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  • Os negócios da fé e o militarismo nas eleições municipais: o futuro-presente das esquerdas

    Os negócios da fé e o militarismo nas eleições municipais: o futuro-presente das esquerdas

    Em nossa contribução ao livro Do Fake ao Fato (des)atualizando Bolsonaro procuramos usar as palavras “atualizados” e “obsoletos”, entrecruzando-as com as definições clássicas de direita e esquerda, para compreender a base bolsonarista. Esse cruzamento pareceu-nos útil para entender a relação desses eleitores com o tempo, como atualizados de direita e de esquerda; e obsoletos de direita e de esquerda. É partindo dessa compreensão teórica que aqui nos perguntamos: Como reagir ao crescimento vertiginoso de candidaturas evangélicas e militares em nossas últimas eleições?

    Mayra Marques, Mateus Pereira, Valdei Araujo, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana

    Frente a um tempo agitado e marcado pela chamada destruição criativa, somos levados a nos compreender como atualizados ou obsoletos em um ambiente hostil que parece nos cobrar um preço sempre mais alto pelo simples direito de existir. Essa sensação é parte do que temos chamado de atualismo, uma ideologia hegemônica que avalia e divide as pessoas por seu grau de atualização. O sujeito atualizado pode ser no máximo um surfista que tenta se equilibrar nas ondas de atualização e teme a todo momento se afogar em um oceano de coisas, comportamentos, linguagens e tecnologias consideradas obsoletas. Nessa metáfora, a história é um profundo oceano de esquecimento no qual estamos ameaçados de afundar.

    O sujeito rotulado de obsoleto existe com a contínua sensação de sua incapacidade de sobreviver à próxima onda de atualização. Não por acaso, o vocabulário da extinção é continuamente invocado para caracterizá-lo: ele é o peixe fora d’água ou o dinossauro que se recusa a desaparecer. Atualizado e obsoleto são as duas condições que a ideologia atualista reserva aos humanos, atribuindo valor exclusivo ao estar atualizado. O atualismo pretende nos convencer que apenas o que é atual merece existir. Essa ameaça existencial do atualismo produz ansiedades e ressentimentos que são amplamente explorados pela direita. Curiosamente, a mesma direita que patrocina a visão de um mundo em que apenas os mais fortes (atualizados) merecem viver, tem sido exitosa em capitalizar com o medo de extinção de setores dos grupos sociais que se enxergam como  maiorias. Neste grupo, os militares e religiosos conservadores se destacam.

     Comecemos por relembrar um fato ocorrido na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2020, que em decorrência da pandemia de Covid-19, aconteceu de forma remota. Na ocasião, o presidente Jair Bolsonaro fez um discurso no qual, dentre várias informações distorcidas, fazia “um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”[1] e encerrou a sua fala afirmando que “o Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base”. Nota-se que o esforço em manter os laços com a comunidade cristã, em especial a evangélica, não foi algo que se restringiu aos palanques eleitorais; assegurar este importante apoio é uma constante de Bolsonaro, mesmo estando há quase dois anos na presidência: após vetar o projeto de lei que pretendia perdoar as dívidas das igrejas, Bolsonaro declarou, no Twitter, que ele mesmo derrubaria seu próprio veto, caso fosse um senador ou deputado[2]. Desta forma, mesmo quando parece não agir em favor das igrejas, o presidente reforça a sua imagem como um defensor e propagador da religião cristã.

    Alguns meses antes da Assembleia da ONU, a Deutsche Welle noticiou que muitos pastores apoiavam o discurso de Bolsonaro, que diminuía a gravidade da Covid-19 e defendia a reabertura do comércio, e mantinham suas igrejas abertas, embora a maioria dos fiéis preferisse ficar em casa[3]. Para Edir Macedo, quem nada teme não precisa se preocupar com o vírus; já, para Valdemiro Santiago, a doença seria uma vingança divina. O primeiro é um bispo evangélico fundador da Igreja Universal do Reino de Deus e proprietário de uma das maiores emissoras de televisão do Brasil, a Rede Record, enquanto o segundo é fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus e possui um programa na Rede Bandeirantes. Além do fato de ambos possuírem fortunas dignas de serem relatadas na Revista Forbes e de possuírem programas religiosos na TV aberta, outro fato os une: os dois têm o apoio a Bolsonaro.[4]

    O atual presidente foi eleito com grande adesão do eleitorado evangélico. Cerca de um terço da população brasileira é de alguma denominação evangélica, dentre os quais 42% ajudaram a eleger Bolsonaro[5]. Embora seja católico, o atual presidente, que até então era apenas um capitão “excêntrico” que defendia o lobby corporativo dos militares, foi batizado pelas mãos do pastor e deputado Everaldo Dias, em 2016, no rio Jordão, e costuma frequentar cultos com sua esposa na Igreja Batista. Seu lema de campanha “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, assim como o combate a pautas progressistas, como a legalização do aborto e o casamento homo-afetivo, fizeram com que muitos pastores o apoiassem e aconselhassem seus fiéis a votarem nesse candidato.

