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  • Projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro #30 – João Bacellar: Um falso projeto e noites de insônia

    Projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro #30 – João Bacellar: Um falso projeto e noites de insônia

    Medo de morrer. Quem tem medo de morrer? Quem não tem medo de morrer? Tive que viver 39 anos pra compreender, ou talvez apenas vislumbrar, o que é o medo de morrer. Acho que a herança dessa pandemia é que toda a humanidade, bom, ao menos, a parcela minimamente sensata da humanidade, teve – tem – de remoer essa incômoda questão: medo de morrer.  

    Achava que sabia o que era medo de morrer. Achava que minhas experiências de vida haviam me preparado para encarar a senhora da foice com alguma, ainda que não muita, serenidade. Mas o fato é que sempre que estive em alguma situação em que a morte poderia ser uma possibilidade com algo de concreto, houve sempre um componente anestésico: a adrenalina. 

    Agora tudo foi diferente. Não se tratava de uma arma apontada, um carro derrapando, uma ameaça ao ouvido. Agora não havia a adrenalina. Agora não havia o alívio posterior ao susto momentâneo. O que havia era a madrugada longa e arrastada. A madrugada e a falta de ar. A madrugada e a preocupação com a mãe. Com o pai. Com a companheira. Irmãos e irmãs (de sangue ou afeto). A preocupação geral com todas as inevitáveis vítimas evitáveis da pandemia. E eu, entrarei nessa estatística? E você? A preocupação e o sono que não vem. 

    Descobri que tenho medo de morrer. Que não sou tão valente como pensava. Descobri que não estou pronto. A mesa não está posta, a casa não está limpa, o campo não está lavrado e as coisas não estão em seu lugar. Descobri que a indesejada das gentes me apavora. Descobri como é bom respirar. 

    E como estamos agora? Agora estamos todos aqui nesse limbo. Tentando enxergar o horizonte através de uma densa neblina de incertezas. Peguei covid? Não peguei? O que eu tive? O que eu tenho? E o dinheiro? E o Brasil? E o fascismo? E o Mundo? Estamos todos como um boxeador sentado no banquinho do córner, esperando o gongo pra voltar à luta. Mas o gongo não soa. 1, 2, 5, 10 minutos. Maio. Junho. Setembro? Dezembro?  

    Na madrugada de medo, pensava em meus sonhos. Se eu sei que são apenas sonhos, por que tanto medo de não poder os realizar? Na madrugada repassava memórias. Que serão delas se eu morrer? Será como se os fatos e impressões particulares que compõem meu universo interno nunca tivessem acontecido? Eu de madrugada, no meu momento Rutger Hauer na beirada do parapeito, sob a chuva, com uma pomba branca na mão (mas minha vontade era pisar os dedos do Harrison Ford e assistí-lo se esborrachar no asfalto).  

    Me convidam a fazer um ensaio fotográfico sobre a pandemia. Queria fotografar, mas minha câmara está a 150 km de distância de mim. Literalmente. Queria fotografar, mas minha disposição está a 20.000 léguas de distância de mim. Busco meu arquivo de fotos na nuvem digital via celular. Minhas memórias gravadas em luz e transcodificadas no idioma binário das máquinas. Vejo as fotos do meu passado na telinha de 4 polegadas. 

    Parece que fazem 200 anos que bati essas fotos. Parecem que foram tiradas por outra pessoa. Um cego sorrindo… O que estaria visualizando por trás do olhar fosco? Peixes apodrecendo num saco de lixo no meio da rua. Por quais águas navegaram? Uma cabeça de boneca. Antes da decaptação teria sido embalada no colo de quantas garotinhas entre a loja de brinquedos e o lixo? Um sujeito com uma pedra de crack do tamanho de um tijolo. Quantos malucos chaparam naquele pedrão? Com que imagens alucinadas deliraram?  Memórias perdidas. Dois adolescentes sem-teto se beijando apaixonados. Ela grávida, ele com o rosto coberto de cicatrizes de queimadura. Faziam planos de futuro: “Vamos comprar uma casa”.  

    Começam a surgir fantasmas nas imagens. O Mancha (me disseram que mataram). O menino com câncer já havia perdido um olho, a pele cheia de verrugas, não tinha muito tempo de vida, isso há quase 20 anos (mas o menino com câncer não parecia ter nenhum medo de morrer)… Mestre Moa do Catendê. Um negro morto por outro negro por ofender a honra de um notório racista. O Brasil numa manchete. Gabrielzinho. Caralho, Gabrielzinho. Que injustiça do caralho. Justo aquele menino? 

