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Tag: Movimento Sem Teto do Centro

  • Comitê popular enfrenta o coronavírus distribuindo cestas básicas

    Comitê popular enfrenta o coronavírus distribuindo cestas básicas

    Solidariedade: 3.000 cestas para distribuição entre comunidades vulneráveis; à direita, Carmen Silva, no planejamento rigoroso da açãoSolidariedade: 3.000 cestas para distribuição entre comunidades vulneráveis; à direita, Carmen Silva, no planejamento rigoroso da ação

     

     

    Começou nesta sexta-feira (3 de abril) a distribuição de 3.000 cestas básicas para famílias de baixa renda. A ação de solidariedade está sendo coordenada por Carmen Silva Ferreira, ativista pelo direito à cidade, dirigente do MSTC (Movimento Sem-teto do Centro) e impulsionadora da Casa Verbo, organização que constrói e dissemina meios para efetivação do direito à moradia e à vida digna.

     

     

    A gente sabe que manter a quarentena é difícil pra todos. Mas é muito mais difícil para as populações de baixa renda ou sem renda, que além de sofrerem com as demissões em massa, também estão impedidas de fazer os seus corres como ambulantes ou no mercado informal. Sem renda, sem reservas econômicas, sem auxílio do governo Bolsonaro, que não libera a ajuda de R$ 600 a R$ 1.200 reais que já foi aprovada no Congresso Nacional, essas famílias começam a passar fome.

    Sob a liderança de Carmen, foram identificadas 15 áreas com demandas imediatas por alimentos e materiais básicos de limpeza, como ocupações, cortiços, favelas, a região conhecida como Cracolândia, áreas que concentram população em situação de rua e catadores de recicláveis.

    Os recursos para a compra das cestas resultam da parceria com a Plataforma Covid-19, integrada por BEĨ Editora, Por quê?- economês em bom português, Instituto BEĨ e núcleo de Mulheres e Território do Laboratório de Cidades do Insper/ Arq. Futuro, com o apoio da Fundação da Tide Setúbal e do Instituto Galo do Amanhã.

    Entretanto, sabemos que as demandas das famílias em situação de vulnerabilidade serão ampliadas, na proporção direta da ampliação do período de quarentena, o que permite prever que essas famílias também necessitarão de apoio para aquisição de gás de cozinha e de produtos destinados à higiene pessoal e à limpeza doméstica, além da cesta básica. Para tanto, o Comitê Popular de Combate ao Covid-19 captará recursos e doações financeiras e estabelecerá novas parcerias com o poder público e diferentes atores da sociedade civil.

    Como funciona e distribuição das cestas:

    Com ajuda das lideranças dos 15 núcleos, foi realizado um censo para levantar o perfil das populações em situação de vulnerabilidade social. Por meio de formulário, foram identificadas as pessoas que residem na mesma casa, quantas são crianças, os idosos, os desempregados e os autônomos. Levantou-se também a situação de saúde física e mental dos moradores, para identificar os portadores de doenças crônicas e cardiopulmonares, diabetes, hipertensão, tuberculose, insuficiência cardíaca ou renal, doenças respiratórias crônicas, doenças oncológicas, portadores de HIV, pessoas em uso de corticóides ou imunossupressores e portadores de necessidades especiais.

    Além da equipe profissional – pessoal de saúde, assistência social e de pesquisa para a aplicação e avaliação dos questionários –, o projeto está aberto à participação de voluntários. O comitê está adotando todas as providências para evitar a contaminação e a retransmissão do vírus, mediante o uso de EPIs (equipamentos de proteção individual) e a orientação sobre segurança biológica.

    A entrega das doações aos cadastrados está sendo documentada por Elton Santana em vídeo, visando à prestação de contas aos que colaboraram com o projeto.

    As doações são muito importantes. Os interessados em colaborar devem entrar em contato com a Casa Verbo:
    Rua São Domingos, 211, Bela Vista | Tel: (11) 3107-3448 | contatocasaverbo@gmail.com

    Acompanhe notícias do Comitê Popular de Combate ao Covid-19

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  • Jornalistas Livres em defesa das ocupações Prestes Maia e Hotel Cambridge!

    Jornalistas Livres em defesa das ocupações Prestes Maia e Hotel Cambridge!

     

    Prezado prefeito Fernando Haddad,

    A Rede Jornalistas Livres em defesa dos Direitos Humanos, da Democracia e dos Direitos Sociais vem por meio desta expressar sua irrestrita solidariedade aos moradores das Ocupações Prestes Maia e Hotel Cambridge, representados pela Frente de Luta pela Moradia, em seus pleitos junto à Prefeitura de São Paulo.

