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  • A revolução da educação na quebrada é feita pela própria quebrada

    A revolução da educação na quebrada é feita pela própria quebrada

    “Nasci no escadão da Vila Solange, Guaianazes e tudo que sei sobre a vida aprendi aqui.”

    Assim começa o bate papo online que tive, na tarde desta sexta (19/06), com Pamela Vieira, bióloga e gerente de baladas que encontrei num grupo de Whatsapp.

    A postagem que estimulou esse contato trazia uma série de fotos de crianças da zona Leste de São Paulo estudando juntas, dentro de uma casa simples, como se fosse uma sala de aula improvisada. As imagens, em ampla maioria, mostravam mulheres negras da comunidade orientando as crianças em atividades recreativas e educacionais. Vi ali um cenário tão organizado – ou até melhor – que uma sala de aula de escola particular de um bairro de classe média da capital. O post havia sido publicado no grupo pelo professor de artes negro João Tody. 
    Imediatamente, lembrei do Ensino à Distância tão vangloriado por João Doria, governador de SP, e que tem sido seriamente criticado não só por pais e professores como, também, por estudantes que desde o início da pandemia do novo Coronavírus denunciam dificuldades absurdas para acessar as aulas.
    Além do improviso pedagógico e da falta de estrutura para amparar educadores nessa nova modalidade de ensino, não foram levados em consideração problemas inerentes à uma proposta de ensino universal; como a falta de acesso a computadores pelos alunos ou as péssimas conexões de internet, especialmente, em bairros das periferias de São Paulo.
    Tudo feito pela comunidade
    Aquelas fotos que retratavam a iniciativa em Guaianases me emocionaram. Resolvi saber mais sobre aquelas crianças e os métodos de organização das atividades. De cara, descobri que tudo é completamente autônomo, sem o incentivo de nenhuma empresa e subsidiada pelos próprios moradores do local. Algumas doações de materiais escolares vieram de pessoas próximas ao bairro.
    A bióloga, Pamela Vieira é a idealizadora do projeto

    Quando perguntei a Pamela o porquê de ter iniciado a atividade, ela trouxe a realidade de sua infância. “Parei um dia para observar a vida das crianças ao meu redor, inclusive do meu filho, e vi que por mais que ainda existam as brincadeiras, faltava educação de escola mesmo. Lembrei que quando pequena eu sempre brincava de escolinha com minhas primas e assim aprendia muitas coisas. No início dessa pandemia, me sentia muito triste e para não me entregar a uma depressão, decidi me ocupar dando amor e atenção a essas crianças e recebendo em dobro.“ 

     

    A iniciativa educativa atende cerca de 25 crianças e adolescentes que vivem nessa região da cidade e muitas ainda não são alfabetizadas. Algumas famílias têm mais de 5 filhos, todos crianças pequenas e muitos pais não conseguem, durante a pandemia, manter em seus lares o ritmo de aprendizado das escolas onde estudam. Assim, Pamela conta que o intuito do projeto é fazer com que esse tempo fora das “salas de aula oficiais” seja produtivo. Ela acha imprescindível ensinar e reforçar de forma divertida e criativa o papel da escola. As aulas acontecem entre 10h e 14h, de segunda a sexta.
    A maioria das crianças vive o dia inteiro em seus quintais, algumas são órfãs de pai ou mãe ou às vezes dos dois. Algumas moram com avós. O perfil predominante é daqueles que não têm o pai presente e, neste caso, suas mães trabalham em casa mesmo. Em tempos de pandemia, crise e fome crescentes, a situação anda cada vez mais trágica.
    A bióloga defende que o projeto vai fortalecer a educação dessas crianças, não só no tema da alfabetização, mas filosoficamente, pois uma visão sobre quem eles são e tudo que podem ser começa a ser ampliada.
    O professor João Tody vai doar para as crianças suas experiências na arte

