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  • É tempo de reflexão, coragem e criatividade.

    É tempo de reflexão, coragem e criatividade.

    No segundo turno das eleições, dia 28 de outubro de 2018, Jair Bolsonaro obteve 57,7 milhões de votos (39,1%); Fernando Haddad, 47 milhões (31,7%); abstenções, nulos e brancos, 42,4 milhões (28,5%). Logo, 89,4 milhões de brasileiros não votaram em Bolsonaro. Entretanto, de acordo com as regras do jogo, 57,7 milhões de brasileiros elegeram o presidente do Brasil, de 2019 a 2022, e decidiram também levar o povo brasileiro para um tempo de mais cortes em direitos sociais, mais devastação ambiental, mais discriminação etc., uma noite escura, um deserto. Entretanto, “o deserto é fértil”, já dizia o profeta Dom Hélder Câmara. Com Carlos Drumond de Andrade, pergunto: “E agora, José?” ‘Reflexão’, ‘coragem’ e ‘criatividade’ foram as três primeiras palavras que me vieram à mente após o resultado da eleição presidencial. É hora de refletir, ruminar, meditar e recolher as melhores lições sobre tudo o que está acontecendo no nosso querido Brasil com o povo, as igrejas, as pessoas, os biomas, a mãe terra, a irmã água e todos os seres vivos. É hora de coragem, de respirar fundo e manter a luta por todos os direitos, de cabeça erguida e com muito amor no coração. Não podemos deixar que os instigadores de violência nos façam violentos. Só o amor integral liberta. Ético e humano é respeitar a imensa diversidade cultural, religiosa e de orientação sexual, inclusive, e não abrir mão da luta por todos os direitos. É hora de criatividade, “é hora de revirar …”, conforme canta Zé Vicente, o cantor e compositor das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs).

    Segundo o livro do Êxodo, na Bíblia, após amargar uns 500 anos de escravidão no Egito, debaixo do imperialismo dos faraós, o povo oprimido e superexplorado de várias culturas, diante de um Decreto do Faraó que mandava matar os meninos ao nascer, o povo se uniu, se organizou e partiu para conquistar terra e liberdade: um sonho bom e invencível. No entanto, no início da caminhada, o povo se viu encurralado pelo Mar Vermelho à frente, atrás a tropa de choque dos faraós e montanhas dos dois lados. Nesse apuro, as mulheres parteiras – Séfora e Fua -, Míriam e Moisés convidaram o povo a dar as mãos e bradaram: “Coragem! Um passo à frente!” O Mar Vermelho se abriu e o povo seguiu a caminhada para conquistar a terra prometida e sem males.

    O Deus da vida e Jesus Cristo revolucionário estão vivos em todos os/as injustiçados/as, conspirando conosco e em nós. Sejamos “simples como as pombas, porém espertos como as serpentes” (Mateus 10,16). “O véu do tempo se rasgou” (Mateus 27,51). Falsos cristãos revelaram sua hipocrisia e cinismo. O Deus da vida e Jesus Cristo devem estar indignados por verem os nomes de Deus e de Jesus sendo usado e abusado com fins eleitoreiros e para pavimentar ascensão ao poder. Entretanto, é nos momentos de escuridão e de dificuldade que o Deus da vida existente no humano e em todos os seres vivos se manifesta. “Misericórdia, quero; holocausto, não” (Mateus 9,13), bradava Jesus Cristo. E acrescentamos: tortura, não; ditadura, não! Democracia, sim! Aos que foram seduzidos por fake news (notícias falsas) e por pastores e sacerdotes falsos, promotores da privatização da fé cristã, digo: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fizeram” (Lc 23,34). Arrependerão assim que cair a venda da vista. Atenção! Aprovado pela maioria nas urnas em 28 de outubro de 2018, o sistema do capital está recheado de contradições e inconsistências, é um gigante que parece invencível, mas é vencível, sim, porque tem pés de barro.