    Têm de prosseguir a maravilhosa experiência coletiva e o generoso acolhimento sem discriminação, vividos no cotidiano desses imóveis antes mortos (mortos pela especulação imobiliária, diga-se).

    O convívio respeitoso que vemos entre os moradores, a proteção às crianças, aos idosos e aos deficientes, o cuidado com seu futuro, para não falar da limpeza esmerada das áreas comuns, tudo isso reforça para nós a ideia de que, ali, entre os pobres, encontra-se uma nova forma de vida coletiva que pode revitalizar a cidade aviltada pelos prédios e esqueletos vazios ou ocupados pela droga, pela doença, pelo desespero.

    A cidade de São Paulo merece o amor e a dignidade humana que vemos prevalecer no trato entre os moradores dessas ocupações. Amor e dignidade humana que se manifestam na consciência do direito a uma moradia decente, a uma educação de qualidade, à saúde, à cidade.

    Amor e dignidade que se manifestam também na consciência de seus deveres: não há morador dessas ocupações que queira moradia gratuita. Todos querem pagar por ela o justo, o possível.

    Diga-se, por fim, que as Ocupações Prestes Maia e do Hotel Cambridge são experiências-piloto que precisam ser preservadas, pois nelas quem fala mais alto é a voz da esperança em uma cidade mais justa e gentil. E é disso, estamos certos, que São Paulo precisa.

    Atenciosamente,

    Rede Jornalistas Livres
    Facebook.com/jornalistaslivres

     

  • José Bonifácio 380: 74 dias de resistência

    José Bonifácio 380: 74 dias de resistência

    Por Larissa Gould, do Barão de Itararé, especial para os Jornalistas Livres

     

    PUM PUM PUM. Às 6h25 o eco das batidas no portão metálico marca o início da reintegração de posse da Ocupação José Bonifácio, 380. Os policiais militares chegam cedo. Às 5h30, parte da rua já está fechada pela CET. Faltando 5 minutos para às 6h da manhã, seis caminhões chegam em procissão e param em fila indiana em frente ao prédio.

    Foto: Mídia NINJA

    Rosivaldo, um dos motoristas, explica que uma empresa é contratada para fazer o transporte: “Não sei para onde vão as coisas. Acho que o morador que vai indicar”. Nos caminhões, lê-se a identificação: A serviço da Justiça Eleitoral. Válido para 25.06.2015.

    A mesma Justiça que deixará na rua 120 famílias e 500 pessoas. Os móveis, seu Rosivaldo não sabe, vão para um deposito. A verdade é que a maioria das famílias não tem para onde ir, muito menos para onde carregar seus pertences. Alguns vão para a casa de familiares e amigos, ficar de favor em condição temporária. Nem todos ficam para a reintegração — parte dos que conseguiram se realocar antes da data, preferiu sair do prédio antes, por medo da repressão violenta.

    Mas a maioria não tem nenhuma alternativa. É o caso de Ivan Donisete, a esposa e os dois enteados: “Não sabemos para onde vamos. Talvez algum viaduto”. Ivan também não sabe se recuperará os móveis. Ajudante geral desempregado, está na ocupação desde abril: “Não temos condições de pagar aluguel”.

    Foto: Mídia NINJA

    Carmem da Silva Ferreira, líder do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MTSC), que integra a Frente de Luta por Moradia (FLM), explica que grande parte das famílias já estão cadastradas em projetos de habitação, mas a demora e a impossibilidade de pagar aluguel fazem com que muitas acabem nas ruas, ou em ocupações. “São Paulo é refém da especulação imobiliária. Estamos aqui para lutar por um direito. O direito à moradia digna”.

    Embora Dona Carmem tenha em mãos um ofício (nº 576/SEHAB G/2015) no qual a Secretaria de Habitação do Município designa um funcionário para acompanhar a reintegração, ninguém aparece. Tampouco garantem seguro aluguel ou qualquer tipo de auxílio.

    Foto: Lina Marinelli

    Às 6h25 Dona Carmem abre o portão metálico e informa ao representante da Justiça Federal que todos sairão pacificamente.

    — As crianças estão acordando. Se o senhor puder esperar que tomem o café…

    — Meia hora, senhora?

    — Isso, uns 40 minutos.

    A verdade é que algumas daquelas pessoas nem sequer sabem onde (e se) vão almoçar. Dona Carmem sobe para o térreo e apressa os moradores:

    — Todos tomem o café e arrumem as coisas.