    É bom destacar que o discurso de Bolsonaro nem sempre manteve essa ênfase na religião: entre 2004 e 2012, por exemplo, os seus temas principais eram o anticomunismo e o favoritismo ao militarismo, mas, a partir de 2013, ao se aproximar do então presidente da Comissão de Direitos Humanos, o pastor Marcos Feliciano, ele passou a ter mais contato com a “Bancada Evangélica”, incluindo aspectos religiosos às suas falas. Marcos Feliciano, pastor da igreja neo-pentecostal Catedral do Avivamento e vice-líder do governo no Congresso, e Silas Malafaia, pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foram incluídos entre seus principais conselheiros.

    A Frente Parlamentar Evangélica, popularmente conhecida como Bancada da Bíblia, compõe parte considerável do Parlamento: dos 594 parlamentares, 203 pertencem ao grupo, sendo 195 deputados e oito senadores, o que significa mais de 30%. Os partidos que têm maior adesão a esta frente são: o Partido Social Liberal (PSL), Partido Social Democrático (PSD), Republicanos, Partido Liberal (PL), Progressistas (PP) e Movimento Democrático Brasileiro (MDB), embora haja representantes de diversos outros partidos, incluindo o Partido dos Trabalhadores (PT) . Em 2019, a Frente Parlamentar Evangélica foi considerada, pelo “Estadão”, a bancada mais governista dos últimos cinco mandatos presidenciais, pois 90% dos seus votos foram a favor do governo . Após a saída de Bolsonaro e seus filhos do PSL, houve a tentativa de criar o partido Aliança pelo Brasil, que fracassou. Assim, a ex-mulher do presidente, e seus filhos, Carlos e Flávio Bolsonaro, se filiaram aos Republicanos, partido que contém 24 parlamentares na Frente Parlamentar Evangélica. Jair Bolsonaro segue sem partido, mas não seria de se espantar que ele também se filiasse ao Republicanos, pois além deste partido ser um dos mais presentes na Bancada Evangélica, também é o partido do atual prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, sobrinho de Edir Macedo e bispo da Igreja Universal do Reino de Deus.

    Santinho da campanha de Crivella

    Crivella busca a reeleição no pleito deste ano e, para isso, tentou uma aliança com a ala bolsonarista do antigo partido do presidente, o PSL. No entanto, o partido preferiu não se associar ao atual prefeito do Rio devido ao seu suposto envolvimento em um esquema de corrupção. Mesmo assim, Crivella optou por uma candidata a vice-prefeita bastante simbólica, pois tem duas características que podem ser bastante atrativas para os apoiadores do presidente: ela é militar e católica. Enquanto o catolicismo da tenente-coronel Andrea Firmo pode arrebanhar votos de mais cristãos, englobando os católicos, ela ainda tem uma carreira militar digna de nota: ela foi a primeira mulher a comandar uma base da ONU na África. Assim, essa candidatura tem tudo para agradar as duas principais alas do bolsonarismo.

    Segundo um levantamento feito pelo Observatório das Eleições, o número de candidatos a prefeito, com títulos militares, aumentou em mais de 300% desde 2016, enquanto o aumento no número de vereadores que seguiram a mesma “estratégia” foi de 56%. Embora o crescimento da porcentagem de candidatos com títulos religiosos tenha sido menor, ele ainda existe: mais de 10% dos candidatos a prefeitos e mais de 40% dos candidatos a vereador[6].Os partidos que lideram este crescimento são os mais próximos a Bolsonaro: o PSL é o partido com mais candidatos militares, enquanto o Republicanos é o partido com mais candidatos religiosos. Os gráficos abaixo mostram que os eleitores conservadores terão muitas possibilidades de escolha em 2020:

    Fonte: Observatório das Eleições

    O antropólogo Juliano Spyer identifica uma transição religiosa no país: caso o número de evangélicos continue crescendo no ritmo que estamos assistindo, até 2032 eles serão maioria. Para o antropólogo, uma das razões fundamentais para este crescimento é o papel que muitas igrejas desempenham como uma espécie de “bem-estar social informal”, promovendo uma melhora na qualidade de vida de muitas pessoas pobres que o Estado não consegue promover de forma satisfatória[7]. Ainda que seja uma explicação insuficiente, ela ajuda a explicar o crescimento que assistimos, já que seria preciso, inclusive, construir distinções entre igrejas propriamente ditas de corporações disfarçadas de igrejas.

