*Marcos Tavares, especial para o Jornalistas Livres
A greve dos professores e professoras das quatro universidades estaduais baianas (UEBA’s: Uesb, Uneb, Uefs e Uesc) completará dois meses dia 9 junho. Infelizmente, nesse período, o governo da Bahia não apresentou uma proposta concreta com relação às reivindicações da categoria docente, especialmente em relação aos quatros anos de perdas salariais decorrentes da inflação que no acumulado chega a 25,64%, correspondente aos anos de 2015 a 2018. O governo também não se pronunciou em relação ao investimento de 7% da Receita Líquida de Impostos nas universidades estaduais demandada pela comunidade acadêmica desde 2010. Com relação a esse último ponto, o governo se propôs apenas a repor R$ 36 milhões dos R$ 110 milhões cortados entre os anos de 2017 e 2018.
O governo da Bahia alega que não pode fazer a reposição das perdas salariais resultante da inflação em função da Lei de Responsabilidade Fiscal. Contudo, quando se examinam os dados do próprio governo acerca da Lei Orçamentária Anual (LOA), a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a execução orçamentária com base no relatório quadrimestral da Secretária da Fazenda da Bahia e no Portal da Transparência, verifica-se que o governo apresenta condições fiscais para fazer a reposição das perdas inflacionárias nos salários dos docentes e também para assegurar o investimento nas UEBA’s.
A LRF estabelece quanto o governo estadual pode comprometer da Receita Corrente Líquida com despesa de pessoal, sendo o limite máximo para o poder executivo igual a 48,6% e o limite prudencial de 46,17%. No caso da Bahia, a despesa com pessoal do poder executivo é de 44,85%, conforme apresentado na tabela abaixo retirada do Portal Transparência Bahia. Desse modo, a despesa se encontra 1,32 pontos percentuais abaixo do limite prudencial de 46,17%, montante esse que pode ser estimado em mais de 400 milhões de reais. Assim, a partir dessa diferença é possível afirmar que há margem para o governo negociar com as/os docentes das universidades estaduais da Bahia a defasagem salarial dos últimos quatro anos. A questão não é fundamentalmente financeira, mas, sim, política. Vale destacar que LRF no seu inciso I do art. 22 não veda reposição de perdas salariais decorrentes da inflação, conforme texto da Constituição Federal de 1988 no seu artigo 37.
Já com relação ao investimento nas UEBA’s, a decisão de investir mais ou menos é de ordem política. A Constituição Federal de 1988 define apenas o limite mínimo de 25% da RLI para o investimento em educação nos estados. No caso da Bahia, o investimento em educação não vem acompanhando o crescimento da RLI. Assim, tanto no caso salarial como em relação ao investimento nas UEBA’s, nesse momento, a decisão por parte do governo de não negociar a pauta do Fórum das Associações Docentes (FAD’s) é de caráter político e não financeiro. Trata-se de escolha política e revela a visão que o chefe do executivo estadual tem sobre educação, as universidades e a valorização dos professores e professoras.
Segundo dados apresentados pelo Fórum de Reitores, o governo do estado nos últimos dois anos deixou de repassar para as UEBA’s cerca de 110 milhões de reais. O que fez com que caísse o percentual da receita líquida de impostos destinado às universidades estaduais, saindo de 5,14%, em 2015, para 4,45%, em 2018.
Mesmo quando se trabalha com os dados divulgados pelo governo acerca do orçamento das universidades, constata-se que o valor nominal, sem considerar a inflação, cresceu 5,34%, entre os anos de 2015 e 2018, mas se considerarmos os dados dos reitores esse crescimento nominal é de 4,42%. Já a receita líquida de impostos saiu de 23 bilhões e 715 milhões de reais para mais de 28 bilhões e 559 milhões, apresentando assim crescimento nominal, no mesmo período, de 20,42%. (Confira, no final deste artigo, o vídeo sobre o orçamento das universidades estaduais da Bahia produzido pelo Fórum das Associações Docentes – FAD’s.)
