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  • Sexta-feira (29), o muro tremeu

    Sexta-feira (29), o muro tremeu

    POR MARIA CAROLINA SANTOS EM 30/03/2019

     

    Depois de seis dias, a ocupação contra o projeto Novo Recife teve que deixar a calçada dos galpões do Cais José Estelita. Durante a noite da sexta-feira (29), o muro tremeu e os ativistas do Ocupe Estelita saíram do local às pressas. Em assembleia, foi decidido que os ocupantes iriam permanecer em vigília em segurança, do outro lado da avenida. Durante a madrugada deste sábado, os seguranças da Moura Dubeux desarmaram as barracas que restaram na calçada. Pela manhã, se via muitos seguranças com cachorros fazendo rondas onde antes estavam os manifestantes. Os tapumes já estão sendo recolocados.

    Pela madrugada, dois representantes do movimento foram até a Central de Flagrantes da Polícia Civil prestar uma denúncia contra a Moura Dubeux e o engenheiro responsável pela demolição, Roberto de Moraes Cardoso, por exporem os ativistas ao risco de queda do galpão. Após um primeiro tremor do muro, ontem à noite, o Ocupe Estelita entrou em contato com a Polícia Militar, que conversou com os responsáveis pela obra e conseguiu parar o trabalho das máquinas por algumas horas. Mas por volta das 20h as máquinas voltaram a operar, o que levou os ativistas a decidir fazer a vigília do lado da Bacia do Pina.

    Além do boletim de ocorrência, o Ocupe Estelita também vai registrar uma denúncia no Ministério Público de Pernambuco. “O artigo 256 do Código Penal fala do risco de se atingir alguém por conta de um desabamento. O engenheiro técnico sabe que só pode fazer a obra com os tapumes colocados. Havia pessoas lá. A responsabilidade legal é da empresa. Quer fazer a demolição? Então tire as pessoas antes. Que seja pela Justiça e que só depois derrube. Mas não poderia fazer daquele jeito. E é perigoso para todo mundo: se o muro do galpão cair de forma estabanada, cai na via onde passa carro”, critica o ativista Leonardo Cisneiros, um dos que prestou a queixa na delegacia.

    Por volta das 9h deste sábado (30), a construtora começou a transportar gelos baianos para a área de demolição. As peças de concreto devem ser colocadas na avenida Cais José Estelita para aumentar a área de segurança.

    A ocupação pode ter chegado ao fim, mas não as ações contra o projeto Novo Recife, que pretende construir 13 torres de prédios no terreno de 1,3 quilômetro de extensão. “O Novo Recife continua sendo muito danoso para a cidade, e demolir os galpões não encerra nossa briga. O projeto continua sendo ilegal, o leilão continua sendo roubado, o licenciamento continua fraudado”, afirma Leo Cisneiros.

    Algumas atividades culturais estavam programadas para este fim de semana e o movimento ainda está decidindo como e onde serão realizadas. O grupo Teatro Agridoce fez uma intervenção hoje nos tapumes, colocando placas onde se lê: “Cuidado. Área sujeita a ataque de barão”.

    Cais José Estelita como símbolo de luta pela cidade

    Pela manhã, alguns ativistas e moradores da comunidade Vila Sul ainda permaneciam ao lado da Bacia do Pina. “As pessoas vão chegando e vamos ficando mais um pouco”, contou a estudante de Arquitetura e Urbanismo Carla Lima, que passou a noite em vigília. “Para qualquer coisa mudar, não dá para se ficar cômodo em casa. Se você tem a ideia de que isso aqui pode ser um lugar diferente, se você faz postagens em redes sociais, é sua responsabilidade estar aqui também. Nenhuma revolução é cômoda. É necessário fazer coisas quando a gente preferia estar em casa”, disse.

    No acampamento desde o início, na segunda-feira, o cineasta Pedro Severien 

    Publicado em 19 de set de 2014 – O cineasta Pedro Severien, diretor do curta “Loja de Répteis”, comenta as dificuldades que a produção nacional de cinema enfrenta, em especial no que se refere a curtas. Mestre em cinema, Pedro já assinou a produção e a direção de diversos filmes nacionais. Ele trocou o jornalismo pela sétima arte, e, hoje, comanda uma produtora independente, fortalecendo ainda mais a cena cinematográfica, sobretudo em Pernambuco.