    Pinço fotos quase aleatoriamente, tento achar uma linha narrativa. Construir algo mais ou menos como um ensaio. Quem sabe “olhos”? Assunto; olhos. Fotos de olhos? Fotos sobre olhos. Fotos que remetam ao olhar. Linhas estruturais que formem olhos. Um tema tão bom quanto qualquer outro. Mas isso é tão batido. Mas e daí que é tão batido. O que em 2020 não é “tão batido”? Deixa eu pensar. Essa aqui é jornalística demais. Essa outra não é artística o suficiente. Mas afinal o que é uma imagem artística? Sinceramente? Não me importo. Pra ser honesto, jamais me importei.  

    Vou virar todas as fotos em preto e branco. Dar mais unidade de conjunto pra esse material (tão disperso e intercalado pelo espaço e pelo tempo). Um ensaio deve ter unidade estilística. É o mínimo que se espera. Foi assim que me ensinaram, é assim que tem que ser. Mas meu estilo sempre foi colorido, cores saturadas (era moda na minha época!), meu estilo sempre foi calcado na cor. Mas afinal e daí? Quem liga pro meu estilo? Vou virar todas em preto e branco. Vai ficar mais artístico (de fracasso em fracasso será que me tornei um cínico? Ou, pior, será que algum dia fui sincero? Será que por isso, quando me faltou o ar, tive tanto medo de morrer?). Um conjunto de fotos linkadas pelo tema “olho”, todas em preto e branco. Sim, isso deve funcionar. E se falhar também quem se importa? É só mais uma galeria. É só mais um post. Só mais alguns cliques. Não vai cair o dólar. Nem subir o renminbi. 

    Vai ficar medíocre. É essa pandemia que mexe com a cabeça da gente, retesa os nervos. Aborrece. Desespera. Depois entedia antes de voltar a desesperar. Estico o braço à cabeceira; A Peste, Camus: (desculpem, hoje estou meio difuso, meio excêntrico com a escrita e a pontuação – Sterne é meu pastor e nada me faltará).

    “Quando rebenta uma guerra, as pessoas dizem: <<não pode durar muito. Seria estúpido.>> E sem dúvida uma guerra é muito estúpida. Mas isso não a impede de durar. A estupidez insiste sempre. E comprêende-la-íamos se não pensássemos sempre em nós. Os nossos concidadãos, a esse respeito, eram como toda a gente: pensavam em si próprios. Por outras palavras, eram humanistas: não acreditavam nos flagelos. O flagelo não está à medida do homem: diz-se então que o flagelo é irreal. Um mau sonho que vai passar. Ele, porém, não passa e, de mau sonho em mau sonho, são os homens que passam, e os humanistas em primeiro lugar pois não tomaram suas precauções. Os nossos concidadãos não eram mais culpados que os outros. Apenas se esqueciam de ser modestos e pensavam que tudo ainda era possível para eles, o que pressupunha que os flagelos eram impossíveis. Continuavam a fazer negócios, preparavam viagens e tinham opiniões. Como poderiam ter pensado na peste, que suprime o futuro, as viagens e as discussões? Julgavam-se livres, e nunca ninguém será livre enquanto existirem os flagelos”. 

    É. Tudo já foi dito, vivido e escrito (inclusive esta frase). Flagelos, gripes, pestes e misérias. Nós é que, ensimesmados e imbecis, sofremos por não aprender.

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    João Bacellar

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    João Bacellar

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    João Bacellar

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    João Bacellar

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    João Bacellar

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    João Bacellar

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    João Bacellar é fotógrafo e cartunista do Jornalistas Livres. E está, como toda a gente, consideravelmente surtado com sua primeira pandemia global.

    Conheça mais o trabalho do artista:

    https://www.instagram.com/terceiromundofoto/

    https://www.instagram.com/terceiromundo3m/

    https://terceiromundo.org/

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    O projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro é um projeto dos Jornalistas Livres, a partir de uma ideia do artista e jornalista livre Sato do Brasil. Um espaço de ensaios fotográficos e imagéticos sobre esses tempos de pandemia, vividos sob o signo abissal de um governo inumanista onde começamos a vislumbrar um porvir desconhecido, isolado, estranho mas também louco e visionário. Nessa fresta de tempo, convidamos os criadores das imagens de nosso tempo, trazer seus ensaios, seus pensamentos de mundo, suas críticas, seus sonhos, sua visão da vida. Quem quiser participar, conversamos. Vamos nessa! Trazer um respiro nesse isolamento precário de abraços e encontros. Podem ser imagens revistas de um tempo de memória, documentação desses dias de novas relações, uma ideia do que teremos daqui pra frente. Uma fresta entre passado, futuro e presente.