Não são apenas as universidades que penam com a política do governo, mas todo sistema público de educação da Bahia. Quando se olha os dados de investimento em educação como um todo, estes também revelam que a educação pública no estado perde participação no “bolo”, pois, em 2015, foi destinado à educação pública 27,96% da receita líquida de imposto, percentual este que cai em 2018 para 25,65%.
Assim, ao examinarmos os números relacionados ao orçamento público e a sua execução, conclui-se que o governo da Bahia fez uma escolha política e, nessa escolha, a educação pública não é prioridade.
*Marcos Tavares é professor do curso de Economia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
Por Cooperativa Paulista de Teatro, com fotos de Beto de Faria e Nataly Cavalcantti, especial para os Jornalistas Livres
Na noite da última terça-feira (8/2), no Centro Cultural São Paulo – uma das maiores referências para quem acompanha a vida cultural e artística da cidade – aconteceu o encontro entre o novo secretário de Cultura do município, André Sturm, e os artistas do teatro. Embora não se possa afirmar que todos os artistas que lá se encontravam fossem do teatro, certamente eram atores desse segmento da cultura a imensa maioria. O peso da ameaça dessa nova gestão (que apaga pinturas das paredes da cidade como se isso não fosse cultura) sobre todos aqueles que pensam, produzem e acreditam na arte como forma de transformação talvez nos tenha trazido uma certa unidade.
Antes do início da reunião, o diretor do CCSP, Cadão Volpato, recém-nomeado pela nova gestão, envolveu-se numa discussão no mínimo curiosa com alguns artistas que fixaram na mesa onde se sentaria o Secretário e os servidores chamados para acompanhá-lo uma faixa, feita pelos próprios artistas, com os dizeres ‘cultura não se congela’. Indignado com a colocação da faixa, o diretor exige que a mesma seja retirada. (Veja abaixo)
Acontece que o povo de teatro não está nessa de brincadeira. Uma pessoa que escolhe fazer da sua própria vida um rito de dedicação continuada à arte dos palcos e das ruas não vai a uma reunião com o Secretário de Cultura para brigar por esmola, nem pra pedir verbinha pra realizar sua pecinha. A gente só topa se for pra discutir política pública. Por isso a fala da atriz, diretora, dramaturga e militante da arte Dulce Muniz abriu dando as boas-vindas ao Secretário: “bem vindo, Secretário André Sturm, à luta pelas políticas de Estado para a Cultura”.
E estamos nessa luta há muito tempo. Construímos políticas estruturantes com o objetivo óbvio para que não possam ser desmontadas por qualquer governo de plantão. Estamos preparados para a luta desde sempre e sabemos claramente como “toca a valsa” nessas terras onde um governo faz e o outro desfaz… O que aconteceu na terça-feira no Centro Cultural foi a mobilização de uma categoria preocupada com o horizonte à frente e não com políticas imediatistas e midiáticas de gabinetes executivos.
O encontro começou tenso e o Secretário chegou a se irritar com os artistas que lotavam as galerias e solicitavam que se liberasse a entrada para mais gente na parte de baixo da sala, onde também já estavam ocupados todos os lugares; a plateia só silenciou quando um dos dirigentes da Cooperativa Paulista de Teatro solicitou aos companheiros que o fizessem a fim de que a pauta central do encontro fosse iniciada. O início já delimitou o campo de luta, já que foi imediatamente atendido.
Em seguida, o Secretário colocou os motivos do congelamento dos recursos da Cultura e o microfone foi aberto aos interessados, sendo o presidente da Cooperativa Paulista de Teatro o primeiro a falar e, em sua fala, trouxe o números aproximados da pasta de André Sturm.