     

     

    também foi um dos poucos que permaneceram até esta manhã na vigília. “Este momento mostrou que o movimento Ocupe Estelita tem uma potência. Ele ressurge, ele se reinventa. A gente conseguiu, mais uma vez, a partir desta intervenção gerar um debate, promover um debate sobre o Cais, abrir possibilidades. O modo que a prefeitura e o consórcio Novo Recife agiram nesta etapa já denota a postura deles. Se sentem autorizados a elevar o nível de violência, porque o tipo de situação que eles promoveram com as máquinas operando mesmo com gente ali do lado é parte dessa lógica, que tem a ver com essa macro política de um regime de violência, que está imposto agora. O Movimento Ocupe Estelita tem vários desafios para refletir a partir de agora e muita coisa a ser feita. Isso (a demolição) é só uma primeiríssima etapa que nós conseguimos bloquear por cinco anos. Agora, vamos pensar uma nova estratégia”.

    Professor de Filosofia da Universidade Federal de Pernambuco e integrante do Movimento Ocupe Estelita, Érico Andrade foi com o filho prestar apoio aos ocupantes nesta manhã. “Este Cais é o símbolo de uma vitória muito importante que o povo recifense teve, a partir de uma organização política horizontal, espontânea, que conseguiu barrar esse empreendimento imobiliário por vários anos. A gente perde a noção do tempo que estamos aqui lutando e fazendo com que o Recife pense e repense o projeto urbano a partir de um símbolo que é o Cais Estelita. É algo salutar perceber que a gente pode muita coisa. A partir do momento que conseguimos barrar por anos este empreendimento e ainda estamos aqui, é sinal de que a gente pode muito. Alterar o projeto também é uma vitória política. Se a gente pensar que este projeto ia passar da forma inicial…as mudanças foram pela nossa luta. A prefeitura não tem nenhum compromisso com a cidade. Quem tem compromisso somos nós, que fazemos e vivemos a cidade”.

    Demolição deve terminar terça-feira

    Na decisão em que reverteu a liminar que proibia a demolição do Cais, o presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco afirmou que, entre outros fatores, a derrubada dos galpões poderia continuar, sem comprometer os processos que tramitam na Justiça contra a obra, porque ainda não existe o alvará de construção. Representante da Moura Dubeux, o engenheiro Eduardo Moura afirmou à imprensa que a aprovação do projeto já garantiria o começo da obra de fundação – com duração de cinco meses – dos três primeiros prédios previstos na área. São duas torres de 37 andares, com apartamentos a partir de R$ 1,2 milhão, e outro, de flats, com 19 andares.

    pedido para a licença de construção já foi feito há 60 dias. Mas, se aprovada, a construção só deve começar no próximo ano. A Moura Dubeux pretende terminar a demolição até terça-feira (02/04).

  • Estelita ocupado na lei e na raça

    Estelita ocupado na lei e na raça

    Decisão anula compra do terreno e condena o Consórcio Novo Recife a devolver a área em 30 dias

    Por Rodrigo Pires, de Recife, especial para Jornalistas Livres

    Neste sábado (28/11), a Justiça Federal anulou a compra do terreno do Cais José Estelita. O juiz federal Roberto Wanderley Nogueira, da 1ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco, assinou a decisão em primeira instância, em resposta ao pedido do Ministério Público.

    A área pertencia à Rede Ferroviária Federal S.A., e daria lugar a um projeto urbanístico batizado de “Novo Recife”, com 12 torres de 40 andares — sete prédios residenciais, dois comerciais, um hotel e dois prédios de flats.

    A sentença condena o Consórcio Novo Recife a devolver o patrimônio público em até 30 dias e determina que a Prefeitura do Recife, a União Federal e o Iphan “se abstenham a autorizar todo e qualquer projeto que controverta ao ambiente histórico, paisagístico, arquitetônico e cultural das áreas do entorno do Forte das Cinco Pontas, incluindo o Cais José Estelita, sob as penas da lei”.