    José Patrocínio, 63 anos, era cozinheiro, mas uma patologia o impede de trabalhar. Ele não pode subir as escadas, e aguarda sentado em um banco improvisado que lhe tragam o café.

    — É muita humilhação.

    Fotos: Lina Marinelli

    Às 6h45, enquanto a maioria ainda come e arruma os poucos pertences, Carmem começa a última assembleia da José Bonifácio, 380. Fica decidido que, após a saída, seguiriam rumo a porta da Secretaria do Patrimônio Público. A assembleia termina ao som das palavras de ordem “Quem Não Luta… Está Morto”, repetida em coro por todos.

    Foto: Lincoln K.

    Às 7h, Carmem sai do prédio, à frente de todos “Por gentileza, cadê o oficial? Quero lhe entregar o prédio”.

    Enquanto as famílias saem em marcha, munidos de bandeiras e faixas, Carmem proclama “Esse é o povo que está indo para a rua por falta de políticas públicas de moradia”. Eles seguem atrás de uma grande faixa com os dizeres: Contra a Corrupção Imobiliária.

    Enquanto eles saem, o oficial do TRE (Tribunal Regional Eleitoral), atual proprietário do prédio, entra para fazer a vistoria. Para trás ficam os móveis. Nas paredes, os cartazes com as regras de convivência ainda ficam colados, como que à espera que os moradores voltem antes da meia noite.

    José Bonifácio, 380: 74 dias de resistência

    Na madrugada do dia 12 para o dia 13 de abril, cerca de 200 pessoas ocuparam, de baixo de bombas de gás e ameaças de tiros, o prédio da Rua José Bonifácio, nº 380.

    No dia seguinte, um homem de terno, um mecânico e mais 11 motoristas sem nenhuma identificação, se apresentaram como funcionários do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. E informaram que o prédio estava alugado pelo TRE, que o usava para o estacionamento de 11 veículos.

    Uma semana depois que estavam alojados, cortaram a energia e água das famílias por duas semanas. Mas eles resistiram. Resistiam também a uma ameaça de reintegração ilegítima do TRE, no dia 28 de abril.

    Quando a reintegração oficial chegou, fruto de processo que está na 21ª Vara Federal, as famílias já estavam divididas em apartamentos individuais. A cozinha comunitária havia sido desmontada, mas não o convívio.

    Letícia de Abreu tem 19 anos, veio do interior para a Capital há 2 anos para tentar estudar, ainda não conseguiu, atualmente trabalha como atendente. Para ela o processo da reintegração é doloroso, principalmente por separar as famílias já habituadas ao convívio diário: “Nós nos acostumamos com as crianças, com todos”. Se ela tem medo de morar em ocupação? “É a luta né, temos que lutar por nossos direitos”, e dá de ombros.

    Um prédio sem uso social

    O prédio, com 8 pavimentos e subsolo, divididos em 3 lojas e 7 salões, foi tomado pela União depois que a proprietária Moinho Curitibano S/A a penhorou para a Companhia Internacional de Seguros em 2008, por R$732.868,90. Afundado em dividas e abandonado há 5 anos, o prédio da década de 1970 acabou sob a responsabilidade da Secretária de Patrimônio da União. De acordo com Carmem, para que o prédio passasse das mãos desse órgão para o TRE deveria ter passado pelo conselho da entidade. “Passou de um órgão para outro por meio de uma carta-contrato”.

    Foto: Lina Marinelli

    E finaliza “O prédio está abandonado há 5 anos, sem função social, e deve ser usado para a moradia. Nós lutaremos por isso”.


    Veja:

    José Bonifácio, 380 – 

    O primeiro dia de uma ocupação vista por dentro

     

     

  • José Bonifácio, 380 I O primeiro dia de uma ocupação

    José Bonifácio, 380 I O primeiro dia de uma ocupação

    Por Larissa Gould e Sergio Silva (fotos) para Jornalistas Livres

    O primeiro dia de uma ocupação vista por dentro

    A saída para a ocupação foi tranquila. A equipe de reportagem partiu, por volta das 22h30, acompanhando Roberto, liderança da FLM incumbida de coordenar a ação no prédio da José Bonifácio, 380, na região central de São Paulo.

    Fomos em um grupo de cerca de 30 pessoas, entre moradores, jornalistas e a chamada linha de frente — grupo encarregado de viabilizar a entrada no prédio — seguimos caminhando até a concentração, na José Bonifácio 137. As ações estavam programadas para acontecer ao mesmo tempo, à meia noite.

