Jornalistas Livres

Tag: Movimento de moradia

  • Campanha Despejo Zero: “Moradia é questão de vida ou morte na pandemia”

    Campanha Despejo Zero: “Moradia é questão de vida ou morte na pandemia”

    Em Ribeirão Preto, cidade conhecida como a “Califórnia Brasileira”, o casal Tatiane Pereira, 22, com o marido Mateus Cazula, 24, e o filho Henrique, 2, no dia 28 de maio. A prefeitura demoliu a casa que a família construía em terreno público abandonado. “Estamos sem trabalho e já fomos despejados por dever o aluguel. Ocupamos esse pedacinho da Favela das Mangueiras e com o auxílio-emergencial construímos as paredes pra morar. É o que dava. Foi tudo embora, e agora?” (Foto: Filipe Augusto Peres)

    “De que adianta falar para ficar em casa nessa pandemia se o próprio governo está demolindo nossos barracos?”, questiona a diarista Erica Cavalcante da Silva, de 36 anos. No último 14 de abril, ela acordou com o barulhão de uma retroescavadeira da prefeitura destruindo as estruturas de alvenaria e madeirite de seus vizinhos. Vinte famílias, das mais de 60, ficaram sem casa na comunidade Fé em Deus, apelidada de Descalvado, na periferia de Ribeirão Preto.

    A cidade do interior de São Paulo, conhecida como a Califórnia Brasileira desde os anos 70, é a maior produtora de açúcar e álcool do mundo e no município circulam 51 bilhões de dólares, 18% de toda a riqueza do Estado paulista. Desde que decretou estado de calamidade pública, em 23 de maio passado, porém, Ribeirão Preto também ganhou o título de campeã de despejos. 

    Observatório de Remoções, projeto desenvolvido por núcleos de estudos da USP e da Universidade Federal do ABC, apontou que pelo menos cinco áreas foram desocupadas ou estão em grave ameaça de ordens de reintegração de posse. E não é um caso isolado.

    Bolsonaro vetou artigo que impedia a expulsão de inquilinos até outubro

    Só na cidade de São Paulo, calcula-se que mais de 1.900 famílias foram atingidas por despejos na pandemia. O mapeamento do Observatório de Remoções comprovou aumento de ações do gênero em comparação ao período anterior.

    “As remoções seguem acontecendo, violando recomendações nacionais e internacionais”, diz a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, uma das relatoras de um documento com denúncias de todo o país enviado à comissão de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas).

    Em resposta, o relator especial da ONU pelo direito à moradia, Balakrishnan Rajagopal, não poupou meias palavras: “despejar as pessoas de suas casas nessa situação, independentemente do status legal de sua moradia, é uma violação de seus direitos humanos”. 

    Ao contrário do governo da Alemanha, por exemplo, o presidente Bolsonaro vetou em junho o artigo que impedia a expulsão de inquilinos até 30 de outubro – parte do projeto de 14.010/2020, que trata das medidas emergenciais de resposta à pandemia. 

    Erica, na comunidade Fé em Deus: “só vai para a favela quem precisa. Só não derrubaram a minha casa porque ela fica no alto do morro e começou a chover forte naquele dia.” Ainda assim, a diarista se viu obrigada a assinar um documento que comunicava que a demolição ia ocorrer dali uma semana. “Na prefeitura eu implorei para não fazerem isso, disse que não tinha para onde ir. A única opção que eles me deram foi ir para um abrigo coletivo. E lá já estava com um montão de gente! Como assim?”  (Foto: Acervo pessoal)

    “É uma tragédia”

    “Não há respeito do governo federal ao isolamento nem ao drama da falta de moradia para mais de 7 milhões de pessoas. Também falta consenso entre as decisões das prefeituras, dos governos dos Estados e do judiciário na suspensão dos despejos”, diz o advogado Benedito Roberto Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. “Sem moradia as pessoas ficam totalmente vulneráveis na pandemia. É uma tragédia, questão de vida ou morte”, resume. 

    “Milhões de brasileiros gastam a maior parte do que ganham com aluguel. Por outro lado, há milhões de imóveis abandonados que não cumprem sua função social”

    Benedito Roberto Barbosa, da União dos Movimentos de Moradia (UMM) e do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

    Benedito é um dos articuladores da campanha “Despejo Zero – Pela vida no campo e na cidade”, lançada no último dia 23. De caráter permanente, construção coletiva em rede aberta à toda a sociedade, em apenas uma semana, a iniciativa já congregou mais de 100 mil brasileiros por meio de organizações, entidades, coletivos, movimentos civis ou grupos ainda em formação. São sem-teto, sem-terra, membros de mais de 40 movimentos de moradia que estão sendo removidos de ocupações, muitas vezes com força policial. Mas não só.

    Manifestação na manhã de ontem (30/07) em Belo Horizonte de integrantes de quatro ocupações ameaçadas por despejos em meio à pandemia (Reprodução Instagram⁣)

    Somam-se a esse contingente pessoas em situação de rua, cada vez em maior número, e povos tradicionais que estão sofrendo extrema pressão em seus territórios por madeireiros, pecuaristas, mineradores e grileiros de todo tipo, caso de indígenas e quilombolas. Há ainda trabalhadores informais sem sustento, como camelôs e ambulantes, moradores de cortiços e inquilinos de centros urbanos em situação de dívida ou em iminente despejo.