    A notícia pipocou nas redes sociais e desde a manhã do sábado militantes do movimento contrário à construção das torres no cartão postal da cidade, inundam a internet com notícias e documentos sobre a anulação. Com as hashtags #OcupeEstelita e #ResisteEstelita, o assunto virou tendência no Twitter e no Facebook.

    Imediatamente os membros do grupo Direitos Urbanos — que possui 31.616 membros no Facebook e surgiu com a intenção de discutir os problemas da cidade do Recife — em meio à posts de comemoração e receio (ainda cabe recurso no TRF), organizaram um encontro para o domingo (29), no próprio Cais José Estelita com participação especial do Som na Rural, DJ’s, Otto e Karina Buhr.

    Durante o encontro o movimento fez uma ocupação simbólica do terreno, que segundo a organização, contou com 300 pessoas. Nos armazéns do Cais, que estavam em posse da empreiteira, havia cachorros e vigias que observaram a pacífica conversa entre os integrantes, que decidiram em assembléia, desocupar o local.

    Investigação

    Não custa lembrar que no final de setembro, este mesmo leilão foi alvo de uma investigação da Policia Federal, que deflagrou a operação “Lance Final”, para apurar irregularidade na compra do terreno.

    #OcupaEstelita

  • O Estelita e a outra linha do tempo

    O Estelita e a outra linha do tempo

     

    Ativistas do Recife voltam a protestar nesta quinta, enquanto questionam o modelo de participação pública no projeto urbano da cidade

    Eram centenas de pessoas, a maior parte delas demarcadas por uma pele claramente-classe-média. Em qualquer outro dia, seriam todas bem-vindas ao maior e mais imponente shopping center de Recife, o Rio Mar. Dessa vez, não. Pois elas agora carregavam elementos incomuns à etiqueta do local: traziam faixas, cartazes e palavras de ordem: “Ocupar! Resistir!” Ocupar aquele espaço. E simultaneamente resistir a ele. Eis as novas leituras do grito mais conhecido do #OcupeEstelita, um movimento de direto à cidade que ficou conhecido nacionalmente em 2014 e que agora ganha novos contornos políticos, com mira específica no prefeito do Recife, Geraldo Júlio (PSB), dada a aprovação do Projeto de Lei 008/2015 contra o qual o movimento combate desde o dia zero.

    Foto: Marcelo Soares

    Fala-se aqui do chamado Projeto Novo Recife, um conjunto de 13 edifícios gigantes que pode, muito em breve, destruir uma paisagem icônica da capital pernambucana, bem como causar um impacto ambiental de proporções desastrosas para a bacia do Pina, impedir a ventilação de um bairro inteiro do Recife, piorar exponencialmente o trânsito já travado da região, e tudo isso sem mencionar o fator mais agravante de todos: de que esse “Novo” Recife é uma cidade onde, tal qual o Shopping RioMar, é de bom tom entrar pagando o tíquete de estacionamento.

    Foto: Eric Gomes

    Na última segunda-feira (4), a Câmara Municipal convocou, de última hora, uma audiência para aprovar o PL 008/2015, indo de encontro a uma recomendação feita pelo Ministério Público de que este precisaria ser discutido no Conselho da Cidade (frisando que ele é o órgão competente para tomar essa decisão) antes de chegar à pauta da Câmara. Os poucos vereadores que faziam oposição ao projeto se recusaram a votar e eis que o “plano urbanístico” desenhado pelo Consórcio Novo Recife, formado pelas empreiteiras Queiroz Galvão (envolvida até o pescoço na operação Lava Jato), Moura Dubeux (que loteou a cidade nesses últimos anos e “investiu” R$ 550 mil na campanha do prefeito Geraldo Júlio), mais a Ara Empreendimentos e a GL Empreendimentos, foi aprovado. Poucas horas depois, enquanto manifestantes do Movimento Ocupe Estelita ainda estavam em frente à Câmara sob a vigília de um batalhão de choque da PM já enfileirado, o prefeito do PSB, Geraldo Júlio, que se encontrava em São Paulo, sancionava o PL com uma velocidade pouco comum.

