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  • Sede da VALE é escrachada no Rio de Janeiro

    Sede da VALE é escrachada no Rio de Janeiro

    A porta da empresa Vale no Rio de Janeiro foi tomada por um ato de lama para cobrar que a empresa seja responsabilizada pelo crime ambiental que praticou em Mariana, Minas Gerais.

    “Já foi Vale do Rio doce, agora é a vale que matou o Rio Doce” afirma Isabel do Coletivo RUA.

    Além do assassinato da diversidade ambiental de um percurso de 500 km em dois estados brasileiros, centenas de vidas foram destruídas. “Os danos ainda não foram calculados, são imensuráveis e não podem ser mitigados ou reduzidos. Eles chamam de acidente mas é uma tragédia, um Crime” afirmou Marcelo Castanheda, Sociólogo presente na manifestação.

    A empresa é a principal acionista da Samarco, operadora das minas de ferro em Mariana-MG e irresponsável pela barragem que se rompeu. Segundo Marta Carvalho, Ambientalista, é necessário aprovar leis que punam e fiscalizem a mineração, já que “o lucro é privado mas a destruição é coletiva”, diz, apontando um caminho possível para o futuro da mineração: “Depois de tanta tragédia temos que fazer no congresso um marco legal que responsabilize as empresas e fiscalize esse descaso”.

  • É possível um elo entre Mariana e Paris?

    É possível um elo entre Mariana e Paris?

    Quando cheguei a uma certa idade comecei a fazer uma retrospectiva histórica, filosófica e sociológica do Brasil e do mundo, mais detidamente durante as décadas que vivi.

    Óbvio, para mim, pelo menos, que principalmente a partir do fim da 2ª guerra mundial, com a disputa pela hegemonia no poder por Estados Unidos e União Soviética, o mundo começou a mudar e a se tornar no que é hoje.

    Os Estados Unidos, para se impor ao bloco soviético, foram às últimas consequências para demonstrar que o sonho americano, o american way of life, o país livre, eram muito superiores ao que o comunismo pregava.

    E realmente eram. Pelo menos do jeito que as coisas estavam acontecendo.

    A publicidade extrapolou todos os limites ao explicitar ao bloco ocidental que, se as pessoas não consumissem sem parar, não contribuiriam para a manutenção do sistema.

    A exploração de recursos naturais se impôs, uma vez que havia a necessidade de suprir a indústria de matéria-prima.

    A proliferação de produtos eletro-eletrônicos exigiu a construção de mais e mais usinas, sejam elas hidráulicas, que destroem o meio ambiente ao redor, sejam elas termoelétricas, que poluem a atmosfera, ou nucleares que podem causar grande contaminação, como Chernobyl ou Fukushima.

    A obsolescência programada pelas empresas fez com que as pessoas trocassem seus produtos por outros assim que modelos novos fossem sendo lançados ou assim que os “antigos’’ com mais de um ano de fabricação começassem a quebrar sem que o conserto fosse a opção mais econômica.

    A Educação deixou de priorizar a produção de conhecimento, a pesquisa científica e o pensamento intelectual. Criou-se um funil destinado a selecionar somente aqueles que fossem capazes de ser úteis à manutenção do sistema. Aqueles que jamais perderiam seu tempo em reflexões acerca das conjunturas humanas, sociológicas, econômicas, filosóficas ou históricas, mas sim, o canalizariam em 100% para o crescimento das empresas em que trabalham.

    Afinal, era prioritário que eles galgassem cargos mais altos nas empresas.

    Aqueles que não passavam no funil ou que nem mesmo a chance tiveram de passar por ele, eram obrigados a viver suas vidas também de forma a alimentar o sistema, mas de outra forma. Seriam a mão-de-obra mais pesada das empresas, sempre nos postos inferiores.

    Outros seriam excluídos totalmente por terem nascido em lares muito pobres e desestruturados, não tendo a chance nem sequer de pensar em entrar para o sistema. São os miseráveis hereditários do mundo, que nem sabem por que estão aqui. Muitos não veem outra opção para sobreviver senão entrar para o crime, que pode lhes garantir, pelo menos por algum tempo, a ilusão de viver como os do andar de cima.