“Lutamos intensamente na Câmara Municipal para que a pasta de Cultura tivesse mais do que os R$ 480 milhões propostos, naquele momento, pelo Executivo. Não conseguimos muito, mas conseguimos elevá-lo para R$ 518 milhões que foi o valor que conquistamos na Câmara, previsto em Lei Orçamentária. Na imprensa, no entanto, foi divulgado que a verba destinada à Cultura era de R$ 453 milhões, faltam, então, R$ 65 milhões que não sabemos exatamente onde estão, mas que constam no orçamento aprovado no Legislativo. A Secretaria tem um custo com funcionários de R$ 121 milhões e mais R$ 100 milhões, aproximadamente, para custos com vigilância, limpeza, internet, água, luz, etc. Portanto, a pasta opera com cerca de R$ 220 milhões. O que significa que, se houver um congelamento de 43,5% do orçamento, a verdade é que o Secretário tem mais ou menos R$ 255 milhões para trabalhar. Sendo que destes, R$ 220 milhões estão comprometidos para seu próprio custeio e o que resta para atividades e políticas públicas de cultura, são pouco mais de R$ 34 milhões. Isso significa dizer que este congelamento inviabiliza totalmente a pasta da Secretaria.
Exigimos, por respeito à cidade, aos artistas e aos movimentos culturais de toda São Paulo que descongelem imediatamente os recursos da Cultura. Que se cumpra a legislação, uma vez que as políticas culturais estruturantes, que foram construídas na forma de lei e em diálogo com a cidade, os artistas e o parlamento sejam continuadas e nem sequer, em hipótese alguma, atrasadas.”
Em seguida falou o artista Pedro Granato presidente do Motin (Movimento de Teatro Independente):
“São Paulo é uma cidade plural, com diversos tipos de teatros sendo feito e o Fomento ao Teatro permitiu que tivesse teatros por toda cidade. Muitos teatros de São Paulo sobrevivem de maneira aguerrida, muitos abrem mão de receber algum salário para manter seu teatro. Quero dizer, o teatro é feito com paixão e o teatro existe em São Paulo como uma força potente culturalmente. Isso aconteceu também por uma parceria com o poder público. E dessa parceria, um processo histórico levou muitos dos artistas a ser nomes de prêmios, nomes de salas de teatro, participaram da inauguração de leis como o Prêmio Zé Renato, diversas leis e conquistas. E essas leis permitem uma função e fusão de poder público, estudiosos, críticos, pessoas ligadas às artes. São leis orgânicas conquistadas. A nossa preocupação é com o congelamento. A cultura não respira. E quando a gente congela, e por isso essa mobilização tão grande, colocamos em risco grupos, projetos sérios, pessoas podem perder emprego, teatros podem fechar. As ações que estão chegando para a gente não indicam o diálogo que a gente esperava. Mais de 40% de congelamento, pra gente, é um tiro no peito. Nosso maior interesse é um diálogo profundo com o poder público, mas o congelamento não é um diálogo.””
O secretário, aparentemente desconfortável, se comprometeu publicamente com a plateia presente, em lutar junto com a categoria pelo descongelamento integral da verba da cultura, assinando inclusive um documento entregue pelos artistas Dulce Muniz, Fernanda Azevedo e Luciano Carvalho.
“Afirmo meu compromisso com a Cultura de São Paulo, com quem está aqui hoje, majoritariamente do Teatro… mas com certeza gente da Dança, do Circo, da Periferia, enfim, Artes Cênicas é a mistura de tudo e nós vamos estar juntos”, declarou Sturm.
Em seguida, os artistas se retiraram e seguiram para uma assembleia no Teatro Heleny Guariba, onde começaram a tecer os caminhos e a sequência da luta.
Como tão bem foi dito pela companheira Dulce Muniz: a luta pela Cultura na cidade de São Paulo não pode ser dissociada da própria história da cidade, não pode ser dissociada da construção efetiva de uma identidade cultural paulistana, rica, diversa, liberta e libertária. Assim, as fazedoras e fazedores de teatro têm certeza e não arredamos pé: Cultura não se congela, Teatro não se fecha!