    O que nos traz de volta ao rolezão pelo Recife que o Movimento Ocupe Estelita promoveu na noite da terça (5), saindo da Câmara Municipal, espaço público que se privatizou (o presidente da Casa, o vereador Vicente André Gomes (PSB) ordenou o fechamento dos portões ainda no horário de expediente dos vereadores, proibindo a população de entrar até mesmo no estacionamento do local), até o já citado shopping, espaço privado que simula uma convivência pública. Artur Maia, estudante de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, comandava o jogral pontuado e ecoado pelos manifestantes em alto volume pelo RioMar: “Nós lutamos. Por uma cidade. Democrática. Uma cidade. Que não segrega. E por isso. Estamos neste shopping. Porque este shopping. Representa. A segregação.” Palmas de um lado. Olhares acuados de outro. O RioMar, construído por cima de uma comunidade de pescadores da região, é hoje o cartão postal do mesmo Recife-Miami que reverencia o projeto Novo Recife. O impacto simbólico de tal ação não iria passar batido.

    A resposta veio na forma de uma nota oficial divulgada pela Prefeitura do Recife na manhã da quarta (6). No texto, a prefeitura declara que houve um “amplo debate com os diferentes segmentos da sociedade” para que o dito projeto fosse sancionado. E logo depois apresenta uma Linha do Tempo aparentemente bem formosa e democrática com todas as audiências públicas realizadas ao longo do último ano. Afinal, houve “amplo debate”.

     

    Foto: Eric Gomes

    E eis onde este texto, de fato, começa. Com a colaboração de membros do grupo Direitos Urbanos do Recife (DU), bem como do próprio Movimento Ocupe Estelita (MOE), fui checar os dados dessa Linha do Tempo que espelha bem um fictício modelo de participação pública que, não à toa, terminou culminando num grito de “vocês precisam escutar o que temos a falar” no meio de um shopping center. Sigamos:


    A prefeitura diz: “17/07/2014 — Realização da audiência pública sobre as diretrizes urbanística. Foram colhidas 283 contribuições, 85% delas apresentaram propostas detalhadas sobre o tema”

    No dia 17 de julho de 2014, exatamente um mês após o Choque da PM ter violentamente feito a reintegração de posse do terreno no Cais José Estelita, onde os ativistas do #OcupeEstelita estavam acampados, essa audiência pública acontece em um cenário completamente desfavorável à população. Foi dado à sociedade civil um prazo de apenas duas semanas para o envio das propostas para ocupação urbana da região. A triagem dessas contribuições foi feita pelo Consórcio Novo Recife, sendo a alteração do projeto mediada pela própria parte interessada, e não pelo poder público. As “283 contribuições” citadas pela prefeitura se tornaram invisíveis, pois a proposta final ficou sendo praticamente o que já havia sido apresentado anteriormente. Ou seja, foi um espaço que teve grande participação da população, mas essa participação foi solenemente ignorada.


    A prefeitura diz: “10/09/2014 — Apresentação das diretrizes urbanísticas à imprensa a partir de consolidação do trabalho realizado na audiência do dia 17 de julho”

    Quase dois meses após a audiência pública com a apresentação de propostas para a área, a prefeitura convoca um encontro com a grande imprensa. O Movimento Ocupe Estelita, que participou ativamente no envio das mais de 280 contribuições apresentadas na audiência do dia 17/07, não foi convidado para essa festa que os homens armaram. Na verdade, soube-se por acaso dessa coletiva. Militantes do Ocupe Estelita tentaram entrar nesse encontro e o acesso ao prédio da prefeitura foi barrado por guardas municipais. Mas o que mudava, então, no redesenho do Novo Recife? Ele reduziu um pouco a altura de alguns edifícios do projeto original (onde antes haveria prédios de até 46 andares, agora poderá haver prédios de até 40, ufa!), incorporou minimamente o uso misto de alguns edifícios mas, em contrapartida, aumentou o número de prédios no local.