     E é preciso lembrar que há personalidades políticas que também são evangélicas, mas com tendências progressistas, como Benedita da Silva e Marina Silva, mas com posicionamentos bastante diferentes dos de Bolsonaro e seus seguidores. Já, em relação aos militares, é possível trazer políticos relacionados à segurança pública para o campo progressista, como mostram as candidaturas, bastante contestadas, por militantes e filiados, de Denice Santiago, ex-major da PM, como candidata à prefeitura em Salvador pelo PT; e do ex-coronel da PM e católico praticante, Ibis Pereira, como candidato a vice-prefeito no Rio de Janeiro pelo PSOL. Oportunidade para dizermos que a esquerda também pensa em segurança pública? Talvez.

    De todo modo, o nosso ponto é que no interior da nossa tipologia, entre atualizados e obsoletos, a hierarquia superior, entre militares e evangélicos, tende a ser mais atualizada, ao passo que a “base” tende a ser classificada e algumas vezes se considerar obsoleta frente aos valores que se apresentam como atualizados. Assim, um dos desafios do campo progressista passa, obviamente, por criar pontes e conquistar parte dos setores atualizados e obsoletos desses segmentos, em especial, os últimos, pois como vimos acima os pastores-políticos atualizados são hábeis em mudar de lado, caso o vento mude. Considerar estas pessoas como líderes religiosos é não entender o principal de suas atuações, justamente a dissolução das fronteiras entre política, religião, entretenimento e negócios.

    No entanto, parece que só o campo progressista pode atuar em vantagem em um aspecto. Essas duas possibilidades existenciais, atualizados e obsoletos, parecem cegas para os verdadeiros operadores do atualismo, as grandes empresas e corporações que monopolizam o novo mercado de dados, o que Shoshana Zuboff, em The Age of Surveillance Capitalism, chamou de “capitalistas da vigilância”: “A combinação entre conhecimento e liberdade funciona para acelerar a assimetria de poder entre os capitalistas da vigilância [Google, Facebook, Amazon etc] e as sociedades nas quais eles operam. Este ciclo será quebrado apenas quando reconhecermos como cidadãos, sociedades, e mesmo como civilização, que os capitalistas da vigilância sabem demais para se qualificarem para a liberdade”.

    Em outras palavras, queremos dizer que no Brasil o capitalismo de vigilância adquire uma “cor local” quando percebemos que há uma aliança tática entre as grandes corporações do capitalismo de vigilância com outras duas corporações e seus líderes atualizados: a militar e a evangélica, não excluindo aqui certo conservadorismo católico. E essa aliança constrói guerras culturais de atualização bastante específicas e estranhas a uma parte considerável do campo progressista, pois está assentado em discursos, práticas e tradições que pensávamos superadas. 

    Mateus Pereira, Mayra Marques e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Mayra Marques é doutoranda em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e aos grupo Proprietas pelo apoio e interlocução neste projeto.


    [1] https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/discursos/2020/discurso-do-presidente-da-republica-jair-bolsonaro-na-abertura-da-75a-assembleia-geral-da-organizacao-das-nacoes-unidas-onu

    [2] https://www.camara.leg.br/noticias/692461-deputados-criticam-tweet-de-bolsonaro-sobre-veto-a-isencao-de-tributo-a-igrejas

    [3] https://www.dw.com/pt-br/evang%C3%A9licos-fazem-coro-com-bolsonaro-e-negam-riscos-do-coronav%C3%ADrus/a-53000050

    [4] https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/pastores-se-destacam-entre-lideres-que-orbitam-governo-de-bolsonaro.shtml

    [5] https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2018/10/07/interna_internacional,994989/quem-sao-os-eleitores-de-bolsonaro.shtml

    [6] https://noticias.uol.com.br/colunas/observatorio-das-eleicoes/2020/09/30/aumentam-as-mencoes-a-titulos-militares-e-religiosos-nas-urnas-em-2020.htm

    [7] https://www.dw.com/pt-br/igrejas-evang%C3%A9licas-s%C3%A3o-estado-de-bem-estar-social-informal/a-55208669

  • Jovem acusa nova ministra dos Direitos Humanos de querer ocultar estupro cometido por Marcos Feliciano

    Jovem acusa nova ministra dos Direitos Humanos de querer ocultar estupro cometido por Marcos Feliciano

    jovem jornalista Patrícia Lélis23que denunciou em agosto de 2016 o deputado federal Marco Feliciano (ex-PSC, atual Podemos) por estupro, cárcere privado, sequestro e danos morais, publicou no último 1º de dezembro em seu Facebook que a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos escolhida por Jair BolsonaroDamares Alvessempre soube destes supostos crimes, anexando, ao post, prints de uma conversa entre as duas por Whastapp. A jovem a acusa de querer esconder o estupro e todos os crimes supostamente cometidos por Feliciano, assim como os do senador Magno Malta (Partido da República), a quem Damares prestou assessoria parlamentar durante os seus mandatos, e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), ex-namorado de Patrícia, que a ameaçaram para se calar sobre o caso.

     

    De acordo com a postagem, por diversas vezes, a agora ministra, que também é pastora e advogada, pediu para que Patrícia não contasse a ninguém sobre o estupro. “Na Polícia Federal, falei sobre todos que sabiam do meu caso, e também deixei o celular para perícia. E digo mais: Ela não sabe apenas do meu caso, sabe de muitos, mas como sempre tenta silenciar as vítimas. Esses são os cidadãos de bem do governo Bolsonaro. Aos pais que frequentam a igreja e colocam pastores acima de tudo, eu só peço que tenham cuidado e escutem mais seus filhos, eles podem estar sofrendo assédio, estupro e ameaças para ficarem calados”, alertou Patrícia.

    A futura ministra, que ainda nem assumiu o cargo, já marca presença nas mídias tradicionais com frases como essa:

    “Hoje, a mulher tem estado muito fora de casa. Costumo brincar como eu gostaria de estar em casa toda a tarde, numa rede, e meu marido ralando muito, muito, muito para me sustentar e me encher de joias e presentes. Esse seria o padrão ideal da sociedade. Mas, não é possível. Temos que ir para o mercado de trabalho…”

    Ela fala como se as mulheres que o trabalho doméstico não fosse um tipo de trabalho (pesado, por sinal). Fala como se o trabalho fora de casa não tivesse nenhuma relação positiva com liberdade e emancipação, capacidades e igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres. 

    Para Patrícia, Damares enviou uma mensagem com o intuito de constrangê-la e calá-la sobre os estupros:

    “Patrícia, pense um dia em usar sua visibilidade para também dar voz a elas (às crianças). Precisamos de todo apoio para aprovar nossa lei. Li uma matéria triste sobre você. Saiba que meu silêncio em relação a você é necessário. Mas, de longe, estou acompanhando tudo e quero o melhor para você e sua mãe. Oro para que tudo isto acabe logo. Entrei nesta história quando a Marisa mandou você me procurar. Não pude fazer nada na época por você senão orar. Continuo orando. Se cuida, Patrícia. Se cuida. Deus é Deus, nunca se esqueça disso. Esta fase vai passar.”

    Indignada com a resposta omissa da advogada e assessora parlamentarPatrícia se posicionou contra a religiosidade oferecida pela ministra:

    “Espero de coração que essas crianças fiquem bem, pois elas não tem culpa de onde nasceram, ou do que passam na vida delas. O que é lastimável. Porém, mesmo com todo meu desejo que essas crianças fiquem bem, também desejo que elas fiquem longe de qualquer tipo de religiosidade, e também de pessoas religiosas. Jamais me manifestarei novamente sobre algo, pedindo orações, pois sinceramente senti na pele que de nada resolve, e no meio cristão estão as piores pessoas, e também as mais sem caráter. A começar por Feliciano, Marisa Lobo, e Sara Giromini. Sobre o seu silêncio, não cabe a mim dizer nada, cada um age da forma que mais lhe convém.” 

    Na sequência, a ministra fala sobre as crianças indígenas suspostamente estupradas, assim como Patrícia e as demais mulheres da igreja.

    Patrícia, eu amo as crianças indígenas e elas são a razão da minha vida, eu as amo muito e oro por elas. Outra coisa: no meio religioso tem gente boa e gente ruim. Como tem em todo lugar. Você, com certeza, no meio religioso encontrou gente boa ao longo de sua vida. Gente que te amou e te ama. Gente que torce por você. Eu encontrei pessoas que te elogiaram muito dentro de uma igreja, mas muito mesmo. Você era muito talentosa na igreja. Patrícia, quanto a mim e a você, esta é uma história para depois. Mas se tu soubesses o que estou passando por ter ficado do seu lado. Se tu soubesses de tudo que já sofri e olha que fiz tão pouco por você. Eu apenas te ouvi duas vezes e depois ouvi sua mãe. Não fiz nada mais que meu coração de mãe e mulher mandou fazer naquele momento que era lhe ouvir e ouvir sua mãe. Talvez tivesse que ter feito mais. Muito mais.”

    Em outro trecho, ela diz:

    “Sua resposta pra mim soou como hostil. Não achava que você tivesse triste comigo ou guardasse mágoa de mim. Pelo contrário. Achei que você tivesse visto em mim alguém que orava por você e torcia pra que tudo isto acabasse logo. Mas tudo bem. Vamos caminhar. Já sofri demais com esta história também. Continuo aqui se você precisar. Deus a abençoe. Tudo isto vai passar.”

    A jovem se defende:

     

    “Não fui hostil, não entenda assim. Eu tenho raiva de todas as pessoas que sabiam, e se mantiveram omissas e não me ajudaram. Sobre eu ser talentosa na igreja, bom…sempre fui boa em tudo que faço, e sinto um ódio profundo por ter nascido nesse meio tão podre e moralista! A igreja me adorava enquanto eu fazia o que me era imposto, o que era ‘bonito aos olhos dos irmãos’. Mas, quando decidi pôr um ponto final em tudo que o Feliciano me fazia, todos me viraram as costas. Quando te procurei, sinceramente, era um momento em que o Feliciano colocava o Bauer atrás de mim, e tudo que eu queria era ficar longe dele! E se você passou por algo ao me defender, imagina o que eu passo todos os dias. É uma soma de tentar me defender + provar na Justiça que não peguei dinheiro + tentar esquecer que fui abusada e agredida pelo Feliciano. Já pensou sobre isso? Sinceramente jurei que você me ajudaria, pois várias pessoas me disseram que, por você ser assessora do Magno Malta, poderia me ajudar. E tudo o que tive em troca foi omissão. Você mesma disse a mim que sabia de casos absurdos do Feliciano, e como você se tornou omissa a tudo isso? Olha pelo que eu passei e estou passando! Mais uma vez tenho a certeza que pessoas evangélicas não se importam com vítimas de crimes, mas sim com dinheiro, fama, holofotes e uma suposta moral da igreja. 

    Na mesma semana, Patrícia também publicou em seu perfil do Facebook uma conversa em vídeo entre ela, sua mãe e uma pastora da mesma igreja de Marco Feliciano conhecida por Dani Alexandria, que confirma ter sido amante dele, além de cúmplice nas ocultações dos estupros e coações, já que era ela mesma quem oferecia dinheiro às vítimas para que se calassem, não denunciando o deputado, assim como ofereceu à Patrícia. Assista ao vídeo na íntegra aqui.  https://www.facebook.com/927456067309372/posts/1981449791909989/

    Em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, feita por Viviane Ávila, Patrícia Lelis conta como conheceu a ministra Damares Alves, a pastora Dani Alexandria, e fala sobre a relação delas com Marco Feliciano, Magno Malta, a igreja neopentecostal e suas vertentes. 

     

    Jornalistas Livres: Como começou sua relação com a pastora Damares Alves? 

    Patrícia Lelis: Eu conheci a Damares dentro do PSC e sempre tive um bom relacionamento com ela. Quando parei de ir trabalhar na câmara por conta do estupro, logo nos primeiros dias ela me procurou, porque a Marisa Lobo, então psicóloga do Feliciano, já sabia do caso e pediu a ela para que conversasse comigo. Na mesma semana em que ela me procurou eu fui até o gabinete do Magno Malta, onde ela trabalhava, e conversamos. Mostrei todas as conversas, inclusive cheguei a atender uma ligação do Feliciano na frente dela. Ele me ligava com muita frequência, pois as pessoas na Câmara já estavam estranhando a minha ausência repentina. Foi então que ela me disse que tinha certeza sobre o estupro e que não duvidada da minha palavra e dos fatos, pois ela e a Marisa Lobo sempre ajudavam mulheres mais ou menos da mesma idade que a minha que também tiveram “problemas”, leia-se: estupro, com o Feliciano. Desde que ficou sabendo, a Damares me ligava todos os dias, segundo ela, para saber se eu estava bem. Também ligava para minha mãe para saber se eu tinha contado algo a minha família. Desde o início, ela me pediu para não contar nada, porque não poderíamos escandalizar a igreja e muito menos dar assunto para esquerda falar sobre os atos da então direita política e dos pastores. Eu ficava devastada a cada ligação que ela fazia e me perguntava se eu estava bem, mas logo em seguida ela me perguntava se eu tinha contado ou mostrado as provas para alguém.