    A guerra fria acabou, mas o american way of life prosseguiu cavando o mundo cada vez mais avidamente, afinal, para alimentar o sistema e aumentar os lucros era imperativo extrair dele o máximo que se pudesse.

    Marx previu tudo isso e mais, mas não vamos falar dele sob pena de que o texto seja acusado de comunista, muito em voga nos dias de hoje, certo?

    Chegamos aos dias de hoje em que 1% da população mundial detém 50% de toda riqueza.

    Como riqueza não se cria, apenas se transfere (numa adaptação livre de Lavoisier), não há como melhorar a vida dos restantes 99% sem melhorar a distribuição dessa riqueza. Mas esquece, isso não será feito. Thomas Piketty falou sobre isso em seu livro “O capital no século 21”.

    Então o sistema criou uma casta de deuses que domina o mundo e uma multidão de simples fiéis. Alguns não serão fiéis, como se verá adiante.

    Para aumentar os lucros os deuses tudo podem.

    Pausa para uma história verídica.

    Na década de 1970 a Ford americana lançou um automóvel chamado Ford Pinto, alguém se lembra?

    Pois bem, o Ford Pinto tinha um erro de projeto. O tanque de combustível fora colocado atrás, muito próximo ao para-choques, o que fazia com que a cada colisão traseira, o tanque explodisse matando ou mutilando seus ocupantes.

    A Ford foi processada por alguns familiares de vítimas.

    Durante o julgamento, apareceu um memorando interno dando conta de um cálculo que a empresa fez.

    Nesse cálculo, estimava-se que o custo para reparar o erro seria de 11 dólares por veículo.

    A Ford estimou que, caso um certo número de vítimas a processasse e ganhasse, ainda assim seria mais barato manter o carro do mesmo jeito.

    Chegamos a um ponto na História da humanidade em que a busca do lucro se sobrepõe facilmente à vida.

    Por décadas esse sistema se infiltrou no nosso DNA, de forma que contestá-lo se torna heresia nos dias de hoje. Ao que tudo indica, vamos até o fim com ele, como o sapo que morre ao ser cozido lentamente na panela, quando teve oportunidade de sair. Sinto tristeza em ver que o mundo ocidental foi tomado por essa ideologia da qual não consegue escapar.

    Tudo isso que foi escrito se destina a tentar explicar os acontecimentos de Mariana e de Paris.

    Mariana

    Em Mariana, subdistrito de Bento Rodrigues, o que aconteceu foi uma busca incessante por lucros em detrimento da segurança.

    Burlas em laudos técnicos, fraudes, corrupção de agentes vistores e de governadores, tudo isso faz parte da rotina de uma grande empresa que só se preocupa com lucros.

    Nenhuma barragem, obra de engenharia que deve ser bastante segura em seu projeto, se rompe da noite para o dia sem dar sinais antes.

    Os sinais podem ter sido vários, desde fissuras no concreto até estalos bem altos.

    A tragédia foi anunciada, mas ignorada, em nome de se obter maiores lucros pois a interrupção de funcionamento para reparos e manutenção teria custos.

    Indo para Paris

    Em 2013, apareceu o grupo auto-intitulado “Estado Islâmico”, o EI, com a pretensão de derrubar o regime de Bashar al-Assad, presidente da Síria. Barack Obama rapidamente, informado pela CIA, enxergou a possibilidade de ajudar o grupo na defenestração de Bashar al-Assad, para pretensamente colaborar para a instauração de um “governo democrático” no país, que lhe possibilitasse usufruir do petróleo ali existente.

    Para não dar na vista, Obama divulgou à mídia que iria combater o EI. Pelo contrário, as armas que o grupo emprega são de fabricação norte-americana.

    O grupo só fez crescer.

    Quem se agregou ao grupo? Sim, os excluídos de vários países do mundo que viram em sua adesão ao EI uma oportunidade de fazer alguma coisa de suas vidas sem espaço no sistema em que vivem.

    Vimos ingleses, franceses a até americanos ingressarem voluntariamente no EI.

    A Rússia decidiu intervir e vem abrindo baixas significativas no EI. Obama não gostou.

    Provavelmente em pouco tempo a Rússia consiga acabar com o Estado Islâmico.