    A prefeitura diz: “14/11/2014–1ª reunião sobre o plano urbanístico dentro do Conselho da Cidade”

    Essa reunião foi realizada graças à mobilização das organizações da sociedade civil que, obtendo assinaturas de mais de 1/3 das entidades conselheiras (como previsto no artigo 16 da Lei do Conselho da Cidade nº 18.013/14), conseguiram convocar reunião extraordinária. Nela, movimentos sociais, ONGs, sindicatos e entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisas apontavam para a necessidade de discussões acerca do Projeto Novo Recife e da realização do Plano Urbanístico Específico para a área do Cais José Estelita, Cais de Santa Rita e Cabanga, como previsto no Plano Diretor. A prefeitura do Recife, no espírito democrático, defendia a posição de que o Projeto Novo Recife estava aprovado e não seria matéria de competência do Conselho.


    A prefeitura diz: “27/11/2014 — Audiência Pública de Apresentação do Redesenho do Projeto Novo Recife tomando por base as diretrizes estabelecidas”

    Essa audiência foi feita num espaço privado, cercada por seguranças privados, e não continha sequer a logomarca da Prefeitura do Recife. Nela, havia nove telas de LED fazendo publicidade do Consórcio Novo Recife, bancadas pelo dinheiro público. Houve momentos em que o secretário de Desenvolvimento e Planejamento do Recife, Antônio Alexandre, deixou a mesa enquanto pessoas da sociedade se manifestavam. Não houve sistematização da audiência.


    A prefeitura diz: “30/01/2015–2ª reunião sobre o plano urbanístico dentro do Conselho da Cidade”.

    “Foram apresentadas três versões diferentes do texto do projeto de lei. A primeira versão continha a exigência de habitação de interesse social e de elaboração de Plano de Massas, além da lista dos IEP’s e outros itens, fatores que foram eliminados nas versões posteriores. A Gestão Municipal, mesmo sem apresentar estudos e sem ter promovido a devida discussão, queria aprovar uma versão do texto. Após debate, se aprovou uma Reunião da Câmara Técnica de Planejamento Urbano e Territorial, quando o técnico responsável apresentaria estudos e levantamentos que embasassem a elaboração do PL.

    A prefeitura se esquece de dizer: 12/02/2015: A reunião que deveria ser da “Câmara Técnica de Planejamento Urbano e Territorial” foi conduzida pelo Secretário de Desenvolvimento e Planejamento, Antônio Alexandre. Essa condução foi contestada pelo grupo de Direitos Urbanos (DU), pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), pelo Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social (CENDHEC) e pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), que cobraram a identificação do “técnico responsável”. O secretário afirmou que o PL havia sido elaborado por um “grupo de técnicos” e apresentou o arquiteto Fernando Alcântara (Instituto Pelópidas da Silveira) como responsável por responder aos questionamentos. Seguiram-se várias questões, às quais nem o técnico em questão, nem representantes das secretarias presentes responderam adequadamente. Fernando Alcântara chegou mesmo a dizer que “ninguém era obrigado a saber de tudo”. Pelo contrário, ficou reafirmado a inexistência dos estudos e de outros elementos que poderiam caracterizar a elaboração de um Plano Urbanístico.


    A prefeitura diz: “19/02/2015 — Audiência Pública do Projeto de Lei do Plano Específico para o Cais de Santa Rita, Cais José Estelita e Cabanga.”

    Essa audiência estava propositalmente esvaziada, convocada em plena quinta-feira de pós-Carnaval, ela contou com a presença da Prefeitura, do grupo Direitos Urbanos e da CAU como expositores. A prefeitura, representada pelo Secretário Antônio Alexandre, repetiu basicamente as apresentações anteriores. Os demais expositores e intervenções apontaram a inexistência de um Plano Urbanístico, a ausência de apresentação dos estudos e a restrição da participação popular em uma audiência realizada logo após o Carnaval.


