo. Não é a esquerda, não é o Lula. É o imaginário forjado pelo reformismo petista. É uma boa notícia. Não deixa de ser.

    Mas Bolsonaro está se fortalecendo! Sim, está! É que Bolsonaro não é, necessariamente, bolsonarista.

    Jair Bolsonaro foi deputado federal por quase 30 anos. Tiozão, colocou a família toda pra mamar nas tetas da política institucional, nunca teve maiores ambições.

    Já o bolsonarismo é afeto político-revolucionário recente. Ganhou corpo na conjuntura da crise democrática, alimentado pelo lava-jatismo.

    Pra governar com alguma tranquilidade e se reeleger em 2022, Bolsonaro entendeu, intuitivamente, que precisará romper com o bolsonarismo e ir ao encontro do imaginário popular, fazendo concessões conceituais ao reformismo petista.

    São 210 milhões de habitantes, quase 6 mil municípios, território continental, bolsões de miséria convivendo com oásis de prosperidade. Nos poucos momentos de nossa história em que arranhamos a ampliação de algum bem-estar social para os mais pobres, foram momentos, justamente, de protagonismo do Estado.

    Nunca antes na história desse país tantos brasileiros viveram em situação de bem-estar social como nos anos do reformismo petista.

    O bolsonarismo é ideologicamente ultra-neoliberal, como ficou claro na fatídica reunião de 22 de abril, cujo vídeo assistimos pela primeira vez em 22 de maio. Esse vídeo é o manifesto doutrinário do bolsonarismo. É o tratado que Olavo de Carvalho não escreveu.

    O vídeo deixa claro que Paulo Guedes está longe de ser a “reserva técnica” do governo, como até hoje a grande imprensa tenta nos convencer, todos os dias. Guedes é ideológico, é religioso, é militante.

    O presidente quer ampliar o Bolsa Família, no valor do benefício e no número de famílias contempladas. Quer retomar o Minha Casa Minha Vida, com linha de crédito especial para o Norte, Nordeste.

    Pra isso, vai ter que romper com a religião de Paulo Guedes, vai ter que romper com o bolsonarismo também. E já está fazendo isso. Guedes já está sendo fritado.

    A realidade desse país periférico, de modernização incompleta, exige que o Estado atue como potência provedora de direitos sociais. O reformismo petista ampliou, de forma inédita, essa demanda por direitos.

    Quem passou a consumir, quem passou a comer três vezes por dia, não aceita retrocessos. Pode até não ir pra rua protestar, fazendo barricadas, como fetichiza parte da esquerda, colonizada até o último fio de cabelo. Mas sabe se vingar na urna. Sozinho, com a urna, o eleitor sabe se vingar. Sabe agradecer também. Não é bobo não.

    É fácil, fácil acostumar a comer peito e coxa. Voltar a comer arroz e feijão puro, sem mistura, é difícil demais.

    Sim, leitor e leitora, o imaginário popular alimentado pelo reformismo petista está derrotando o bolsonarismo, ainda que esteja fortalecendo Bolsonaro.

    Não dá pra ter tudo na vida, né?

  • Notas sobre um editorial infame da Folha

    Notas sobre um editorial infame da Folha

    No dia 21 de agosto, a Folha de S. Paulo publicou um editorial intitulado “Jair Rousseff”. Confesso que poucas vezes vi um texto ser ruim de tantas maneiras diferentes. Como nem todos os graves problemas que traz estão na superfície, é importar ler com uma lupa para aclarar o tamanho da infâmia que tiveram coragem de publicar. Muitas críticas foram feitas, é verdade, mas há tantas coisas a criticar que parece necessário reforçar esse coro.

