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Tag: Moradia

  • Dona Carmem, líder da luta por Moradia, é absolvida de acusação injusta e infamante

    Dona Carmem, líder da luta por Moradia, é absolvida de acusação injusta e infamante

    O juiz Marcos Vieira de Morais, da 26ª Vara Criminal de São Paulo, absolveu a dirigente do movimento de moradia Carmem da Silva Ferreira do crime de extorsão contra moradores da ocupação do Hotel Cambridge. Segundo o magistrado, as provas apresentadas, e que visavam a provar que Carmem ameaçava moradores para obter ilicitamente benefícios financeiros, não foram eficazes para gerar uma condenação.

    “Com efeito, o quadro probatório é conflitante e inconcludente, sendo insuficiente para comprovar que a acusada realmente exigiu, mediante violência ou grave ameaça, das vítimas protegidas Alfa e Beta os valores mencionadas na denúncia e seu aditamento, muito menos que obteve para si ou para outrem vantagens econômicas indevidas.”

    O juiz ensinou em sua sentença de 88 páginas:

    “É patente a impossibilidade de configurar a extorsão, neste caso, quando a [suposta] vítima não se comporta como se atemorizada estivesse, tampouco sofre as consequências que sustentou ser inexoráveis. Oras, não se tipifica a extorsão, se a vítima não ficou atemorizada.”

    Em outro ponto da sentença, o juiz apontou a falta de “credibilidade” na “prova da acusação”. Ele escreveu:

    “As contradições e divergências existentes na prova da acusação, desprestigiam a sua credibilidade, mormente se confrontadas com o valor probante advindo das oitivas das testemunhas de defesa inquiridas no contraditório judicial, assim como do convincente interrogatório da acusada.”

    “Se, para o recebimento da denúncia, exige-se apenas a narrativa geral da imaginada e suposta empreitada criminosa, no julgamento derradeiro deve revestir-se o decisum de fundada certeza, a partir dos elementos probatórios, de que a denunciada concorreu para a prática das infrações penais a ela imputada, e em qual medida se deu tal a sua participação.”

     

    O xeque-mate veio nesta frase, extraída da melhor jurisprudência:

    “A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível criminoso é condenar um possível inocente”.

    (Ainda bem que nem todos os juízes são seguidores da estapafúrdia tese Lava-jatista, segundo a qual convicções podem substituir provas…)

    A defesa de Carmem foi feita pelos advogados especialistas em Direitos Humanos e Movimentos Sociais, Ariel de Castro Alves e Francisco Lucio França. Para eles, o objetivo da promotoria, que apresentou a acusação, foi tão somente “criminalizar os movimentos de moradia”.

    “As contribuições dos moradores são de fato recolhidas na ocupação, mas nunca em benefício de Carmem ou de seus parentes, mas sim porque são essenciais nas ocupações para a manutenção dos locais ocupados, já que viabilizam reformas, limpezas, projetos habitacionais e segurança, inclusive para evitar tragédias como a que ocorreu no ano passado na ocupação do edifício Wilton Paes, no Largo do Paissandu. A absolvição de Carmem consiste em decisão importante e emblemática contra a criminalização dos movimentos sociais e de moradia!”, afirmou Castro Alves.

    Jornalistas Livres, que acompanham de perto a trajetória de Carmem da Silva Ferreira e da Frente de Luta por Moradia, desde 2015, jamais presenciaram qualquer atitude que desabonasse a grande dirigente. Parabenizamos, portanto, o movimento social por esta importante vitória na Justiça. Seguiremos juntos porque, como diz o lema sempre lembrado nas ocupações, “Quem Não Luta Tá Morto!”

  • Festival O POVO PODE: não dá pra perder!

    Festival O POVO PODE: não dá pra perder!

     

    Por Santiago Gómez, especial para os Jornalistas Livres

     

    A Ocupação 9 de Julho, do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC), organiza o Festival “O povo pode”, para debater a conjuntura atual do Brasil, desfrutando da comida elaborada pelxs moradorxs na Cozinha da ocupação. A programação será intensa durante os dias 29 e 30 de setembro, com rodas de conversas, das quais participarão Valeska Teixeira Martins, advogada do Lula; a jornalista Laura Capriglione, dos
    Jornalistas Livres, entre outros convidados. O festival terá intervenções artísticas, shows e atividades para crianças. E põe artista legal nisso! Ana Cañas, Maria Gadú, As Baianas e a Cozinha Mineira, entre outrxs.

    O lugar mais lindo do mundo existe e fica em São Paulo – Foto de Marlene Bergamo

    O Festival é uma parceria entre a Ocupação 9 de Julho e agentes que compartilham a luta por causas sociais e democráticas, com o objetivo de criar um espaço de reflexão e troca de experiência sobre cultura, política e conjuntura atual; com atores que participam da luta dentro de movimentos sociais, coletivos artísticos, na disputa dentro do judiciário, a mídia, as universidades. O Festival também é uma oportunidade para divulgar a websérie e documentário de mesmo nome: O povo pode, de Max Alvim.