    Outros ensaios deste projeto: https://jornalistaslivres.org/?s=futuro+do+presente

  • Teatro Porque Não: cultura de resistência recria a experiência teatral com apresentações online durante a pandemia

    Teatro Porque Não: cultura de resistência recria a experiência teatral com apresentações online durante a pandemia

    Grupo de teatro gaúcho está em cartaz com apresentações ao vivo de “Isso não é um espetáculo” previstas para julho e agosto

    “O teatro é o agora e agora tudo está mudado.
    Isso não é um convite, mas sinta-se convidado.”

    Provocados pelo negacionismo crescente durante a pandemia, e pelas inúmeras questões sociais, políticas, culturais e de saúde que atravessam o chamado por alguns de “novo normal”, o “Teatro Por Que Não?”, grupo de teatro de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, propõe ao público uma experiência teatral virtual. Com a paralisação das apresentações no Espaço Cultural Victório Faccin, administrado pelo grupo, e as dificuldades que a cultura enfrenta para se manter de maneira independente, o grupo decidiu inovar na modalidade virtual, e estreou “Isso não é um espetáculo” em julho. A experiência teatral online é realizada via aplicativo Zoom, e tem classificação anos. Para adquirir os ingressos e obter informações sobre as próximas datas de apresentação, basta acessar o site teatroporquenao.com/agenda .

    Para conhecer mais sobre o projeto, os Jornalistas Livres entrevistaram Juliet Castaldello, atriz, e Felipe Martinez, diretor do grupo. Confira:

    Jornalistas Livres: O que é o teatro pqn?

    Juliet: O “Teatro Por Que Não?” é um grupo de teatro da cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul fundado em 2010, composto por 7 integrantes. O nosso trabalho é marcado pela diversidade em ações culturais, como espetáculos, eventos, cursos, entre outras atividades. O grupo tem passagens por Portugal, São Paulo, Paraná, Goiás, Santa Catarina e várias cidades do Rio Grande do Sul. Atualmente, administramos o Espaço Cultural Victorio Faccin com o TUI (Teatro Universitário Independente), grupo ativo há mais de 50 anos em Santa Maria – RS.

    Jornalistas Livres: Como surgiu a ideia de um (não) espetáculo na pandemia?

    Felipe: A ideia surgiu da necessidade de continuar as atividades artísticas do grupo mesmo em meio ao distanciamento social. Assim, continuamos em processo criativo durante a quarentena e ao mesmo tempo diminuímos o impacto financeiro negativo que o fechamento do teatro causa em nossa estrutura. Fazer teatro independente no interior do Brasil sempre nos obrigou a encontrar soluções para a sobrevivência de nosso trabalho e de nossos integrantes, portanto, a capacidade de adaptação a situações adversas é uma característica que permeia nossos 10 anos de coletivo, pois a realidade da maioria dos artistas no país é de dificuldades diárias.

    Divulgação | TPQN

    Jornalistas Livres: Do que o não espetáculo fala e como interage com o momento atual?

    Juliet: São apresentados sete personagens, artistas de teatro que, por não terem mais um espaço de trabalho, se encontram através do aplicativo Zoom (uma sala de bate-papo), pra tentar construir alguma coisa e dialogar sobre o teatro e a arte em tempos de isolamento social. Naquele espaço virtual as coisas se confundem e se mesclam entre o que é interpretação e o que é realidade. Assim abordamos diversos temas como a própria pandemia e seus desdobramentos, o trabalho com arte e como as pessoas veem a relação da arte com o momento atual. Também falamos da mecanização do trabalho através do capitalismo e como períodos de crise evidenciam ainda mais essa situação, a criação de esteriótipos para o amor e os relacionamentos, dentre outros assuntos.

    Jornalistas Livres: Como a (não) peça contribui pra pensar o momento difícil da pandemia, principalmente para os agentes da cultura brasileira?