    Prof. Dr. Alexandre Santos de Moraes[1]

                    Infelizmente, o texto não é assinado. É prática corrente no jornalismo brasileiro deixar textos sem assinatura. Essa escolha me parece prudente quando a reportagem aborda um tema sensível e potencialmente capaz de colocar a vida do profissional em risco, sobretudo nesse momento em que o governo federal está envolvido até o pescoço com milícias. Não é o caso desse editorial. A opção pela apocrifia é típica desse tipo de narrativa jornalística que ignora, dentre outras coisas, que a Constituição de 1988 assegura a liberdade de expressão sem endossar o anonimato.

    O problema maior é que editoriais não costumam ser assinados porque pretendem ser textos coletivos. A Folha de S. Paulo, por exemplo, define seus editoriais como “o que a folha pensa”, o que compromete seriamente a noção de pluralidade de opiniões e a própria heterogeneidade dos profissionais que trabalham na redação, como se todos pensassem da mesma forma ou fossem reféns de uma forma específica de pensar que os submete por força da hierarquia empresarial. Em outras palavras, são textos que presumem pertencer a todos sem se ligar especificamente a ninguém. Disso surge outro problema: o autor fica escudado, protegido, livre para escrever toda sorte de asneiras sem ser pessoalmente responsabilizado. É uma questão urgente, mas não especificamente ligada à Folha, e julgo que os profissionais de jornalismo deveriam sentir desconforto diante disso e sugerir mudanças no formato.

                    A proposta do editorial é comparar as políticas econômicas de Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro. É importante dizer que todo gesto comparativo é precedido de uma escolha. Como toda comparação pressupõe cotejar semelhanças e diferenças, o autor precisa decidir qual aspecto irá explorar. Nesse caso, optou-se por sustentar que tanto Bolsonaro como Dilma Rousseff elevaram os gastos públicos para pavimentar o caminho para a reeleição. A crítica é direcionada aos programas de assistência social. Ainda que não explicite quais são, o autor que se esconde provavelmente considerou o Bolsa Família, no caso de Dilma, e o auxílio emergencial, no caso de Bolsonaro. Infelizmente, como a comparação é desonesta, o editorial não explica que no caso da presidenta, era uma política de governo; no caso de Bolsonaro, uma imposição do Congresso Nacional contra a qual lutou ferozmente e que dela se apropriou somente após a derrota que sofreu no Parlamento.

    De todo modo, em ambos os casos, esses programas seriam problemáticos porque elevariam o déficit nas contas públicas. Ignora-se a enorme dívida interna jamais auditada que consome mais da metade de nossa arrecadação. Ignora-se os abonos e as isenções fiscais dadas aos empresários. Ignora-se os privilégios da elite do funcionalismo público. Enfim, ignora-se todo gasto corrente que não tem a ver com os pobres.

                    A tática do autor desconhecido não é nova: faz-se de conta que a austeridade fiscal é a única medida aceitável de gestão dos gastos públicos, coisa que nem o mais ortodoxo economista formado em Chicago seria capaz de afirmar com o mínimo de honestidade intelectual. Aliás, o ministro Paulo Guedes decerto concordaria com esse receituário, mas ele não é citado no texto. Trata-se de outra prática corrente na mídia hegemônica: quando as medidas econômicas afagam os interesses dos rentistas e empresários, Paulo Guedes é alçado à condição de ídolo; quando não, fazem de conta que a decisão é exclusiva de Bolsonaro. É compreensível, já que o autor parece servir aos propósitos do mesmo grupelho de milionários para quem o ministro da Economia trabalha como um cão fiel e submisso. Outra grosseria cometida pelo autor é traçar esse comparativo ignorando as qualidades e características dos programas de assistência social em seu contexto histórico e ideológico. Dá-se a tendência de alimentar o anti-petismo comparando-o, apenas do ponto de vista retórico, ao bolsonarismo doentio ao qual o próprio PT se opõe.