Há quase três meses no poder, o governo provisório decidiu adotar a lupa do equilíbrio das contas públicas para determinar suas prioridades. Esse caminho tem implicações importantes, não apenas em impactos econômicos. As consequências serão sentidas pela parcela mais vulnerável de brasileiros. São mudanças de recursos e acesso à Saúde e Educação – direitos sociais garantidos pela Constituição –, nas ações de combate à pobreza, segurança pública, segurança alimentar e agricultura familiar, entre outras.
A justificativa é uma retórica simplista que afirma que “a Constituição não cabe no Orçamento”. A tendência conservadora vai além das contas públicas e atravessa todos os ministérios, numa ofensiva (às vezes silenciosa) que se reflete em recuos nos direitos sociais e humanos. Para analisar esses efeitos, a equipe da ex-ministra do Desenvolvimento Social Tereza Campello, que comandou a pasta no governo Dilma Rousseff e é também uma das técnicas responsáveis pela concepção do Programa Bolsa Família, montou uma plataforma que tem como objetivo chamar a atenção para esses retrocessos. É o “Alerta Social – Qual Direito Você Perdeu Hoje?”, que detectou, até o final de julho, mais de 40 ameaças à área social. Cumpre o papel de registrar esses acontecimentos em uma linha do tempo. “Como a velocidade da desestruturação do Estado e do desmonte é muito grande, o ‘Alerta Social’ é uma ferramenta fundamental para contar a história da desorganização do Estado brasileiro”, explica Campello.A ferramenta é uma maneira de expor também sua opinião diante das tentativas de silenciar os ganhos sociais do governo Dilma. “Acho dramático que durante esse período, com tantas mudanças sociais, a imprensa tradicional não tenha me procurado para escutar o contraditório. Não existe a menor preocupação”, revela a ex-ministra. “Não é necessário concordar com a minha opinião. Mas não sou só uma ex-ministra que comandou a área do desenvolvimento social por cinco anos, com reconhecimento no Brasil e no mundo. Fui também a técnica que estava na origem do trabalho do Bolsa Família. Desapareci, a história do Bolsa Família, de 14 anos, desapareceu. Isso é muito grave.”Infográfico: Revista Brasileiros
É inquestionável o sucesso do programa Bolsa Família. Quando começou, em 2003, o Brasil tinha 23,6% de sua população em situação de pobreza e 8,2% em contexto de extrema pobreza (famílias com renda abaixo de R$ 77 mensais por pessoa). Os dados mais recentes, de 2014, demonstram que a pobreza caiu a 7% e a extrema pobreza a 2,5% do total de brasileiros. Os que mais sentiram essas mudanças foram as crianças de até 5 anos.
Significa que 36 milhões de pessoas saíram da linha de extrema pobreza e entraram para o sistema de garantia de direitos do Estado: passaram a ter acesso à Saúde, Educação (condicionalidades para integrar o Bolsa Família), Assistência Social e alimentação. É muito mais que a transferência de renda e tem impactos amplos e profundos. Por exemplo, no primeiro semestre do ano passado, 5,5 milhões de crianças receberam atenção médica básica, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário; a mortalidade infantil por desnutrição teve queda de 65% nos municípios onde o Bolsa Família mais se concentra, segundo a ONU; entre 2002 e 2014, a fome no Brasil diminuiu 82%, de acordo com o relatório O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2015; o déficit de estatura, reflexo da desnutrição, das crianças beneficiárias do programa caiu pela metade, indica estudo dos ministérios da Saúde e Desenvolvimento Social com 360 mil crianças entre 2008 e 2012; cerca de 99% das mulheres inscritas no Bolsa Família recebem acompanhamento pré-natal. Com a melhora nas condições de vida, por volta de 3,1 milhões de famílias se desvincularam espontaneamente do programa.