    Segundo a perspectiva profética da Bíblia, todo momento de opressão e de superexploração é momento de Kairós, palavra da língua grega que significa “tempo propício e favorável” para compreendermos os sinais da ação solidária e libertadora do Deus da vida nas entranhas da história. É nos momentos mais dramáticos, quando parece não haver saída, sem luz no fim do túnel, que podem acontecer as mais inspiradoras e libertadoras transformações. Por exemplo, na ditadura militar-civil-empresarial de 1964, momento de grande repressão no Brasil, nasceram as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e as pastorais sociais em um cenário de Igreja acumpliciada com a classe dominante e manietada pela ideologia dominante que chegou a fazer as lastimáveis Marchas com Deus, pela Propriedade e contra o Comunismo.

    Sandro Gallazzi, biblista do CEBI e da CPT, afirma que “todas as grandes realizações nasceram em períodos de maior escuridão”. No momento em que um faraó do imperialismo egípcio anunciou um Decreto-Lei duro, uma espécie de Ato Institucional, mandando matar todos os meninos que viessem a nascer, nasceu ali o Êxodo, um grande movimento religioso e popular de resistência que levou o povo a se libertar da escravidão no Egito. Foi o momento do Exílio babilônico que fez produzir as partes mais lindas e revolucionárias do Primeiro Testamento da Bíblia. E eram tempos dramáticos em que muitos foram mortos e massacrados. Foi também durante as agruras do Imperialismo Romano, na periferia da Palestina, que nasceu o menino Jesus de Nazaré, que foi compreendido e reverenciado como Cristo, enviado de Deus para testemunhar um caminho de libertação integral.

    O padre e monge Marcelo Barros nos aponta um rumo: “Resta-nos agora voltar às bases e preparar as células de resistência (os cenáculos de resistência) na linha das minorias abraâmicas e da reorganização da esperança”. Sigamos, irmanados/as e abraçados/as, na luta pela democracia e por todos os direitos fundamentais, acendendo na luta a esperança, construindo “de baixo para cima e de dentro para fora”, uma sociedade do bem-viver com sustentabilidade eco-social que construa um ambiente viável para as próximas gerações.  Invocado sob tantos nomes, o Deus da vida, os nossos ancestrais, os/as mártires e todos os espíritos bons nos guiam e nos encorajam. Não nos dispersemos. É hora de apoio mútuo e cúmplice. As abelhas isoladas são frágeis, mas em enxame são fortes e conquistam respeito. O lutador uruguaio incansável José Mujica nos aponta o caminho ao ponderar que “os únicos derrotados são os que abaixam a cabeça, se resignam e desistem de lutar. Devemos ter a humildade de fazer autocrítica e aprender com os erros cometidos. Nenhuma derrota é absoluta e nenhuma vitória é absoluta”. É hora de autocrítica radical e consequente para conquistar outros horizontes alternativos. Portanto, é tempo de reflexão, de coragem, de criatividade e de refazer a esperança e a resistência. Esperança do verbo esperançar, que é ação, é movimento. Por amor aos/às explorados/as e discriminados/as, sigamos a luta por direitos, pois a luta gera a esperança.

     

  • Por que não torcer pela Seleção Brasileira? Porque não é a Seleção Brasileira!

    Por que não torcer pela Seleção Brasileira? Porque não é a Seleção Brasileira!

    “Noventa milhões em ação
    Pra frente Brasil, do meu coração
    Todos juntos, vamos pra frente Brasil
    Salve a seleção!
    De repente é aquela corrente pra frente, parece que todo o Brasil deu a mão!
    Todos ligados na mesma emoção, tudo é um só coração!
    Todos juntos vamos pra frente Brasil!
    Salve a seleção!
    (Pra Frente Brasil – Hino da Seleção Brasileira de 1970)

    Durante a Copa do Mundo realizada no México, em 1970 a grande dúvida, que incomodava a parcela da população brasileira que tinha consciência política e que, portanto, se posicionava contra a ditadura, era se deveria ou não torcer ou até mesmo assistir aos jogos da Seleção Brasileira de Futebol.

    A Seleção Brasileira de 1970 era a representante legítima do que havia de melhor no futebol brasileiro à época, diferentemente do que ocorre com a Seleção Brasileira dos dias de hoje.

    Nomes como Pelé, Rivelino, Tostão e Carlos Alberto Torres faziam a festa da torcida nos times em que jogavam, aqui mesmo no Brasil.

    Não havia, como na Seleção de hoje, os jogadores chamados de “estrangeiros”. Todos jogavam no Brasil, o que criava grande empatia com o torcedor. Qualquer pessoa na rua dizia de cor a escalação do time, inclusive dos times onde cada atleta daquela seleção atuava.

    O futebol ainda não havia sido tomado de assalto pelas grandes marcas, pelos grandes anunciantes. Os atletas não tinham assinados contratos milionários, e se preocupavam mais em jogar bola do que com cortes de cabelo exóticos ou desfilar a bordo de carrões com roupas de gosto duvidoso.

    Aliás nenhum daqueles atletas tinha histórico de envolvimento em escândalo de sonegação de impostos, por exemplo.

    A Copa do Mundo de 1970 foi a primeira a ser transmitida pela TV, ao vivo, via satélite e em cores.

    Mas vale ressaltar que a maioria dos brasileiros era bem pobre e não tinha TV, quem diria a cores.

    A ditadura militar, com uma tremenda visão de comunicação de massas, organizou eventos em locais públicos, onde foram transmitidos todos os jogos, ao vivo e em cores.

    Portanto a grande contradição que havia entre torcer ou não pela “Seleção Canarinho” de 1970 não estava relacionada diretamente com a qualidade técnica daquele time, que aliás era magnífica.

    A contradição entre torcer ou não residia no fato de que aquela Seleção representava oficialmente o regime político do país comandado pela ditadura militar, ou seja, todo e qualquer sucesso do time era automaticamente transformado em dividendo político pela ditadura.

    Não foi a toa que o ditador Médici em pessoa levantou a taça da conquista da Copa do Mundo das mãos do próprio capitão da Seleção, Carlos Alberto Torres.

    O ditador Emílio Garrastazu Médici, aliás, torcedor fanático por futebol, fez questão de associar sua imagem pessoal à imagem da Seleção Brasileira, vencedora da Copa do Mundo.

    A ditadura civil-militar colheu muitos dividendos com a conquista da Copa do Mundo do México em 1970. A vitória foi atribuída, mesmo que inconscientemente, à ideia de “eficiência” do regime, cuja influência se fez presente até mesmo na escalação do time que embarcou para o México.

    João Saldanha, que era técnico da Seleção por méritos e aclamado por todo o Brasil, enfrentou a ditadura, fazendo valer sua decisão de não escalar Dario “Dadá Maravilha”, um centro avante mediano, mas sugestão do próprio Médici.

    Resultado: foi substituído em cima da hora por Zagalo, um treinador medíocre, sem o menor brilho, absolutamente inexpressivo.

    E Dadá Maravilha embarcou com a equipe.

    O paralelo que busco estabelecer sobre o dilema que o torcedor de 1970 tinha e o torcedor de hoje tem, entre torcer ou não pela Seleção, é que a seleção de 1970, como narrei acima, mesmo representante da ditadura, era uma equipe que encantava, que enchia os olhos do mundo todo com seu futebol arte.

    A seleção de hoje, além de ser medíocre, não tem a menor empatia com o povo brasileiro.

    Suas cores e sua marca mais conhecida, a CBF, são instantaneamente relacionadas pelo povo ao golpe que roubou a democracia do país e o jogou na pior crise política de sua história.

    O ídolo maior da Seleção de 1970, Pelé, nunca se apresentou como cidadão politizado, e não entrarei, pelo menos nesse artigo, no mérito de sua contribuição pessoal para a ditadura mas, diferentemente do ídolo da seleção de 2018, Pelé não contribui diretamente para a idiotização da população brasileira.

    E se assim o fez, fez de uma maneira velada e quase à revelia, ouso dizer.

    Em contrapartida fica impossível dissociar a imagem de Neymar, principal jogador da Seleção atual, com a imagem de sonegador de impostos, um criminoso sentado no banco dos réus, ou mesmo da em vídeo gravado junto com o amigo Aécio Neves, apoiando a candidatura daquele que em sua campanha dizia que “combateria a corrupção”, mas foi flagrado pedindo R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, além de ameaçar “matar antes da delação” o transportador da propina.

    A Seleção Brasileira de 1970 ainda era a uma seleção de futebol, a despeito de ter sido cooptada e controlada pela ditadura.

    Por pior que esse fato possa parecer, ainda dava para torcer por ela, valendo-se do argumento do futebol arte, do esporte enquanto cultura, do encantamento que aquele apanhado de jogadores muito acima da média exercia sobre o povo.

    A seleção brasileira de 2018 é a seleção das grande marcas, a seleção do selfie, a seleção da meritocracia individual, a seleção dos escândalos, a seleção que dá manchetes pelo penteado de um jogador, ou das idas e vindas de seu relacionamento amoroso, mas que pouca ou nenhuma manchete dá por conta daquilo que seria, em tese, sua razão de existir: o futebol.

    Não é uma seleção de futebol, é um grupo de representantes das marcas envolvidas no evento, meros anunciantes pagantes.

    É uma Seleção que não encanta, não empolga, não emociona.

    Não convence.

    Vale lembrar os escândalos da CBF, que controla a Seleção, e como a imagem dessa mesma Seleção está ligada a Rede Globo de Televisão, a emissora que apoiou a ditadura que vigorava quando a Seleção de 70 ganhou a Copa, e que ajudou a desferir o golpe de 2016, quando esse arremedo de time de futebol, que alguns ainda, romanticamente, insistem em chamar de “seleção”, começou a ser convocado.

    A seleção de hoje não tem empatia com o povo — quantos jogadores dessa seleção jogam no Brasil?

    A verdade é que a Seleção Brasileira perdeu seu romantismo. Isso não é de hoje, mas com o golpe ficou mais aparente.

    Tudo nos jogadores é falso, tudo muito estudado, tudo artificial, planejado.

    São caras e bocas, sempre as mesmas declarações vazias de jogadores que jamais tomam partido sobre nada, absolutamente fúteis, alienados.

    Apenas garotos propaganda de si mesmos e seus estilos de vida absolutamente inimagináveis para o povo brasileiro.

    A conclusão a que chego é que acabou o amor entre a população brasileira e a seleção.

    Duzentos e sete milhões sem ação
    pro abismo Brasil, mas salve a Seleção!
    Todos juntos vamos
    pro abismo Brasil,
    mas salve a Seleção!
    De repente é aquela sensação de impotente
    parece que todo o Brasil é um apagão
    todos frustrados sem qualquer emoção
    tudo é um só golpe povão
    todos juntos vamos, pro abismo Brasil, Brasil,
    mas salve a Seleção…
    (Esse deveria ser o Hino da Seleção Brasileira de 2018)

  • Eu, jornalista terceirizado

    Eu, jornalista terceirizado

    * Fagner Torres

     

    Costumo dizer que entre as questões menos nobres que regem o setor midiático – o jabá, a promiscuidade entre as famílias que detém o oligopólio da informação e a esfera pública –, a que mais me entristece, é a incapacidade que nós, jornalistas, temos de nos revoltar contra o sistema que há séculos atrasa nossas condições de civilização.

     

    Chamo-me Fagner Torres e trabalho com Comunicação desde 2008. Ao longo da minha trajetória, acumulei experiências em redações, coordenações de projetos voltados para programas de cunho social e popular, além de assessorias imprensa.

     

    Minha última experiência ocorreu entre os anos de 2014 e 2016 como trabalhador terceirizado. A Átrio Rio Service, prestadora de serviços do Governo do Estado do Rio de Janeiro, com atuação em áreas fim e meio de diversos órgãos da Administração Estadual, me contratou para a equipe da Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), uma das maiores – senão a maior – entidades de Educação e Qualificação Profissional do país.

     

    Na Faetec comecei a sentir os efeitos da terceirização já na contratação. Embora minha atribuição fosse Assessor de Imprensa, em minha Carteira de Trabalho fui identificado como Analista Júnior, independente do que as duas palavras signifiquem. Era apenas o início.

     

    Nos 34 meses em que permaneci contratado recebi Remuneração (Salário + Vale Transporte + Alimentação) corretamente apenas nos primeiros 24 meses de contrato – entre fevereiro de 2014 e fevereiro de 2016.

     

    A partir daí uma sucessão de abusos e assédios morais começaram a ocorrer comigo e com os cerca de 400 profissionais sob o mesmo modelo contratual, lotados nas mais variadas áreas dentro do organograma da Fundação. A principal delas foi a falta de pagamento, inicialmente entre março e junho de 2016. Quatro meses trabalhados sem salários e sem nenhuma justificativa. Apenas um infame ‘não temos previsão’.

     

    Sobre isso é preciso ressaltar: numa relação terceirizada, geralmente, seu contratante não ‘aparece’. No meu caso, a chefia, um profissional nomeado pelo Estado, logo, em regime de contrato diferente dos subordinados, me coordenava apenas para as atribuições cotidianas. As questões empregatícias eram negociadas diretamente entre a empresa e eu, e ela, na maioria das vezes, não tinha resposta para as minhas demandas. A relação entre empregado e chefe importa para a qualidade do ambiente, mas entre contratado e contratante, há um imenso limbo.

     

    Posteriormente, após o pagamento dos quatro meses atrasados, nova ‘volta’ da empresa. De julho a dezembro, foram outros seis meses trabalhados sem pagamento, recebendo, inclusive, ameaças para o caso da equipe organizar um rodízio entre os funcionários.

     

    Sobre isso, antes que o leitor pense ‘você tinha que ter saído de lá’, adianto que infelizmente, me submeti ao escárnio e me agarrei à esperança de permanecer até receber o que me deviam. No mercado, como bem sabemos, a maré não anda boa para jornalistas. Sobretudo para os que nadam contra a corrente, o que modéstia à parte, é o meu caso. Pesei a situação e achei que afastar-me completamente do olho do furacão, abandonar o trabalho, poderia ser pior.

     

    Em dezembro fui finalmente demitido junto com centenas de outros terceirizados precarizados, alguns com filhos para sustentar, aluguel para pagar, em situação financeira, moral e psicológica dramática, o que, felizmente, não é o meu caso. Embora, claro, também tenha as minhas obrigações.

     

    Na demissão, um detalhe: a Átrio Rio Service, a empresa responsável pela terceirização citada no começo deste artigo, pagou apenas o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS, de todos os demitidos. Os 40% referentes ao desligamento, as férias vencidas, o 13º salário e os seis meses atrasados estão sendo postulados na Justiça. O caso está rolando. A primeira audiência está marcada para setembro deste ano.

     

    Atualmente ainda estou desempregado, como dezenas de bons jornalistas que conheço. Todavia, o que mais me impressiona no meio dessa história após a aprovação da lei que escancara a terceirização irrestrita, é que existiam três letras que me davam um pouco de segurança de receber meus direitos, nem que fosse no tribunal. A tal CLT.

     

    Agora, desde a última sexta, 31, ela não existe mais. Com a decisão deste governo federal ilegítimo, que aplica sem pudor a agenda da chapa derrotada na eleição majoritária de 2014, os direitos dos trabalhadores estão sendo reduzidos a pó, juntamente com os Tribunais do Trabalho, que tendem a virar latifúndios improdutivos.

     

    E ainda há quem acredite que as reformas que vêm a galope serão importantes para elevar o estado de bem-estar social do brasileiro. Esses acham que, trabalhadores desprotegidos geram a compaixão do patrão. Sei… Como disse Leonardo Boff certa vez: ‘se os pobres desse país soubessem o que estão preparando para eles, não haveria ruas que coubessem tanta gente para protestar’.

     

    • Fagner Torres 34 anos, é jornalista. Atualmente escreve uma coluna no portal ESPN FC e apresenta o Lado B do Rio, podcast quinzenal sobre política e variedades da Cidade Maravilhosa
  • Não perdemos apenas o jogo. Perdemos as regras e os juízes

    Não perdemos apenas o jogo. Perdemos as regras e os juízes

    Por Gustavo Aranda, especial para os Jornalistas Livres*

     

    “Podemos votar, podemos nos manifestar mas a democracia mesmo acabou.”