                    Aliás, sobre esse ponto, convém uma nota interessante. O texto afirma que a manutenção do teto de gastos é necessária para não colocar em risco “a estabilidade econômica, duramente conquistada pela sociedade brasileira nas últimas décadas”. Ora, não é possível falar em estabilidade econômica antes do governo Fernando Henrique Cardoso. Confesso que teria enormes críticas a essa noção de “estabilidade econômica”, mas é importante lembrar que Fernando Henrique governou por apenas oito anos, o que é pouquíssimo para sintetizar “as últimas décadas”. Parte substancial dessa estabilidade foi garantida pelos governos petistas, que asseguraram criação de empregos, quitaram as dívidas com o FMI e Banco Mundial, garantiram reservas bilionárias, dentre outras coisas. A contradição é óbvia: Dilma está sendo criticada pelo desrespeito à estabilidade econômica que sua própria gestão trabalhou para manter. Para escudar-se da contradição, dizem ser uma “conquista da sociedade brasileira”, apelando para a generalização. Mas já sabemos qual é o problema que gera essa desconfiança: despesas ligadas às camadas mais empobrecidas. Se há dúvidas a esse respeito, o último parágrafo é esclarecedor.

                    Aliás, esse último parágrafo do texto deveria constar doravante como exemplo de vileza em todo bom manual de jornalismo. Segundo o autor, o desrespeito ao teto de gastos prejudicaria “como de hábito, os pobres e miseráveis, que por inconveniência política constituem também a parcela mais decisiva do eleitorado”. Se o sentido não ficou claro, vale recorrer à paráfrase: afirma-se, com todas as letras, que seria conveniente que os pobres não votassem. Infelizmente, também nessa afirmação asquerosa não há novidade, já que traduz com enorme poder de síntese a concepção preconceituosa e aristocrática que as elites atrasadas desse país cultivam. É como se os pobres, que votam com o estômago, precisassem ser tutelados pelos ricos que, esses sim, votam com base na razão e isolam qualquer interesse pessoal de suas decisões políticas. Eles perderam tudo, inclusive o pudor de revelar publicamente seu lado mais vil e bestial.

                    Por fim, o título. Parece óbvio que uma comparação que tenta construir um elo sem lastro com a realidade precisa de enormes reforços retóricos. Exatamente por isso apelaram para esse título, cuja infâmia só é percebida quando se recorda as diferenças colossais que separam a ex-presidenta do atual presidente. Ora, o nome próprio é nosso principal símbolo de subjetividade. Diante da pergunta “Quem você é?”, a tendência é responder com o próprio nome. O nome funciona como profunda marca identitária, como a palavra-síntese que nos faz singulares e permite sinalizar quem somos. Quando o autor desconhecido lança “Jair Rousseff” como título, produz um efeito de sentido que cria um sujeito fictício que encarnaria as personalidades tanto de Dilma como Bolsonaro. Em outras palavras, converte a crítica política em ataque pessoal, avançando diante da mais visceral intimidade. Cumpre recordar que Bolsonaro, no plenário da Câmara dos Deputados, dedicou seu voto de impeachment à memória de Carlos Alberto Brilhante Ustra, milico torturador caracterizado pelo então deputado como “o terror de Dilma Rousseff”. É ao nome desse sujeito, que elogia torturadores e defende ditaduras, que o autor apensou o sobrenome de Dilma, que arriscou sua juventude para combatê-los.

                    Como o roteiro do ano de 2020 parece estar sendo escrito por alguém com enorme sadismo criativo, apenas dois dias após a publicação desse editorial infame, Bolsonaro abandonou o ostracismo das polêmicas para fazer mais um ataque à imprensa livre. Após ser perguntado por um jornalista sobre os depósitos que o criminoso Fabrício Queiroz fez na conta da primeira-dama, respondeu: “Minha vontade é encher sua boca de porrada, tá?”. Curiosamente, quando a militância petista criticava a mesma imprensa, Dilma respondia que preferia o barulho da democracia ao silêncio da ditadura. Gostaria de conhecer a opinião do autor sobre isso, mas infelizmente não tenho como procurá-lo. No entanto, se ele quiser, pode me responder livremente, pois esse texto aqui não foi redigido por um covarde que precisa do anonimato para se esconder dos próprios posicionamentos. 