    O professor João Tody, que me alertou sobre a iniciativa, também vai se juntar às crianças e na próxima semana, iniciará aulas de artes para a molecada por lá. “Antes nós achávamos que a revolução seria feita quando algum senhor de terno, barba e óculos aparecesse na quebrada e criasse um projeto social, mas ninguém com essas características chegou por aqui e percebemos que a revolução teria de ser uma iniciativa de nós mesmos.” diz, Tody

    Importante dizer que além de aprender, as crianças recebem o lanchinho todos os dias. “A gente faz um pão com manteiga e nescau, ou bolacha com suco. A maioria das coisas que eles comem eu mesma compro e outros doam bolachas e doces. Para arrecadar algum dinheiro eu vendo geladinhos aqui em casa. As vezes, acham que somos salvadores dessas crianças, mas são elas é quem nos salvam.” Finaliza, Pamela

    Importante: no retorno às suas casas, crianças e pais cumprem rigorosamente todos os protocolos de assepsia e cuidados contra o COVID-19
  • FRAUDE ATÔMICA! Bolsonaristas mudam grupos do Facebook para simular apoio de mulheres ao candidato machista

    FRAUDE ATÔMICA! Bolsonaristas mudam grupos do Facebook para simular apoio de mulheres ao candidato machista

    O grupo “Mulheres unidas contra Bolsonaro“, criado no dia 30 de agosto, é administrado por 104 eleitoras e já tem 1.542.123
    participantes confirmadas (até as 17h51 de 13/09). Já o “Mulheres com Bolsonaro”, criado nesta terça-feira e com 222.652 eleitoras, descreve-se como um “grupo feito pra mulheres de fibra e coragem que não precisam do feminismo e defendem o Capitão Bolsonaro pra presidente”.

    O deputado federal tem ainda a seu favor grupos menores, como o “Mulheres que apoiam Bolsonaro presidente”, que originalmente se chamava “Animais – Amor verdadeiro”, mas teve seu nome alterado e hoje tem 44 mil membros, e o “Mulheres unidas a favor de Bolsonaro”, com 35 mil participantes, que é administrado por cinco homens e antes se chamava “Presidente Bolsonaro 2018”.


    Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 52% do eleitorado brasileiro são mulheres. É neste universo que o capitão da reserva encontra mais apoio e, ao mesmo tempo, rejeição: de acordo com dados da pesquisa do Ibope divulgada nesta terça-feira, ele é o líder das intenções de votos femininos, com 17%, mas 50% delas afirmam que não votariam nele de jeito nenhum.

    — O grupo não busca ser porta-voz das intenções de voto, mas sim da insatisfação perante a possibilidade da eleição de um presidente que vai de encontro às pautas que protegem e defendem os direitos das mulheres — diz a professora de Filosofia Maíra Motta, de 40 anos e moradora de Salvador, na Bahia, que é uma das nove administradoras que lideram um dos grupos contra o candidato do PSL.

    Uma das administradoras do grupo “Mulheres com Bolsonaro”, a dona de casa paulistana Karla Pinheiro, de 26 anos, conta que a ideia do espaço é provar que o candidato tem apoio do público feminino. Ela foi uma das responsáveis pela criação da comunidade “Dama de Ferro”, que reunia mulheres de direita e foi deletada pelo Facebook no início do ano, no que a rede disse ser um processo de adequação às normas de uso.

    — Conheço várias mulheres que apoiam o Bolsonaro e acredito que os movimentos contrários querem se aproveitar da popularidade dele. Há muito sensacionalismo em torno do nome do Bolsonaro — afirma.

    Grupos mudaram de nome para apoiar candidato

    Na tentativa de angariar mais apoiadores a Bolsonaro, alguns eleitores renomearam grupos já existentes para que eles se transformassem em centrais de apoio feminino ao candidato. Foi o caso de pelo menos três grupos identificados pela reportagem. Somando aproximadamente 3 mil membros, o grupo “Politicamente desgovernado! Parem o Brasil!” foi reconfigurado para se chamar “Mulheres com Bolsonaro/Mourão – Brasil!”. Com 44.200 membros e criado há cerca de um ano, o “Animais — Amor verdadeiro” virou “Mulheres que apoiam Bolsonaro presidente”.