Do ponto de vista da governança, o Bolsa Família também estabeleceu parâmetros complexos que correm o risco de ser desarticulados. Os programas do governo eleito, de todos os ministérios, eram integrados e transversais. “Há, neste momento, uma tentativa de desmembrar e isolar as ações. Construímos um ambiente sofisticado de ação integrada entre Educação, Saúde e Assistência Social. E isso é muito fácil de desorganizar, desmontar, basta não estar mais atento e não valorizar esse trabalho”, alerta Campello.
Não é o Bolsa Família que pesa sobre o Orçamento da União. A dotação de R$ 28,1 bilhões para o programa foi aprovada em agosto de 2015 por deputados e senadores. Esses gastos representam 0,46% do PIB do País ao ano.
Brasília – DF, 21/06/2016. Presidenta Dilma Rousseff acompanhada da Ministra Tereza Campello durante Face to Face no Palácio da Alvorada. Foto: Roberto Stuckert Filho/PR
Saúde e EducaçãoMovimentos recentes do governo Temer indicam que o que deve guiar os investimentos públicos será o congelamento do teto de gastos, Proposta de Emenda Constitucional (PEC 241/2016) anunciada em 15 de junho pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. A medida será votada no Congresso e propõe congelar despesas em todas as áreas por 20 anos. Os gastos do ano seriam corrigidos pela inflação do ano anterior. Segundo Meirelles, caso não seja aprovada, haverá aumento de impostos.
As despesas em Saúde e Educação também seriam reguladas pela PEC. Para investir acima da inflação, o governo teria de remanejar recursos de outra área. “Haverá vinculação das despesas da saúde e educação a esse teto”, afirmou Meirelles. Atualmente, esses gastos da União são vinculados a percentuais mínimos da receita.
É uma medida de austeridade. Tende a cortar benefícios sociais e a compreender o desenvolvimento com foco na redução de gastos e não na diminuição da desigualdade. Essa corrente defende que a dívida pública não pode aumentar mais, sob pena de reduzir investimentos e catapultar para gerações futuras prejuízos graves de emprego e renda. O outro lado sustenta que há ajustes tributários que poderiam preservar os programas e políticas sociais e ao mesmo tempo ajudar a reduzir a dívida pública.
“Ao congelar o gasto federal, a PEC 241 desestrutura o financiamento da política social brasileira ao eliminar a vinculação de receitas destinadas à educação e ao orçamento da seguridade social, que compreende as políticas de saúde, previdência e assistência social”, escreveu o professor de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo Daniel Arias Vazquez, doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, em artigo publicado na Plataforma Política Social. “Trata-se de um duro golpe que quebra a espinha dorsal da Proteção Social no Brasil, estabelecida na Constituição de 1988 e ainda em consolidação”, concluiu, a partir de um estudo que simulou os efeitos da proposta.
O governo Temer dá também outros indícios de um viés conservador. Ideias como um plano de saúde popular, que ameaça a universalidade do sistema público de saúde, vão marcando os primeiros meses de governo interino. Para o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), o conceito de direito à Saúde também precisa se adequar aos limites orçamentários e essa seria uma maneira de desafogar os gastos com o Sistema Único de Saúde (SUS). “Quando uma pessoa tem um plano, ela está contribuindo para o financiamento da Saúde no Brasil”, disse Barros. “Ela participa dos custos de atendimento da Saúde. Como os planos terão menor cobertura, parte dos atendimentos continuará sendo feita pelo SUS.”