    Toda propriedade deve ter função social

    “Milhões de brasileiros gastam a maior parte do que ganham com aluguel e agora, com o desemprego, precisam escolher entre comer e morar. É desumano, inadmissível”, analisa Benedito. “Por outro lado, há milhões de imóveis abandonados que não cumprem sua função social”, completa o advogado.

    No Brasil moradia é um direito humano fundamental e a Constituição de 1988 prevê a função social das propriedades. Terreno, casa ou espaço abandonado, sem uso, pode e deve, sim, ser desapropriado pelo Estado para atender às necessidades da população.

    Em São Paulo, marcha do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ontem (30/07), em direção ao Palácio do Governo do Estado. Além de #despejozero, manifestantes cobraram que recursos destinados às políticas habitacionais sejam liberados. João Dória não recebeu a comissão para diálogo e a polícia militar jogou bombas nos manifestantes no fim do ato (Foto: Reprodução Facebook)

    A expectativa é que a mobilização #despejozero pressione a aprovação do projeto do projeto de Lei 1975/2020, que propõe barrar as as ações de despejo em todo o país. A medida já tem a urgência aprovada no Câmara dos Deputados, mas ainda não foi colocada em votação.

    “Nesse momento, precisamos de mobilização popular intensa para explicar que essa é uma questão fundamental para a sobrevivência de milhares de pessoas”, diz a autora do projeto, a deputada federal Natália Bonavides, do Rio Grande do Norte.

    “Não temos para onde ir”

    Enquanto isso, Erica e milhares de pessoas seguem perdendo o sono.”Sinto que a qualquer momento vão derrubar minha casinha como naquele dia. Foi de supetão, sabe? Sem documento judicial nem nada. Teve até um morador, catador de reciclados, que tinha saído pra trabalhar ainda de madrugada e só na volta viu que não tinha mais lugar pra dormir”, lembra, ainda chocada com a frieza da guarda metropolitana que acompanhou o despejo.

    “Até agora tem idoso cardíaco e criança que tá sem teto, vivendo de favor em casa de vizinho.”

    Erica Cavalcante da Silva, de 36 anos, testemunha do despejo na ocupação Fé em Deus

    Mãe de quatro filhos, dispensada das faxinas diárias, ela é casada com o motorista Demileno de Souza, de 29 anos, antes da pandemia alugava um carro por R$ 480 semanais para trabalhar como Uber. “Mas ele teve tuberculose recente, é de risco e nem tem mais tanta corrida ou dinheiro que compense rodar”.

    Desde saíram de Belém do Pará, há um ano e dois meses, por falta de emprego e medo de uma “guerra violenta na comunidade”, a família vive na casa de 4m por 2,5 metros sempre em construção. “Vivemos mais com medo de ficar sem teto do que do vírus. Não temos para onde ir.”

    A casa de Erica, ameaçada de demolição (Foto: Acervo pessoal)

    A mesma frase foi repetida no dia de 28 de maio pelo casal Tatiane Pereira, de 22 anos, e seu o marido Mateus Cazula, de 24, quando a prefeitura, também de Ribeirão Preto, demoliu a estrutura em alvenaria de três cômodos que a família construía na Favela da Mangueira, a mais antiga da Califórnia Brasileira.

    “A gente já tinha sido despejado porque não conseguiu pagar o aluguel de R$ 550 e foi com o dinheiro do auxílio-emergencial que construímos as paredes pra morar ali”, explica Tatiane.

    Só faltavam duas fileiras de tijolo

    Mãe de Henrique, de 2 anos, e Heloísa, de 4, ela perdeu o emprego de atendente em um comércio logo no começo do isolamento social. “Meu marido também foi dispensado do serviço num lava-jato. Ele não tinha registro e saiu sem nada. Tudo o que a gente tinha foi para subir as paredes”, conta.

    “Só faltavam duas fileiras de tijolo e íamos mudar assim mesmo, sem nada mesmo. Era o jeito, né? Mas chegaram lá derrubando tudo, com polícia e cachorro em cima da gente.” A família toda está alojada num quarto dos fundos de uma prima do marido de Tatiane. “Antes não era tão difícil assim, a gente se virava, fazia uns bicos. Mas agora está muito triste. Só a gente sabe como é.”

    O OUTRO LADO: O que diz a prefeitura de Ribeirão Preto

    Questionada pelo blog, a prefeitura de Ribeirão Preto não respondeu nada sobre a demolição dos barracos e casas de alvenaria da comunidade Fé em Deus, onde vive Érica, no Descalvado. Foram ignoradas as solicitações de identificação numérica de possíveis processos judiciais de reintegração de posse e ações credenciamento de moradores para encaminhamento aos programas de moradia da prefeitura.

    De acordo com a Secretaria de Planejamento e Gestão Pública, em função da pandemia, “todas as reintegrações de posse, inclusive as transitadas em julgado, foram suspensas por solicitação da prefeitura ao poder judiciário”.