    Durante a tarde dos dois dias acontecerão mesas de debate, compostas por três convidados, que sempre serão mediadas por moradorxs da Ocupação. “Podemos como?” será a questão que vai perpassar todas as mesas, para poder ouvir histórias de experiências e não ficar só numa análise teórica ou intelectual sobre os problemas abordados. É por esse motivo que os convidados são pessoas envolvidas ativamente nos espaços nos quais agem.

     

    ANOTA O ENDEREÇO AÍ! Rua Álvaro  de Carvalho 427, Bela Vista. É só chegar!

     

    No sábado, serão as mesas: Resistência artística; Direito à Moradia; e Morar sem teto dentro e fora do movimento, na qual três mulheres da ocupação compartilharão a experiência de viver dentro de uma organização social, articulada sobre a solidariedade e a luta. Nos intervalos entre as mesas, se desenvolverão intervenções artísticas, com a participação de: Ilú Oba de Min, Ave Terrena, Mag Alegria, Renata Soares, Teatro O de Casa, Thaisa Barbosa, Anhaia x Prestes – Experimento Teatral”, Ava Terrena,  Flora Florentina, entre outrxs artistas. No domingo acontecerão as mesas: Mulheres peitando o golpe; Golpe sobre as minorias maiorias; e Democracia em risco.

     

    O Festival terá um espaço lúdico para crianças e adolescentes, que acontecerão na Brinquedoteca da ocupação. Rodrigo Bueno desenvolverá uma oficina para crianças. Mario Deganelli e Liz Mantovani apresentarão o Espetáculo de Contação de Histórias “Rosa e Tempo”. Haverá também uma roda de conversa sobre sexualidade e uma oficina sobre a Construção de Mapas Afetivos.

     

    Também contará com uma dinâmica de conversa aberta chamada Aquário, na qual serão debatidos “A comunicação como produção de um ‘comum’, no dia 29; e os “Desafios para a mídia: verdade ou mentira; compromisso ou isenção; como a política é indissociável da comunicação”, no dia domingo 30. No Aquário, as temáticas começarão ser discutidas pelxs convidadxs, mas com a possibilidade de interação direta do público, que pode tirar um dos participantes e ficar no seu lugar para dar continuidade ao debate. Entre os convidados estão: Kiko Nogueira, do Diário do Centro do Mundo; Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), prof. titular da FaCHS e assistente para assuntos de Comunicação da Reitoria da PUC-SP

     

    Alma de bronze

     

    Na Ocupação 9 de Julho está acontecendo a exposição “Alma de bronze”, da artista Virginia de Medeiros. Em uma série de fotografias e depoimentos em vídeo, a exposição estabelece um diálogo – artístico, mas também existencial – com as militantes do MSTC. As fotografias foram colocadas em cada andar da ocupação, até chegar ao 14º andar, onde será possível ouvir as histórias das militantes, como foi que perderam o teto ou que chegaram na ocupação, e todas as dificuldades que tiveram de atravessar.

     

    Programação

    Endereço: Rua Álvaro de Carvalho, 247, Bella Vista.

     

    MESAS E RODAS DE CONVERSA:

     

    Sábado 29 de setembro

     

    14hs: Resistência Artística.

    15:30h: Direito à Moradĩa.

    17hs: Morar sem teto dentro e fora do movimento.

     

    Domingo 30 de setembro

     

    14hs: Mulheres peitando o golpe

    15:30hs: Golpe sobre as minorias maiorias

    17hs: Democracia em risco

     

    Aquário

     

    O Festival contará com uma dinâmica de conversa aberta grupal chamada Aquário, na qual serão debatidos No Aquário, as temáticas começarão ser discutidas pelxs convidadxs, mas com a possibilidade de interação direta do público, que pode tirar um dos particpantes e ficar no seu lugar para dar continuidade ao debate.

     

    Sábado 29 de setembro

     

    15:30 hs: A comunicação como produção de um “comum”

     

    Ricardo Teixeira

    Rogério da Costa

    Fabi Borges

     

    Domingo 30 de setembro

     

    15:30hs: Desafios para a mídia: verdade ou mentira; compromisso ou isenção; como a política é indissociável da comunicação

     

     

    Kiko Nogueira (Diário do Centro do Mundo)

    Luiz Augusto de Paula Souza (Tuto), Professor da FaCHS e assistente para assuntos de Comunicação da Reitoria da PUC-SP

    Max Alvim, Diretor de Cinema

     

    Shows:

    Sabado 29 de setembro

     

    Yanamoano

    Arismar do Espírito Santo

    Aila

    Samba Alegria

    Tamoyos

    Zé Cafofinho

    Debora Critian

    Batuque Lara

    Dj Oriundo

     

    Domingo:

     

    Ana Cañas

    Fernanda Ayme

    Grupo Oh de Casa

    Igor Veloso

    Pitayas e Zé Pereira

    As Bahias e a Cozinha Mineira

    Marcelo Preto

    Maria Gadu

    Thaisa Barbosa (performance)

     

    ANOTA O ENDEREÇO AÍ! Rua Álvaro  de Carvalho 427, Bela Vista. É só chegar!

     

  • 43 famílias da Ocupação Marisa Letícia no centro de São Paulo vão para rua

    43 famílias da Ocupação Marisa Letícia no centro de São Paulo vão para rua

    Moradores da Ocupação Marisa Letícia assistem documentário sobre a Ocupação Mauá. Fotos Fernando Banzi

    Desocupação está marcada para as 5hs e moradores estão em vigília.

    43 familias que moram há quase dois anos no imóvel – sem função social e abandonado há mais de 10 anos – serão despejadas e jogadas no meio da rua sem ter para onde ir. CRIANÇAS, MULHERES GRÁVIDAS E PESSOAS IDOSAS irão vagar pela cidade sem direito sequer a montar uma barraca na calçada. Segundo uma das coordenadoras, a sub prefeitura diz que, caso eles tentem instalar acampamento, ainda que provisório, não vão poder ficar e serāo retirados à força.

    Os moradores estão agora em vigília esperando pela reintegração que irá acontecer a partir das 5h00 da manhã de amanhã (quinta-feira 24.05.2018).

  • Jornal Nacional (sempre ele) manipula contra os movimentos de moradia

    Jornal Nacional (sempre ele) manipula contra os movimentos de moradia

    O Jornal Nacional de segunda-feira (14/5), dedicou um minuto e onze segundos à morte de 58 palestinos num protesto contra o reconhecimento americano de Jerusalém como capital de Israel. A entrevista ao vivo com o técnico da seleção brasileira Tite durou onze minutos e oito segundos. A desproporção já permitiria inferir a escala de valores ($$$) da Globo. Mas tem mais. Logo depois da abertura do telejornal, como se grande furo fosse, a apresentadora Renata Vasconcellos disse: “O Jornal Nacional teve acesso a conversas gravadas em que a coordenadora de um prédio invadido no centro de São Paulo cobrou dinheiro dos moradores, e com ameaças.

    Os flagelados do incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida ainda jazem ao relento na praça da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, ao pé de uma escultura dramática, que mostra uma mulher negra, seminua, oferecendo o peito farto de leite ao bebê branco. Os cadáveres dos gêmeos Wendel e Werner, de apenas 10 anos, negros filhos da auxiliar de limpeza Selma Almeida da Silva, negra também, desaparecida nos escombros, ainda nem foram enterrados, e o Jornal Nacional já se assanha. Em vez de responsabilizar o poder público, que ignorou laudos e mais laudos atestando que o prédio do Largo do Paissandu, no centro de São Paulo, estava condenado, lança-se contra o movimento que luta por moradia. Culpa as vítimas pela sua tragédia.

    O principal telejornal da Globo de Ali Kamel, diretor geral de Jornalismo e Esportes, autor do livro “Não Somos Racistas” (aham, só que não!), promoveu o passe de mágica que fez desaparecer os flagelados, os mortos, os desaparecidos do prédio sinistrado no dia 1º de Maio (não mereceram nenhuma fração de segundo do telejornal). Talvez porque, se continuasse a falar sobre o assunto, teria, inevitavelmente, de mostrar as fotos em que o chefão do edifício que desabou, Ananias Pereira, aparecia, alegre e sorridente, há um ano, ao lado do ex-prefeito e pré-candidato a governador de São Paulo pelo PSDB, João Doria Jr., durante comemoração do aniversário do atual prefeito, Bruno Covas (PSDB), que também posou com ele.

    Ananias Pereira é dirigente do autodenominado Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM), responsável por sete ocupações de prédios no centro de São Paulo, uma delas sendo a do prédio que ruiu. Afoito como sempre, o ex-prefeito João Doria Jr., fez-se de esquecido sobre a festa de aniversário de Covas e sentenciou: “O prédio foi invadido e parte desta invasão financiada é ocupada por uma facção criminosa”. Ananias, ressalte-se, foi à festa de Covas como convidado, e não como penetra.

    A fala de Doria visava a esconder as responsabilidades da Prefeitura na tragédia.

    Doria, o gestor das mil e uma fantasias,  precisava mesmo achar um bode expiatório. Documento da Secretaria Municipal de Licenciamento, datado de 26 de janeiro de 2017, gestão Doria, apontava os seguintes problemas no prédio Wilton Paes de Almeida:

    • Ausência de extintores;
    • Sistema de hidrantes inoperante;
    • Ausência de mangueiras;
    • Ausência de luzes de emergências;
    • Ausência de sistema de alarme;
    • Instalações elétricas irregulares: fios sem isolamento adequado e expostos, além da entrada de energia improvisada;
    • Elevadores inoperantes e fechados por tapumes;
    • Ausência de corrimão nas escadas;
    • Instalações do sistema de para-raios não puderam ser avaliadas, porque o acesso estava bloqueado.

    Depois de apontar tantas falhas, o documento concluía: A edificação não reúne condições mínimas de segurança contra incêndio.” Mesmo assim, o poder público não tomou providência alguma para atender as famílias que se encontravam sob risco de tragédia iminente e que de lá não saíram por absoluta falta de opção. Ou alguém acha que é melhor dormir na rua?

    Agora, que há mortos, feridos, desaparecidos, a TV Globo opera para ocultar a responsabilidades do poder público (de Doria principalmente, porque era o prefeito até o dia 06 de abril de 2018, cargo ao qual renunciou para disputar o governo do Estado de São Paulo pelo PSDB). Para isso, lança mão de acusações falsas e infundadas contra movimentos sociais. A primeira e mais surrada acusação é a de que os movimentos por moradia são associados à facção criminosa Primeiro Comando da Capital – foi isso o que fez João Doria. Para dar foros de realidade a essa acusação, o procedimento tem sido denunciar a cobrança de taxas de contribuição nas ocupações. (ninguém explica o que tem a ver uma coisa com a outra, mas serve para lançar um tsunami de suspeitas sobre todos os movimentos de moradia).

    O alvo da denúncia, entretanto, não foi Ananias, o “amigo de Doria e Covas”, que mantinha famílias em situação de extrema vulnerabilidade dentro de um prédio bagunçado, com fios desencapados, sem extintores, sem mangueiras de incêndio, com áreas inteiras inundadas, como atestado pela própria Prefeitura.

    Carmen Silva com as cineastas Eliane Caffé e Daniela Thomas

    Foi Carmen da Silva Ferreira, coordenadora do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), líder da luta por moradia e pela Reforma Urbana na cidade de São Paulo, cérebro das iniciativas mais criativas, inclusivas e inovadoras de requalificação de áreas degradadas da megalópole, e responsável pela conquista da moradia pelos sem-teto que ocuparam o antigo Hotel Cambridge, localizado no centro de São Paulo. O prédio, agora desocupado, passará por uma reforma e será então entregue aos pobres que lutaram por ele. A experiência foi tão bem-sucedida que se tornou base do roteiro do premiado filme “Era o Hotel Cambridge“, da diretora Eliane Caffé (2016).

    A trajetória do Hotel Cambridge é exemplar das forças mais terríveis e das mais generosas que atuam sobre o espaço urbano. Fincado em prédio de estilo modernista na avenida Nove de Julho, o Hotel Cambridge foi inaugurado em 1951. Era famoso pelo bar elegante com poltronas vermelhas, onde se apresentou, em 1959, o músico Nat King Cole, quando ele veio ao Brasil. “Stardust“, a canção que fala sobre os encantos do amor que passou, embalou a noite. Poeira estelar.

    Daqueles brilhos, o Cambridge desabou no buraco negro da decadência tão logo o centro econômico e financeiro da cidade deslocou-se para a região da avenida Paulista e, depois, para a Faria Lima e Berrini. Hotéis com nomes chiques e estrangeiros, como o próprio Cambridge, o Othon Palace, o Hilton, o Paris e o Cad’oro, entre outros, viveram em agonia, até o apagar definitivo das suas luzes.

    Carmen da Silva Ferreira, 58 anos, foi quem reacendeu as luzes do prédio de 17 andares e 120 apartamentos. Em vez dos engravatados de antes, ela capitaneou um exército de pobres miseráveis, gente que não tinha nem sequer um teto pra dormir em paz… e eles ocuparam o Hotel Cambridge, então tomado por ratos, baratas, escorpiões, lixo, entulho. Toneladas de dejetos foram retirados dos andares.

    Detalhe: As centenas de edifícios abandonados do centro da cidade são como tumbas de histórias e recordações. Como tumbas, os proprietários lacram-lhes portas e janelas com tijolos e cimento. É para evitar a invasão de animais ou de quem queira questionar a posse do imóvel — o prédio sufoca sem ar e nem luz.

    Felizmente, não é nada que algumas marretadas não resolvam.

    Jornalistas Livres acompanham desde abril de 2015 algumas ocupações coordenadas por Carmen, desde os seus instantes iniciais. Trata-se de uma mulher forte, dotada de determinação e coragem ímpares. É ela que está no centro de uma possante organização que restaura vidas, acolhe os derrotados da cidade, os idosos, as mulheres espancadas, as pessoas que perderam tudo e as que sempre ganharam muito pouco ou quase nada (os trabalhadores informais, os camelôs, cuidadores de enfermos, faxineiros, garis, pedreiros, eletricistas, operários da construção civil, balconistas, cozinheiros, seguranças, operadores de telemarketing, artesãos, auxiliares de enfermagem, protéticos etc. etc. etc.). Carmen gosta de dizer que as pessoas vão ao movimento em busca de direitos (o direito à moradia está impresso na Constituição de 1988), e aprendem que direitos vêm junto com deveres.

    Vida cármica

    Baiana, mãe de oito filhos, Carmen nasceu na Cidade Baixa de Salvador, filha de empregada doméstica e de militar. Foi o pai que a criou e é indelével a marca deixada pela disciplina da caserna no espírito da mulher. Os prédios sob coordenação dela rebrilham de limpeza, fruto de mutirões bem-organizados. Não se consomem drogas, respeita-se o horário de descanso, funcionam projetos profissionalizantes, crianças não podem ser deixadas sozinhas nos apartamentos, homem não bate em mulher nem com uma flor. E por aí vai.

    Tudo isso é fruto de uma sólida hierarquia, resultante de assembléias e reuniões com quórum e representatividade de mais de 80% dos moradores. Começa pelos coordenadores de andares, que atuam como mediadores de conflitos, pelos líderes de projetos comunitários, passa pela Linha de Frente (os fiéis escudeiros da ocupação), e chega até a liderança incontestável de Carmen –a Dona Carmen, como é respeitosamente chamada. Depois das 22h, é tudo silêncio.

    Carmen Silva fala com moradores

    Neste caso, trata-se de autoridade conquistada. Carmen casou-se aos 17 anos e conheceu a violência doméstica, espancada que era pelo marido truculento e cheio de ciúmes. Com 16 anos de união, 8 filhos, ela jogou tudo para o ar e fugiu para São Paulo. Sem teto, conheceu a dura rotina e a solidariedade das ruas. Morou em albergues, um administrado pela Igreja Universal do Reino de Deus, e outro, público, sob o viaduto Pedroso, que atravessa a avenida 23 de Maio, no centro da cidade.

    Rotina dura. No albergue, um humano é só corpo que precisa de pouso e banho. Tem de sair tão logo o dia nasce. E voltar assim que a noite cai, senão não entra. Carmen lembra-se de passar horas e horas, esperando o tempo passar, dentro do templo da Universal na avenida Brigadeiro Luis Antonio. Andou muito, conheceu todas as entidades que serviam comida, em busca de emprego, as quebradas. Virou cozinheira, mas achou pouco…

    A rua é cruel e louca. Ela resistiu ao desespero porque seu único objetivo era trazer todos os filhos para viver sob suas asas (conseguiu). Já viu muita gente forte desabar ante o peso da própria dor.

    Carmen iniciou-se no movimento dos sem-teto quando morou, por seis anos, num antigo prédio do INSS, na avenida Nove de Julho. De lá para cá, participou de dezenas de ocupações. Hoje, é uma profunda conhecedora da cidade que escolheu para viver. Quem está devendo IPTUs milionários, quem são os maiores latifundiários urbanos, quantos imóveis possuem, quem são os habitantes tradicionais de cada bairro. É respeitada na Prefeitura, acaba de ser convidada a lecionar em uma grande Escola de Arquitetura. Urbanista prática, discute altivamente com autoridades dos setores público, privado e acadêmico. Recentemente, foi uma das organizadoras de duas rodas de conversa dentro do Ministério Público de São Paulo, com a presença do próprio Procurador-Geral de Justiça do Estado, Gianpaolo Poggio Smanio, sobre políticas públicas voltadas para Moradia Social e Gênero.

    A hora H

    Junta gente de todos os jeitos na hora de ocupar. A velhinha louca que perdeu tudo na jogatina, a jovem crente desempregada, o dependente de drogas, o estudante de medicina que foi expulso de casa porque o pai descobriu que ele é gay, o pastor, a sambista, o poeta, o militante, o refugiado palestino, sírio e congolês, sobreviventes de tragédias humanitárias, os imigrantes bolivianos, haitianos, a prostituta. Um dos grandes insights do movimento de moradia deu a liga entre todos esses espécimes da grande biodiversidade humana que viceja no centro elétrico da metrópole:

    “Somos todos refugiados: os estrangeiros aos quais a própria pátria tornou-se ameaçadora; e os nacionais, aos quais o Brasil dos privilégios virou as costas”, conforme epifania de Carmen.

     

     

     

     

     

    Nem precisa dizer que é difícil alinhar na vida intensamente coletiva da ocupação as pirações individuais de pessoas tão diversas. Mas, avessos aos vitimismos, embora motivos não faltem, os sem-teto cultivam mesmo é a solidariedade. É o que permite a elaboração coletiva de uma poesia lavrada na esperança de dias melhores.

    Movimento de pobres, de pretos, de pardos, a luta pela moradia no centro de São Paulo é intensa na construção de novíssimos quilombos, dirigidos e habitados em sua maioria por mulheres tão fortes quanto delicadas, capazes de enfrentar as maiores violências enquanto cuidam dos mais fracos e desamparados. É preciso entendê-las, porque elas resgatam para a cidadania aqueles a quem o poder público fecha a cara e os cofres.

    Manipulação escancarada e tombo no Mc Donald’s

    A TV Globo, que nunca simpatizou com as ocupações de imóveis abandonados, feitas por pobres sem teto, não hesitou em invadir um terreno público para instalar seus estúdios de São Paulo, às margens da Marginal Pinheiros. Mas disso, obviamente, os telejornais sob o comando de Ali Kamel não falam. O que lhe importa é operar, com o concurso sempre ativo de promotores inquisitoriais, e com a Polícia Civil, a transmutação da verdade em farsa:

    Uma reportagem do SP2, também da Globo, veiculada no mesmo dia 14 afirmou o seguinte:

    “Depois que o edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, desabou, a Polícia Civil abriu um inquérito para investigar a cobrança das taxas nessas ocupações. Até agora identificou três núcleos que agem de forma parecida em ocupações diferentes: uma comandada por Carmen [da Silva Ferreira], outro por Ednalva Franco e uma terceira, por Ananias Pereira dos Santos, apontado por moradores como coordenador da ocupação do prédio que desabou. A reportagem não conseguiu falar com Ednalva Franco nem com Ananias Pereira.”

    É Fake News em estado puro.

    O repórter Bruno Tavares, autor do texto, sabe que são ocupações distintas, lideradas por pessoas absolutamente diferentes, oriundas de movimentos que mantêm autonomia entre si. Seria o mesmo que dizer que todo o jornalismo do planeta é ruim porque o que o Bruno Tavares faz é um lixo.

    Sim, há diferenças gritantes entre as ocupações.

    Em sua “reportagem”, Bruno Tavares cita investigação do Ministério Público, iniciada em 2016, a partir da denúncia de uma ex-moradora do Hotel Cambridge. Essa moradora disse que já pagava R$ 200 pelas despesas de manutenção do prédio e que estava sendo “vítima de extorsão”, a exemplo dos outros moradores, para desembolsar mais R$ 20, referentes a uma multa por ligação de água clandestina, dividida entre as famílias.

    Apesar do segredo de Justiça em que corre o processo, a Globo “teve acesso” ao processo (claro! de novo, são os tais vazamentos a que a emissora dos Marinho sempre “tem acesso”). Pois deveria ter aproveitado o tal “acesso” privilegiado para informar aos telespectadores que no Cambridge havia 120 famílias, que decidiam coletivamente em assembléias qual o valor das taxas e contribuições que caberiam a cada uma.

    O repórter disse ainda que “ao falar com os promotores, a coordenadora da ocupação não apresentou documentos para comprovar que o dinheiro arrecadado era gasto com a manutenção do prédio.” Engraçado! Em entrevista coletiva no último dia 11, da qual participou uma equipe da Globo News, Carmen apresentou documentos e comprovantes de despesas das ocupações que coordena. Mas isso não interessou ao Jornal Nacional.

    Carmen da Silva Ferreira

    A reportagem mencionou taxas de R$ 200 mensais, e uma taxa extraordinária única de R$ 20, para pagar multa da Sabesp. Vinte Reais. Isso é muito ou é pouco? A reportagem maliciosa não diz. Se fizesse bom jornalismo, Bruno Tavares teria investigado a contabilidade do condomínio. Ou alguém acha o Hotel Cambridge estava “pronto pra morar”, como aqueles apartamentos dos folders e dos anúncios imobiliários que forram as páginas dos jornais impressos?

    Sem água, sem luz (muitos andares tiveram toda a fiação roubada), os encanamentos entupidos ou simplesmente arrancados, sem elevadores, sem extintores ou mangueiras de incêndio, repletos de lixo (só do antigo hotel Cambridge foram retirados 15 mil quilos de entulho!), os prédios dos sem-teto eram sucatas podres antes de serem – aos poucos  - revitalizados pelo movimento social.

    E quem paga por isso? O poder público é que não é. A iniciativa privada é que não é. Muito menos a TV Globo. Então, sobra para os ocupantes, na forma das taxas de contribuição. Aliás, a reportagem de Bruno, se não estivesse atrás de escândalos inexistentes, poderia investigar como as novas tecnologias sociais estão ajudando a baratear os custos de manutenção dos edifícios ocupados. Exemplos? No Hotel Cambridge, os moradores fizeram parceria com a Escola da Cidade e desenvolveram uma horta comunitária para ocupar toda a cobertura com verduras e legumes sem agrotóxicos. Foi da mesma parceria que se originou o lindo e inovador mobiliário que decorava as áreas comuns do prédio — creche, biblioteca e oficinas de costura e maquiagem feitas com material de reciclagem. Dessa parceria também vem a idéia de ressuscitar um antigo poço artesiano abandonado no subsolo do prédio, a fim de utilizar a água para lavagem do chão e descarga das privadas.

    Mas não.

    Em vez da inteligência coletiva do movimento, a reportagem preferiu contemplar, como se verdadeira fosse, a denúncia de uma ex-moradora do Cambridge, apresentada como “testemunha Alfa”, que disse ter sido ameaçada por Carmen. O repórter Bruno Tavares teve acesso inclusive aos vídeos que a tal “testemnha Alfa” gravou com as supostas ameaças. Aliás, esses vídeos também constam no processo que corre em Segredo de Justiça (segredo de Polichinelo…)

    Eis a transcrição das tais ameaças:

    Carmen: A senhora que vai na Sabesp fazer o acordo porque não pagou aqui.
    Alfa: Eu? Tanto dinheiro que você pega dos outros.
    Carmen: O que foi que a senhora falou?
    Alfa: Sai de cima de mim, sai de cima de mim que eu te coloco atrás das grades.
    Carmen: Sem vergonha, caloteira.
    Carmen: A sra. vai sair por bem ou mal. Por bem eu já tomei a providência, agora, se a senhora quiser por mal, vai por mal também.
    Carmen: Contestam porque pagam contribuição. Vocês acham que vão morar de graça na Avenida Nove de Julho?
    Carmen: Daqui a pouco vem a conta de luz aí é outra briga para pagar.

    Leia bem e se quiser veja os vídeos no site da Globo. O que se vê? O que se entende?

    O Cambridge era uma ocupação organizada e legal, reconhecida pela Prefeitura. Pagava a conta de água. Pagava a conta de luz. Como é que se pagava isso? Com a colaboração dos moradores, decidida em assembleia. Quando Carmen afirma que Alfa terá de sair “por bem ou por mal”, refere-se ao cumprimento de decisão da assembleia dos moradores, que não acharam justo pagarem por alguém que queria folgada e graciosamente usufruir a água da Sabesp custeada pelo alheio. Foram os moradores que decidiram pela exclusão de Alfa da ocupação. E caso ela se recusasse a sair, a polícia seria chamada.

    Onde está a ilegalidade? Quem quer que já tenha tido de lidar com condôminos inadimplentes em um prédio de classe média sabe muito bem o que é ter de pagar taxas maiores porque alguns simplesmente se recusam a cumprir suas obrigações com o coletivo.

    É incrível o ministério público se meter numa briga entre vizinhos. É incrível uma briga entre vizinhos ocupar o lugar de uma real investigação sobre as causas do incêndio, desabamento e mortes do edifício Wilton Paes de Almeida. Mas o mais incrível é a TV Globo prestar-se a tal jogo ilusionista, baseando-se na denúncia da “testemunha Alfa”, tristemente famosa na ocupação do Hotel Cambridge por ter tentado – sem sucesso, diga-se – aplicar o golpe do “escorrego” no Mc Donald’s.

    Sim! A mulher que acusa Carmen de cobrança indevida de uma taxa que visava unicamente cobrir as despesas de manutenção do Edifício Cambridge, tentou garfar indenização de 200 salários mínimos (R$ 190.800 em valores atualizados) por um tombo que diz ter sido causado por falta de corrimão em uma loja do Mc Donald’s. Só que o corrimão estava lá! Então, em 25 de junho de 2014, a 5ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, negou o pedido de Alfa.

    É claro que os movimentos de moradia incluem alguns oportunistas e exploradores (categoria de que, aliás, o meio jornalístico está cheio). Isso poderia ser uma boa pauta. Mas a preguiça e a desonestidade levaram a “reportagem” de Bruno Tavares a transformar a pauta em texto final e a suspeita em tese.

    Incrivelmente, a grande mídia que está em busca de culpados de araque esquece-se todo o tempo de mencionar a existência de 290 mil imóveis não-habitados na cidade de São Paulo, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Habitação, a partir de dados do Censo de 2010. São imóveis deixados vazios para a especulação. O movimento exige que eles tenham função social. Mas isso não tem importância para os empresários, empreiteiros e especuladores. E nem para os seus serviçais dentro da grande mídia, que não hesitam em jogar no lixo os principais fundamentos do jornalismo para atacar uma das mais generosas e preparadas lideranças do movimento social no Brasil: a mulher negra Carmen da Silva Ferreira.

  • Todo apoio às ocupações dos Sem-Teto

    Todo apoio às ocupações dos Sem-Teto

    Governos federal, estadual e municipal fingem que choram a morte de homens, mulheres e crianças sem-teto, na tragédia do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo. Fingem que choram enquanto acabam com as políticas públicas destinadas a gerar moradias populares, enquanto destroem o Minha Casa, Minha Vida. Mas eles são piores do que isso… Agora, tentam esconder sua responsabilidade pela tragédia habitacional existente na maior e mais rica cidade do país, jogando a culpa nos movimentos de moradia.

    Reportagem publicada na revista Veja, aquele panfleto golpista, tenta criminalizar todas as ocupações, mesmo sabendo que há diferenças gritantes entre elas. Os movimentos sérios que lutam por moradia, não apenas pressionam o poder público. Eles revitalizam prédios mortos, dotam-nos de condições mínimas de segurança, de higiene e conforto, porque esses imóveis tornam-se imediatamente depois de ocupados o lar de famílias sem-teto que estavam ao relento.

    A Revista Veja tenta criminalizar uma simples vaquinha entre os moradores das ocupações sérias, feita e decidida coletivamente, por exemplo, para prover o prédio de extintores de incêndio. Ou alguém acha que é o poder público que coloca extintores de incêndios nas ocupações da Frente de Luta Por Moradia? Ou que instala os canos de água e esgoto e os conduítes de luz, inutilizados pelo abandono? Que contrata as caçambas para retirar toneladas e toneladas de entulhos e lixo acumulados ao longo de anos nos prédios mortos que só servem à especulação imobiliária? Ou que lavam as paredes com creolina e pintam-nas com cal, para combater as infestações por pulgas, carrapatos, escorpiões e aranhas?

    Tudo isso custa dinheiro, e a revista Veja sabe disso. Quem custeia são os beneficiários imediatos das ocupações, que são os sem-teto, em um sistema de vaquinha decidido em assembléia.

    Querer criminalizar a vaquinha é o cúmulo do absurdo. Não permitiremos que a mídia hegemônica, que já mantém preso um homem inocente, Lula, a quem ataca diariamente com calúnias, injúrias e difamações, faça outras vítimas entre os pobres moradores de ocupações.

    #QuemOcupaNãoTemCulpa

  • Tragédia no Centro de São Paulo

    Tragédia no Centro de São Paulo

    Uma ocupação de moradia pegou fogo na madrugada desta terça-feira (01) na capital de São Paulo, o prédio veio a baixo no início da manhã deste 1º de maio. O prédio ficava na região central, próximo ao Largo do Paissandu, na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Antônio de Godoi, e fazia parte do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia).

    De acordo com a prefeitura, cerca de 150 famílias, totalizando 400 pessoas, eram cadastradas como moradores da ocupação. Ricardo, que se apresentou a reportagem como uma das lideranças do movimento, falou em 180 famílias. Muita gente.

    O prédio de 24 andares e 11 mil metros quadrados era da Polícia Federal e estava ocioso desde 2003, quando o orgão se mudou para a Lapa. De acordo com moradores, a ocupação ocorreu entre 2008 e 2009.

    Ana Paula e sua família, 7 filhos e 2 netos, eram parte dos moradores mais antigos, moravam há 10 anos no prédio. “A gente começou a escutar um barulho, a gente estava dentro de casa, achamos que era tiro, quando olhamos na janela, meu filho viu que era fogo no 5o andar. Aí meu filho saiu pra cima avisando todo mundo, ele falou: ‘mãe desce com as crianças avisa todo mundo que tá pegando fogo no prédio’ mas teve gente que ficou no prédio, não deu para salvar”

    Embora o Corpo de Bombeiros não tenha liberado uma lista oficial de desaparecidos, diversos moradores relataram que quem estava nos andares mais baixos conseguiu sair, mas que os moradores dos andares mais altos, do 6o ao 10o, haviam subido para fugir do fogo e estavam no edifício no momento que ele desabou.

    De acordo com relatos, o fogo começou por volta das 1h30 da madrugada no 5o andar. A causa ainda é desconhecida e diversas hipoteses são levantadas. Alguns moradores relatam que o foco teria sido a explosão de um butijão de gás. Outros uma possível briga. Gerivaldo Araújo, que foi porteiro da ocupação, não descarta incêndio criminoso. De acordo com o morador, a ocupação estava sofrendo ameaças há tempos. Ele explicou à reportagem que, por ficar em uma área valorizada, central e próxima ao metrô, a ocupação era muito visada pela especulação imobiliária e mal vista pela vizinhança.

    Tudo é ainda muito nebuloso, e lideranças do movimento social temem que o incêndio sirva como motivo para acentuar a já existente criminalização dos movimentos de moradia. Benedito, advogado da Central de Movimentos Populares – CMP, falou em  entrevista aos Jornalistas Livres, que teme que o incêndio dê início a uma onda de reintegrações de posse.

    Os prédios ao redor foram todos desocupados, e ainda não se sabe se existe risco de novos desmoronamentos.

    Cesar, da coordenação da Assistência Social, nos informou que chegaram na região ainda na madrugada. A prefeitura ofereceu aos moradores abrigo no CTA 3, uma espécie de Albergue, mas que a maioria dos moradores optou por não ir ao abrigo. Até o fechamento desta reportagem, mais de 250 pessoas, cerca de 46 famílias haviam sido cadastradas.

    Para os moradores, o albergue é uma solução temporária e não resolve a questão principal da moradia.

    O atual prefeito Bruno Covas (PSDB) esteve no local e em coletiva de imprensa informormou que está em contato com a cruz vermelha e que ela irá fazer o atendimento inicial às vítimas. O prefeito irformou que em um segundo momento “a prefeitura deverá dar o melhor tratamento aos sem teto”

    O prefeito informou que o Estado irá colaborar com aluguel social e que as pessoas estão sendo encaminhadas para centros de acolhida para que elas tenham onde “passar pelo menos o dia e a noite de hoje, e se for necessãrio os dias subsequentes”

    Questionado sobre politicas habitacionais disse que “essa e uma ação conjunta com o governo do estado e federal”. Jornalistas também questionaram se a possibilidade de aluguel social havia sido oferecida antes da tragédia, Covas disse que não, pois não haveriam recursos. Segundo ele, após a tragédia o Estado estado transferiria esses recursos.

    O prefeito se manifestou sobre a normalização do tráfego “hoje às 16h a CET vai divulgar um plano para facilitar o trabalho dos bombeiros na remoção dos escombros”.

    Michel Temer também esteve presente no local, mas saiu às pressas ao som de chingamentos e gritos de Fora Temer.

    A Ocupação

    De acordo com os moradores, a ocupação era organizada e todos viviam bem. Os moradores eram em sua grande maioria trabalhadores de baixa renda, e todos contribuíam com uma taxa de R$ 80 que servia para a manutenção do prédio.

    Os moradores com os quais a reportagem conversou moravam há pelo menos 4 anos na ocupação.

    No dia 10 de março, segundo a secretaria do municipio, havia cerca de 150 famílias, com 400 pessoas, ocupantes do prédio. Desse total, 25% são famílias estrangeiras. Esse cadastro foi realizado para identificar a quantidade de famílias, o grau de vulnerabilidade social e a necessidade de encaminhamento das famílias à rede socioassistencial.

    A resposta não veio a tempo.

    A situação da Moradia

    De acordo com o Censo 2010, a capital paulista possui cerca de 290 mil imóveis que não são habitados, o mesmo estudo diz ainda que o déficit habitacional na cidade chega a 712 mil famílias, em habitações irregulares ou precárias, como favelas e cortiços.

    Milhares de imóveis que não cumprem sua função social. Os movimentos sociais ressaltam que a ocupação é uma solução temporária de moradia, e denuncia o desmonte das políticas públicas de habitação. De acordo com o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios), de 2015, o enxugamento de programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida e a recessão do setor da construção civil, tiveram como resultado, entre 2013 e 2015, a redução de quase 400 mil unidades habitacionais.

    Ocupar e resistir

    De acordo com o Observatório de Remoções, projeto desenvolvido pela FAU USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e pela Universidade Federal do ABC, em outubro de 2017 havia cerca de 720 ocupações irregulares na cidade de São Paulo.