    No interior da concentração — uma ocupação que resiste há mais de dois anos e que ainda não foi regularizada — homens, mulheres, jovens, idosos e crianças, aguardavam as coordenadas para ocupar o prédio na mesma rua.

    O grupo é divididos entre base, os futuros moradores da nova ocupação, e apoio, moradores de outras ocupações já estabelecidas que ajudam na ação. Rosa, moradora do Hotel Cambridge, faz parte da equipe de apoio. Ela tem 25 anos e sofre de artrite reumática, entrou para o movimento em 2009, na época estava com a saúde muito debilitada e passava por dificuldades financeiras. “Depois que a gente conhece a luta não tem como sair”.

    O alvo daquela noite foi um prédio da década de 70’, propriedade da Moinho Curitibano S/A , composto por 8 pavimentos e subsolo, divididos em 3 lojas e 7 salões. Penhorado pela Companhia Internacional de Seguros em 2008, por R$732.868,90, o edifício estava em estado de abandono. “Nós damos função social aos prédios” declarou Carmem diversas vezes durante a ação.

    A presença de viaturas policiais no caminho atrasou a saída. Após ronda pelo local, cerca de 200 pessoas saíram por volta da meia noite e vinte e se encontraram com outras equipes, que aguardavam nas demais concentrações. Todos caminharam até o alvo. Quatro Policiais Militares se encontravam na esquina da José Bonifácio com a Rua do Ouvidor, na exata localização de um dos dois prédios que seriam ocupados naquela rua, como descobrimos posteriormente.

    Tão logo a multidão passou, os policiais pediram reforços. Rapidamente chegaram três viaturas até o local. Nesse primeiro momento, somente observaram.

    Observaram a equipe de linha de frente, um grupo de homens munidos de ferramentas abrirem o portão trancado.

    Também nós observamos o trabalho daqueles homens. O trabalho e a coragem (ou necessidade, como mais tarde algum deles relataram), observamos quando dois seguranças privados saíram da janela do prédio armados ameaçando atirar em qualquer um que entrasse.

    Eles entraram, e eram muitos. O suficiente para que os seguranças recuassem e saíssem pela porta dos fundos. Nesse momento se deu a primeira comemoração, entre 50 e 100 pessoas entraram, de acordo com o cálculo das lideranças e da equipe de linha de frente. Dois repórteres dos #JornalistasLivres conseguiram entrar. Passava da meia noite e meia.

    Foi nesse momento que os policiais abandonaram seu papel de observador e interviram. Como a força repressora do Estado, interviram como são treinados para reagir a essas ações: jogaram bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral nos ocupantes. Nos homens, mulheres, jovens, idosos e crianças.

    A correria foi geral. D. Sônia, uma senhora de 62 anos, foi atingida por estilhaços de bomba e caiu. Ela estava lá para ajudar o filho que seria um dos moradores do prédio. Outros ocupantes também foram feridos com estilhaços. Muitos, principalmente as crianças, passaram mal após terem inalado o gás.

    Policiais no alto da ladeira, ocupantes no final. Restou aos dois esperarem. “Eles vão querer nos vencer pelo cansaço, mas nós não vamos sair até todos entrarem”, afirmaram Juliana, Denise e Josenira, moradoras da Rio Branco, 53. Já perderam a conta das ocupações que participaram. Vai fazer quatro anos que entraram para o movimento e fazem questão se estar na equipe de apoio.

    Lá dentro, os ocupantes esticavam a bandeira da CMP — Central dos Movimentos Populares, e da FLM, Frente de Luta por Moradia. Concentrados no quarto andar, escutaram do lado de fora o barulho das bombas e sofreram os efeitos do gás lacrimogênio. Muitos passaram mal. Também a eles restou aguardar.

    Há uma da manhã, o Samu chegou para prestar socorro à D. Sonia. “Tá sangrando muito moça? Me acertaram bem do lado do rosto que eu tenho problema da gengiva e ia operar”. Ela foi levada para a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

    Jaciel faz parte da linha de frente. Explicou que quando abrem os portões, parte do grupo entra para hastear a bandeira e organizar a ocupação, e outra fica na porta para garantir que o maior número de pessoas possíveis entre. Ele integrou a segunda equipe e não conseguiu entrar. Um grupo de 100 pessoas também não.

    Policiais e ocupantes estavam receosos, repórter do #JornalistasLivres tentou entrevistar os agentes do estado que se recusaram. Mas relatou ouvi-los conversar “Se esse pessoal resolve subir, estamos perdidos”. Também ouviu uma importante informação, as bombas haviam acabado.