    Em nota da assessoria de imprensa, o município reiterou que “novas invasões ou tentativas de invasões em qualquer área da cidade são coibidas pela Fiscalização com o apoio da Guarda Civil Metropolitana, como é de conhecimento do Ministério Público e do Conselho Municipal de Moradia”.

    Promessa de habitação social

    Sobre a Favela das Mangueiras, onde Tatiane e Mateus tentaram construir uma casa, a prefeitura alega que “o fato em questão foi uma nova invasão e demarcações em área de lazer ao lado da comunidade das Mangueiras” e que, em 2017, já havia ocorrido reintegração e transferência das famílias que a ocupavam para empreendimento habitacional.

    Segundo o governo municipal, no local será construído outra habitação de interesse social com praça de lazer para atender 160 famílias, inclusive da comunidade das Mangueiras.

    “Prefeitura ainda cortou entrega de cestas básicas”

    A União dos Movimentos de Moradia de Ribeirão Preto, porém, afirma que essa promessa construção de unidades habitacionais existe desde 2017, à época das remoções. De lá para cá, nenhuma medida de cuidado e proteção da área foi tomada, deixando no local montes de entulhos e situação de abandono.

    “Em época de pandemia da covid-19, quando todas as medidas de proteção às populações mais vulneráveis deveriam ser tomadas, a prefeitura de Ribeirão Preto além de suspender fornecimento de cestas básicas e material de higiene, promoveu as remoções das famílias, colocando em risco a saúde de moradores e funcionários públicos nestas ações absurdas e desumanas”, diz o comunicado público da entidade que participa do #despejozero.  

     Colaborou Juliana Martins, especial para o blog MULHERIAS.
    Originalmente publicada no blog mulherias.blogosfera.uol.com.br

    (mais…)
  • EXCLUSIVO: Prisão de lideranças do movimento de moradia é conluio entre promotores e policiais

    EXCLUSIVO: Prisão de lideranças do movimento de moradia é conluio entre promotores e policiais

    Jornalistas Livres obtiveram de fonte sigilosa peças fundamentais do inquérito policial que correu em segredo de Justiça e que levou à prisão temporária, no dia 24 de junho, de quatro lideranças de movimentos de moradia de São Paulo: Ednalva Silva Franco Pereira e Angélica dos Santos Lima (do Movimento de Moradia para Todos), e Sidney Ferreira Silva e Janice Ferreira Silva (a Preta Ferreira), do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC).

    As prisões de outras cinco pessoas, entre elas Carmen Silva Ferreira, a protagonista do filme “Era o Hotel Cambridge” (2016), também foram pedidas e concedidas pelo juiz Marco Antonio Martin Vargas, que autorizou ainda buscas e apreensões em endereços de 17 dirigentes de movimentos. Todos os alvos dos mandados de prisão e de busca e apreensão, segundo a polícia, são suspeitos de associação criminosa e extorsão, por cobrarem “aluguéis” entre R$ 200 e R$ 400 nas ocupações que coordenam.

    A investigação que levou às prisões foi uma resposta à tragédia ocorrida no dia 1º de maio de 2018, quando o edifício Wilton Paes de Almeida, ocupado por pobres sem teto, acabou consumido por um incêndio e desabou, deixando nove mortos. Ananias Pereira dos Santos, alvo de mandado de prisão ainda não cumprido, era coordenador do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia), que comandava a ocupação no Wilton Paes.

    Prisão de lideranças pretas e pobres, baseada em acusações sem provas, sabe-se, é parte da herança escravocrata do Brasil e de um sistema de Justiça que nasceu para naturalizar a obscena exploração de negros e índios escravizados. Mas, neste caso, a perseguição não se deu ao trabalho nem ao menos de honrar os frufrus do discurso jurídico, que sempre ocultam natureza racista dos operadores do Direito neste país.

    Carmen da Silva Ferreira, durante a luta por moradia (Foto: Christian Braga / Jornalistas Livres)

    O pedido de prisão assinado pelo delegado André Vinicius Alves Figueiredo, da Divisão de Investigações Gerais do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), é uma vergonha. Repleto de erros de português, peca por tentar juntar movimentos de moradia muito diferentes entre si em uma só narrativa criminal.

    Enquanto o MSTC de Carmen Silva Ferreira e de Preta Ferreira, por exemplo, organiza ocupações exemplares, com elevados padrões de higiene e segurança, extintores e brigada de incêndio a cargo dos próprios moradores, portaria, atendimento em saúde básica e mental e cursos profissionalizantes funcionando nos prédios, entre outras benfeitorias, o sinistrado edifício Wilton Paes de Almeida era um depósito indigente de pessoas pobres –sem higiene, sem organização, sem privadas, sem água. As pessoas que viviam nos andares superiores eram obrigadas a fazer suas necessidades em baldes. E isso é apenas um detalhe.

    Eliane Caffé, Carmen Ferreira Silva, Daniela Thomas e Preta Ferreira
    Eliane Caffé, Carmen Ferreira Silva, Daniela Thomas e Preta Ferreira

    Mas não é apenas o erro de juntar movimentos tão diferentes entre si que transforma as prisões temporárias recém-decretadas em um escândalo. O delegado tenta criminalizar meras discussões entre vizinhos; extrai conversas de contexto, é pródigo em juízos de valor para atacar as direções das ocupações –para isso, baseia-se apenas em desabafos e bate-bocas sem consequências.

