Jornalistas Livres

Tag: Moro

  • OAB pede afastamento de Moro e Dellagnol

    OAB pede afastamento de Moro e Dellagnol

    A Ordem dos Advogados do Brasil acaba de divulgar nota em que seus membros, por unanimidade, solicitam que os agente públicos envolvidos no caso da #VazaJato (Moro, Dellagnol, etc) PEÇAM AFASTAMENTO IMEDIATO de suas funções para garantirem a imparcialidade das investigações.

    Leia abaixo a íntegra da nota:

     

    segunda-feira, 10 de junho de 2019 às 17h20

    O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Colégio de Presidentes de Seccionais, por deliberação unânime, manifestam perplexidade e preocupação com os fatos recentemente noticiados pela mídia, envolvendo procuradores da república e um ex-magistrado, tanto pelo fato de autoridades públicas supostamente terem sido “hackeadas”, com grave risco à segurança institucional, quanto pelo conteúdo das conversas veiculadas, que ameaçam caros alicerces do Estado Democrático de Direito.

    É preciso, antes de tudo, prudência. A íntegra dos documentos deve ser analisada para que, somente após o devido processo legal – com todo o plexo de direitos fundamentais que lhe é inerente –, seja formado juízo definitivo de valor.

    Não se pode desconsiderar, contudo, a gravidade dos fatos, o que demanda investigação plena, imparcial e isenta, na medida em que estes envolvem membros do Ministério Público Federal, ex-membro do Poder Judiciário e a possível relação de promiscuidade na condução de ações penais no âmbito da operação lava-jato. Este quadro recomenda que os envolvidos peçam afastamento dos cargos públicos que ocupam, especialmente para que as investigações corram sem qualquer suspeita.

    A independência e imparcialidade do Poder Judiciário sempre foram valores defendidos e perseguidos por esta instituição, que, de igual modo, zela pela liberdade de imprensa e sua prerrogativa Constitucional de sigilo da fonte, tudo como forma de garantir a solidez dos pilares democráticos da República.

    A Ordem dos Advogados do Brasil, que tem em seu histórico a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado Democrático e do regular funcionamento das instituições, não se furtará em tomar todas as medidas cabíveis para o regular esclarecimento dos fatos, especialmente junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), Procuradoria-Geral da República (PGR), Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ), reafirmando, por fim, sua confiança nas instituições públicas.

    Disponível em https://www.oab.org.br/noticia/57275/nota-publica?fbclid=IwAR06u6lhsWGvJXFaB4PeSKsPJlmQ8hB52WS4vTzf3rWR0RNwi92fDGdzQ4Y

     

  • A entrevista coletiva de Moro e o Direito Penal do Inimigo

    A entrevista coletiva de Moro e o Direito Penal do Inimigo

    Se a entrevista coletiva de Sérgio Moro, para falar de seu novo cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública, tivesse acontecido no programa da Hebe Camargo, a apresentadora se voltaria para a câmera e, em close-up, diria: “Ele não é uma gracinha?”

    E estaria correta. Sérgio Moro é uma pessoa facilmente “gostável”. É, mesmo, muito fácil gostar dele. Sua luta contra as falcatruas dos poderosos que sempre puderam tudo no nosso país magnetiza multidões. Quem não suspeitava das negociatas das empreiteiras que se formaram ainda durante a ditadura militar? Quem não percebe, há muitos e muitos anos, o acelerado enriquecimento de políticos brasileiros?

    Sua exposição sempre recheada de elogios às tvs, rádios, jornais e revistas tradicionais são essenciais na construção de sua imagem de bom moço. Diferentemente, ainda, dos empolados juristas, Moro tem um discurso simples, muito bem trabalhado para atingir seu eleitorado, digo, seu público apoiador. Estilo sereno e oposto ao do presidente eleito.

    Entrando, todavia, um pouco abaixo do verniz do discurso e relembrando as ações que tomou ao longo da operação Lava Jato, torna-se imperativo colocar em cheque seu bom mocismo e seu real interesse no bem da pátria.