    Nessa madrugada, dezenas de alvos foram ocupados. Não sabemos se os reforços não chegaram, ou se sequer foram pedidos. Mas, por volta da 1h30, os policiais foram embora. Nesse momento o grupo que estava de fora entrou. Subiram as escadas correndo e foram ocupando os andares. A legislação defere que, se a reintegração não for feita nas primeiras 48h, somente poderá acontecer por meio de ação judicial.

    Por isso, a regra é clara: quem entrou não saí. Os primeiros dois dias são os mais tensos paras as famílias que ocupam as moradias.

    Elcivaldo Moraes, 44, era empresário bem de vida, após sofrer um golpe, perdeu tudo. Em 2003 passou a morar em albergues e a trabalhar de “chapa”, carregando e descarregando caminhões. Entrou para o movimento há oito meses, foi apresentado à FLM por um amigo morador de uma das ocupações. Desde então, mora de favor na casa dele e frequenta todas as reuniões da equipe de base. Estava na linha de frente na hora que ocuparam o prédio. Sentiu medo? “Não senti, a necessidade e principalmente a vontade superam o medo”. Para ele, é muito importante respeitar os policiais: “são trabalhadores como nós e temos que traze-los para o nosso lado. Se conseguirmos uma boa ação, sem enfrentamento, quem sabe eles não criam um sentimento por nós?”.

    E qual a importância dessa moradia para você? “Nesse momento é tudo. Se fosse diferente, se fossa descartável, para que correr esse risco? Para que todo esse perigo?”

    Lindomar Geremias, 33, mora há 5 anos em albergues e casas de acolhimento. Foi trazido ao movimento por Moraes, quem conheceu nas escadarias da Sé. “Uma história engraçada” lembra Moraes, “estava esperando um amigo, quando ele sentou do meu lado e começou a dividir o salgadinho que ele comia comigo”.

    Nasceu em Carapicuíba, após participar de um roubo, foi para a Febem. Quando saiu, morou em Campinas, na casa da irmã, voltou para Carapicuíba na casa do pai, mas a difícil relação com a família o levou à primeira casa de acolhimento, nas proximidades da Av. Cruzeiro do Sul, Zona Norte de São Paulo. Passou por 5 no total, umas melhores e outras piores. Lindomar trabalha como pedreiro e ficou muito feliz com o movimento por “ter me deixado fazer parte e ter me deixado participar da ocupação”. Não teve medo, a felicidade e a perspectiva de melhora eram maiores. Agora quer constituir família: “já está na hora, não dá mais para ficar solteiro”, brinca.

    Os andares já estavam quase todos ocupados. O casal Marcia, 37, e Antônio Pedro, 32, estavam sentados no saguão de entrada. Já haviam se instalado e observavam o movimento. Os dois estão juntos há um ano. Eles estavam em situação de rua e trabalham entregando panfletos. Se conheceram nas ruas do centro, costumavam dormir na região da Sé. Ela potiguar, ele maranhense. Ela há dois anos na rua, ele há quatro. Em comum: o sonho de melhores condições de vida e trabalho na capital paulista.

    Conheceram o movimento por meio de uma amiga de Marcia, participaram de uma reunião logo antes da ação e passaram a integrar o movimento. Sentiram medo no momento da ocupação, mas se quer pensaram e hesitar. “Estamos muito felizes, é uma nova oportunidade. Já sofremos muito nas ruas, é muito frio lá”.

    Por volta das duas e meia começaram a lacrar o prédio. A situação era calma. Na rua, uma equipe de retaguarda ficou para garantir alimentos e água durante as 48h de resistência.

    Os policiais voltaram, mas somente observavam. Era o momento dos repórteres da grande mídia interviram: Globo, Record e SBT passaram pelo local.

    Portas lacradas, ação terminada. Prédios ocupados. Ou não.

    Na manhã dessa segunda-feira (13), de acordo com relatos do morador Diego, um motorista chamado Galego, um homem de terno, um mecânico e mais 11 motoristas sem nenhuma identificação, se apresentaram como funcionários do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TER). O grupo alegou que o prédio está alugado pelo TRE, e que já estava sendo usado para estacionamento de 11 veículos. De acordo com relato, entraram na ocupação um motorista e o mecânico, avaliaram os motores e saíram sem dizer para onde levariam. Dos 11 veículos, três carros estavam em condições normais de uso, porém, o restante estava completamente coberto de pó, aparentemente abandonados, como o restante do prédio.

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    Veja: 

    José Bonifácio 380: 74 dias de resistência