    [1] Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense. E-mail: asmoraes@gmail.com.

  • O Bolsonaro de sempre: porrada na boca do povo e de quem revela seus crimes

    O Bolsonaro de sempre: porrada na boca do povo e de quem revela seus crimes

    É conhecida a fábula do Sapo e o Escorpião. Certo dia, o escorpião pediu ajuda ao sapo para levá-lo a outra margem do rio. O sapo temia ser picado, mas o escorpião garantiu que não faria isso, pois se o sapo morresse, ele também morreria afogado. Com a explicação convincente, o sapo decidiu ajudar o “amigo”, mas no meio do rio recebeu a picada mortal. Antes de morrer perguntou: “Por que você fez isso?” O escorpião respondeu: “É da minha natureza”. Assim age Bolsonaro. Como o escorpião.

    Por Dacio Malta*

    Sempre foi assim, e assim continuará.

    A trégua que ele deu ao país, após a prisão do amigo Queiroz, foi para inglês ver.

    O capitão é caso perdido.

    Nem curso intensivo da Socila  — escola tradicional no ensino de etiqueta e boas maneiras — daria jeito no capitão meio bandido, meio desastrado, mas completamente ignorante.

    A resposta dada ao repórter de “O Globo”, que perguntou ao presidente por que a terceira primeira-dama Michelle recebeu R$ 89 mil de Queiroz, mostrou um Bolsonaro em sua forma mais genuína:

     —Minha vontade é encher sua boca de porrada.


    Um milhão de tweets já publicados contra a declaração, em nada mudará seu comportamento.

    O capitão é assim.

    Desastrado ao ponto de, no Piauí, pegar um anão no colo pensando ser uma criança.

    Grosso ao dizer, em Mossoró, na mesma semana, que na política “sou imbrochável”.

     —E não é só na política não. Eu tenho uma filha de 9 anos de idade, que foi feita sem aditivo.


    Em princípio teremos de conviver com a besta por mais dois anos e meio.

    Supersticioso, o presidente da Câmara não quer discutir o impeachment.

    E tem lá suas razões.

    A pandemia é a desculpa, mas a razão verdadeira é o apoio do centrão ao presidente que, junto com os R$ 600,00 alçou sua popularidade a 37% de aprovação, o que é muito pouco, mas suficiente para segurá-lo no cargo.

    Obviamente, é preciso haver o combate diário não só contra ele, mas também contra os Ernestos, as Damares, os Ônixs, os Pazuellos, os Salles, os Mendonças e todos aqueles que insistem em avacalhar o país aqui e no exterior. E em especial ao Corisco do Lampião, e que atende pelo nome de Paulo Guedes.

    Nos próximos 28 meses ainda iremos sofrer e nos envergonhar por termos de conviver com um presidente tosco com viés miliciano.

    Mas ele passará.

    Sua força é com um castelo de cartas.


    Quis fazer um partido para chamá-lo de seu, e disputar as eleições deste ano, mas já sabe que não conseguirá formá-lo nem para 2022. Precisava do apoio de 492 mil eleitores, mas só conseguiu 15.762 apoiadores.

    A resposta virá.

    E o melhor.

    Ele, e os filhos bandidos, terão o destino que merecem: a cadeia.

    *Dacio Malta trabalhou nos três principais jornais do Rio – O Globo, Jornal do Brasil e O Dia – e na revista Veja.

    Leia mais Dacio Malta em:

    HTTPS://JORNALISTASLIVRES.ORG/BOLSONARO-FACILITA-FUGA-DE-ABRAHAM-WEINTRAUB-PARA-OS-ESTADOS-UNIDOS/

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