    Um terceiro grupo, administrado por cinco homens, também aparece na ferramenta de pesquisa do Facebook. Hoje, ele tem mais de 35 mil membros e se chama “Mulheres unidas a favor de Bolsonaro”, mas, antes disso, era chamado de “Presidente Bolsonaro 2018”. Na descrição, os membros são tratados com artigos masculinos.

    Enquanto isso, outros movimentos organizam eventos contra o candidato. Um dos mais recentes é o promovido pelo Move Institute – For The Animals, planejado para o dia 29 à tarde no Largo da Batata, em São Paulo. Na chamada para o evento, o grupo lembra que o candidato se posiciona favoravelmente a celebrações de maus tratos aos animais como a Vaquejada, que apoia os ruralistas e já admitiu a prática de zoofilia (sexo com animais).

    Com informações de O Globo
  • Museu é lugar de quê?

    Museu é lugar de quê?

    Com o objetivo de levantar discussões sobre existir e resistir em um país com tantas deficiências estruturais e políticas como o Brasil, está em exposição no Museu da Imagem e Som de Campinas (MIS) a mostra ReExistir, que reúne, pela primeira vez, o trabalho do coletivo feminino de fotografia Carolinas.

    Rompendo com a ordem tradicional de exposições fotográficas em museus, as imagens de Fabiana Ribeiro, Cintia Antunes e Sandra Lopes, são apresentadas impressas em tecidos, nas dimensões de 1,20m x 0,80m, dando a sensação de tridimensionalidade e movimento, dialogando diretamente com a mobilidade dos temas escolhidos para serem retratados pelas fotógrafas, todos de cunho político-social. O coletivo encara a técnica de impressão nesses tecidos também como uma forma de aproximar as pessoas da arte, que pode ser tocada, experimentada e vista de vários ângulos.

    A sala da exposição REexistir divide-se em três temas diferentes. Com fotografias da comunidade Nelson Mandela, liderada por mulheres e um símbolo da batalha constante por direitos básicos na cidade-, Fabiana Ribeiro capta vários momentos importantes das questões de moradia e falta de políticas públicas com populações vulneráveis socioeconomicamente.

    “Quais os reflexos desse pós-golpe na vida do trabalhador? Na identidade de classe, de gênero? Temos todas essas discussões rolando na Mostra’’, diz Fabiana, se referindo ao processo que culminou com a saída da presidenta Dilma Rousseff, em setembro do ano passado.

    A fotógrafa Sandra Lopes é a responsável por tocar nos tabus da sexualidade e todo o discurso intolerante revivido nos últimos tempos, como por exemplo, a polêmica cura gay, surgida a partir de um projeto de lei que pretendia permitir que psicólogos se envolvessem em tratamentos para “reversão” da homossexualidade. ‘’Corpos e nudez existem na arte desde que o homem começou a desenhar e pintar paredes, na pré-história, conhecida como arte rupestre’’.

    As fotografias de Cintia são frutos do projeto ‘’EmPodera’’, oficinas gratuitas de fotografia realizadas em vários espaços pela arte-educadora na cidade. Nelas, adolescentes de movimentos sociais são retratadas de uma forma sensível, enfatizando o protagonismo delas diante da própria história, trazendo questionamento sobre gênero e classe.

    A Mostra ReExistir faz parte de outra exposição em cartaz no MIS, a Mostra Luta – organizada por coletivos populares de comunicação – que também traz questões político-sociais para dentro do museu, desde 2008.

    As exposições exibidas no MIS-Campinas entre outubro e novembro de 2017, dão continuidade a uma discussão iniciada meses antes, com o encerramento da exposição Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira. Cancelada pelo Santander Cultural, e precursor de uma série de polêmicas envolvendo arte, que levantou questionamentos sobre como deveria ser utilizado o espaço cultural, principalmente museus.