    Geraldo Prado, Professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-desembargador e ex-promotor, teve a tarefa de apresentar um livro que reuniu “a obra de cento e vinte e um autores, retratada em cento e um artigos que submetem todos os aspectos da longa sentença ao criterioso exame que a ciência penal, o direito constitucional e outras áreas do saber consideram fundamentais para afirmar o Estado de Direito no Brasil. Ele salienta que o livro Comentários a uma sentença anunciada: o Processo Lula é uma espécie de Carta Compromisso com a Cidadania, a Democracia e o Estado de Direito”.

    Dentre os cento e um artigos críticos à conduta de Moro, destaca-se aquele de Charlotth Back, Direito Penal do Inimigo (Político), possivelmente um dos melhores exemplos para demonstrar que, ao aprofundar apenas alguns degraus, a unanimidade do apoio ao juiz Sérgio Moro se esvai.

    Ela, já em seu primeiro parágrafo, afirma que o enriquecimento ilícito do ex-presidente não foi comprovado no processo. Desse modo, sua condenação foi a aplicação do Direito Penal do Inimigo: o “inimigo” não tem os direitos dos “cidadãos” expressos nas leis e na constituição:

    A sentença do juiz Sérgio Moro, que condenou o ex-Presidente Lula a nove anos e seis meses de reclusão por um suposto (e não comprovado) enriquecimento ilícito, fruto de uma alegada prática de corrupção, é um exemplo claro da aplicação da doutrina do Direito Penal do Inimigo, com a finalidade de “combater a corrupção no Brasil”. Essa doutrina foi criada na década de 1980 pelo jurista alemão Günther Jakobs, mas ganhou força no governo de George W Bush, após o ataque às Torres Gêmeas de 2001, e, principalmente, nas invasões norte-americanas ao Afeganistão e ao Iraque.

    Sob o argumento de segurança nacional, de legítima defesa ou de combate ao terrorismo – o proclamado mal do século XXI – certas pessoas, por serem consideradas inimigas da sociedade ou do Estado, não deteriam todas as garantias e proteções penais e processuais penais que são asseguradas aos demais indivíduos. Em nome da defesa da sociedade, as garantias penais mínimas consagradas pelas constituições e pelos instrumentos internacionais de proteção dos Direitos Humanos, como a presunção de inocência, a vedação da condenação sem provas, o princípio da legalidade, a neutralidade do julgador, a proibição da tortura, bem como o impedimento de obtenção de provas por meios ilícitos, não se aplicam aos proclamados “inimigos da sociedade”.

    Os golpes jurídico-parlamentares, que se espalham pela América Latina, são o resultado da transformação de atores políticos de esquerda em inimigos da sociedade, passíveis, portanto, de serem julgados por um “Direito diferenciado” comumente aplicado entre os mais pobres:

    No contexto brasileiro, o Direito Penal do Inimigo tem sido usado na autoproclamada missão do Judiciário de “combate à corrupção”. Lula e demais políticos da esquerda estão sendo tratados como verdadeiros inimigos e não como cidadãos acusados em um processo-crime; ou seja, os réus aqui não são sujeitos de direito, ou mesmo alvos de proteção jurídica. São, na verdade, objetos de coação, desprovidos de direitos e da proteção jurídica mínima a que todos os seres humanos têm direito, mesmo aqueles investigados por crimes. Cabe lembrar que a utilização do Direito Penal do Inimigo no Brasil não é uma inovação do juiz Moro, uma vez que, nas operações policiais nas comunidades mais pobres e nas periferias, a regra é tratar tanto os criminosos como a população em geral de maneira equiparada a inimigos sociais.

    Back aponta que desde o início do inquérito já havia indícios de que o processo era contra a pessoa do ex-presidente e não para apurar eventuais atos por ele praticados. Ela relaciona os atos de Moro que fundamentam sua opinião:

    A franca utilização do Direito Penal do Inimigo na sentença do juiz Moro fica evidenciada em diversos momentos. Em primeiro lugar, falta a razoabilidade na instauração do inquérito contra Lula. O que parece aqui é que Lula está sendo investigado por conta de sua identidade política e por seu passado. Busca-se punir a possível periculosidade do agente, e não sua culpabilidade em si. Na parte final da sentença, na qual Moro considera o cargo de Lula como agravante e, portanto, justificativa para a ampliação da sua pena, o juiz, mais uma vez, recorre à pessoa do agente, e não às circunstâncias da conduta, para aplicar o Direito Penal. Deve-se lembrar que esta não é uma agravante possível ou mesmo considerável no Direito Penal brasileiro.