    Felipe: A dramaturgia tem como pano de fundo a própria realidade do grupo na pandemia: agenda cancelada, escassez de suporte público e consequente quebra financeira. A partir disso, o elenco discute não somente sobre o próprio trabalho, mas sobre o momento que o país vive em diversos aspectos influenciados por um crescente negacionismo na sociedade. É portanto um trabalho que busca dialogar com os dias de hoje, buscando refletir não somente sobre o Brasil durante a pandemia, mas sobre o papel do artista de teatro neste momento. Pra quê e pra quem a arte é essencial? Sabemos que, principalmente em um período como este, um médico ou um enfermeiro é muito mais essencial que um artista. Mas isso significa que a arte não deve ter papel algum para enfrentar este momento? Acreditamos que não. Com o entendimento que o teatro é, historicamente, um espaço de encontro para a discussão de ideias, propomos que ele continue com esta função, mesmo que o distanciamento social imponha dificuldades e esse encontro não possa ser em um mesmo espaço físico.Porém, sem abrir mão de aspectos que ultrapassem o cotidiano, se utilizando do sensível, da estética e do corpo para comunicar. Por fim, propomos um debate sobre o espaço do artista de teatro. Sabemos que este trabalho não é um espetáculo, mas quais os lugares que o teatro pode ocupar? Até que ponto podemos aproveitar os recursos tecnológicos para alcançar novas plateias sem abrir mão da linguagem teatral? Nosso entendimento é que o teatro, por ser efêmero, sempre dialoga com o momento presente. Não importa o conteúdo da peça, o diálogo é com o agora. Portanto, se o nosso presente está transformado, não devemos nós nos adaptar a ele enquanto for necessário? Acreditamos que sim. Um artista sempre deve se reinventar, não importa se isso deixa de ser teatro, ainda é arte e ainda deve lutar para continuar a existir e comunicar.

    Divulgação | TPQN
  • Deputadas estaduais do PT em SP informam situação do interior na pandemia

    Deputadas estaduais do PT em SP informam situação do interior na pandemia

    Por Marisilda Silva, para os Jornalistas Livres 

    Conversando na manhã desta segunda-feira, 27/4, com o Jornalistas Livres, as deputadas petistas Márcia Lia e Professora Bebel falaram sobre o enfrentamento ao coronavírus no interior de São Paulo, a importância de ações solidárias e sobre o que está acontecendo na Assembleia Legislativa, as propostas do PT e as posições do partido frente as medidas propostas pelo governo Doria.

    De Araraquara, Márcia Lia contou como o prefeito municipal Edinho Silva estruturou as ações de governo para atender os habitantes do município e se articula com cidades vizinhas durante essa pandemia que atinge o Estado de São Paulo de forma agressiva.  A deputada conta que uma parceria com a Unesp de Araraquara está garantindo a realização de testes para confirmação da doença. Um hospital de campanha foi instalado e uma UPA foi destinada exclusivamente para procedimentos de observação para pessoas que apresentarem algum tipo de sintoma. Para atendimento, pelo SUS, Araraquara está contando com 76 respiradores, e ainda outros 29 aparelhos dos hospitais privados, totalizando 105 respiradores disponíveis para a população.  “Com 68 casos até agora e três óbitos confirmados por Covid-19, podemos dizer que Araraquara está sendo muito bem cuidada neste momento e parabenizamos o companheiro Edinho Silva por isso”, diz Márcia.

    Na região de Piracicaba, as coisas não funcionam tão bem, avisa a deputada Professora Bebel. Até domingo, 26/4, a cidades da região somaram 174 casos confirmados, chamando a atenção a cidade de São Pedro que, com cerca de dez mil habitantes, já conta 32 casos de Covid-19.

    Professora Bebel destacou a defesa do direito à vida, a proteção dos trabalhadores, que foram as bases do Plano Emergencial para enfrentar o novo Coronavírus apresentado pela bancada do PT.  Ela também denunciou a grande “sacanagem” que o governo Doria está fazendo no caso das merendas. Segundo ela, a escola pública era atendida com 3, 7 mil merendas, e agora Doria reduziu para 700 mil, considerando apenas o Cadastro Único e o Bolsa Família e não o número de matrículas  na rede estadual. “A merenda foi uma conquista, articulada com a agricultura familiar, orgânica, de qualidade, e aí calculado um preço. Não podemos deixar 3 mil alunos fora”, manifesta a deputada.

    Márcia Lia está bastante preocupada com os trabalhadores da cultura, cuja situação tornou-se mais vulnerável neste momento. Ela apela para que a Assembleia Legislativa aprove o PL 233/2020, propõe um Programa de Auxílio Emergencial para Trabalhadores do Setor Cultural e para Espaços Culturais. Márcia Lia é coautora da proposta que foi apresentada com a deputada Isa Penna, toda a bancada do PSOL, e a deputada Leci Brandão,do PCdoB. “A proposta será debatida pelo a Frente Parlamentar da Cultura nesta semana, e é urgente que seja aprovada”, informa a parlamentar.

     

    Assista aqui à entrevista com as deputadas Márcia Lia e Professora Bebel: