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  • Sem estabilidade política não há crescimento

    Sem estabilidade política não há crescimento

    Como vão as finanças públicas do governo da coligação MDB e PSDB.

    Depois de todos os cortes nos programas sociais e de congelamentos de despesas a perder de vista, o governo do MDB e PSDB continuam exibindo déficits assustadoramente altos. Nos 12 meses encerrados em julho, o setor público gastou R$ 472 bilhões, ou, quase meio trilhão de reais, a mais do que arrecadou.

    A dívida do setor público, dívida bruta do governo geral, obviamente continua subindo com rapidez: atingiu R$ 5,2 trilhões de reais e equivalia, em julho, a 77% do PIB.

    Como explicar esse déficit tão alto se os cortes fazem sangrar desde o combate à fome e à pobreza, até o financiamento da pesquisa, passando pelo custeio das universidades e instituições públicas?

    Poucos comentam e nunca cogitam reduzir, mas o gasto com juros continua absurdamente alto: R$ 395 bilhões. Existe, ainda, uma razão fundamental que está do lado das receitas do governo. A contração da atividade econômica leva à contração do impostos e o caminho dos cortes, adotado após o golpe, não promoveu a recuperação prometida. A rota escolhida, nos mesmos moldes daquelas impostas pelo Fundo Monetário Internacional nas crises de dívida dos países emergentes, é sempre muito longa e penosa, especialmente para aqueles de menor que são os primeiros a perder o emprego e ver cortada sua assistência social.

    Mas há um outro componente importante nas causas da fraqueza econômica: a instabilidade política. O golpe trouxe uma instabilidade para o horizonte de planejamento econômico que não existiu no governo Lula e no primeiro mandato de Dilma. Não tivemos um momento de sossego após a eleição de 2014, essa é a verdade.

    Imagine-se empresário tentando planejar o futuro assim que Temer e Meirelles assumiram. O que se enxergava no horizonte? Além de cortes sobre cortes nos gastos e investimentos públicos, que eram determinantes para a recessão, não se sabia até quando o governo ia durar. Aliás, Temer e seus aliados não caíram por corrupção por malabarismos da elite econômica, política e do sistema de justiça.

    Façamos o mesmo exercício hoje, a cerca de um mês da eleição. Que assumirá o executivo em janeiro de 2019? Esse novo presidente conseguirá trazer um mínimo de conciliação necessário para o crescimento econômico?

    Não tardará para os artífices do golpe perceberem o prejuízo que causaram ao país e a si próprios. Talvez demore, sim, para perceber que há somente um sujeito capaz criar, em curto espaço de tempo, o ambiente necessário para o crescimento econômico.

    Resultados Fiscais

    Veja abaixo o a nota para a imprensa sobre os resultados fiscais divulgada pelo Banco Central do Brasil em https://www.bcb.gov.br/htms/notecon3-p.asp.

    1. Resultados fiscais

    O setor público consolidado registrou déficit primário de R$3,4 bilhões em julho. O Governo Central e os governos regionais apresentaram déficits respectivos de R$2,7 bilhões e R$1,8 bilhão; e as empresas estatais, superávit de R$1,1 bilhão.


    [Devemos tomar cuidado com esse gráfico, pois os valores acima de zero representam déficits. Assim os R$ 77,1 bilhões representam o déficit do setor público acumulado em 12 meses até julho de 2018]]

    No acumulado no ano, o resultado primário do setor público foi deficitário em R$17,8 bilhões, comparativamente a déficit de R$51,3 bilhões no mesmo período de 2017. No acumulado em doze meses até julho, o setor público consolidado registrou déficit primário de R$77,1 bilhões (1,14% do PIB), 0,2 p.p. do PIB inferior ao déficit acumulado até junho.

    Os juros nominais do setor público consolidado, apropriados por competência, alcançaram R$25,8 bilhões em julho, comparativamente a R$28,5 bilhões em julho de 2017. No acumulado em doze meses, os juros nominais atingiram R$394,5 bilhões (5,86% do PIB), reduzindo-se na comparação com o período de doze meses encerrado em julho de 2017, R$428,2 bilhões (6,64% do PIB).

    [É curioso notar que quase não ouvimos falar da despesa de juros: quase R$ 400 bilhões em 12 meses]

    O resultado nominal do setor público consolidado, que inclui o resultado primário e os juros nominais apropriados, foi deficitário em R$29,2 bilhões em julho. No acumulado em doze meses, o déficit nominal alcançou R$471,6 bilhões (7,0% do PIB), reduzindo-se 0,27 p.p. do PIB em relação ao déficit acumulado em junho.

    1. Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) e Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG)

    A DLSP alcançou R$3.503,5 bilhões (52,0% do PIB) em julho, aumentando 0,6 p.p. do PIB em relação ao mês anterior.

    [Lembremos que a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) estava em 32% do PIB quando Dilma Rousseff foi retirada do governo, uma escalada de 20 pontos percentuais em pouco mais de dois anos.]

    O impacto da apreciação cambial de 2,6% no mês respondeu por elevação de R$30,8 bilhões no estoque da DLSP, correspondente a 0,5 p.p. [ponto percentual] do PIB.

    No ano, o aumento de 0,5 p.p. na relação DLSP/PIB refletiu, em especial, a incorporação de juros nominais (aumento de 3,4 p.p.), o déficit primário (aumento de 0,3 p.p.), o efeito da desvalorização cambial acumulada de 13,5% (redução de 2,0 p.p.) e o efeito do crescimento do PIB nominal (redução de 1,3 p.p.).

    A DBGG – que compreende o Governo Federal, o INSS, e os governos estaduais e municipais – alcançou R$5.186,5 bilhões em julho, equivalente a 77,0% do PIB, reduzindo-se 0,1 p.p. do PIB em relação ao valor registrado em junho.

    Contribuíram para essa evolução os resgates líquidos de dívida no mês (redução de 0,1 p.p.), o efeito da valorização cambial de 2,6% (redução de 0,1 p.p.), e o efeito do crescimento do PIB nominal (redução de 0,5 p.p.), contrabalançados parcialmente pela incorporação de juros nominais (aumento de 0,6 p.p.).

    No ano, a relação DBGG/PIB registra elevação de 3,0 p.p, decorrente da incorporação de juros nominais (aumento de 3,4 p.p.), das emissões líquidas (aumento de 0,8 p.p.) e do efeito do crescimento do PIB nominal (redução de 1,9 p.p.).

    [Em abril de 2015, quando Dilma foi retirada do governo, a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), que está em 77% do PIB, representava 59% do PIB]

  • PT propõe o contrário do que fazem MDB e PSDB na economia

    PT propõe o contrário do que fazem MDB e PSDB na economia

    Reduzir gastos tem sido a marca da política econômica do governo do MDB e do PSDB, com Temer na presidência. A principal ação foi a Emenda Constitucional 95, chamada de PEC do Fim do Mundo, que comprime as despesas e os investimentos públicos por 20 anos. Embora tenham sido muitos os cortes, fiquemos nesse teto de gastos.

    Antes do impedimento de Dilma, o MDB lançou o programa Ponte para o Futuro, fortemente amparado nas crenças dos economistas do PSDB. Esse programa explica que a lógica por trás dos cortes era que os empresários, ao perceberem finanças públicas saudáveis, teriam mais confiança no futuro, fariam os investimentos necessários para voltarmos a crescer, o emprego aumentaria (com piores condições para os trabalhadores, mas aumentaria) e seríamos felizes para sempre.

    Mas não foi bem assim que os eventos se sucederam.

    Em primeiro lugar, é preciso reforçar que sem estabilidade política, sem alguma previsibilidade, não há confiança. Além disso, os empresários só tomam a decisão de investimento quando há perspectiva de lucro. Eles, habitualmente, adiam seus projetos de crescimento se percebem que terão dificuldades para vender seus produtos. Cortes e mais cortes nas despesas e nos investimentos do governo não inspiram muito lucro futuro para as empresas, não é verdade?

    Vejamos, como exemplo, os cortes nos investimentos públicos:

     

    Esse primeiro gráfico mostra o investimento público de 1947 até 2017. Atingimos o menor valor da série em 2017, quando os governos federal, estaduais e municipais investiram 1,85% do PIB. Esse percentual equivale a cerca de 120 bilhões de reais. Se compararmos com os 13 anos dos governos de Lula e Dilma, chegamos ao fato que, sob Temer/Meirelles, o governo investiu, em 2017, cerca de R$ 100 bilhões a menos do que a média (3,4%) dos anos de governo petista. Sob aplausos dos economistas do mercado financeiro e dos meios de comunicação conservadores, foram retirados 100 bilhões de reais do organismo econômico. Notem que estamos nos referindo somente à linha investimentos, o arrocho não parou por aí.

    Ao perceberem esses e outros cortes nos dispêndios do governo, além da falta de horizonte político, os empresários se retraíram. Somou-se a retração dos empresários aos cortes do governo. O resultado foi que a taxa de investimento da economia brasileira despencou nos últimos anos.

    A taxa de investimentos total da economia brasileira ficou em 15,63% do PIB em 2017. Essa é a menor taxa de investimento desde 1965. Repetindo o mesmo cálculo anterior, percebemos que, em 2017, o investimento total da economia brasileira foi 200 bilhões de reais menor que a média (18,86% do PIB) dos 13 anos de governos Lula e Dilma.

    Ou seja, o governo deixou de investir 100 bilhões de reais, os empresários se retraíram e também deixaram de investir outros 100 bilhões. Um dos setores mais afetados pela queda brusca nos investimentos foi a construção, como nos mostra o gráfico abaixo, extraído do Boletim Trabalho e Construção na Região Metropolitana de São Paulo. Reparem que o setor fechou 139 mil postos de trabalho nos últimos três anos só na grande São Paulo, o que totaliza uma queda de 18,8%.

    Mas e os consumidores? Bem, com o número de desempregados oscilando entre 12 e 14 milhões, não se pode esperar que o consumo fique aquecido. Os trabalhadores que conseguiram manter seus empregos, especialmente aqueles de renda mais baixa, reduziram seu consumo aos produtos de subsistência. Não é por outro motivo que a queda principal nas vendas se verificou nos automóveis, motos e bens de consumo durável.

    E assim resta, mais uma vez, demonstrado o ciclo vicioso da austeridade em um momento de recessão: o governo quer demonstrar para todo mundo seu compromisso com o equilíbrio fiscal, então corta despesas e investimentos. Os empresários sabem que a falta de dinheiro em circulação vai complicar suas vendas e seus lucros. O que fazem? Cortam investimento e custos. Imitam o governo. Os trabalhadores que perderam seus empregos são alijados do mercado de consumo. Aqueles que conseguiram permanecer trabalhando, receosos, cortam seus gastos ao mínimo. Os impostos caem e o governo arrecada menos. O ministro da Fazenda reafirma que equilibrará as contas públicas e corta mais um pouco. E o ciclo se realimenta. O termo austericídio é bem adequado a essa política econômica.

    E o que propõe o programa do Partido dos Trabalhadores?

    Em uma frase: o PT quer fazer tudo ao contrário do que fizeram os aliados MDB e PSDB. A começar pela revogação da Emenda Constitucional 95, o Plano Lula de Governo assume que, em momentos de recessão, o único motor com capacidade para retirar a economia do atoleiro é o governo. O Plano se propõe a fazer isso em duas vertentes: aumentar os investimentos e os recursos para o consumo nas mãos dos mais pobres.

    As iniciativas emergenciais, delineadas no Plano, para a economia voltar a criar oportunidades de emprego são: a retomada das obras inacabadas, dos investimentos da Petrobras e do Programa Minha Casa Minha Vida. Além de reforçar o programa Bolsa Família e criar linhas de crédito com melhores condições para famílias endividadas.

    A lógica do Plano é que ao perceber a disposição do governo em empurrar para que a economia “pegue no tranco” e ao sentir os efeitos do retorno dos fluxos de recursos na economia, empresários e consumidores voltem a se animar, voltem a ter expectativas positivas quanto ao futuro.

    Mas existe dinheiro para retomar investimentos? No primeiro momento será necessário aumentar a dívida pública, pois a arrecadação caiu fortemente com a recessão. No entanto, o retorno do crescimento permitirá que a arrecadação cresça e a administração da dívida a faça retornar aos níveis em que estavam antes da crise. O crescimento real do PIB, 45%, dos anos 2003 a 2015, fez com que a dívida líquida do setor público chegasse a um nível bastante baixo: 35,64% do PIB em dezembro de 2015.

    O último dado da dívida líquida, de junho de 2018, é de 51,41% do PIB. O crescimento foi de 16 pontos percentuais, que equivale a um acréscimo na dívida do governo de 1,3 trilhão de reais. Note-se que, mesmo com um discurso oficial, do MDB/PSDB, de austeridade e compromisso com as finanças públicas, a dívida subiu assustadoramente. Isso é a demonstração cabal de que a política de cortes não deu certo. Bem ao contrário, ajudou na recessão ao mesmo tempo em que provocou um salto na dívida do governo. Aliás, a experiência internacional, aceita atualmente até mesmo pelo Fundo Monetário Internacional, é que a austeridade preconizada há algumas décadas somente fazem agravar a recessão e a dificultar a vida dos mais pobres.

    O Plano Lula de Governo para reativar a economia brasileira não para por aqui. Envolve planejamento, reindustrialização, desenvolvimento regional, compromisso do Banco Central com o emprego e com a inflação, reforma tributária para tornar o sistema mais simples e socialmente mais justo, entre outros projetos. Mas esses assuntos serão tratados em um próximo texto.