    Em segundo lugar, o julgamento de Sérgio Moro se mostra totalmente parcial e pendente à condenação do réu, independentemente de qualquer prova concreta, por razões mais políticas do que jurídicas. Esse aspecto é corroborado pela conduta do próprio juiz, que vai reiteradamente à mídia fazer declarações contrárias ao réu, comparece a eventos de partidos políticos de direita e está frequente e publicamente acompanhado por adversários políticos interessados na destruição da figura política do ex-Presidente. Ademais, o juiz passa parte significativa da sentença criticando a estratégia da defesa de Lula, que alega suspeição e parcialidade do Juízo. O ex-Presidente tem todo o direito de se defender e de denunciar o que considera ser um processo injusto, parcial e infundado. A defesa de Lula não pode ser criticada, nem impedida de tecer esse tipo de crítica e muito menos ser reprovada por invocar sua tese de defesa simplesmente porque o juiz considera que isso ataca sua autoridade moral ou seu prestígio como julgador.

    Em terceiro lugar, apesar de a Operação Lava Jato contar com algum apelo social por conta da dita missão de “combate à corrupção”, os métodos jurídicos que têm sido usados, principalmente quando se fala da investigação penal, são extremamente questionáveis face à nossa Constituição e às garantias mínimas do devido processo legal do Direito Internacional. Obtenção de delação premiada por meio de acosso, consideração na sentença de delação premiada desqualificada pelo Ministério Público Federal (responsável pela acusação), grampos em escritório de advocacia, divulgação de áudios obtidos de forma ilícita, como no caso da conversa entre Lula e a então presidenta Dilma, e a exibição pública dos acusados, configuram uma série de condutas claramente ilegais. Todos esses recursos servem para sustentar a “convicção” do juiz para condenar o ex-presidente Lula.

    Não há no processo contra Lula qualquer prova que o associe ao recebimento de recursos ilícitos, não há documento, não há gravação, não há comprovação da posse do apartamento, não há conta no exterior, prossegue Back:

    Nota-se aqui uma clara mudança das regras do jogo processual, típica do Direito Penal do Inimigo. Um dos pilares do Direito Penal, e consequentemente, uma das garantias dos cidadãos contra a perversidade estatal, é o princípio de que a acusação tem o dever de provar o que foi alegado na inicial. Não há a possibilidade de responsabilizar alguém penalmente sem que haja uma relação direta e relevante entre o agente e o bem jurídico afetado, ou seja, sem a existência de um lastro probatório robusto e suficiente para imputar algum crime ao agente. Há que se comprovar que houve de fato uma conduta ilícita, e que esta conduta pode ser imputada ao acusado; caso contrário, existirá uma flexibilização indevida das garantias constitucionais em nome do combate à corrupção, como se este fosse o mal maior da sociedade brasileira.

    A exaustiva repetição pelos meios de comunicação do discurso democrático e “em defesa da sociedade” promove sua assimilação por larga parcela da população, mesmo que as ações sejam claramente autoritárias, atropelem leis e não garantam os direitos do acusado:

    De acordo com este discurso de senso comum, baseado na ideologia da “defesa social”, é plenamente possível mitigar direitos e garantias fundamentais “em prol da sociedade”. A colaboração evidente com a mídia, com a finalidade de criar uma mobilização popular contra Lula, e as diversas entrevistas dos procuradores da Lava Jato nos dão a certeza de que este processo passa muito distante de um processo penal jurídico; é um processo penal político e, nesse sentido, faz questão de não seguir o devido garantismo penal.

    Retirar o ex-presidente Lula da disputa política por qualquer meio, essa foi a real intenção do processo, conclui Charlotth Back:

    A sentença do juiz Moro é inequívoca em demonstrar o seu principal objetivo: usar todos os meios existentes, lícitos ou ilícitos, para condenar o ex-Presidente -considerado por ele e por parte do Judiciário como um inimigo que precisa ser combatido e massacrado -, ainda que para isso seja necessário macular o Direito, flexibilizar as garantias processuais, desnaturalizar os princípios constitucionais, ou seja, aplicar de forma explícita, o Direito Penal do Inimigo.

    O livro e o artigo foram escritos em 2017, quando ainda se desconhecia que o ex-presidente Lula viria a ter sua candidatura impugnada no pleito do ano seguinte. Da mesma forma, não se imaginava que Sérgio Moro estaria sendo guindado, pelo presidente eleito, ao cargo de Ministro da Justiça e da Segurança Pública do Brasil. Não obstante, já havia 121 autores ligados ao Direito e dispostos a exporem ao público suas críticas à conduta do juiz.

    Nota:

    1 Para baixar o livro, Comentários a uma sentença anunciada: o Processo Lula, organizado por Carol Proner, Gisele Cittadino, Gisele Ricobom e João Ricardo Dornelles, publicado pela Canal 6 Editora: https://www.ocafezinho.com/2018/01/09/baixe-aqui-livro-de-juristas-sobre-sentenca-de-lula-e-liberado-gratuitamente-na-internet/

    2 Essa matéria recebeu o selo 047-2018 do Observatório do Judiciário.

    3 Para ler outras matérias do Observatório do Judiciário:
    https://jornalistaslivres.org/categoria/observatorio-do-judiciario.

  • Neoliberalismo, Distopias e Bolsonaro presidente

    Neoliberalismo, Distopias e Bolsonaro presidente

    A eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da república do Brasil deixa o mundo estarrecido. Seu estilo autoritário e agressivo, sua apologia à tortura, suas continuadas ofensas a determinados grupos ao longo de seus quase 30 anos de vida parlamentar (mulheres, negros, LGBTQs) e seu desprezo aos princípios democráticos são tão impressionantes que mesmo para um nome de destaque mundial da extrema-direita, como a francesa Marie Le Pen, ele causa repulsa: “suas declarações são inaceitáveis”, ela diz. Não por acaso, só Trump parece relevar tudo isso e louva, pelo Twitter, a conversa alvissareira que teve, em 30 de outubro, com o presidente eleito.

    Considerando que o Brasil não é um país pequeno e sem importância no cenário mundial, bem ao contrário, e considerando, portanto, que essa eleição significa o voto de mais de 57 milhões de pessoas em alguém como Bolsonaro (ainda que esse contingente represente apenas 39,2% dos eleitores do país), cabe uma reflexão profunda e que mobilize todo o arsenal teórico à disposição para que se possa identificar as causas desse terremoto anticivilizatório. Evidentemente não é possível fazê-la no curto espaço de um artigo e, seguramente, independentemente do que possa vir a acontecer a partir de agora, esse resultado será discutido e estudado, analisado e dissecado por décadas a fio. É possível, contudo, antecipar alguns elementos, que podem jogar alguma luz em episódio tão sombrio.

    Um fenômeno dessa magnitude nunca é isolado, de modo que não pode ser explicado mobilizando-se apenas variáveis relativas às questões sociais e políticas internas ao país. Além disso, o mundo é hoje cada vez mais integrado, seja por conta da forma que foi tomando o processo de acumulação de capital desde o início dos anos 1980, num sistema econômico que é hoje (depois da transformação capitalista da China) verdadeiramente mundial, seja pelo estupendo desenvolvimento das assim chamadas tecnologias de informação e comunicação (elemento, por sinal, de extrema importância no resultado das eleições brasileiras).

    O cenário externo

    Nosso primeiro olhar vai, portanto, para o cenário externo.Depois de mais de três décadas de ascensão e difusão da cartilha e das políticas neoliberais mundo afora (como se sabe, mesmo países europeus geridos por longos períodos por partidos social democratas acabaram por sucumbir a essas políticas – e o Brasil comandado pelo Partido dos Trabalhadores tampouco foi diferente), o neoliberalismo parece ter chegado num ponto de saturação e sem ter entregue aquilo que prometera.

    No início dos anos 1980, as teorias da “repressão financeira” alegavam que a estrutura institucional herdada do pós-segunda guerra mundial – com seus controles, regras, tributos e quarentenas – era deletéria para o desenvolvimento, e que a liberalização financeira, ao tornar mais eficiente a alocação de capitais no globo, traria melhores tempos para todos os países, potenciando o crescimento.

    O mesmo se dizia da generalização da abertura comercial, pois que a economia mundial viria a ser então uma harmônica aldeia global, em que todos os países, beneficiados por suas vantagens comparativas mútuas, sairiam ganhando materialmente.

    O resultado após três décadas de neoliberalismo

    Mas o resultado dessas políticas, três décadas depois, foi o aumento da desigualdade (inclusive entre os países), o crescimento muito lento e o surgimento de um desemprego que tem características estruturais. Tudo isso piorou substantivamente com o advento da crise financeira internacional de 2008-09, que não só tornou ainda mais indigestos os resultados desse modelo, como, ao longo da última década e graças aos meios segundo os quais se tentou equacionar os problemas, aprofundou as contradições que estão em sua base.

    O voto antissistema é uma consequência imediata dessa situação. É por aí que devem ser explicados, a meu ver, a eleição de Trump nos Estados Unidos, o Brexit britânico e a ascensão de partidos e políticos de extrema direita em todo o planeta (Hungria, Polônia, Itália, Filipinas, Turquia, Bulgária, e agora, infelizmente, também o Brasil – que já estava nesse caminho, deve-se notar, desde o injustificável impeachment da presidenta Dilma em 2016 e o início do governo Temer). O cenário é distópico.

    Cabe, no entanto, perguntar:  por que o sentimento antissistema vem resultando majoritariamente numa aposta que parece antes contribuir para o aprofundamento do modelo que é o responsável pela geração dessa situação ruim e desguarnecida de perspectivas, do que no sentido contrário?

    É verdade que o voto antissistema também flui para esse último lado: Bernie Sanders quase se tornou candidato nas últimas eleições presidenciais americanas, Obrador venceu no México, temos a primavera socializante e alvissareira de Portugal e a surpreendente vitória de Jeremy Corbin no tradicional e ainda poderosíssimo Labour Party inglês. O predomínio, contudo, parece estar no primeiro movimento. Por quê?

    A vitória ideológica do neoliberalismo

    A resposta a essa pergunta passa por caminhos que vão além das variáveis e análises puramente econômicas e/ou políticas. É preciso aqui mobilizar os filósofos, os pesquisadores de costumes, os antropólogos urbanos, os sociólogos. Lendo Pierre Dardot e Christian Lavall, Nancy Fraser, Dany-Robert Dufour, Wolfgang Streeck, Naomy Klein, André Gorz dentre outros, vai sendo possível perceber que, na quadra histórica que se inicia ao final dos anos 1970, não foram apenas as máximas e as políticas neoliberais que ganharam proeminência: a vitória ideológica foi também retumbante.

    A insistente pregação neoliberal, quase nunca desacompanhada do mote there is no alternative, foi transformando corações e mentes e instituindo, no ideário de boa parte da população, sobretudo daqueles mais negativamente afetados pela ascensão das políticas neoliberais, os valores da concorrência, do cada um por si, do self made man, do mérito próprio, do empresário de si mesmo, do cidadão como “cliente” do Estado.

    A cooperação, a solidariedade, a importância do coletivo, do comum, da comunidade, foram atirados nos desvãos da história junto com o muro de Berlim e os “velhos” e empoeirados expedientes do Estado-Nação, da sociedade de classes, das políticas universais, dos controles sociais/estatais impostos à sanha acumulativa.

    Como lembra Nancy Fraser, mesmo as chamadas pautas identitárias (mulheres, LGBTQs, minorias raciais) foram inteiramente capturadas pelo espírito the winner takes it all. Não é de espantar que a reação às mazelas do mundo neoliberal, aprofundadas pela crise de 2008-2009, se virem “contra” o sistema na direção errada e acabem por fortalecê-lo, arrastando para os mesmos desvãos da história a própria democracia.

    Elementos domésticos

    No caso da vitória de Bolsonaro somaram-se a esse espírito de época decorrente das quase quatro décadas de neoliberalismo, alguns elementos domésticos não menos importantes para o resultado funesto produzido em 28 de outubro.

    Entre 2003 e meados de 2016 (até o impeachment de Dilma Rousseff) o Brasil foi governado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Sob esses governos, a economia brasileira, apesar de continuar submetida, em boa parte do tempo, a uma política econômica de corte neoliberal, que beneficiava continuamente a riqueza financeira, floresceu e conseguiu resultados positivos impulsionados pela boa fase da economia mundial pré-crise e pelo efeito multiplicador dos massivos programas de renda compensatória (Bolsa Família), associados à substantiva elevação do valor real do salário mínimo.