    A frase resumiu o clima de uma reunião especial dos Jornalistas Livres para pensar as consequências de mais um 7 a 1 representado pelas eleições municipais seguidas de um golpe de estado devidamente consumado

     

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    Que perdemos, ninguém tem dúvida. Não importa o jogo que foi jogado, perdemos! O problema é que não perdemos apenas o jogo, perdemos as regras e os juízes. Perdemos nossa frágil viabilidade eleitoral que reflete, basicamente, no próprio direito das nossas pautas e demandas existirem.
    A proibição de doações de empresas para campanhas, por exemplo, que à primeira vista era uma medida progressista, foi um desastre para o Partido dos Trabalhadores. As cidades do interior ficaram sem o menor suporte partidário e a debandada foi imediata e irrestrita. Das cerca de 600 prefeituras do PT, pouco mais de 200 permaneceram sob o comando do partido.
    O efeito das novas regras foi muito parecido com o que se espera de um sistema baseado no voto distrital: influência determinante do poder econômico. Nunca houve tantos milionários eleitos de uma só vez. Só o herdeiro das capitanias, o João Trabalhador, gastou mais de um milhão e meio do próprio bolso. Quase 1% dos 179 milhões de patrimônio declarado à justiça eleitoral. 
O curioso é que esse foi, praticamente, o valor investido pelo governador tucano em anúncios na revista “Caviar Lifestyle” de propriedade do candidato. Ou seja, a campanha saiu quase de graça para João Dória Júnior.

    Os dois partidos que mais elegeram prefeitos são os mais envolvidos em escândalos de corrupção. No Congresso, sabe-se, o mandato de deputado tem preço. Temos sete partidos com mais de 38 deputados na câmara. Temos a bancada ruralista com 207 deputados, a dos “parentes” é a maior com 238, evangélicos somam 197 parlamentares, 226 representantes de empreiteiras, 35 da bancada bala. Dos direitos humanos só 23. A base de Eduardo Cunha, estima-se, era composta por cerca de 160 deputados. O voto em legenda foi praticamente invalidado.
    A direita conseguiu controlar os mecanismos eleitorais. Ou você tem grana ou tá fora da disputa: qual a chance de um governo progressista prosperar nesse balcão de negócios?

    Qual a lógica do seu trabalho?

    Sobre a “crise econômica”, o que parece é que os ricos estão ficando mais ricos. Do ponto de vista matemático sabemos como isso ativa o outro lado da balança.
    Desde a criação dos bancos centrais e a implementação da economia baseada em dívidas – que transformaram a própria moeda em mercadoria – o montante de dinheiro gerado sem lastro com a produção de bens, serviços, ou qualquer coisa real, alterou radicalmente o valor de todos ativos econômicos. Ficou mais vantajoso comercializar moedas e títulos – especular – do que investir na produção.
    A transferência das indústrias americanas e européias para os campos de concentração de trabalho na Ásia, África e América Latina, foram reflexo dessa competição pelo lucro rápido. Hoje, nas grandes cidades, as pessoas estão “pagando” para trabalhar; direitos e garantias trabalhistas estão se convertendo em benefícios. A China, de vilã, se tornou referência em eficiência.
    Outro fator desestabilizante que essa concentração de riqueza exagerada provoca é a pressão inflacionária, principalmente no setor imobiliário. Em São Paulo, por exemplo, quase metade dos imóveis estão na mão de 1% da população.

    A saída que o capitalismo oferece é: “empreenda você também; obtenha um CNPJ; emita Nota Fiscal; hipoteque sua casa; esqueça o emprego tradicional, pois ninguém mais irá mamar nas tetas das empresas”.

    E vamos combinar que passar 50 anos trabalhando 8 horas por dia para se aposentar depois de velho é um projeto de vida que ninguém mais merece. É um modelo moribundo e sua tentativa de reciclagem fede mofo.

    A necessária busca por um novo modelo de civilização passa por encontrar sentido lógico na natureza do trabalho – trabalhar pra que? Por que fazer vídeo? Por que fazer pão e granola? – Passa também por repactuar nosso acordo com o tempo. Por que aprender coisas novas? Qual o papel da arte?