O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, que ocupou o cargo de 2007 a 2011, considera “uma barbárie” essas sinalizações do governo Temer. “Pela primeira vez temos um ministro que fala de maneira clara que quem vai ditar uma política de Saúde é o mercado”, constata Temporão, que foi um dos criadores do SUS. Grazielle David, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), organização da sociedade civil que trata de direitos humanos, afirma que o resultado será a precarização do sistema. “Enquanto as demandas sociais aumentam, com o crescimento e envelhecimento populacional, e com novas tecnologias de saúde cada vez mais caras, a proposta de um novo modelo fiscal que reduz investimentos no setor destina o povo brasileiro à morte com o sucateamento definitivo do SUS”, alerta Grazielle, mestre em Saúde Coletiva e especialista em orçamento público, direito sanitário e bioética.
Na Educação, o governo Temer também acena com mudanças que parecem privilegiar o setor privado. Dos 12 novos nomes indicados para o Conselho Nacional de Educação pelo presidente provisório, após revogar grande parte das indicações de Dilma Rousseff, quatro são pessoas ligadas à iniciativa privada. “Estamos diante de um processo de focalização sobre um determinado nível escolar e privatização dos demais”, afirma Sergio Haddad, economista, doutor em Educação e coordenador geral da ONG Ação Educativa. “Há também um aceleramento de uma lógica de condenação e vigilância do papel do professor do ponto de vista ideológico e que entende o aluno como mero receptor de conteúdo”, completa. Haddad acredita que um dos resultados será a falta de diversidade nas escolas e universidades.
Diante desse cenário, a situação é preocupante. Tramita no Senado o Projeto de Lei 192/2016, do senador Magno Malta (PR-ES), que implementa a “Escola sem Partido” e impede o exercício do pensamento crítico no ambiente escolar. Apesar de negar que apoia a proposta, o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), em seu primeiro encontro com representantes da sociedade civil, recebeu o ex-ator Alexandre Frota e participantes do movimento Revoltados Online, defensores da “Escola sem Partido”, tema que teria sido tratado durante a reunião no ministério.
Políticas públicas
A extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário é um sinal óbvio de escolha de prioridades. Com a mudança, as políticas públicas voltadas à agricultura familiar foram alocadas em secretarias especiais ligadas à Casa Civil, assim como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que antes da admissibilidade do impeachment estava no MDS. “Pelo sucesso na erradicação da fome e pelos avanços conquistados em termos de segurança alimentar, tornando-se uma referência internacional, é fundamental que o Brasil mantenha sua capacidade de executar e aprimorar políticas públicas no campo da agricultura familiar resultantes de diálogo entre governo, movimentos e atores sociais”, diz Jorge Romano, coordenador executivo da ActionAid no Brasil, doutor em Ciências Sociais e Desenvolvimento e especialista em desenvolvimento rural. A Action Aid é uma organização internacional que atua no combate à pobreza. Fundada na Inglaterra em 1979, está no Brasil há 17 anos e atua em 13 estados.
No mesmo caminho, a pasta de Direitos Humanos perdeu status de ministério e está sob direção do Ministério da Justiça. Essa reorganização, com o perfil do ministro, Alexandre de Moraes, coloca os direitos humanos no guarda-chuva da segurança pública, e não o contrário. Traz de volta resquícios de uma política que tratava a questão social como “caso de polícia”, herança do ex-presidente Washington Luís (1926-1930). Sinaliza para a possibilidade de apoio à proposta que aumenta a pena de adolescentes que cometerem crimes hediondos, além de reduzir a maioridade penal nesses casos. A PEC 33/2012, do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), aguarda desfecho no Senado e trata exatamente dessas diretrizes. “No campo dos direitos humanos, o propósito é radicalizar o projeto conservador”, define o economista Eduardo Fagnani, professor da Unicamp, para quem o presidente interino pratica a “democracia de resultados”.