    Contra o sentido neoliberal, esses governos também brecaram as privatizações e, a partir de 2006, deram forte impulso aos investimentos públicos. No mesmo sentido, a política externa “ativa e altiva” do país ao longo desse período recusou a ALCA, fortaleceu os BRICS e o Mercosul e retirou o país do costumeiro alinhamento direto com os interesses dos países centrais, EUA em destaque.

    Apesar do sucesso em termos de crescimento, nível de emprego e redução da desigualdade, sem que os interesses dos muito ricos tivessem sido afetados, as elites do país, de feição ainda extremamente senhorial, nunca aceitaram o PT e sua maior liderança, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

    O sentimento de “perda” de poder se instalou e, no caso das classes médias altas, esse sentimento foi magnificado por conta das políticas públicas dos governos do PT, que colocaram os mais pobres em espaços antes exclusivos das elites: os aeroportos, as universidades, os shoppings mais chiques.

    O “combate à corrupção”

    Assim, desde pelo menos 2005, iniciou-se, com a inestimável colaboração da grande mídia, uma implacável campanha de difamação e demonização do Partido dos Trabalhadores e de suas principais lideranças. Sempre ao abrigo da justa demanda social pelo combate à corrupção, o sistema judiciário do país, com o beneplácito das elites econômicas e dos partidos mais à direita, foi empreendendo uma “operação de limpeza” seletiva, que passou a “julgar” e punir apenas os políticos e partidos de esquerda, sobretudo do PT, enquanto os demais políticos e partidos continuavam a ser tratados com a habitual camaradagem.

    É nesse sentido que se deve entender a ação penal 470 (no processo conhecido como “mensalão”), o infundado impeachment da presidenta Dilma, a operação Lava Jato, a juridicamente insustentável prisão de Lula no bojo da citada operação, e seu impedimento de concorrer às eleições – sendo o candidato de longe favorito e aparecendo com quase o dobro das intenções de voto de Bolsonaro no início do processo eleitoral (e isto mesmo com a determinação, duas vezes enviada ao governo brasileiro pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU, de que se garantisse a Lula o exercício de todos os seus direitos políticos).

    No corpo a corpo com os eleitores que as forças democráticas do país empreenderam nas últimas semanas do segundo turno para tentar virar as intenções de voto em Bolsonaro, um dos argumentos que mais se ouvia era que o PT era sim o partido mais corrupto do país, porque afinal a maior parte dos políticos condenados era ou havia sido ligada ao partido.

    Mesmo argumentando que o PT, por qualquer critério que se escolha (políticos cassados, processados etc.) está sempre em 9º ou 10º lugar, aparecendo na frente dele a maior parte dos partidos de direita e aqueles que estão hoje no comando do país, sob o governo Temer, os eleitores continuavam desconfiados, preferindo continuar a crer na imagem do partido em que foram sendo doutrinados a acreditar por mais de uma década.

    A marcha da agenda rechaçada nas urnas

    A crise econômica internacional, que atinge o Brasil a partir de 2011, ajudou a engrossar as críticas ao PT e a seus governos. Os movimentos de maio de 2013, iniciados por uma juventude de esquerda horizontalista e apartidária, tendo como foco reivindicações ligadas ao transporte público, foram rapidamente capturados pela direita, com o auxílio sempre determinante da grande mídia.

    A quarta vitória consecutiva do PT nas eleições presidenciais de 2014, que ainda assim acontece, detonou a operação conjugada do judiciário, grande mídia, empresariado e partidos de direita para usurpar o poder delegado a Dilma Rousseff pelo voto de mais de 54 milhões de brasileiros e pôr em marcha uma agenda fortemente neoliberal, que havia sido rechaçada nas urnas (privatizações, entrega do patrimônio natural do país, cortes nos direitos dos trabalhadores).

    Os interesses do grande capital internacional, com destaque para o petróleo das camadas do pré-sal, também tiveram papel determinante. É hoje de conhecimento público o fato de magistrados brasileiros como Sérgio Moro, o todo poderoso juiz de primeira instância, comandante da operação Lava Jato, que quase destruiu a Petrobras e a respeitada indústria de construção pesada do país, terem sido treinados nos Estados Unidos e apetrechados com os instrumentos e as ferramentas da chamada lawfare.

