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  • Coletivo de Entidades Negras denuncia violações de liberdade religiosa durante consulta temática da ONU na Argentina

    Coletivo de Entidades Negras denuncia violações de liberdade religiosa durante consulta temática da ONU na Argentina

    A convite do relator especial sobre liberdade religiosa e de crença da Organização das Nações Unidas (ONU), Ahmed Shaheed, o Coletivo de Entidades Negras – CEN participará, entre os dias 14 e 15 de maio, em Buenos Aires, na Argentina, do workshop ‘Freedom of Religion or Belief and Gender Equality – Regional Consultation’ (Liberdade de Religião ou Crença e Igualdade de Gênero, em tradução livre para o português).

    O evento, que acontecerá na Embaixada da Inglaterra na Argentina, conta com o apoio também da INCLO – International Network Of Civil Liberties Organizations, do CELS – Centro de Estudios Legales y Sociales e do Raplh Bunche Institute for International Studies.

    Essa será a terceira vez, nos últimos três anos, que uma representação do CEN participa de evento convocado pela ONU. Em 2016, o coletivo, organização nacional do movimento brasileiro com atuação também em países da América Latina, foi a Viena e a Nova York para debater a política de drogas no fórum das Nações Unidas responsável por discutir esse tema.

    Assim como ocorreu três anos atrás, o historiador e ativista antirracista Marcos Rezende, Coordenador de Relações Internacionais do Coletivo de Entidades Negras, será o representante da instituição na agenda das Nações Unidas.

    Fundador do CEN, Ogã de Ewá e Ojuobá do Ilê Axé Oxumarê, Rezende tem longa atuação em defesa dos povos e comunidades tradicionais de terreiros de candomblé no Brasil. Em 2008, o militante ficou famoso por fazer uma greve de fome contra a Prefeitura de Salvador, que havia promovido a demolição de um templo de matriz africana, o Ilê Oyá Onipó Neto.

    Também abordou, em sua dissertação de mestrado, defendida em 2017 na Faculdade de Administração da Universidade Federal da Baha (UFBA), a falta de investimento dos órgãos nacionais de patrimônio na proteção das edificações religiosas ligadas à cultura afro-brasileira — demonstrando assim que o racismo estrutural, institucional e religioso impregnados na administração pública e no tecido social são os principais responsáveis pela falta de investimento.

    Em 2018, o CEN e outras instituições denunciaram o Brasil à Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de um relatório no qual foram apresentadas inúmeras violações do direito à liberdade religiosa no País. O documento com as denúncias estão em fase de análise pela Comissão de Direitos Humanos da OEA.

    Por causa desse relatório, o ativista Marcos Rezende foi convidado pela organização internacional para participar de uma Consulta Pública sobre a temática em Santo Domingo, na República Dominicana. Na ocasião, os dados colhidos pelo Coletivo de Entidades Negras foram apresentados.

    Durante o seminário da ONU na Argentina, afirma Rezende, serão mais uma vez apresentadas por ele denúncias de violações do direito de liberdade de culto, mas desta vez no âmbito da ONU.

    Diversos casos do tipo que ganharam notoriedade na imprensa foram acompanhados pelo CEN no Brasil, nos últimos anos. “É essencial que as pessoas que passaram ou passam por qualquer situação de violência que desrespeite à sua liberdade de crença religiosa denuncie, para que, desse modo, a gente leve essa situação aos organismos internacionais”, disse.

    “Nós temos acompanhado isso há muitos anos e continuamos abertos a receber esses relatos e encaminhar de forma que fique exposto para o mundo a forma que nossos religiosos de matriz africana são tratados no Brasil”, afirmou o ativista do movimento negro brasileiro.

    A programação do seminário da ONU contará com mesas sobre discriminação das mulheres e da população LGBTTQI+ por motivos religiosos, direito reprodutivo, formas de proteção ao direito religioso pelo Estado e pelos organismos internacionais, além de momentos de debate livre. O encontro será encerrado com o debate ‘Olhando para o futuro: Sinergias e estratégias’.

    Ativistas de diversos lugares do mundo estarão presentes. Entre os países representados, além do Brasil e da Argentina, estarão Reino Unido, México, Colombia, Peru, Chile, Bélgica, Estados Unidos, Nova Zelândia e Paraguai. O representante do Coletivo de Entidades Negras será o único ativista brasileiro presente.

    O encontro, afirmou o relator da ONU sobre liberdade religiosa, Ahmed Shaheed, resultará em trechos do relatório que ele está preparando sobre a intersecção entre o direito à religião ou crença e à igualdade de gênero. O documento será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas em março de 2020.

    “Atualmente, estou fazendo trabalho de campo para compreender a natureza do problema em todo o mundo, e para relatar e fazer recomendações sobre como os padrões e ferramentas internacionais podem ser úteis para endereçar as complexidades e sinergias entre liberdade de religião ou crença e igualdade de gênero. Este trabalho envolve consultas regionais e workshops de intercâmbio em seis países e reunirá Processadores Especiais, instituições regionais de direitos humanos, sociedade civil e defensores dos direitos humanos”, explicou Shaheed por e-mail.

    Além de levar denúncias já realizadas de violação da liberdade religiosa e de culto, o Coletivo de Entidades Negras está recebendo novos casos para encaminhar à ONU durante o evento. Pessoas interessadas em encaminhar denúncias podem fazê-lo através do e-mail cenbrasil.comunicacao@gmail.com.

  • O INVERSO – um artigo para ajudar a entender o que acontece na Venezuela

    O INVERSO – um artigo para ajudar a entender o que acontece na Venezuela

    Um artigo redigido pela professora e pesquisadora venezuelana Pasqualina Curcio, carregado de ironias, questiona as afirmações da oposição venezuelana e da direita da Assembleia Nacional do país, bem como daqueles que no cenário internacional os apoia, como o secretário geral da OEA, Luis Almagro.

    Dentre outras ironias, a autora cita os atos violentos promovidos pela oposição, como o recente incêndio em um Hospital Materno Infantil, do qual foi necessário evacuar recém-nascidos e parturientes. Para Curcio, a ironia é dizer que a “responsabilidade” pelo ocorrido é do governo Maduro por haver controlado a situação e dispersado os manifestantes que atacavam o local.

    O texto, dividido em tópicos, traz ainda números comparativos que ajudam a compreender melhor a situação política da Venezuela e a alegada “crise econômica” pela qual passa o país.

     

     

    O INVERSO

    Por: Pasqualina Curcio

    “Faz cento e trinta anos, depois de visitar o país das maravilhas, que Alice se meteu em um espelho para descobrir o mundo do inverso. Se Alice renascesse em nossos dias [e na Venezuela], não precisaria atravessar nenhum espelho; bastaria-lhe olhar pela janela.” – Eduardo Galeano

     

     

     

    A Venezuela é um dos poucos países, se não o único, com um regime ditatorial cujo ditador exerce a tirania depois de ter abandonado o cargo. Mas, além disso, sendo ditador, dá-se um auto-golpe: em janeiro de 2017 a Assembleia Nacional, em votação da representação majoritariamente opositora ao Governo Nacional, decidiu que o presidente Nicolás Maduro tinha “abandonado o cargo”; um mês mais tarde, os mesmos representantes deputados, incorporaram em seu discurso que estávamos diante de uma “ditadura” encabeçada pelo Presidente da República (o mesmo que abandonou o cargo um mês antes). E um mês mais tarde, já sendo “ditador”, e segundo os mesmos representantes, o próprio presidente deu um “golpe de estado”.

    2. Entre 1958 e 1998, ou seja, em 40 anos realizaram-se 24 processos eleitorais, uma média de 1 eleição a cada 2 anos. Depois de 1999, em 18 anos, realizaram-se 25 comícios, incluindo referendos revogatórios e constitucionais, ou seja, uma média de quase duas eleições anuais. Houve 3 eleições nos últimos 4 anos, desde 2013. Mas segundo os elementos que atualmente fazem oposição ao governo nacional, a partir de 1999 os venezuelanos estiveram submetidos a um regime ditatorial, cada vez mais tirano, sobretudo depois de 2013 (ano das últimas eleições presidenciais).

    3. Das mais de 1.000 emissoras de rádio e televisão às quais o governo outorgou permissões para operar no espectro eletromagnético, 67% são privadas, 28% estão em mãos das comunidades e 5% são de propriedade estatal. Dos 108 jornais que existem no país, 97 são privados e 11 públicos. Cerca de 67% da população venezuelana tem acesso à internet. Mas segundo os elementos políticos que fazem oposição ao governo nacional, “na Venezuela não há liberdade de expressão”.

    4. O Presidente da República, em pleno exercício de suas funções, no marco do período presidencial de 6 anos, ante os atos de violência de parte de elementos locais que procuram a desestabilização econômica, social e política, convocou setores da oposição à um diálogo pela paz. Mas a oposição não compareceu ao chamado, preferiu promover atos de violência nas ruas. Ou seja, o Presidente é um “tirano e ditador”, os “democratas” são os da oposição.

    5. Todas as organizações políticas (os partidos) encontram-se em um processo de renovação através da Convocatória realizada por um dos cinco poderes públicos, o Conselho Nacional Eleitoral. Todos compareceram ao chamado de renovação. Estão neste momento às portas das eleições regionais e municipais. Mas enquanto isso, dirigentes e seguidores desses elementos de oposição, vociferam: “Estamos em uma ditadura”!

    6. Na Venezuela “se está violando todos os direitos humanos, terão que lhe aplicar a Carta Democrática Interamericana”. É o que afirmava em Washington, Luis Almagro, secretário geral da Organização de Estados Americanos. Simultaneamente, em Genebra, a Organização das Nações Unidas, aprovava de maneira absoluta o ‘Exame Periódico Universal’ apresentado pela Venezuela. Exame que tem como objeto fiscalizar a situação dos direitos humanos em cada um dos 193 países membros desta organização.

    7. A ultradireita, que faz oposição ao governo nacional, financia e promove ações de violência e terrorismo: bloqueia ruas, avenidas e principais trechos; atenta contra escolas e estabelecimentos de saúde; em um ato fascista, terrorista e demencial se valem de mercenários para assediar e incendiar o Hospital Materno Infantil “Hugo Chávez Frias”, do qual foi necessário evacuar 58 recém-nascidos e parturientes asfixiados pela fumaça. Mas segundo estes elementos políticos de oposição, a responsabilidade é do governo nacional por haver controlado a situação, dispersado os mercenários e evacuado do local, mulheres e crianças.

    8. Há escassez de alguns alimentos, medicamentos e produtos de higiene. As empresas encarregadas de sua produção, importação e distribuição, as grandes transnacionais, receberam do governo nacional divisas com taxa preferencial; receberam ainda a matéria-prima a preço subsidiado; tiveram um ajuste do preço dos produtos de quase 4.000% em menos de um ano (2016); mas o povo venezuelano faz largas filas para adquirir estes produtos e os bens seguem sem aparecer nas prateleiras. Ou seja, na Venezuela isto não é ineficiência da empresa privada, é o “fracasso do modelo socialista”.

    9. Apesar de ter aumentado seu preço em 3.700% (passou de 19,00 bolívares em março de 2016 a 700,00 bolívares em dezembro), cifra muito superior à inflação anual, centenas de clientes fazem largas filas para adquirir a farinha de milho pré-cozida para a “arepa” (o pão dos venezuelanos). Os donos das empresas, ao ver todos esses clientes fazendo largas filas para adquirir sua marca, responderam, não reduzindo seu preço, mas diminuindo em 80% a produção da farinha.

    10. Escuta-se nos programas de opinião das rádios, sobretudo aquelas com uma linha editorial expressamente contrária ao governo nacional: “Estamos na pior crise econômica, requeremos ajuda humanitária, estamos morrendo de fome, não há comida, exigimos que se abra um canal humanitário”. E em seguida se escuta: “E agora nossa publicidade… convidamos você a visitar o Restaurant “X”, ali poderão degustar variedades em carnes e pescados, deliciosas sobremesas, leve toda sua família neste fim de semana”… ou ainda “Querido amigo, querida amiga, vai aproveitar este feriado de Semana Santa?, não deixe de passar pelo supermercado “E”, ali você vai encontrar tudo o que precisa, variedade e frescura a bons preços para desfrutar do feriado e descansar como você merece”. Final da publicidade: “Retornamos com nosso convidado de hoje, perito em economia, e seguimos conversando a respeito da necessidade urgente de abrir o canal humanitário na Venezuela pela falta de alimentos”.

    11. Nos últimos 4 anos os camponeses abasteceram de frutas, verduras e hortaliças o povo venezuelano. São pequenos produtores do campo, sem muita capacidade financeira para resistir à situações econômicas e financeiras difíceis. Isso porque as grandes empresas nacionais e transnacionais do agronegócio, grandes monopólios e oligopólios com capacidade de cartelizar-se, e sem dúvida com grande capacidade financeira, não abasteceram o povo apesar de receberem [incentivos como] matéria-prima subsidiada e divisas em taxa preferencial.

    12. Entre 1980 e 1998, no marco do sistema capitalista neoliberal, a pobreza aumentava ao mesmo tempo que o crescimento econômico. Em 1999, com a aprovação popular de uma nova Constituição, troca-se o modelo econômico e social por um de justiça social. Desde esse ano os aumentos na produção implicam em diminuição da pobreza. Mas para alguns venezuelanos “fracassou o modelo socialista”, aprovado em 1999.

    13. A principal empresa do Estado venezuelano, ‘Petróleos da Venezuela’, provê CERCA DE 95% das divisas do país, os outros 4% correspondem a outras empresas do Estado. As empresas privadas geram o 1% restante. Mas na Venezuela, as empresas privadas são eficientes e bem-sucedidas, e as do Estado são “ineficientes”.

    14. Na Venezuela, o valor da moeda no mercado ilegal é o marcador dos preços internos da economia. Quando são manipulados intencional e desproporcionalmente esses valores nos mercados ilegais induzem a inflação. O governo, ante a inflação induzida, e para proteger o poder aquisitivo da classe trabalhadora, decreta aumento de salários. Mas, claro, o responsável pela inflação é o governo por ter aumentado os salários e não os terroristas da economia que vem manipulando 38.732% desse tipo de câmbio ilegal desde 2013 até esta data.

    15. A produção nacional per capita na Venezuela nos últimos 4 anos é, em média, 9% maior que a dos últimos 30 anos. A taxa de desocupação, é historicamente a mais baixa em 30 anos, 6,6%. Mas a Venezuela está “na pior das crises” e no “caos econômico”.

    16. As principais indústrias do setor farmacêutico, as que importam, produzem e distribuem mais de 90% dos medicamentos e material médico-cirúrgico na Venezuela, receberam por parte do governo nacional, e a taxa preferencial, US$ 1.660 milhões em 2008 para importar os bens. Em 2015 receberam US$ 1.789 milhões (mais que em 2008). Em 2008 não havia escassez de remédios, em 2015 sim. Mas o responsável por não haver remédios é o governo.

    17. A República pagou mais de US$ 60 bilhões pelo compromisso de dívida externa durante os últimos 4 anos. Fez de maneira completa e pontual. Mas a Venezuela é qualificada como o país com o “maior índice de risco financeiro no mundo”.

    18. O Citibank decidiu de maneira repentina fechar as contas bancárias do governo nacional onde se realizavam os pagamentos e transferências para cumprir com os compromissos financeiros e comerciais no exterior. A razão foi que o Estado venezuelano é “muito arriscado”. Mas o Citibank não fechou as contas dos clientes privados. Possivelmente porque o Estado venezuelano é muito arriscado já que conta com a principal reserva de petróleo em nível mundial, a segunda de gás, de água doce, de minério coltán, diamantes, ouro, e outros recursos mais. Tal condição deve implicar em “alto risco” para o Citibank.

    19. No Salão Ayacucho do Palácio de Miraflores, sede do Poder Executivo, em 12 de abril de 2002, se autonomeava como “Presidente da República” Pedro Carmona Estanga, logo depois de dar um golpe de estado contra o Presidente Hugo Chávez. No evento de autonomeação, leu-se o seguinte decreto: “suspendem-se de seus cargos os deputados principais e suplentes da Assembleia Nacional, destituem-se de seus cargos o presidente e demais magistrados do Tribunal Supremo de Justiça, assim como o fiscal geral da República, O controlador geral da República, o ministério público, e os membros do Conselho Nacional Eleitoral”. Os presentes neste ato, no que se dissolveram todos os poderes públicos, mediante um decreto que constitui a maior ofensa à Constituição Nacional, gritavam emocionados: “liberdade e democracia!”.

    20. Os mesmos que gritavam “liberdade e democracia!”, naquele 12 de abril de 2002 no Salão Ayacucho, aprovam hoje o suposto “abandono do cargo” do Presidente da República. E são os mesmos que hoje gritam “abaixo o ditador!”, referindo-se ao presidente constitucionalmente eleito com a maioria dos votos do povo venezuelano. Ante os olhos de alguns, esses são os “democratas”.

    21. Escuta-se de alguns venezuelanos, possivelmente confundidos ou mal informados: “Tomara que o Comando Sul dos Estados Unidos tome logo a decisão de nos invadir, assim acaba com este modelo fracassado, e o país pode prosperar”. Bem, o Iraque, a Líbia e a Síria, para mencionar alguns países bombardeados e invadidos pelos Estados Unidos, encontram-se em guerra, não prosperaram e estão destruídos. Esses que dizem isso, teriam algum exemplo de país invadido pelos Estados Unidos que tenha prosperado?

    22. A Venezuela é uma “ameaça extraordinária e incomum” para os Estados Unidos. Isso decretou o ex-mandatário Barack Obama, então presidente do império e grande potência militar mundial, responsável por invasões e guerras.

    Nós, venezuelanos patriotas, povo de paz, insistimos que é o inverso.

     

    Tradução e edição: Juliana Medeiros