    Seria ridículo se não fosse trágico, porque implicou prender pessoas pobres, jogá-las no fundo de celas, privá-las sem justa razão do principal bem do ser humano, depois da vida: a Liberdade.

    Está lá, à página 7 da representação: “… ficou acertado que [o novo morador] deveria pagar a quantia de R$ 695,00 de calção”. Entendeu, não é? A Polícia Civil de São Paulo, por intermédio de sua divisão especializada no combate ao crime organizado, o DEIC, não se deu nem ao trabalho de revisar o texto. O delegado confundiu “caução”, que significa “garantia”, com “calção” (aquilo de ir à praia). Mas tudo bem, são só uns pobres sendo acusados, terá pensado a autoridade policial.

    Foi apenas dois dias depois de consumadas as prisões que os advogados dos acusados conseguiram acesso ao processo e, portanto, às acusações imputadas aos seus representados. Os quatro detidos, ressalte-se, são pessoas de bons antecedentes criminais, que sempre compareceram diante da autoridade policial quando solicitados, que vivem em endereços conhecidos, que possuem famílias e laços profissionais igualmente bem identificados.

    Mas o próprio delegado admitiu que a pressão da mídia “exigiu” que ele tomasse a providência de pedir a prisão temporária. E que pressão foi essa?

    No dia 5 de maio de 2019, há quase dois meses, o programa “Fantástico”, da TV Globo, publicou extensa “reportagem” baseada no mesmo inquérito que acabou levando às prisões temporárias realizadas nesta semana. Ao fim de 6 minutos de 41 segundos, uma eternidade, em se tratando de matéria televisiva, o “Fantástico” avisava: “A polícia deve pedir a prisão de 15 suspeitos”, por “participação em organização criminosa, extorsão e agressões”.

    “Tivemos de dar uma satisfação à sociedade”, disse o delegado André Vinicius Alves Figueiredo, depois de efetuadas as prisões. Ou seja: à Rede Globo, sempre ela –a mesma que exigiu e obteve a condenação e prisão de Lula, ancoradas, ambas, em um Judiciário e uma polícia antipovo.

    Visivelmente chateado e constrangido, o delegado não escondia a decepção por não ter conseguido mostrar, depois de cumpridos os mandados de busca e apreensão, nenhuma arma, nenhum grama de droga, nenhuma balança de precisão, daquelas que servem para pesar a cocaína –NADA–, aos jornalistas que o entrevistaram.

    “No [cine] Marrocos foi diferente”, disse ele, que participou, em 2016, da operação do Departamento Estadual de Repressão ao Narcotráfico (Denarc), que encontrou fuzis, carabinas e drogas escondidos num poço de elevador do antigo Cine Marrocos, ocupado por um movimento de moradia manipulado pelo PCC.

    Se tivesse lido com atenção os testemunhos prestados à polícia pelos moradores das ocupações dirigidas pelas lideranças agora presas, o delegado não teria passado pelo vexame que passou. Em 392 páginas de depoimentos, transcrições de escutas telefônicas e cópias de documentos, tudo o que se encontra são moradores dos prédios ocupados comentando se a taxa condominial está sendo bem aplicada ou não; reclamando que as lideranças pegam “pesado” com os inadimplentes (expondo-os, por exemplo, à execração dos “bons pagadores”), descrições de casos de desinteligências entre vizinhos; estratégias para fazer os inadimplentes honrarem os compromissos com a manutenção dos prédios etc. etc. Sobre a presença de drogas e armas –e apesar da insistência dos policiais nesse quesito—todos os moradores entrevistados negaram ter visto coisas desse tipo nas ocupações visadas. Um exemplo dessas negativas está nesse depoimento, constante à página 50 do caderno das “Peças”.

    Na falta de armas e drogas, a polícia investiu na maledicência (ação ou hábito de dizer mal dos outros; difamação, maldizer), como se isso fosse investigação. Para demonstrar uma suposta relação do Movimento Moradia Para Todos (MMPT) com o PCC, por exemplo, os arapongas da polícia citaram uma situação ocorrida no dia 23 de outubro de 2013, quando interceptaram uma conversa telefônica entre uma mulher e Ednalva Franco, uma das presas. No grampo, a mulher pergunta a Ednalva se uma família, que estava na calçada defronte a uma ocupação, poderia entrar para “tomar um banho”. As duas mulheres hesitam em autorizar, porque conhecem a família e sabem que um de seus membros poderia pertencer a uma facção criminosa. No final, Ednalva acaba autorizando o ingresso da família.

    Isso seria prova de algum ilícito? 

    Em outro grampo, Ednalva conversa com uma mulher sobre “um caso de uma criança que não estava conseguindo fazer xixi porque um cara lá da Mooca mexeu com ela”. Duas horas depois, o grampo registra outra conversa, em que outra mulher informa que “são três crianças…”: 

    “O cara se chama Henrique e trabalha aqui no estacionamento… eu quero que você chega logo, pra nós irmos lá que eu vou falar logo pros irmãos”. 