    Tampouco é por acaso que uma das primeiras medidas do governo de Temer foi a alteração de algumas regras do regime de exploração do pré-sal, buscando dar maior espaço para as grandes petroleiras mundiais.

    Despolitização, teologia da prosperidade e fake news

    Finalmente não se pode deixar de mencionar a relação despolitizada da população beneficiada pelas políticas implantadas pelos governos do PT com essas mesmas políticas e programas, por culpa, é preciso que se diga, do próprio partido.

    Combinada com a irrefreável ascensão das igrejas pentecostais e sua teologia da prosperidade (não estranha, muito ao contrário, ao referido ideário do neoliberalismo), essa despolitização foi decisiva para a aceitação totalmente acrítica do tsunami de fake news advindo da campanha de Bolsonaro contra o candidato do PT no segundo turno, Fernando Haddad –  que ele incentivaria o incesto, que teria estuprado uma menina de 11 anos, para mencionar apenas duas das incontáveis mentiras sobre ele que foram sendo persistentemente propagadas por milhares de robôs, cujos links apresentavam como local de origem os EUA.

    Há 10 dias da realização do segundo turno, a divulgação pela imprensa do financiamento desse ataque digital nas fechadas redes de WhatsApp por dinheiro de caixa 2 proveniente de empresas, o que é proibido pela atual legislação brasileira e considerado crime eleitoral, deu alguma esperança de que o fascismo da campanha de Bolsonaro seria afinal derrotado, mas esse desfecho feliz não aconteceu.

    O juiz Sérgio Moro, que disse que a corrupção destinada a caixa 2 de campanha eleitoral é ainda mais perniciosa do que a corrupção destinada ao enriquecimento pessoal porque constitui um ataque direto à democracia, acaba de aceitar o convite de Bolsonaro para ser o seu ministro da justiça. Não é preciso dizer mais.

  • O Xadrez e o Direito

    O Xadrez e o Direito

    Através de uma analogia do Xadrez com o Direito (a torre é a Polícia Federal, o cavalo é o Ministério Público…), Igor explica o que é Lawfare e como é possível prender qualquer inimigo político, seja quem for.

    Sobre os acontecimentos do domingo, 08 de julho, envolvendo o habeas corpus de Lula, Igor afirma: “Você não entendeu nada. Por quê? Porque há muito tempo esse jogo deixou de ser xadrez. Só o tabuleiro é de xadrez. As peças estão se movendo como bem entendem. O rei ainda está de pé e ele está validando todo esse jogo. Lawfare é isso que está acontecendo: um campo de batalha jurídico, onde leis e instituições estão sendo usadas para atingir fins políticos.”

    Para saber mais sobre Lawfare, veja a matéria Movimentos sociais: prestem atenção a essa expressão em inglês: “Lawfare”! Quem será a proxima vítima?” em https://jornalistaslivres.org/movimentos-sociais-prestem-atencao-essa-expressao-em-ingles-lawfare/.

  • Get this speech ban away from me!

    Get this speech ban away from me!

    Do you want to prevent the Brazilian people from choosing who to vote for?

    I have been in jail for over 100 days. Out there, unemployment increases, more parents have no means to support their families, and an absurd fuel pricing policy led to a truck strike that has depleted Brazilian cities. As a consequence, the number of people injured when cooking with alcohol has increased because low income families can’t afford cooking gas. Poverty is growing, and the country’s economic prospects are getting worse every day.

    Brazilian children are separated from their families in the United States, while our government humiliates itself in front of the American vice president. Embraer, a high-tech company built over decades, is being sold for such a low price capable of amazing the market.

    An illegitimate government has been in a hurry in the last months to liquidate as much patrimony and national sovereignty it can – reserves of the pre-salt, gas pipelines, energy suppliers, petrochemicals – besides opening the Amazon for foreign troops. As hunger comes back, the vaccination of children falls, part of the judiciary fights to keep its housing assistance privileges and, who knows, to gain a salary raise.

    Last week, Judge Carolina Lebbos ruled that I can not give interviews or record videos as the Worker’s Party (the largest political party in Brazil) pre-candidate for the upcoming presidential elections. It appears that incarcerating me was not enough; they want to silence me.