    A prefeitura diz: “06/03/2015–3ª reunião sobre o plano urbanístico dentro do Conselho da Cidade.”

    A intenção da prefeitura era aprovar o plano urbanístico nessa reunião, mas como alguns conselheiros pediram vistas de minuta, a votação foi adiada para o dia 19.


    A prefeitura diz: “19/03/2015–4ª reunião sobre o plano urbanístico dentro do Conselho da Cidade (a matéria foi votada e aprovada)”

    Em desacordo com o plano apresentado, várias instituições (IAB, DU, MDU, Cendhec, Diaconia, Fundaj), se retiraram da reunião, não sendo possível haver quórum para aprovação. A CAU permaneceu, mas se recusou a votar. Ainda assim, a votação ocorreu e essa aprovação, sem quórum, não deveria ter seguido adiante. Naturalmente, não foi o que aconteceu.


    A prefeitura diz: “23/03/2015 — Início da tramitação do Projeto de Lei nº 008/2015 na Câmara Municipal. O material ficou 45 dias sendo apreciado pelos vereadores e nas Comissões de Legislação e Justiça, Finanças e Orçamento, Meio Ambiente Trânsito e Transportes e de Obras e Planejamento Urbano, obtendo parecer favorável em todas elas.”

    Sobre essa tramitação interna, vale ressaltar que as várias instituições que participaram das audiências públicas entre 2014 e 2015 condenaram o projeto pela: inexistência de um estudo prévio de impacto ambiental ou de estudo de impacto da vizinhança. A lembrar que o projeto foi aprovado sem os pareceres obrigatórios do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).


    A prefeitura diz: “10/04/2015 — Audiência Pública convocada pela Câmara Municipal (liderança do governo) sobre o Projeto de Lei nº 008/2015.”

    A mesa dessa audiência foi composta pelo Iphan, IAB, CAU, a Secretaria de Planejamento, o Instituto Pelópidas da Silveira e coordenada pelo líder do governo na Câmara, vereador Gilberto Alves. CAU e IAB reafirmaram a posição de que o PL não refletia as exigências de um Plano Urbanístico e o Iphan pontuou que tal matéria estava sob análise do órgão em âmbito nacional. As intervenções seguiram na linha de questionar o PL e exigir a preservação da memória e da paisagem, a provisão de habitação de interesse social e comércio popular na área, e de adequação do PL aos parâmetros estabelecidos pelo Plano Diretor. Do outro lado, mais uma vez, ouvidos de mercador.


    A prefeitura diz: “04/05/2015 — O Projeto de Lei nº 008/2015 foi votado e aprovado pela Câmara Municipal.”

    O projeto foi votado extrapauta, com violação do direito à fala de vereadoras, com as portas da Câmara fechadas à grande parte da população, sem discussão das emendas e devida avaliação dos relatórios das comissões (Comissão de Meio Ambiente encaminhou relatório solicitando o retorno do PL ao Conselho da Cidade e apontando suas incongruências em relação ao exposto no Plano Diretor) e desacatando a solicitação de alguns vereadores de que o projeto fosse votado com tranquilidade e de forma aberta à população no dia posterior.

    Em tempo: O artigo 22 do PL sancionado no último dia 4 de maio diz o seguinte: “Os projetos já aprovados na Zona 5, na Zona 8 e no Setor S-9b da Zona 9, poderão ser licenciados de acordo com a legislação vigente no ato de sua aprovação, podendo ser adequados à presente Lei mediante requerimento do proprietário, inclusive através de pedido de alteração durante a obra.” Leia-se: poderá, sim, haver “adequações” no projeto enviado. As brechas abertas por esse artigo 22 simplesmente enterram qualquer possibilidade de ter havido, algum dia, um “amplo debate” entre a Prefeitura do Recife e a sociedade.

    Em palavras mais sucintas, o que a Prefeitura do Recife chama de “amplo debate” mais parece uma conversa entre a galinha e a raposa. A primeira pode argumentar, com todas as bases legais, em nome de sua sobrevivência. Se a segunda vai escutar é uma questão de improbabilidade.

     

    Foto: Marcelo Soares