    Jornalistas Livres: E qual a sua relação com a outra pastora, Dani Alexandria, do vídeo que você publicou no Facebook no último dia 2? Como se conheceram? Eram da mesma igreja?  
     
    Patrícia Lélis: A pastora Dani era da mesma igreja do Feliciano, em São Paulo. Ela me procurou via mensagem no Instagram, disse que tinha várias provas contra o Feliciano e que queria denunciar. Inicialmente eu achei que se tratava de outra vítima de estupro.

    Jornalistas Livres: Mas, de acordo com o vídeo, a pastora Dani era amante dele e recebia dinheiro para manter segredo sobre o caso deles e ainda oferecia dinheiro a mando de Feliciano para meninas que eram estupradas se calarem… Por quem essas meninas eram estupradas? Por membros da igreja ou por ele mesmo? 
     
    Patrícia Lélis: Exato. Eles eram amantes, Feliciano dava uma “mesada” a ela….e quando ele queria ter relações sexuais com outras mulheres, ela o ajudava a chegar nessas mulheres e, quando elas recusavam, o Feliciano abusava, estuprava. E a pastora Dani vinha logo depois oferecendo dinheiro para essas meninas não contarem o que ocorreu, e sempre com o mesmo papo de “não foi estupro, ele é um homem de Deus…”.

    Jornalistas Livres: Quantos processos você move contra Feliciano e por quais razões? 
     
    Patrícia Lélis: Um processo criminal, que é sobre o estupro, cárcere privado e sequestro, e um de danos morais. 

    Jornalistas Livres: Você também move processo contra Eduardo Bolsonaro, não é? Vi matéria sobre ameaças que ele teria lhe feito pelo whatsapp…   

     
    Patrícia Lélis: O processo de ameaça do Eduardo Bolsonaro foi aberto pela própria PGR logo após perícia no meu celular. Desde o dia em que o Eduardo, assim como outras pessoas do PSC ficaram sabendo do estupro do Feliciano, todos, sem exceção, tentaram me coagir a receber dinheiro em troca do silêncio, e quando viram que eu não aceitaria dinheiro, começaram as ameaças. Com o passar do tempo, eu fui tomando consciência do que estava acontecendo e comecei a não aceitar mais essas ameaças e então fui registrando ocorrência, e desde então pararam.

    Jornalistas Livres: Ainda sobre o vídeo com a Dani, você o anexou como prova em algum processo? Pode dizer em qual processo ou se abrirá um novo? 
     
    Patrícia LélisMinha defesa anexou todos os vídeos e conversas no processo contra o Feliciano sobre o estupro.

    Jornalistas Livres: Quais as suas expectativas com relação às investigações e andamento dos processos? 
    Patrícia Lélis: Sinceramente, nenhuma. Eu duvido que exista Justiça nesse tipo de caso e, com um STF que podemos questionar sua conduta, ainda mais agora com o Moro como ministro…

    Jornalistas Livres: Você está morando fora do Brasil? Desde quando? Quais seus planos para o futuro próximo?  
     
    Patícia Lélis: Tenho proteção, sim. Eu vim logo após o segundo turno. Meu marido é americano, e inicialmente pensamos em continuar morando no Brasil, porém, com a eleição de Jair Bolsonaro, o Mark achou que seria extremamente perigoso e também teríamos ainda mais gastos com segurança. Então resolvemos morar aqui e recentemente comecei meu mestrado.

    Jornalistas Livres: Como você lida psicologicamente com toda essa situação?

    Patrícia Lélis: Atualmente, eu estou bem, mas ainda não é fácil. A cada dia que se passa, eu tenho me tornado mais forte. Eu fiz a escolha de lutar todos os dias contra as pessoas que se acham acima da lei. A minha escolha foi permanecer viva, resistente e sempre contar aos quatro cantos do mundo o que é a direita política e principalmente a bancada evangélica.
    Jornalistas Livres: Cite as principais notícias falsas a seu respeito relacionadas a estes casos. 