    You who do not want me to speak, what do you fear I will say? What is happening to the people today? Don’t you want me to discuss solutions for our country? After years of slandering me, do you want me not to have the right to speak up for myself?

    Is that the reason why you, the powerful without votes and without ideas, overthrew an elected president, humiliated the country internationally and imprisoned me without proof, based on a sentence of  “indeterminate acts” after four years of investigation against me and my family? Did you do all this because you are afraid that I’ll speak up?

    I remember when the president of the Federal Supreme Court said “shut up is already dead” [a Brazilian popular saying meaning “I am not going to shut up just because your are telling me to”]. I remember Globo media conglomerate not worrying about such an obstacle to freedom of the press – on the contrary, they celebrate it.

    Jurists, former heads of state from many countries and even political opponents recognize the absurdity of the process that condemned me. I may be physically in a prison cell, but it is those who have condemned me that are bound to the lie they have set. Powerful interests want to turn this ludicrous situation into a political fait accompli, preventing me from running for president, which conflicts with recommendations of the United Nations Human Rights Committee.

    I have lost three presidential races – in 1989, 1994 and 1998 – and I have always respected the results by getting ready for the next elections.

    I am a candidate because I did not commit any crime. I challenge those who accused me to show evidence of what I did to be in a cell. Why their allegations have “undetermined acts” instead of pointing out what I did wrong? Why do they say “assigned property” instead of presenting a proof of ownership of the Guarujá apartment, which belonged to a company that had given it as a form of guarantee to a bank? Will they disrupt the trajectory of democracy in Brazil with such absurdities?

    I say this with the same seriousness with which I told Michel Temer that he should not embark on an adventure to overthrow President Dilma Rousseff, that he would regret it. Those who do not want me to be president should be the most eager that I run for office.

    Do they want to defeat me? Do this cleanly at the polls. Discuss proposals for the country and take responsibility, even more at this time, when the Brazilian elites come up with authoritarian proposals endorsed by people who openly defend the murder of human beings.

    Everyone knows that, as president, I exercised the dialogue. I did not seek a third term when I had a rejection rate as small as Temer’s current approval rate. I worked to guarantee that social inclusion was the engine of the economy and that all Brazilians, not only on paper, really had their rights to eat, to study and to have housing guaranteed.

    Do they want people to forget that Brazil has had better days? Do they want to prevent the Brazilians – from whom all power emanates, according to the Constitution – from choosing whom they want to vote in the October 7th elections?

    What are they afraid of? The return of the dialogue, the development, the time in which there was less social conflict in this country? When the inclusion of the poor made Brazilian companies grow?

    Brazil must restore its democracy and free itself from the hatred that was created to take PT out of government, to implement an agenda of withdrawal of the rights of workers and retirees, and bring back the unbridled exploitation of the poorest. Brazil needs to find itself again and be happy again.

    You can imprison me. You can try to shut me up. But I will not change my faith in the Brazilian people, in the hope of millions and in a better future. I am also sure that this faith in ourselves against the inferiority complex is the solution to the crisis we are experiencing.

    Luiz Inácio Lula da Silva

    Former President of the Republic (2003-2010)

    *Translated from Portuguese by César Locatelli, revised by Amanda Lisboa.

     

  • MATARAM A JUSTIÇA NO BRASIL

    MATARAM A JUSTIÇA NO BRASIL

    A PF sentar em cima da decisão que saiu às 10 da manhã, até as 2 da tarde, é golpe.
     
    Moro se pronunciar sobre o assunto no meio das suas férias e gerir a polícia federal é golpe.
     
    Gebran Neto vir num domingo revogar a ordem de outro magistrado do mesmo nível é golpe.
     
    A PF mais uma vez prevaricar em cima da decisão do juiz em expediente, que reiterou sua decisão três vezes, é golpe.
     
    Thompson Flores tomar a decisão num dia em que ele não tem expediente é golpe.
     
    A Polícia Federal agora escolhe as ordens judiciais que deseja cumprir. Se não desejar, aguarda algum juiz decidir conforme a Rede Globo deseja.
     
    E você acredita quando lhe dizem que as instituições estão funcionando perfeitamente?