    Do ponto de vista econômico, acredito que a humanidade já reuniu conhecimento suficiente para superar o capitalismo e conseguir racionar melhor a riqueza. O que falta é força para conseguir fazer essa travessia.
    A luta simbólica
    A divisão do país, que demagogicamente era negada pela elite, foi assumida já no primeiro discurso de Aécio Neves após a derrota eleitoral de 2014. A direita se reuniu em torno de um projeto, se viu como classe e lutou o jogo “como deve ser lutado”. Abraçou seus símbolos e foi para as ruas com as melhores roupas. Com orgulho, cantou, esbravejou e fez festa.
    A campanha eleitoral de Fernando Haddad, por sua vez, escondeu o PT como pôde. Escondeu Lula, escondeu a estrela, escondeu a cor. Obedeceu às pesquisas “qualis”. Perdeu duas vezes: a luta eleitoral e simbólica. Perdeu o discurso e a capacidade de liderar – assim como ocorreu no episódio dos “vinte centavos”, quando, republicanamente, o prefeito optou pela sombra do governador.
    Fugir do combate tem sido a tônica dos governos do PT. Talvez pela própria história do Lula, um negociador nato. Talvez como estratégia de marketing para tentar se afastar de uma imagem radical alimentada pela imprensa. A pergunta é: quando iremos olhar, verdadeiramente para os problemas e encará-los sem dar voltas?

    Constituição em risco
    A maneira como o golpe de Estado nos foi apresentado abalaria profundamente a percepção sobre a ética em qualquer sociedade.
    Um vice-presidente conspira contra a primeira mulher eleita. Ele é auxiliado por uma campanha difamatória e por um judiciário seletivo – desde o juiz de Curitiba até a Suprema Corte. Se aproveita de uma chantagem do presidente da câmara. Isso culmina numa condenação sem provas e na substituição arbitrária de um programa de governo.

    É uma história feia de ser contada. O Brasil, mais uma vez, é marcado pela conspiração, pela traição, pelo golpe, pela chantagem e pela imposição.

    O problema de uma ruptura institucional é o tempo que se leva para reconstruir qualquer possibilidade de relação democrática. Os cidadãos são jogados uns contra os outros pois é da natureza de quem se sente roubado.
    O “presidento” ilegítimo e conspirador Michel Temer, assim como todos os beneficiários do golpe, tem como grande arma a própria ilegitimidade. Um governo ilegítimo tem carta branca para tomar qualquer medida, exatamente por não ter compromisso algum com o eleitor. Ninguém votou em Michel Temer. Ou o que é pior, foram os eleitores da Dilma que votaram.
    Enquanto o conflito envolvia apenas os poderes executivo e legislativo era possível vislumbrar uma assembleia constituinte específica para uma reforma eleitoral. À medida que o judiciário perdeu a capacidade de mediar esse conflito e tomou parte no golpe, a constituição como um todo entrou em risco.
    Resistiremos!
    Civicamente estamos escangalhados. Não há instituições e lideranças capazes de apontar uma direção para a esquerda. A construção necessariamente será coletiva. Estamos tão frágeis politicamente que os únicos campos de batalha possíveis são a disputa por uma narrativa independente e a desobediência civil.
    A imprensa e os formadores de opinião continuarão martelando que tudo “é fruto e culpa da Dilma e do PT”. Vão tentar arrancar os direitos trabalhistas e culpar o PT. Vão apostar na privatização de todas as riquezas e culpar a Dilma. Vão restringir os direitos civis e culpar a liberdade. Vão convidar o FMI pra festa e culpar o Bolsa Família. Vão nos provocar e culpar a ordem. Pois os golpistas não sobrevivem sem a ideia de um inimigo e de um culpado.
    Como profissionais da comunicação livre, podemos construir uma narrativa da história e dos fatos partindo das nossas próprias percepções, partindo das nossas vitórias e conquistas e da nossa visão crítica, romântica, otimista, engajada, coletiva e amorosa do mundo. Das nossas experiências humanas e afetivas. Sem nos pautarmos pelo “de sempre”, pela boiada das redações. Nossa luta é também pela pauta. Precisamos participar da decisão de quais questões são importantes serem discutidas por meio de nós, mediadores.
    Conseguir contar a história pelo ponto de vista do oprimido, de quem trabalha duro, do discriminado, dos movimentos sociais, de quem está na vanguarda, de quem desafia e de quem sonha, já é uma grande contribuição para o retorno inevitável do Estado Democrático de Direito.
    Dar voz a quem não tem é a missão do jornalismo livre.
    Resistiremos!

    *Gustavo Aranda é jornalista livre, videoAtivista e padeiro.