O quadro atual se afasta muito da teoria de um dos grandes intelectuais brasileiros, o economista Celso Furtado. Segundo Furtado, “o que caracteriza o desenvolvimento é o projeto social subjacente. O crescimento, tal qual o conhecemos, funda-se na preservação dos privilégios das elites que satisfazem seu afã de modernização. Quando o projeto social dá prioridade à efetiva melhoria das condições de vida da maioria da população, o crescimento se metamorfoseia em desenvolvimento. Ora, essa metamorfose não se dá espontaneamente. Ela é fruto da realização de um projeto, expressão de uma vontade política.” Entre Celso Furtado e a República Velha, o governo de Michel Temer dá mostras de escolher o segundo caminho no que diz respeito aos direitos e às políticas sociais.
As cenas mais chocantes da história do Brasil no século XX são aquelas da seca, especialmente no Nordeste. Fome, morte, subnutrição e migração para o Sudeste compunham o triste quadro. Revisitar essas cenas é indignar-se com a desigualdade que sempre foi, e ainda é, marca do nosso país. Embora a seca no Nordeste chamasse mais nossa atenção, a fome esteve espalhada por todo o território brasileiro.
Esse povo é pobre por que é vagabundo, dizem alguns. A verdade é que há um nível de pobreza, um nível de miséria, do qual é impossível sair sem alguma ajuda externa. Uma condição que passa de pais e mães para filhos e assim por diante numa reprodução sem fim da penúria. A criação e a disseminação do Bolsa Família foi a ajuda que fez o quadro mudar radicalmente nesses últimos anos. Foi a quebra do ciclo vicioso.
Dona Zabé da Loca, tocadora de pífanos, em Monteiro, Cariri, 2001. Foto de Hélio Carlos Mello.
Pesquisas mostram aumento na altura média de crianças no Brasil: quem passa fome na primeira infância cresce menos. Censos do IBGE demonstram com toda clareza a passagem de milhões de brasileiros para cima da linha de pobreza. O mapa da fome da ONU retirou, em 2014, o Brasil de sua lista de países que não conseguem garantir o mínimo de alimentos à seus habitantes. Órgãos das Nações Unidas, governos de outros países e imprensa internacional reconhecem a efetividade do programa adotado pelo Brasil a partir do governo Lula. Quem quiser, encontrará inúmeros dados comprovando esse fato.
O custo do Bolsa Família quebrou o país, repetem outros. Nada mais falso do que atribuir as dificuldades no orçamento do governo federal ao Bolsa Família. Para termos uma idéia: o pagamento de juros sobre a dívida do governo consumiu R$ 513 bilhões, nos 12 meses terminados em fevereiro de 2016, segundo o Banco Central do Brasil.
Se dividirmos esses 513 bilhões por 12 meses, concluímos que o governo federal gastou, em média, R$ 42 bilhões por mês de juros. Em março de 2016, o Bolsa Família pagou R$ 2,2 bilhões a 13,8 milhões de famílias.
Compare 42 bilhões de reais de gastos com juros e 2,2 bilhões de reais com o Bolsa Família e diga qual dos dois pode quebrar o país.
Dos dois dados do Bolsa Família podemos tirar outros dois.
O primeiro é que se as famílias têm em média 4 pessoas, o Bolsa Família ajuda 55 milhões de pessoas, ou seja, um quarto da população brasileira.
A segunda informação é que o Bolsa Família paga, na média, R$ 160 por família, um valor muito baixo, mas que pode ser a ajuda que se precisava para quebrar o círculo da miséria.
Em matéria sobre o programa Ponte para o Futuro do PMDB, o jornal O Estado de São Paulo de 27/03/2016 disse que: “ Segundo o Estado apurou, o combate à desigualdade será mantido, mas vai se concentrar no atendimento nos 10% mais pobres, que estão abaixo da linha de pobreza (por critérios internacionais, quem vivem com menos de US$ 1 dólar por dia)”.
Se hoje 25% da população é assistida pelo Bolsa Família e o PMDB quer restringir aos 10% mais pobres, haverá um corte significativo no programa mais barato e que mais tirou gente da miséria. O golpe quer cortar direitos, não quer apenas depor a presidenta Dilma ou incriminar o ex-presidente Lula.