    É o suficiente para a polícia cravar, em seu relatório (sempre em mau português, ressalte-se): “Segundo os áudios captados a líder do movimento Ednalva em envolvimento com o crime organizado, que auxiliam no trabalho da manutenção da ordem nos imóveis ocupados e ratificação do poder de comando de Ednalva”.

    Como se a palavra “irmãos” fosse privativa do PCC. Como se os adeptos do Evangelho de Jesus, os evangélicos, por exemplo, não pudessem usar essa expressão. Diga-se, aliás, que uma das ocupações dirigidas por Ednalva tinha duas igrejas evangélicas instaladas no andar térreo. 

    No intuito de satanizar a liderança sem teto, a polícia fez questão de registrar outra conversa, em que Ednalva, a propósito de uma desavença a respeito do preço cobrado por um pedreiro que reformou os banheiros de uma ocupação, diz: “Antes, quando eu via uma pessoa morta, eu falava assim: oh! Meu Deus! Hoje eu falo: Vai pro inferno Satanás! Porque mexer com o ser humano… o ser humano é lixo… A gente tem de cortar o pescoço dessa raça mesmo.”

    Vergonha de investigação! Citar um desabafo numa conversa telefônica como se fosse a consumação de um ato violento! Cadê a agressão? Cadê a vítima? Cadê o B.O.? Cadê o exame de corpo de delito? Cadê uma mísera comprovação de que as mulheres foram às vias de fato? Quem nunca se exasperou e falou o que não devia diante de situação que julgou injusta? Onde está escrito no Código Penal que a pena para quem fala uma besteira é a prisão?

    Mas a palhaçada fica pior:

    Veja o texto policial:

    Na data de 16 de Agosto transato, às 18h43m41s, a investigada Ednalva Silva Franco liga para a investigada EPC e já no inicio do diálogo ela indaga: “Oi linda !” Deixa eu perguntar uma coisa: qual do foi o prazo que você deu pra o senhor Gilmar ? E assim EPC prontamente respondeu: “Um mês”. Na sequência Ednalva comenta que o indivíduo “… já deu mais problema ontem..” o problema em questão é que o Gilmar teria se utilizado de palavras de baixo calão e desferido impropérios contra uma outra moradora da ocupação, uma senhora de idade de prenome Fátima. Nessa conversa evidenciou-se que existe um regime ditatorial, onde os “governantes”, no caso as investigadas Ednalva e EPC decidem as regras e quem pode residir no local.

    Ou seja, segundo a polícia, a coordenação do movimento deveria deixar o senhor Gilmar xingar à vontade a senhora de idade de prenome Fátima!

    O ridículo não tem fim e o relatório da polícia prossegue:

    No dia 17 de Agosto transato, às 22h38m47s, Elizete liga para Ednalva e fala: “…então, estou com dois problemas… estou batendo de porta em porta e o povo não esta descendo…” Nesse ponto Ednalva diz: “Oh! Elizete. Então …você não tá sabendo coordenar, me desculpa minha amiga…você vai na porta da pessoa , já vai dizendo…É pra descer agora…É mandar não é pedir… Não sei qual a parte que você não está entendendo…..”, essa conversa se desenvolveu devido a uma reforma que houve no prédio e foi contratado uma caçamba para a retirada dos entulhos, sendo que os moradores não estavam atendendo a convocação para auxiliar na retirada do material a ser descartado.

    Sim, leitor, você entendeu bem: a polícia de São Paulo prendeu uma liderança do movimento de moradia porque exigiu que os moradores da ocupação ajudassem a retirar o entulho decorrente de uma reforma realizada no prédio.

     

    O vexame policial e do juiz que autorizou o assédio moral contra as lideranças acusadas e presas fica evidente quando se sabe que a Ocupação Nove de Julho, coordenada por Carmen Silva Ferreira e Preta Ferreira, cobra R$ 220 por mês dos moradores, dando-lhes em troca condições de vida, cidadania e de segurança que nem o Estado e nem a Prefeitura proveem. Para que se tenha uma idéia, na favela do Moinho, encrustada na região central da cidade de São Paulo, R$ 400 é quanto se cobra de aluguel de uma família, para que more em um barraco de 12 metros quadrados (3X4 metros, feito de madeira e lona). Sem direito a NADA!

    Artistas como Maria Gadu, Maria Casadevall, Chico César, Ana Cañas, Criolo, Eliane Caffé, Daniela Thomas, entre outras centenas, são entusiastas do trabalho de inclusão e cidadania realizado por nas ocupações do MSTC por Carmen e Preta Ferreira (que também é apresentadora do programa Lula Livre, produzido pelo comitê de apoio ao ex-presidente).

    Mas, como inexiste limite para o ridículo, o juiz plantonista Marco Antonio Martin Vargas, que apreciou o pedido de prisão temporária feito pelo delegado e concedeu nos casos mencionados, assim justifica sua decisão:

    “De fato, de acordo com a documentação existente nos autos de inquérito policial e o relato da D. Autoridade Policial, os crimes sob investigação são gravíssimos, gerando intranquilidade social que pode ser evidenciada pelo intenso temor de retaliação revelado pelas testemunhas protegidas que contribuíram para o desenvolvimento das investigações.”

    Intranquilidade, doutor juiz, é a cidade de São Paulo ter pelo menos 105,3 mil pessoas vivendo em situação de rua, conforme censo de 2018 feito pela própria prefeitura.

    Intranquilidade, doutor juiz, é esse número ser 66% maior do que a quantidade de pessoas abordadas na mesma situação em 2016, quando foram contabilizados 63,2 mil indivíduos, e 88% acima da de 2015.

    Intranquilidade, doutor juiz, é a taxa de desemprego na cidade de São Paulo: é de 15,4%.

    Intranquilidade, doutor juiz, é o Brasil ter 6,9 milhões de famílias sem casa e 6 milhões de imóveis vazios, e a Justiça fingir que não vê isso.

    Intranquilidade, doutor juiz, é a injustiça que a gente vê por aqui!

    #Liberdade para os nossos presos políticos!

    #Liberdade para Preta Ferreira!

    #Viva a Luta pela Moradia!

    #Viva a Luta por Direitos!

    LEIA AGORA OS DEPOIMENTOS DOS MORADORES DA OCUPAÇÃO NOVE DE JULHO, DIRIGIDA POR CARMEN E PRETA FERREIRA, DO MSTC :

    DEPOIMENTO ALEX FABIANO LEITE DOS SANTOS – VENDEDOR AUTONOMO, TRABALHA COM EVENTOS

    Quando eu cheguei pra morar numa ocupação foi logo no começo do Cambridge. A gente ocupou o Cambridge lá e antes disso eu morava numa situação bem-crítica porque eu morava num quartinho do fundo de uma sapataria. Quando eu fiquei sabendo dessa ocupação eu fui morar lá. Quando a gente chegou tinha um monte de entulho, o prédio tava bem-detonado mesmo. A gente conseguiu arrumar o prédio, deixou ele bem-bonitinho. Esse pessoal que acolheu a gente é um pessoal muito responsável, muito bom, que me tirou do fundo do poço e hoje em dia eu agradeço muito por estar aqui nessa ocupação.

    Eu nunca conseguiria pagar um aluguel fora daqui. Aluguel é muito caro, né, e nessa época que eu morava no fundo da sapataria eu ainda pagava uma taxa pro rapaz lá pra ajudar nos custos. Eu pagava em torno de R$ 250, R$ 280, aqui eu pago uma taxa pequenininha e graças a Deus eu moro bem.

    Essa taxa é pra investir em melhorias pro próprio prédio. Fizemos rede de esgoto que não tinha, eletricidade que não tinha, um monte de coisa. Pras crianças tem aula de inglês, aula de português, tem a biblioteca que eles estudam.

    Morar aqui mudou a minha vida totalmente. 

    Essas prisões são injustas, o pessoal está tentando reprimir uma coisa que é pro bem-estar da população. Eu nunca vi nada do que eles acusam acontecer aqui. Aqui é o oposto. A taxa que é cobrada aqui é igual qualquer condomínio, né. Você mora num condomínio você tem que pagar o custo que você mora, né. E aqui tem coisa pra ajudar a gente também. Quando tem os eventos aqui é uma coisa que me beneficia. Eu agradeço muito por isso porque posso vender minhas coisinhas aqui e conseguir uma renda.

    ADRIANA MENEZES – ARTESÃ

    Adriana MSTC

    Eu cheguei aqui junto com a minha tia porque a gente não estava conseguindo pagar aluguel e uma moça indicou esse lugar pra gente. Eu sou cadeirante e quando eu cheguei a ocupação não era nem um pouco acessível, eu vim aqui perguntar se tinha espaço e pediram pra eu voltar no dia seguinte. Quando eu voltei já tinha aquela rampinha ali de acesso pra eu entrar, antes mesmo de eu morar aqui. Com o valor da taxa aprovada em assembleia foi adaptado o banheiro para que eu pudesse entrar com a cadeira de rodas e fiquei num espaço maior pra poder me locomover melhor com a cadeira. Todo o espaço aqui foi adaptado para que eu possa ir e vir tranquilamente. Eu acho muito justa essa contribuição porque não tem como a gente ocupar um espaço que estava degradado e continuar morando do jeito que tava. A gente tem que mudar ele. Foi mudada a elétrica, a hidráulica e todo o resto. Está bem diferente de quando eu entrei aqui. Todas as decisões são feitas em assembleias. Os valores que a gente vai ter que gastar tem que ser aprovado e aí é tudo dividido com o todo mundo pra todo mundo saber detalhes de como vai ser gasto. A gente consegue ver as mudanças dia a dia.