     

    Fotografas do Coletivo em roda de conversa

     

    Museóloga e especialista cultural do MIS Campinas, Juliana Siqueira defende o museu como um espaço de reflexão, um espelho da cultura que permeia e habita todos os espaços sociais, possibilitando uma visão sólida sobre a forma como se vive e se poderia viver. “Quando, no Queer, no MAM, no Masp, mostra-se a sexualidade de forma utópica, ou seja, sem opressão, é o papel do museu refletir e ver outras possibilidades de libertação. Não apenas consumir um produto, como em um shopping center’’.

    Juliana acredita que a não aceitação dessas manifestações culturais se devem a uma onda de conservadorismo, resultante da crise econômica atual, uma vez que, quando o sistema entra em crise, a tendência é que a classe mais privilegiada seja menos aberta a negociações. “Quando isso acontece, essa classe tende a buscar um culpado. É possível notar comportamento semelhante, por exemplo, quando a população alemã responsabiliza os judeus pela crise econômica na década de 1930. No Brasil, vê-se isso no cenário atual.”

    Ainda de acordo com ela, todas as exposições repudiadas por parte da população nos últimos meses têm como ponto em comum: performances e exposições que tocam em assuntos considerados tabus, como o nu, as opressões e a sexualidade. “Defender a liberdade do corpo, de um corpo que não é totalmente erotizado, é de enorme validade. A erotização está na cultura de massa, na exploração comercial, o que não é o caso da arte. A arte, em si, é quem questiona isso’’, afirma a museóloga.

     

    O professor de  história contemporânea da PUC-Campinas, Lindener Pareto,  explica que as polêmicas que tangem o mundo artístico são parte do seu próprio conceito, já que essas expressões tendem a refletir sobre a condição humana. ‘’Sempre foi fundamental, principalmente em períodos difíceis do ponto de vista político-social, que os artistas se manifestassem  criticamente. Nós nunca estivemos isentos do problema da censura, mas agora estamos voltando a viver esse período. Não como uma repetição da história, mas como permanência do fascismo do século vinte’’.

    Um episódio emblemático para refletir sobre os acontecimentos recentes é, segundo o professor, pensar que na Alemanha nazista, quando Picasso e outros grandes artistas do momento eram conhecidos por fazer “arte degenerada’’. De acordo com Pareto Júnior, o que tinha valor para aquele povo, naquele contexto, era a arte tradicional de séculos anteriores. “A arte sempre passou por essa subjetividade, ninguém é obrigado a gostar de nada. Mas, ao mesmo tempo não é necessária censura. Então, a manifestação artística faz parte da liberdade e expressividade humana’’.

    Para Juliana, levar exposições como a Mostra Luta e ReExistir para dentro de espaços institucionais como museus ajuda a lançar luz sobre questões sociais, que muitas vezes acabam não sendo abordadas por fazerem parte de grupos excluídos socialmente. “As pessoas que são excluídas são as mesmas que conquistam os avanços sociais. Então, elas precisam estar aqui. Faz parte do papel do museu expor o que não é hegemônico na cultura, dar focos de reinvenção ao mundo’’, explica.

    Outro ponto característico das mostras Lutas e ReExistir tem a ver com representatividade desses grupos. “Quem é que vai contar a história da menina que vive na ocupação? E das Mulheres que estão lá? O museu que abriga esse tipo de acervo aceita a palavra do outro. É a museologia social”, conclui a especialista cultural.

    As mostras Luta e ReExistir estarão em cartaz até o fim de novembro no MIS- Campinas.

     

    O coletivo feminino Carolinas

    O coletivo de fotografia feminino está em construção e na formação da sua base estão as fotógrafas Cintia Antunes, Fabiana Ribeiro, Gabriela Zanardi e Sandra Lopes, e a especialista cultural Juliana Siqueira. O nome “Carolinas” surgiu como homenagem a mulheres como a escritora negra Carolina de Jesus e outras mulheres como a educadora Carolina Florence. A perspectiva é reunir diferentes linguagens. A heterogenia e a inclusão aliadas a preocupação com o papel da fotografia no processo de democratização de imagens, informações e sociais fazem parte da proposta do coletivo.

    Por Victória Cócolo

    Ensaio_Empodera | foto: Cintia Antunes
    Comunidade Mandela | foto: Fabiana Ribeiro