     

    Notas

    1 Para ver o Plano Lula de Governo: http://www.pt.org.br/plano-lula-de-governo-2018-e-apresentado-ao-pais/

    2 Para ver Boletim Trabalho e Construção na Região Metropolitana de São Paulo do Dieese:  https://www.dieese.org.br/boletimtrabalhoeconstrucao/2018/pedBoletimTrabalhoConstrucaoSAO.html

     

  • A surpreendente fé da esquerda no Judiciário

    A surpreendente fé da esquerda no Judiciário

    Muitos atores do campo progressista andam irritados com o movimento/locaute do caminhoneiros. A razão é que eles, os caminhoneiros, abriram um “Fora Temer” a cinco meses da eleição. Pergunta essa ala progressista: “por que só agora, nas portas das eleições, parte dos caminhoneiros tenta derrubar Michel Temer com tanta volúpia?”. Vai que o Temer cai mesmo, não é? O que surpreende é que parece não pairar dúvidas de que haverá eleições e que elas representarão, minimamente, a vontade dos eleitores.

    Acham que o mercado ganhou com a greve/locaute dos caminhoneiros.

    Perdoem por discordar. O mercado não ganhou com a paralisação dos caminhoneiros, ele ganhou quando assumiu os destinos do Brasil em conjunto com Temer, Meirelles, Parente e companhia em 2016. A volta do PSDB ao governo implicou a volta da agenda pró-mercado de Fernando Henrique Cardoso. Não é justo culpar os caminhoneiros ou quem apoiou sua paralisação por não terem conseguido mudar a política de favorecimento dos investidores nas ações da Petrobras.

    Acham que a paralisação dos caminhoneiros foi o momento que talvez “até aqui mais tenha feito a sociedade civil sangrar”. Compadecem-se dos “pequenos produtores perdendo a colheita, dos motoristas de Uber perdendo a semana de trabalho, das escolas e universidades sem funcionar”.

    Perdoem por discordar. A recessão e o desemprego fizeram a sociedade civil sangrar de verdade. Uma semana sem carro e, talvez, com algum desabastecimento não é comparável a mais de 13 milhões de desempregados e uma queda na produção brasileira de bens e serviços de mais de 7%, perto de R$ 500 bilhões que deixaram de ser produzidos. A perda de produção de quase 500 bilhões de reais não se compara com o desconforto provocado pela greve dos caminhoneiros ou ao que foi realmente perdido em sua consequência.

    Criticam acidamente parte da esquerda que “via um movimento autônomo dos trabalhadores, um ato de resistência ao golpe”.

    Perdoem por discordar. A greve dos caminhoneiros impôs a maior derrota ao golpe, e aos meios de comunicação que o abraçam, do que qualquer outro movimento. Essa derrota é muito mais importante do que qualquer custo que a sociedade tenha que arcar com a perda dos impostos sobre o diesel. Só a exposição da política de preços da Petrobras e da política privatista do golpe ao conjunto da população valem anos de PIS e Cofins e Cide sobre o diesel. A exposição das reais intenções dos golpistas atingiu seu pico com essa greve. O que vale mais: a derrota política do golpe ou o benefício econômico das empresas de transporte?

    Só uma enxurrada de derrotas políticas impostas ao golpe abrirá parca chance de uma eleição como gostaríamos. É o que penso.

    Nota

    1 Recomendo que vejam a entrevista que fizemos com “Alpha Caminhoneiro”, um profissional autônomo, liderança da categoria, no link https://jornalistaslivres.org/por-que-a-greve-dos-caminhoneiros-e-mais-do-que-justa/

  • Banco Mundial faz propaganda explícita de apoio ao golpe

    Banco Mundial faz propaganda explícita de apoio ao golpe

    Segundo o dicionário Houaiss, a expressão marketing político designa o conjunto de atividades de marketing destinadas a influenciar a opinião pública quanto a ideias relacionadas à atividade política, ações governamentais, campanhas eleitorais etc.

    Pois bem, a peça de marketing político encomendada pelo governo Temer, produzida pelo Banco Mundial e divulgada ontem (21), com toda pompa no Ministério da Fazenda em Brasília, assusta por sua falta de cerimônia no apoio às políticas econômicas rejeitadas pelo voto dos brasileiros e implantadas pelo governo golpista do PMDB e do PSDB.

    Com o título Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, o texto do Banco Mundial, capitaneado por Antônio Nucifora, é um material explícito de propaganda e recomendações econômicas de cunho neoliberal dos anos 1980.

    O estudo despreza avanços e constatações, feitos por economistas, pelo próprio Fundo Monetário Internacional e pela Organização das Nações Unidas, que apontam o aumento da desigualdade e a ausência de crescimento como resultado da aplicação dessa linha de pensamento político-econômico.

    O objetivo do pedido do governo ao Banco Mundial já revela a característica central do golpe, quando coloca em último plano o viés social: “realizar uma análise aprofundada dos gastos do governo, identificar alternativas para reduzir o deficit fiscal a um nível sustentável e, ao mesmo tempo, consolidar os ganhos sociais alcançados nas décadas anteriores”. O ganhos sociais são explicitamente secundários nesse objetivo.

    Basta imaginar como seria invertida a motivação para o estudo se a redação fosse: realizar uma análise profunda para consolidar os ganhos sociais alcançados nas últimas décadas sem comprometer a sustentabilidade de longo prazo das contas do governo.

    O objetivo da ilustração acima, página 7 do relatório, é apoiar o congelamento de gastos, aprovado em dezembro de 2016, que vem implicando e continuará a implicar cortes profundos nos gastos sociais como saúde, educação e assistência social. O relatório aceita a medida e a aprova sem questionamento: “Sua implementação exige a redução dos gastos em cerca de 0,6% do PIB ao ano em relação à tendência atual durante a próxima década. Isso corresponde a um corte cumulativo de quase 25% nas despesas primárias federais (em proporção do PIB), o que reduziria o orçamento federal (também proporcionalmente ao PIB) aos níveis do princípio da década de 2000.”

    Traduzindo o linguajar golpista: corte-se um quarto das despesas e dane-se quem for afetado por isso. Não era por acaso que essa medida foi chamada de PEC da Morte, que o Banco Mundial trata agora de referendar.

    Nucifora e companhia continuam sua publicidade dos atos do governo PMDB/PSDB. Agora apoiam a reforma da Previdência: “A fonte mais importante de economia fiscal de longo prazo é a reforma previdenciária. Os grandes e crescentes deficits do sistema previdenciário constituem um fator-chave da pressão fiscal”.

    Mesmo que vários economistas  parlamentares tenham concluído que a Previdência não tem deficit, mas que os recursos designados na Constituição de 1988 são desviados para o pagamento de juros, o relatório insiste que é necessário cortar direitos dos trabalhadores brasileiros. Lembremos aqui que quase todos brasileiros apoiariam uma reforma que cortasse os benefícios extravagantes de certas classes profissionais, mas o voto popular nunca será dado a quem quer piorar as regras de aposentadoria de quem trabalha duro e ganha pouco.

    A figura, página 69 do relatório, repete a argumentação pró-reforma da Previdência tentando incutir o medo de que a Previdência explodirá um dia e deixará todo mundo sem aposentadoria. Não é admissível que um documento com a assinatura do Banco Mundial chegue a nível tão rasteiro e apelativo.

    O ataque também vai na direção do funcionalismo público: “A massa salarial do funcionalismo público pode ser reduzida significativamente”. O estudo aponta que a média dos salários dos servidores públicos federais é 67% superior à média do setor privado.

    Pois bem, vamos olhar exatamente quem puxa essa média para cima? Ou vamos simplesmente: “recomendar a suspensão de reajustes nas remunerações do funcionalismo no curto prazo, enquanto se desenvolvem estudos mais detalhados sobre o valor adequado de remuneração das diversas carreiras públicas”? Ou ainda, vamos baixar o já baixo salário da maioria do funcionalismo público ou vamos fazer crescer os salários nas empresas privadas?

    A figura acima, página 39 do relatório, tenta provocar conflito entre funcionários públicos e privados ao passar a ideia de que o “alto salário” do setor publico causa o baixo salário do setor privado e leva a riscos no pagamento da aposentadoria. Tratar esse assunto por média é um erro primário que uma instituição como o Banco Mundial não deveria aceitar.

    Os programas de proteção social brasileiros tiraram o Brasil do mapa da fome, bem como milhões de pessoas da miséria. O relatório vem propor “a transformação do Salário-Família em um benefício condicionado à renda em nível de domicílio (beneficiando-se da capacidade do Cadastro Único) a fim de incentivar os beneficiários do Bolsa Família a migrarem para empregos formais”.

    Além de não levar em conta os resultados do programa até aqui, o que o relatório quer dizer é que não há maior número de empregos formais porque o Bolsa Família não incentiva os beneficiários a ter emprego com carteira assinada. Nem uma palavra sobre a política de austeridade que eleva o desemprego, nem sobre a destruição da Justiça do Trabalho que poderia coibir o trabalho informal. Incentive-se o trabalhador a migrar para um emprego formal, essa é a recomendação.

    “Em síntese, com base em uma análise aprofundada de políticas setoriais, este estudo
    identifica pelo menos 7% do PIB em potenciais economias fiscais em nível federal até 2026.” Desse modo o relatório, no mais absoluto fundamentalismo neoliberal, reafirma que o que importa é cortar os gastos governo.

    Ao compor seu marketing político Temer, Meirelles, Nucifora e companhia ignoram a mensagem das Nações Unidas: “O documento pede que o século 21 traga um novo pacto, em que as pessoas tenham prioridade frente aos lucros. Pontos cruciais de tal transformação seriam o fim da austeridade fiscal, a contenção do “rentismo” (rent-seeking) das empresas e o direcionamento das finanças para a criação de empregos, bem como para o investimento em infraestrutura..”

     

    Nota
    1 Para ver o Relatório de 2017 da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD): https://nacoesunidas.org/onu-pede-fim-da-austeridade-fiscal-e-ousadia-para-reequilibrar-economia-global/

    2 Ainda não localizamos a versão em inglês desse documento assinado pelo Banco Mundial. Seria uma tentativa de não mostrar ao mundo essa grotesca peça de marketing político elaborada por essa instituição?

  • Um ano do golpe. E a economia?

    Um ano do golpe. E a economia?

    Quando o canal de TV e o jornal apoiam o governo, a notícia econômica ruim é dada acrescentando-se ao final: “mais há sinais de que vai melhorar”. Quando a notícia é boa, mas a mídia é oposição ao governo, acrescem: “mas pode piorar”. Você, provavelmente, tem ouvido que nossa economia está mal das pernas, mas que vai melhorar.

    Mostramos, aqui os dados mais recentes, divulgados pelo IBGE, relativos ao desemprego, à produção industrial, ao comércio varejista, ao setor de serviços e à inflação. Encerramos com um breve comentário sobre o caminho que ora trilhamos.

    Vamos ver se há motivos para comemorar.

    1 O desemprego chegou a 14,2 milhões de pessoas e bateu o recorde da série histórica

    “Essa foi a maior taxa de desocupação da série histórica”, afirma o comunicado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD – que mostrou que, no trimestre janeiro, fevereiro e março de 2017, o desemprego chegou a 13,7% da força total de trabalho do Brasil, estimada em pouco mais de 103 milhões de pessoas.

    A população desocupada chegou a 14,2 milhões no primeiro trimestre de 2017 (jan-fev-mar) e bateu o recorde da série histórica. No trimestre anterior (out-nov-dez de 2016), o contingente de desempregados era de 12,4 milhões de pessoas. Mais de 1,8 milhão de pessoas passaram à condição de desempregados, um crescimento percentual de 14,9%.

    No mesmo trimestre de 2016 (jan-fev-mar), a pesquisa apresentava 10,9% de desemprego, ou seja, 11,1 milhão de desempregados. Houve, do primeiro trimestre de 2016 para o primeiro trimestre de 2017, um acréscimo de 3,1 milhões de pessoas, o que representa um crescimento percentual de 27,8% no contingente desempregado.

    É possível reparar no quadro acima que o desemprego atual é mais do que o dobro do verificado durante quase todo o ano de 2014 e só cresceu nos últimos meses.

    “O número de empregados com carteira de trabalho assinada (33,4 milhões de pessoas) recuou em ambos os períodos de comparação: frente ao trimestre outubro / dezembro de 2016 (-1,8% ou menos 599 mil pessoas) e ao trimestre janeiro / março de 2016 (-3,5% ou menos 1,2 milhão de pessoas). Este foi o menor contingente de trabalhadores com carteira assinada já observado na série histórica da pesquisa”, nas palavras do IBGE.

    2 Produção industrial cai 3,8% nos últimos 12 meses

    Os índices da produção industrial costumam apresentar surpresas de um mês para outro, no entanto quando olhamos comparações anuais temos melhor ideia da tendência que está em curso. O quadro abaixo nos mostra que, em 12 meses terminados em março de 2017, houve queda na produção em todas as quatro categorias: bens de capital (-2,3%), bens intermediários (-4,2%), bens de consumo duráveis (-5,5%) e bens de consumo semiduráveis e não duráveis (-5,5%).

    Na comparação de março de 2017 com fevereiro também foi observado recuo de 1,8% da atividade industrial. Dos 24 ramos da indústria pesquisados, 15 tiveram desempenho negativo. “Entre os setores, as principais influências negativas foram registradas por veículos automotores, reboques e carrocerias (-7,5%), produtos farmoquímicos e farmacêuticos (-23,8%) e coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis (-3,3%)”, aponta o IBGE.

    3 Comércio varejista ampliado cai 7,1% em 12 meses

    A tabela abaixo nos mostra os dados do varejo e do varejo ampliado, que engloba veículos e material de construção. O altíssimo número de desempregados nos explica fielmente os dados do comércio: quando a renda cai, a família tenta manter a alimentação e medicamentos, abrindo mão dos outros itens de consumo. Isso explica que as menores quedas, em 12 meses terminados em março de 2017, são relativas às vendas de hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo (-3,2%) e às vendas de artigos farmacêuticos (-3,4%).

    As compras descartadas e adiadas se agrupam, principalmente, em i) livros, jornais, revistas e papelaria (-13,2%); ii) equipamento e material para escritório, informática e comunicação (-10,8%) e iii) veículos, motos, partes e peças (-12,8%).

    4 Setor de serviços cai 5,0% em 12 meses

    O setor que mais emprega trabalhadores no Brasil, o setor de serviços, teve queda de 5,0% nos 12 meses encerrados em março de 2017. O ciclo vicioso atual fica evidente através desse setor: milhões de desempregados consomem menos, as empresas aumentam as demissões pela queda no volume de serviços, o que vem agregar mais trabalhadores ao contingente desempregado.

    A maior queda se verificou nos serviços de transporte (-7,2%), seguida pelo setor de serviços profissionais, administrativos e complementares (-6,1%).

    Sobre o mais recente dado publicado, o IBGE informa: “em março, o setor de serviços apresentou queda de 2,3% no volume de serviços prestados frente ao mês anterior (série com ajuste sazonal), após ter registrado crescimento de 0,4% em fevereiro (revisado) e 0,0% em janeiro (revisado). Essa é a maior queda da série iniciada em 2012”.

    5 Inflação tem a menor taxa acumulada em 12 meses desde 2007

    A inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA – ficou em 4,07% no período de 12 meses terminado em abril de 2017. Segundo o IBGE, constituiu-se “na menor taxa em 12 meses desde julho de 2007, quando se situou em 3,74%”.

    A tabela abaixo nos mostra que, em abril, os preços do item alimentação foram os que mais subiram (0,15%) e os preços do item habitação foram aqueles que mais caíram (+0,17%), especialmente por conta da queda do preço da energia elétrica (6,39%).

    6 Considerações finais

    Houve um tempo em que o combate à inflação não era a principal meta das áreas de política econômica do governo, Banco Central, Ministérios da Fazenda e do Planejamento. O emprego e o crescimento eram mais importantes. Houve, é claro, exageros e “irresponsabilidades” fiscais.

    Mas, ao sairmos do oitenta, dos governos militares, em direção ao oito, dos governos pós Plano Real, perdemos a noção de que o que realmente importa na economia é o bem-estar que é possível proporcionar ao conjunto da população.

    Achar que, para crescer e voltar a dar emprego aos brasileiros, é preciso deixar mais de 14 milhões de trabalhadores desempregados, com a política de austeridade atual, é de uma miopia criminosa. A estabilidade política com um governo legítimo é o caminho para voltarmos aos trilhos, o único caminho.

    Notas

    1 PNAD – comunicado do IBGE em 28/04/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3420&busca=1&t=pnad-continua-taxa-desocupacao-vai-13-7-trimestre-encerrado-marco-2017

    2 Produção Industrial – Comunicado do IBGE em 03/05/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3422&busca=1&t=producao-industrial-cai-1-8-marco

    3 Vendas no varejo – comunicado do IBGE em 1/05/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3429&busca=1&t=vendas-varejo-caem-1-9-entre-fevereiro-marco

    4 Serviços – comunicado do IBGE em 12/05/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3430&busca=1&t=marco-setor-servicos-cai-2-3-relacao-fevereiro

    5 Inflação – comunicado do IBGE em 10/05/2017 em:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias?view=noticia&id=1&busca=1&idnoticia=3427

  • A inflação de janeiro foi baixa. Vamos comemorar?

    A inflação de janeiro foi baixa. Vamos comemorar?

    Há um mês “celebramos” a queda da taxa de juros. A chamada taxa Selic caiu de 13,75% ao ano para 13%. Um corte ousadíssimo, dado o conservadorismo dessa diretoria do Banco Central. Naquele momento, dissemos que o corte não era um bom sinal, mas mostra de uma economia em forte desaquecimento.

    Agora, somos informados, pelo IBGE, que a inflação de janeiro, medida pelo IPCA, ficou em 0,38%. Muito abaixo do que esperavam os sábios do mercado financeiro. O gráfico mostra a queda da inflação calculada em períodos de 12 meses. Devemos comemorar?

    Perdão, sem querer ser um estraga prazeres, pediria que olhássemos o quadro completo: Como anda o desemprego? Como andam as vendas no varejo e o setor de serviços? Como andam os indicadores de pobreza?

    Temos 12 milhões e 300 mil desempregados no país, é o que nos informou o IBGE. No gráfico abaixo é possível notar a aceleração do desemprego após 2014. Durante o ano passado 3,3 milhões de pessoas passaram a fazer parte desse enorme grupo de desempregados. Essas pessoas, certamente, não vão comemorar a inflação baixa de janeiro. Elas devem, sim, estar se perguntando se a inflação caiu por conta do emprego que elas perderam. Elas tem razão de questionar, uma vez que, de fato, as políticas que pretendem baixar a inflação atingem em cheio o emprego. Ou você acha que juros altos e cortes de investimentos e gastos do governo beneficiam o emprego?

    Será que encontraremos boas novas no comércio ou no setor de serviços? A pesquisa do IBGE nos mostra que as vendas do Comércio Varejista Ampliado caíram 8,7% em 2016. As vendas de veículos caíram 14% e as de material de construção caíram 10,7%. As vendas do comércio sem veículos e material de construção caiu 6,2% em 2016, Como mostra o gráfico abaixo.

    O setor de serviços engloba transportes, comunicação, alojamento e turismo, entre outros. A queda nesse setor foi de 5% em 2016. O destaque de queda (10,4 %) foi no transporte terrestre. Aqui, é importante ressaltar, está o transporte de cargas, como matérias-primas e produtos acabados para a indústria. Menos transporte para a indústria implica menor produção industrial. As dificuldades da indústria também se refletem nos preços: não dá para aumentar preços, se nem vender direito a indústria está conseguindo. Comemorar inflação baixa, às custas de queda na produção industrial, é absolutamente descabido.

    Aqui é fácil perceber que aqueles que continuam empregados estão receosos de trocar de carro ou construir/reformar suas casas. Um governo que, no meio de uma brutal recessão, só fala em cortes de investimentos e gastos consegue dar confiança para que os trabalhadores consumam, especialmente, bens duráveis como automóveis?

    E a questão da pobreza? Bem, nessa semana fomos surpreendidos por um estudo do Banco Mundial que afirma que, somente nesse ano de 2017, a recessão deve derrubar 3,6 milhões de brasileiros para baixo da linha da pobreza. Cerca de 1 milhão desses “novos pobres” passarão a depender do benefício do Bolsa Família, que já ajuda 14 milhões de pessoas, sublinha o estudo. O pior é que, quando imaginamos que esse quadro é passageiro, nos lembramos que o orçamento do governo está “encarcerado” até 2036.

    Mal comparando, podemos imaginar nosso carro num atoleiro, com lama por todos os lados. De repente, o alegre motorista exclama: “Senhores, nosso limpador de para-brisas está funcionando perfeitamente. Estamos no caminho certo. Isso não é maravilhoso?”

    Comemorar a inflação baixa de janeiro é a mesma coisa. A economia brasileira está num atoleiro. Há dois anos que afundamos na lama. As políticas econômicas adotadas ajudam a afundar mais e mais. O desemprego, a queda de um enorme contingente de pessoas abaixo da linha da pobreza, a queda das vendas no varejo, a queda nos serviços e a enorme queda no PIB devem ser esquecidos. Celebremos a “vitória” diante do monstro inflacionário e bom Carnaval para todos nós!

    Notas

    1 Para ver o relatório do IBGE sobre o desemprego: http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3367&busca=1&t=pnad-continua-taxa-desocupacao-foi-12-0-quarto-trimestre-2016-media-ano

    2 Para ver o relatório do IBGE sobre a queda das vendas no varejo:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3375&busca=1&t=dezembro-2016-vendas-varejo-recuam-2-1-fecham-ano-6

    3 Para ver o relatório do IBGE sobre a queda nas atividades do setor de serviço:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3376&busca=1&t=dezembro-setor-servicos-cresce-0-6-fecha-ano-5

    4 Para ver a matéria sobre o estudo do Banco Mundial:

    http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2017-02/banco-mundial-crise-pode-levar-36-milhoes-de-brasileiros-de-volta-pobreza

    Para ver o relatório sobre a inflação de janeiro de 2017:

    http://saladeimprensa.ibge.gov.br/noticias.html?view=noticia&id=1&idnoticia=3372&busca=1&t=ipca-fica-0-38-janeiro