    SHEILA SILVA SANTOS – DONA DE CASA E BOLEIRA

    Eu vim de uma cidade chamada Barreirinhas que fica a três horas de São Luiz, no Maranhão, e quando eu cheguei aqui em São Paulo eu vim pra morar com a minha prima. Pra morar e trabalhar com ela. Eu vim com meu marido e ele estava sem emprego. Ela falou que ia me pagar R$ 800 por mês, mas eu morei com ela três meses e esses R$ 800 ficou pela moradia e contas –ela nunca chegou a me pagar. Aí, depois, meu marido arrumou um emprego e a gente alugou um quarto aqui na Luiz Barreto, na Bela Vista, a gente pagava R$ 850 de aluguel e meu marido ganhava R$ 940 de salário. A gente sobrevivia com o vale alimentação dele que era de R$ 240. Depois eu mudei pra Zona Leste, na Penha, eu fui morar numa casa que também era R$ 800 de aluguel então não mudou muita coisa. Era bem difícil –a gente passava aperto mesmo, nunca chegamos a passar fome porque Deus é maravilhoso, mas a gente passava aperto. Depois que nosso filho nasceu ficou mais difícil ainda, tinha dia que eu não tinha dinheiro pra comprar fralda porque eu tinha que pagar o aluguel, senão o dono da casa pedia pra gente se retirar.

    A ocupação só me deu oportunidade, seja de me mostrar como boleira, pra mostrar o que eu aprendi a fazer na vida e conseguir oportunidades com isso. Os eventos que tem aqui dentro são uma oportunidade pra eu ganhar uma renda pra me ajudar no sustento da minha família. Hoje moro eu, meu marido e meus dois filhos.

    Teve uma época, logo que eu e meu marido chegamos na ocupação que nós dois estávamos desempregados e a gente ficou sem pagar por alguns meses e nunca ninguém da administração chegou a me ligar ou pedir pra eu me retirar.

    Aqui é tudo decidido por assembleia, qualquer coisa é colocada em votação. A taxa de contribuição que a gente paga é pras melhorias no prédio porque nós não recebemos ajuda de nenhum órgão, a gente que tem que se manter. Se a gente quer melhoria, se a gente quer viver num lugar melhor a gente que tem que fazer a reforma. Porque, de onde que a gente vai tirar dinheiro pra arrumar o prédio se a gente não tem ajuda? A gente, trabalhador de menor renda, tem de tirar do nosso salário que é bem pouco pra, em coletivo, melhorar o lugar que a gente mora.

    Eu nunca me senti extorquida. Ocupação pra mim é oportunidade. A gente não está aqui lutando só por moradia, a gente luta por saúde, educação e, lógico, por moradia. Aqui dentro eu nunca me senti enganada. Extorquida eu era quando eu pagava um aluguel de R$ 850 e não sobrava dinheiro pra comer, pra eu dar uma alimentação, uma fruta pro meu filho. Se eu não tivesse o dinheiro do aluguel o dono da casa ia lá, batia na porta, falava que se eu não pagasse no dia ele ia colocar minhas coisas na rua e que a gente tinha que sair no mesmo dia.

    Se eu não estivesse nessa ocupação talvez eu já tivesse voltado pro Nordeste porque eu não ia ter condição de pagar um aluguel e dar alimentação pra duas crianças. Aqui em São Paulo eu sou sozinha, eu e meu marido, não tenho mais parentes então a gente que tem que correr com tudo, é nós e nós mesmo. Quem acolhe a gente aqui é a ocupação.

    MARIA DAS NEVES – COSTUREIRA

    Eu cheguei na ocupação de uma forma milagrosa, porque eu tava andando pelo centro e vi na ocupação da José Bonifácio e tinha uma placa dizendo a quem estivesse sem moradia: “Junte-se a nós”. Aí eu entrei pra ver como era e a porteira me deu todas as orientações, falou do grupo de base. Eu não dei muita conversa, mas pagar aluguel ficou muito difícil. Aí fiquei sabendo que ia ter a ocupação, mas eu não queria ir porque eu achava que em ocupação só tinha gente louca. Eu não tinha nenhum conhecimento e quem não tem conhecimento fala essas coisas, né. Mas, como as coisas estavam muito complicadas por causa do preço alto do aluguel, eu tentei, né. Foi a época que ocupou o Cambridge, aí eu entrei e fiquei até hoje.

    Antes eu morava na Zona Sul, era uma casa não muito grande e eu pagava R$ 700 mais água e luz. Com o tempo foi aumentando o valor do aluguel e a família era grande, só eu trabalhava. Foi complicando, né, tive que começar a dar prioridade ao aluguel pra não ir pra rua e diminuí as outras coisas. Até a alimentação você vai racionando cada vez mais pra não ter que morar na rua. Lá morava eu e mais quatro netos e só eu provia tudo, né. Hoje mora aqui na ocupação eu, um neto e uma bisneta. Os outros já estão com as mães morando aqui na ocupação também.

    Morar numa ocupação fez muita diferença na minha vida, uma das mudanças foi a situação financeira porque a gente se endivida muito quando paga aluguel porque fora ele ainda tem outras contas que a gente tem que pagar e eu não tenho uma renda fixa. Vindo pra cá, diminuiu esse valor que eu gastava com moradia que chegava a quase mil reais, então melhorou bastante.

    A gente dá uma contribuição de R$ 220 e esse dinheiro é revertido pra melhoria do prédio. Esse dinheiro é colocado na administração. Esse dinheiro é pra água, luz e reforma do prédio. Tem uma administração que cuida desse valor pra gente e quando precisa a gente se reúne. Agora mesmo, a gente teve que fazer várias reformas nesse prédio, de elétrica, de água, de varias coisas.