    Patrícia Lélis: Nossa, essa é boa…São tantas. Mas as principais são: O laudo de mitomania, que já foi desmentido na Justiça, porque eu nunca me consultei com a Marisa Lobo e provei isso. E uma das mais absurdas também é sobre um suposto câncer no cérebro. Gente, isso é tão absurdo. Eu nunca tive câncer na vida, graças a Deus.

    Jornalistas Livres: Quem é a Patrícia Lélis hoje, depois dessas violências todas?

    Patrícia Lélis:Eu posso dizer que eu renasci e o feminismo me garantiu a liberdade do renascimento. Eu vivia em um mundo quadradinho, onde nunca podia falar minha opinião, e hoje eu entendo o que é o feminismo. O feminismo me trouxe novos sonhos, hoje eu posso não apenas sonhar, mas também acredito que eu posso realizar uma infinidade de coisas porque o mundo não é apenas dos homens. E o principal: O feminismo me ensinou que tudo que viola meu corpo, é estupro. E eu vou lutar até o fim contra toda a violência que sofri, não só por Justiça a mim, mas para incentivar todas as mulheres violentadas, seja de qualquer forma, a denunciarem.

    Deputados Marcos Feliciano e Jair Bolsonaro se abraçam e Eduardo Bolsonaro filma. Foto: Lula Marques/Agência PT

     

    Outro Lado

    Jornalistas Livres tentaram contato com a ministra Damares Alves, sem sucesso. Espaço será garantido à ministra para que manifeste suas convicções sobre este episódio e sobre os assuntos relativos a sua pasta.

  • ESCOLA SEM PARTIDO OU ESCOLA DA MORDAÇA?

    ESCOLA SEM PARTIDO OU ESCOLA DA MORDAÇA?

    A Comissão Especial destinada a proferir parecer ao Projeto de Lei nº 7180, de 2014 (Escola Sem Partido) realizou mais uma Audiência Pública no dia 14 deste mês de março. Participaram como convidados Carina Vitral – presidente da UNE e estudante, Douglas Garcia – técnico em informática e estudante e Fernanda Salles – jornalista e estudante. Foi mais um festival de horrores por parte dos defensores deste atraso denominado “Escola Sem Partido”, o que não poderia ser diferente, uma vez que só se pode defender o horror com argumentos igualmente horrorosos – questão de coerência.

    Seguindo a normalidade do expediente de rispidez e provocações por parte dos defensores do indefensável o Deputado Marco Feliciano, após perguntar para a presidente da UNE, Carina Vitral, se ela tinha lido o Projeto Escola Sem Partido e ouvir uma confirmação da mesma, qualifica-a como analfabeta funcional. “Então você é exatamente aquilo que nós estamos aqui procurando, alunos que leem cinco linhas e não conseguem decodificar nada…”, afirmou Marco Feliciano. Aqui o analfabetismo foi visto a partir da evidência de um pensamento discordante, ou seria Carina Vitral, de fato, uma analfabeta funcional?

    A agenda do golpe segue feroz e a história já nos mostrou como se estabelece esse programa de caça às bruxas: distorção de conceitos já consagrados, neste caso o de analfabetismo funcional e uma programação sistemática de disparates, já bem desgastados, que pintam um bicho papão vermelho que coloca em situação de risco as famílias de bem. Mas algumas perguntas surgem, uma geral e outra mais específica ao caso analisado, quais sejam: (1°) quem é a verdadeira ameaça às famílias, principalmente às famílias dos trabalhadores? E, (2°) seria a presidente da UNE uma analfabeta funcional ou uma vítima, por antecipação, da ideologia que sustenta o Escola Sem Partido?

    A resposta é mais que óbvia e nos deixa perplexos diante da total despreocupação em disfarça-la. O Projeto Escola Sem Partido é, na verdade, o
    Escola do cale a boca, da mordaça e do conservadorismo extremado e elitista. Nesta escola que se desenha qualquer voz divergente daquela que ecoa nos palácios é brutalmente calada e taxada de analfabeta. Na verdade sabemos que nunca existirá uma Escola Sem Partido, sem opções e ideologias, isso é fato. A apresentação de um projeto desta natureza já é uma clara imposição partidária/ideológica.

    Ainda em sua fala – que está acessível em várias redes sociais e à disposição para qualquer cidadão que queira requerer o arquivo sonoro desta audiência pelo endereço spaa.detec@camara.gov.bro Deputado Marco Feliciano desfere uma provocação à figura do professor. O aludido deputado traduz e reduz o espaço de ação do professor valendo-se da alegoria “pequeno quadradinho”. Para o parlamentar defensor do “Escola Sem Partido” ou “Escola da Mordaça” – para quem achar esta segunda opção mais oportuna – os pais dos alunos estão indo às escolas e colocando os professores dentro do pequeno quadradinho que, negligentemente, extrapolaram. Não, nobre Deputado! Os pais não estão fazendo isso. E, mais uma vez. Não, nobre Deputado! A ação dos nossos professores (seja nas universidades ou escolas da educação básica) jamais pode ser – por sua importância e abrangência– circunscrita por um pequeno quadradinho.

    Infelizmente nós sabemos que este projeto terá dificuldades de ser aprovado em plenário por causa das lutas de esquerda que nós temos aqui dentro; os deputados não vêm pra comissão, quando vêm é pra fazer o seu pequeno deboche e vão embora. Só que agora, o que eles não esperavam é que houvesse uma reação da sociedade. (Se não) ainda que não seja aprovado isso aqui, aqui dentro da Câmara dos Deputados, os pais estão na rua, as mães estão na rua, estão indo pras escolas, estão questionando os professores, ESTÃO COLOCANDO OS PROFESSORES DENTRO DO SEU PEQUENO QUADRADINHO QUE EXTRAPOLARAM.”

    Fala do Deputado Marco Feliciano (às 18h08min – início da fala do Deputado)

     

    A questão, portanto, é muito clara, ou lutamos por uma escola plural e diversa ou cedemos ao “cale a boca” de um projeto que visa manter o status quo de uma sociedade marcada pela exclusão e que para se manter necessita de uma escola que pregue a limitação e a ditadura. Uma escola em que a liberdade crítica do docente é confinada em um quadradinho de tolhimento e ingerências e onde a leitura divergente é interpretada como analfabetismo. É isso que está no bojo deste projeto.

    O Deputado Marco Feliciano deve ser respeitado no seu direito de pensar e de defender aquilo que acredita ser um modelo de sociedade e de escola, mas as outras vozes divergentes também gozam do direito de se expressarem, conforme preconiza a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no seu artigo 19. A Presidente da UNE, Carina Vitral, conforme indagada pelo Deputado – o que foi documentado pelos registros desta Audiência Pública – representa sete milhões de estudantes por estar à frente desta instituição histórica e de lutas e, portanto, deve ter sua opinião respeitada. Discutir a UNE, seus problemas e a natureza de seus trâmites eleitorais, é para outro momento e envolve outras pessoas.

    Veja abaixo a transcrição de parte do áudio em que a Presidente da UNE, Carina Vitral é qualificada como analfabeta funcional:

    Deputado Marco Feliciano:                 __ “você leu o Programa Escola Sem Partido?”

    Presidente da UNE, Carina Vitral:     __ “Sim.”

    Deputado Marco Feliciano:           __“Então você é exatamente AQUILO QUE NÓS ESTAMOS PROCURANDO, alunos que leem cinco linhas e não conseguem decodificar nada. Você é exatamente o exemplo daquilo que nós estamos falando, de alunos que vão pra escola e são doutrinados em todo tipo de assunto…”

    Chamo atenção para o trecho que destaquei “aquilo que nós estamos procurando”. O que estão procurando? Alunos(as) que realmente sejam analfabetos funcionais ou alunos (ou melhor, pessoas) que serão recebidas com hostilidade por simplesmente interpretarem textos de natureza política de forma diferente – mas não errada – daqueles que os escreveram? Afinal, como deve ser feita a leitura e interpretação de um texto? (o Escola Sem Partido vai ensinar esse jeito especial de se ler?) Deve-se ler um texto de natureza política pelos olhos de quem o escreveu (seria isso possível?) ou, naturalmente, lê-se um texto político com nossos próprios olhos, a partir de nossa própria formação, história e opção ideológica? Penso que interpretar seja em parte objetivo e, em parte subjetivo e, assim, no direito de divergir, que cada um possa afirmar sua subjetividade sem ser diminuído ou criminalizado.

    Esse episódio extraído desta audiência pública mostra, de forma translúcida, a essência e intencionalidade do Projeto Escola Sem Partido. Deixa claro mais uma vez a propositura de uma lei que não apresenta legitimidade social, mas que veio para fazer calar aqueles que ainda possuem a ousadia de pensar diferente, de forma libertária e alicerçada em uma base caracterizada pela diversidade, liberdade de expressão e busca contínua pela autonomia e protagonismo de todos.

    Márcio Greik – Professor de Geografia e Jornalista marciogreik.jornalista@gmail.com