    O que aconteceu em Paris talvez seja um canto de cisne para o grupo.

    Porém, o que aprendemos das lições passadas nos últimos dias?

    Nada.

    O mundo continuará a prosseguir na mesma trilha equivocada em que está, a fraternidade universal não será alcançada, outros “acidentes’’ ambientais ocorrerão, novos grupos de excluídos e inconformados surgirão e a humanidade está com seus dias, talvez décadas, contadas.

    Alguém acha que sou muito pessimista, ou apenas realista?

    Não há a mínima possibilidade de mudança.

    Os deuses são como aquelas pessoas que tem carros blindados e que vivem em condomínios cercados por segurança extrema.

    Desde que tenham sua própria segurança, que acabe o mundo ao redor.

    Abre-se mais uma champanhe.


  • As Minas destruíram Gerais

    As Minas destruíram Gerais

    O relato de quem viu a vida ficar debaixo dos escombros

    Na coletiva de imprensa do governador Fernando Pimentel em Governador Valadares, um pescador da região questionou o fato de que os peixes estão morrendo e não vão ser “repostos”. “Não adianta dar multa só. Tem que voltar com os peixes para o rio. Somos 500 pescadores na associação. Precisamos disso para viver”. O governador, como em todas as outras perguntas, enrolou para responder e disse que precisa rever a lei ambiental do Estado, mas ele mandou um projeto de lei para a Assembleia que facilita a concessão de licença ambiental às mineradoras. Que feio, Pimentel. Um governo que mente para o pescador, para o ribeirinho, para o morador de Mariana e também o de Valadares. Para quem se diz do povo, está longe de ser.

    Foto: Fadia Calandrini

    O pescador do rio Doce não é o único preocupado com sua história e identidade. O seu Nélio Cordeiro, de Bento Rodrigues, chorou ao ver o lugar onde ele morava completamente devastado. “Eu vim para socorrer o outro fazendeiro, mas já tinha acontecido. Ele estava do outro lado, perto da cachoeira, tentando tirar as crianças. É triste demais, gente. Isso está sendo avisado há 20 anos. Isso aqui era uma vegetação nativa, mas com essa tragédia… Nossa Senhora!”

    Seu Nélio ouviu no rádio que a tragédia estava acontecendo. “Eu vim descendo. Vi peixes boiando, cavalo, cachorro, galinha. É triste demais. Triste demais mesmo. Agora acabou. Nosso município acabou. Tudo para quê? Para tirar o minério, para mandar ele para fora e nos dar isso de recompensa. É triste. Acabou o Bento. É horrível! É desastroso!”

    O fazendeiro ainda contou sobre a trajetória heroica dos professores que salvaram 70 crianças do desastre. “Ela (uma professora) foi muito ágil. Saiu da porta da escola com os meninos e subiu para lugares mais altos. Mas a gente não dormiu, a gente passou a noite desatinado. Que as autoridades tomem providências para que essas mineradoras trabalhem com mais segurança. É lastimável ver uma situação dessas, as matas ‘tudo’ (sic) devastada. Virgem Maria… Acabou!”

    O servente Waldeci da Silva Reis, de Santa Rita Durão, distrito de Mariana, também viu a tragédia acontecer. “Eu vi um pessoal tentando sair da lama. Passaram umas ambulâncias, mas estavam muito longe. Não resolveu nada. Aí estavam falando que a polícia estava batendo nos outros ainda. Nunca vi isso, bater em quem veio salvar, mas conseguiram tirar o menino no meio da enxurrada e ‘levar ele’ (sic) para o pronto socorro.”

    Foto: Fadia Calandrini

    Waldeci diz que passou por momentos desesperadores. “O pessoal estava pedindo socorro. A Samarco não tinha ligado a sirene para alertar o povo. É muita mentira. Tem muito tempo que a Samarco fala que está tomando providências para mudar isso e nunca fez nada. Agora já era. Nunca deu apoio para o pessoal. E agora que acontece a tragédia fala que vai tomar providência? Agora é tarde.”

    O servente afirma que foi uma tragédia anunciada. “Há muitos anos todo mundo fala que esse ‘trem’ ia estourar e matar o povo todo. Consegui salvar só um menininho. Ele estava na beira aí conseguimos salvar ele lá”.

    Jefeson Geraldo é vigilante e salvou várias pessoas da enxurrada de lama.“Eram umas 16h20. Ouvi uma explosão e achei que era tubulação que havia estourado. Mas, como o barulho era muito intenso e começou a quebrar muito mato, a gente percebeu que não tinha como ser a tubulação e sim a barragem que tinha estourado. Tentamos avisar o máximo de gente possível com escândalo porque não tinha mais como ir à casa de cada um. Conseguimos pegar o máximo de gente e colocar em caminhonetes para levar para cima, para os morros. Depois voltamos pela beirada, tentando ver se achávamos algumas pessoas e resgatar quem estava pedindo socorro mais próximo da margem.”

    Foto: Fadia Calandrini

    A casa de Jefeson, porém, não foi perdoada pelo desastre causado pela Samarco. “Não sei como ficou minha casa. Eu acho que não vejo ela nunca mais. A última vez que eu vi, ela tinha se desprendido do lugar, andou uns cem metros para cima e depois aí pelo rio abaixo”.

    O vigilante conseguiu salvar alguns familiares. “Graças a Deus eu consegui salvar minha família, alguns amigos e umas pessoas de idade. Mas dois primos meus estão desaparecidos. Ninguém sabe por onde anda, ninguém acha. De 1999 até 2005 havia muito boato sobre a barragem explodir. A gente começou a debater isso com a Samarco e eles falaram que não corria risco nenhum disso acontecer. E aquilo foi indo. Houve um ano, não me lembro ao certo, em que eles falaram que ela ia explodir, corremos todos para o ponto mais alto, mas não explodiu nada. Depois disso, a Samarco foi tranquilizando o pessoal e ninguém ficou muito preocupado porque no dia em que ela ia estourar, não estourou. Aí, ninguém se preocupou mais. E em um sol quente, de uns 35 graus, quatro horas da tarde, vem esse desastre acontecer.”

    Foto: Fadia Calandrini

    Jefeson acredita que faltou empenho por parte dos órgãos ditos competentes. “O governo mandou várias pessoas, mas não fez nada para ajudar a gente. A Samarco, que é uma das maiores responsáveis, junto com a Vale, nem aqui apareceu. Não mandaram socorro, não mandaram nada. Se não fosse a gente mesmo tentado nos ajudar, estava todo mundo morto. E Deus ajudou tanto que isso aconteceu quatro horas da tarde, quando estava todo mundo acordado. Porque se isso acontece onze horas da noite, por exemplo, não tinha ninguém para contar a história. Não dá nem para descrever o que eu sinto. É uma tragédia que levou tudo que era nosso. E não tenho suporte da companhia nem sei como vou recuperar um terço do que eu perdi.

    Maria Januária Nunes, também de Bento Rodrigues, estava na Arena Mariana à procura de quatro pessoas desaparecidas. “Eu deixei meu nome lá dentro; agora estou dando entrevista e quero saber onde eles estão enterrados ou soterrados. Minha casa está toda debaixo da lama, caiu tudo. Agora estou imaginando o inquilino que estava lá.

    Foto: Fadia Calandrini

    Um trabalhador da Vale, que também acha que a culpa é da Samarco, está com receio de sofrer represália. “A gente está indo trabalhar à paisana, já falaram de manifestações, que vão fechar o trilho. Estamos com medo de apanhar na rua. Mas a gente não fez nada. A empresa é culpada, o trabalhador não”.

    Uma senhora, que só se identificou como Luciene, estava na Samarco quando tudo começou. “A gente ouviu e achou que era um tremor de terra e fomos todos evacuados da área. Balançaram as paredes todas, mas falaram que era tremor. Só que daí a pouco chegou notícia de que a barragem tinha estourado e que tinha muita gente soterrada. Agora acabou com nosso distrito. Graças a Deus minha família ao menos está viva, mas eu só tenho a roupa do corpo agora e mais nada.”

    De acordo com relatos de diversos moradores do distrito, a Samarco sabia que a barragem podia se romper e agiu com descaso. A população precisa de respostas imediatas sobre o número real de desaparecidos e mortos.

    Foto: Olívia Porto Pimentel

    O que se vê na mídia tradicional não corresponde à realidade dos fatos. Foram vistos muitos carros do IML perto do distrito, helicópteros descendo e subindo, carros de funerária. E falam em apenas seis mortos? A população foi proibida de ajudar. Uma barricada formada pela polícia do Pimentel com funcionários da Samarco proibia os moradores de ajudar a encontrar os amigos no destruído distrito de Bento Rodrigues. Como disse a jornalista Laura Capriglione, “é o bandido cuidando da cena do crime”.

    *Que fique claro. A Samarco pertence à Vale e à BHP Billiton (maior mineradora do mundo). Ela deve ser responsabilizada e culpada pelo crime ambiental e pelos homicídios que cometeu. A Samarco é a única culpada de todo o desastre e deve pagar por isso.

  • TSUNAMI DE LAMA

    TSUNAMI DE LAMA

    Acusada de responsável pela tragédia, empresa da Vale cuida da cena do crime, exclui imprensa e deixa o povo de fora. Tá certo isso?

    Por Laura Capriglione, enviada especial dos Jornalistas Livres, com fotos de Gustavo Ferreira, em Mariana (MG)

    Arrancados de suas casas pelo tsunami gerado pelo rompimento das barragens Fundão e Santarém, repletas de lama tóxica, os moradores de Bento Rodrigues, arraial rural a 35 km do centro de Mariana, sofrem com outro tsunami: o de dúvidas, de mentiras e de dissimulação.

    As barragens sinistradas pertencem à mineradora Samarco, fundada em 1977, controlada pela toda-poderosa Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. Décima maior exportadora do país, a empresa faturou R$ 7,6 bilhões em 2014 e apresentou um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões. Apesar dessa contabilidade vistosa e de dizer em seu site na internet que preza pela vida “acima de quaisquer resultados e bens materiais”, os moradores de Bento Rodrigues reclamam que não havia nem mesmo uma simples sirene instalada e funcionando para alertar o lugarejo da ruptura das barragens. Poderia ter salvo vidas.

    Agora, no rescaldo da tragédia, os habitantes de Bento Rodrigues suspeitam que a empresa esteja priorizando o salvamento de sua imagem institucional em detrimento das vidas humanas e dos animais, atropelados pelo avanço medonho da lama.

    “Por que é que estão nos impedindo de entrar em Bento Rodrigues? A gente poderia ajudar na localização e no resgate dos desaparecidos e dos animais, porque conhecemos como ninguém a região, sabemos lidar com o mato. O que é que eles estão querendo esconder?”, perguntava um grupo de moradores indignados com o fato de serem mantidos à força longe de seu bairro.

    “Por que não permitem que pelo menos alguns de nós entrem, para ver o que está acontecendo?”

     

    Foto: Gustavo Ferreira / Jornalistas Livres

    Neste sábado, o prefeito de Mariana, Duarte Júnior (PPS), confirmou que 28 pessoas encontram-se “desaparecidas” após o rompimento das barragens. Dessas, 13 são funcionários da Samarco e trabalhadores de prestadoras de serviço. Outros 15 desaparecidos são moradores de Bento Rodrigues, dos quais cinco são crianças.

    O prefeito também reconheceu oficialmente uma segunda morte na tragédia. O corpo de um homem, ainda não identificado, foi encontrado no município de Rio Doce, a 100 km de Mariana, à beira de um rio, na lama. A primeira vítima reconhecida oficialmente foi um morador de Bento Rodrigues, que sofreu uma parada cardíaca ao ver o desastre.

     

    Foto: Gustavo Ferreira / Jornalistas Livres

    Todas as vias de acesso ao subdistrito de Bento Rodrigues encontram-se fechadas. Só entra e sai quem tem carta de autorização. Dezenas de soldados da PM mineira guardam a estrada principal. A estradinha alternativa está intransitável, cenário caótico de argila, rochas, tocos de árvores e restos de vegetação espalhados. Ninguém passa por lá.

    “A Samarco é acusada de um crime ambiental seríssimo, que pode ter causado dezenas de mortes, e é ela que ainda tem moral para cuidar da cena do crime? Que loucura é essa?”, reclama uma ativista ligada ao Movimento dos Atingidos por Barragens, quando um caminhão com gerador e luzes da Samarco ultrapassa tranquilamente a barreira policial que veda o ingresso dos moradores. (detalhe: na porta do caminhão, o logotipo da Samarco está tampado por um papel colado). Também camionetes e funcionários a serviço da empresa e devidamente autorizados por ela têm livre acesso ao local.

    A Samarco emitiu uma nota oficial aos investidores internacionais apresentando suas supostas razões para proibir o acesso ao terreno sinistrado:

    “Por razões de segurança, a Samarco reafirma a importância de não haver deslocamentos de pessoas no local do incidente, exceto das pessoas e equipes envolvidas no atendimento de emergência.”

    Apenas a título de memória e, é claro, considerando a diferença de escala, durante as operações de busca e salvamento que se sucederam ao tsunami que varreu a Tailândia, em 2005, o trabalho corajoso e sem tréguas de centenas de voluntários, inclusive fazendo o resgate de corpos humanos e de animais e, foi imprescindível para que a desgraça não fosse ainda pior. Não se alegaram questões de segurança para impedir o trabalho da solidariedade.

    Como é possível que as vítimas sejam mantidas afastadas e o acusado entre e saia à vontade?, pergunta Ângela, de 57 anos, que nasceu em Bento Rodrigues e agora vive em Catas Altas, vizinho, apontando para lugar nenhum, no vale entupido de lama. “Ali era a casa dos meus pais.” Só ela sabe onde.

    Mas o que perturba mesmo os sobreviventes e faz aumentar a tensão na entrada de Bento Rodrigues é a movimentação de helicópteros da polícia, subindo e descendo da “zona quente”, como denominam os bombeiros a área central e mais perigosa da catástrofe.

    Sem informações, proibidos de ver o que acontece no arraial, os moradores suspeitam que cadáveres humanos estejam sendo recolhidos do local e levados nas aeronaves para local ignorado. Duas testemunhas em Santa Rita Durão, localidade de Mariana que é passagem obrigatória para quem quer chegar a Bento Rodrigues, dizem ter visto viaturas do Instituto Médico Legal passando diante da delegacia em direção ao bairro sinistrado.

    “Foram fazer o quê? A Defesa Civil não diz que um dos mortos oficiais foi encontrado longe e o outro já foi retirado no primeiro dia? Então, por que os carros funerários?”, indaga-se Maria do Rosário, funcionária em um comércio de alimentos.

     

    Foto: Gustavo Ferreira / Jornalistas Livres

    Bombeiros civis, convocados para ajudar a impedir o acesso dos moradores ao arraial, confirmam a existência de muitos animais ainda vivos no local… Mas já registram a presença pesada da morte, que se anuncia pelo cheiro adocicado e repulsivo da carne em putrefação.

    Eles saem extenuados do local, depois de ajudar a deter uma moradora que, embrenhada no mato, tentava romper o cerco policial para achar a avó, desaparecida desde a quinta-feira. Segundo os bombeiros, a moça estava com o rosto e braços lanhados pela vegetação fechada, e com lama quase até o pescoço, tentando chegar à casa da parente. Ela resistiu fortemente aos que tentavam impedi-la de fazer sua busca. “Mas conseguimos retirá-la”, disse Paulo César, bombeiro civil de Nova Lima. A reportagem perguntou a ele: “E a avó dela?” O socorrista respondeu: “Infelizmente, está morta. Não tem como. Ali, é só desolação.”

    Mas a gente de Bento Rodrigues acha um crime deixar morrer no desespero do atolamento bois, vacas, cachorros, cavalos e galinhas –até passarinhos em gaiolas — que ainda sobrevivem no atoleiro.

    E eles existem.

     

    Foto: Gustavo Ferreira / Jornalistas Livres

    O passar monótono do tempo, sob sol forte e calor de 42ºC, sobe e desce de helicópteros, caminhões e camionetes entrando e saindo, nenhuma notícia, só é interrompido quando se ouve o grito: “Imprensa! Vem correndo! Aqui!”

    Descendo uma pirambeira, logo se vê um grupo de moradores trazendo machucada, mas viva, uma cadela grandalhona, pelo marrom, vira-lata, deitada em um catre feito com dois paus e um lençol marrom que já foi branco. “Ela estava enfiada metade do corpo na lama”. Os homens que a carregavam conheciam o bicho. Era do açougueiro Agnaldo, que havia passado a manhã tentando entrar em Bento Rodrigues para reaver o animal. Proibiram-lhe.

    “Tinha essa cachorra viva, podendo ser resgatada. Já vimos uma égua, que também está viva, enfiada até o pescoço na lama. Pode ter gente sofrendo, ainda viva, que foi arrastada pela lama pra longe”, angustia-se um dos salvadores da cadela.

    “Avisamos os bombeiros sobre a égua, mas eles nos disseram que não poderiam salvá-la, porque não dispunham de corda para puxá-la. É preciso correr com a ajuda, agora que o barro começou a secar. No entanto, não se viu uma só vez aquelas gaiolas penduradas nos helicópteros, ajudando nas buscas”.

    Foi à tarde que os heróis anônimos conseguiram burlar a segurança e esgueirar-se pela margens do mar de lama, onde encontraram a cadela machucada. Também encontraram um crucifixo de ouro de um metro de altura, que adornava o altar da igreja de São Bento, a igreja de Bento Rodrigues

    Entregue pelos homens humildes (Neimar, Leléu, Lilico, Jerry, pedreiros e mecânicos) à polícia, o crucifixo foi levado de camburão para o quartel da polícia militar de Ouro Preto. “Ficará lá à disposição das autoridades eclesiásticas”, disse o tenente Welby. Da igreja branquinha não se vê mais nem sinal. As mangueiras em torno dela estão lá ainda.

    O tenente Welby passava instruções ao soldado no posto de Santa Rita Durão: para este domingo, a zona quente seria ampliada e a barreira policial seria implantada bem antes, como forma de impedir os moradores de fazer seus resgates e salvamentos. E de ver o que se quer manter invisível.

     

    Foto: Gustavo Ferreira / Jornalistas Livres
  • Minas de tristeza

    Minas de tristeza

     

    Doeu ouvir tanta gente lembrar com nostalgia do restaurante que ficava sob as sombras das mangueiras de Bento Rodrigues. Doeu ouvir tanta gente falar de um lugar que não existe mais e que talvez nunca mais volte a existir. Foi assim durante toda esta sexta-feira: uma dor profunda nos olhos de todos que subiram e desceram as ladeiras de chão batido dos distritos que ficam ao norte do centro de Mariana, primeira capital de Minas Gerais.

    Foto: Bruno Bou

    Minas Gerais…. parece que, nesta semana, até o nome deste estado dói um pouco. Afinal, é mais uma vez ela, a mina, ou a mineração, o sonho de riqueza de uns poucos, o motivo de choro de tantos mais. Nunca saberemos quantos escravos, desde os tempos de um Brasil remoto, morreram para fazer o ouro brotar desta terra e enriquecer outras mais. Tantos séculos depois, queremos é saber, desta vez, quantos morreram para fazer minério de ferro virar fortuna para uns poucos por aqui. Pouco mais de um dia depois da tragédia, queremos entender muito mais.

    Por que a barragem de rejeitos rompeu? Por que não havia buscas por sobreviventes por terra em Bento Rodrigues, apenas pelo ar? Se outros animais resistiram sob a lama, por que humanos não poderiam ser encontrados também? Alguma outra barragem corre risco de se romper aqui em Mariana, como teme a população de diversos distritos, como o povo de Santa Rita Durão? Por que uma barragem maior ficava acima de um barragem menor, ao contrário da lógica? Elas estavam supercarregadas, como dizem alguns moradores? Havia obras de ampliação da barragem em andamento, como dizem alguns moradores? Elas podem ter causado a tragédia? Como uma barragem pode se romper num período de extensa estiagem? Por que havia duas barragens sobre as cabeças de uma comunidade inteira? Como as mineradoras e, especialmente, a Samarco, se relacionam com os moradores da região, afinal? Quais órgãos públicos vão se corresponsabilizar pela tragédia? Poucas destas respostas começaram a ser respondidas nesta sexta-feira.

     

    Foto: Bruno Bou

    Ao se aproximar da catástrofe, o distrito vizinho a Bento Rodrigues, Santa Rita Durão já dava o tom. A frente da igreja, moradores, alguns sexagenários, conversavam desconfiados. Ninguém se sentia seguro ali. A salvo das barragens de Santarém e do Fundão, estariam mesmo protegidos dos rejeitos da mina Alegria, localizada morro acima?

    No morro que serve de plateia para o vale onde está (ou estava) Bento Rodrigues, de pé sobre os imensos dutos da Samarco, o povo simples da região mirava o horizonte desesperançosamente. Sob a lama, nada se mexia. Afora um longínquo latido de cão e 15 resistentes mangueiras, tudo parecia morto.

    É provável que as autoridades pensassem o mesmo. Afinal, não havia qualquer resgate por terra. Nem carros, nem motos, nem tratores ou botes ou qualquer outro alento sobre a lama. A única procura vinha do alto e ficava longe, à distância de helicópteros e de seus agentes dependurados.

     

    Foto: Bruno Bou

    A 500 metros do distrito destruído, dois policiais militares e dois cones montavam uma portaria à brasileira: com jeitinho, era possível avançar através dela e se aproximar da “lama movediça”, que transformara para sempre Bento Rodrigues. Nos últimos passos em terra firme, ouvimos um forte mugido. À beira do antigo leito do rio, hoje um caminho impreciso de pura “lama movediça”, em vez de avistar uma vaca, no entanto, viram-se dois cavalos, que urravam, plenos de agonia. A égua estava coberta de lama até o pescoço. O potrinho, talvez seu filhote, agonizava caído, quase afogado. Era preciso chamar ajuda.

     

    Foto: Bruno Bou

    Morro acima, a reportagem encontrou um quarteto de policiais militares, que justificaram, mesmo sem verificar, que era impossível tirar os animais daquela situação. Por sorte, sem missão definida naquele momento, o bombeiro civil Dennis Valério passava pelo local. Ele ouviu a história, se convenceu da missão e chamou reforço: mais de vinte homens e mulheres.“Os bombeiros trabalham com vida, qualquer forma de vida”, lembrou o subtenente Selmo de Andradre, que passou a chefiar a operação.

    Foto: Bruno Bou

    Durante uma hora e meia de intenso esforço, os bombeiros enfiaram os pés, as pernas e o corpo inteiro na lama para salvar o potro, muito mais leve que a égua. Era um lindo esforço para salvar “um ser de Deus”, como disse um dos agentes da linha de frente. Não seria fácil. A cada puxão, a lama voltava a mostrar a sua força para o povo mineiro. Tal qual um cimento úmido prestes a endurecer, a lama fazia questão de agarrar o potrinho de volta. A luta era simbólica. Em um dia tão trágico, salvar qualquer vida que fosse recarregava todos de ânimo.

    “Ninguém ganha medalhas por encontrar cadáveres”, gritou um outro agente, posicionado na retaguarda da missão. Uma salva de palmas comemorou o sucesso da jornada. Todo sujo e assustado, o potro renasceu da lama e se pôs de pé.

    Entre os personagens de dias tão inesquecíveis na região, o nome de Danilo era o mais falado. Seria um jovem heroico, que salvara boa parte dos moradores de Bento Rodrigues na madrugada passada. Uma servidora da Secretaria de Saúde de Mariana garantiu ter visto o moço subir ao topo das árvores para buscar cinco jovens desesperados. Danilo teria ainda levado água e comida para quem aqueles que não conseguiu resgatar. Possuído por amor e coragem, também teria aberto caminhos alternativos, na escuridão total, para servir de fuga para seus vizinhos que ficaram presos no distrito destruído.

     

    Foto: Bruno Bou

    Danilo nem é tão jovem. Já está com 39 anos. O resto todo, ao que tudo indica, é mesmo verdade. De qualquer modo, encontrado em sua casa em Santa Rita, exausto de um dia tão cansativo quanto triste, evitou a reportagem. Disse que não era herói. Que não queria ser herói dessas circunstâncias.

    Aliás, ninguém quer. O que se quer, agora, são respostas.