    Quando a gente chega num prédio desses ele tá bem-destruído e agora a gente vê que ele tá bem melhor. Nosso espaço que nós vamos morar, dentro da nossa casa, é arrumado por nós porque nada mais justo que a gente fazer do nosso jeito pessoal, mas o coletivo, como a luz, a água, o melhoramento das escadas, a iluminação do prédio, essas coisas tudo que é necessário pro prédio é decidido em coletivo. Toda vez que tem que comprar material ou alguma coisa a gente se reúne e decide.

    As crianças aqui tem muita coisa pra fazer, eu não sei nem se em um prédio de condomínio aí as crianças tem tanta coisa pra fazer. Aqui as crianças tem reforço escolar, tem brinquedoteca, tem gente que vem de fora pra ajudar as crianças a desenhar. Se você subir um pouco você vai ver vários quadros feitos pelas crianças. As crianças tem bastante diversão. Já tivemos capoeira, vários esportes, tem quadra pra brincar. Tem as festinhas do Dia das Crianças e do Natal, tem muita coisa pra se divertir.

    As pessoas me perguntam como faz quando alguém não consegue pagar, quando tá desempregado. Ninguém vai ficar desempregado a vida toda, né?! O difícil é você se trancar e ninguém saber que você tá nessa situação. Como eu, os outros moradores ou a administração vamos saber que você tá precisando de alguma coisa. Aqui nós vivemos em coletivo, a gente precisa conversar. Se você tá desempregada, isso acontece com todo mundo, mas aí você tem que chegar lá na administração e falar que não tá podendo contribuir. Quando você fala que não tá podendo contribuir você já comunicou, aí todo mundo já sabe da situação e vamos aguardar você conseguir um emprego pra poder contribuir.

    A gente tem que contribuir porque como que a gente vai morar num lugar melhor se ninguém ajudar? A gente não tem ajuda de nenhum órgão público. Então, é mantido pelos moradores. Os moradores que mantém. Porque, quando a gente ocupa um prédio, a gente já vem sabendo que ele tá sujo, que ele tá deteriorado, que ele tá precisando pelo menos de limpeza pra que você habite. Até a limpeza a gente precisa de um dinheirinho. Como que a gente vai comprar material de limpeza, vai comprar vassoura…

    São essas coisas que a gente precisa se juntar e construir juntos. Eu tô dando um exemplo mais simples, imagine chegar e comprar lâmpadas, comprar tinta, comprar canos… Todos esse material é caro e é por isso que damos essa contribuição. E é tudo combinado em assembleia. No caso das luzes, antes que se coloquem luzes no prédio, é feita uma assembleia geral pra explicar como é que vai conseguir melhorar o prédio. Tem material que é bem maior, que é caro, tipo material elétrico: o preço é bem elevado. A mão de obra é das pessoas que moram.

    Aqui tem eletricista, tem encanador, tem as mulheres que pintam as paredes, que cuidam da limpeza. Todo mundo se junta e é com esse dinheiro da contribuição que a gente faz a melhoria do lugar que a gente mora.

    Eu nunca presenciei cobrança com violência, nem ameaça de nada. Mas tem gente que vai embora pra não pagar, mas não é que sejam expulsos, é que eles não querem, falam que não vão contribuir porque é ocupação e aí os próprios moradores não aceitam. Eu mesma não aceito, não que eu vá brigar pra ele ir embora, mas eu digo assim, nós estamos num coletivo, nós viemos de um grupo de base orientado que quando a gente chega aqui nós que vamos reformar o nosso espaço, nós que vamos contribuir pra isso.

    Eu trabalho, eu usufruo de tudo, eu moro, eu tomo banho, eu uso a energia, eu uso água, como que eu não quero contribuir????

  • Presa por defender o direito à moradia

    Presa por defender o direito à moradia

    A cantora, atriz, e liderança do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro), coordenadora da ocupação 9 de julho, uma das mais charmosas e culturalmente ativas do centro paulistano, está detida no Deic desde a manhã desta segunda-feira, dia 24 de junho.

    A polícia civil investiga supostos casos de extorsão que seriam promovidos por lideranças de alguns edifícios ocupados no centro – eles cobrariam aluguéis em nome de benfeitorias e manutenção dos edifícios. O Wilson Paes, prédio que desabou em maio do ano passado no Largo do Paissandu, é uma das ocupações investigadas.

    Ocorre que o processo traz como principal suspeito o nome de Ananias “e outros”, sem especificar quais seriam esses outros suspeitos e nem de qual movimento eles fariam parte. As prisões, portanto, estão sendo feitas de maneira aleatória e arbitrária. Movimentos históricos de moradia estão sendo tratados como organizações criminosas.

    O movimento do qual Preta faz parte, o MSTC, é liderando por sua mãe, Carmen Silva, e suas ocupações são reconhecidas internacionalmente, participando, inclusive, das bienais de arquitetura de Chicago, Nova Iorque e Veneza.

    A ocupação do Hotel Cambridge foi palco do filme “Era o Hotel Cambridge” da cineasta Eliane Café, premiado em vários festivais, entre eles os de San Sebastian, na Espanha, e Crèteil, na França.

    No ano passado, Carmen foi inocentada justamente da mesma acusação, a de cobrar aluguéis indevidos.