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  • De voto em voto, ainda dá sim!

    De voto em voto, ainda dá sim!

    Amigos têm conversado comigo de seu desânimo em relação às primeiras pesquisas de voto para o segundo turno. Um grande clima de que já perdemos está poluindo o ar.

    A primeira coisa que eu tenho a dizer pra esses amigos é que ainda dá sim. Mesmo no primeiro turno as votações saíram muito diferentes das pesquisas, isso pode acontecer de novo a nosso favor. Isso e ainda temos muitos votos para ganhar, muitos brancos, nulos, indecisos e votos virados.

    Temos a chance de ter na presidência um dos políticos mais competentes, honestos e admiráveis do Brasil. Possivelmente o melhor ministro da educação que o Brasil já teve. Como prefeito de São Paulo, responsável por um verdadeiro renascimento na cidade de São Paulo, inclusive no combate à corrupção no município. Conheço muita gente que votou em João Dória em 2016 e se arrependeu amargamente. Haddad não foi reeleito porque desagradou aos motoristas espalhando ciclovias pela cidade e reduzindo a velocidade máxima nas marginais, decisão que comprovadamente salvou vidas, além de ter sido bombardeado pela máquina de difamação do PT que ainda hoje o ataca.

    As mais diversas estratégias de atuação na campanha estão sendo espalhadas pelas redes. Não acredito em todas elas, mas o melhor conselho que ouvi foi “faça o que você puder, aquilo com que você se sentir confortável.” Seja panfletar na rua, seja conversar com seu uber, seja falar com sua família no whatsapp, seja nas suas redes, seja fazendo uma doação diretamente para a campanha de Haddad.

    Que seja fazer um almoço para os seus amigos, estar junto e reforçar o amor e a esperança.
    Estar junto é muito bom, fortalece e é o melhor remédio para o desespero.

    Se você precisar descansar, descanse um dia, beba água, mas volte. Todo mundo é importante e todo mundo conta.

    Do outro lado temos uma terrível ameaça de continuidade da retomada do poder pelas elites brasileiras, reeditando a aliança com os militares.

    O que me leva à segunda coisa que eu tenho a dizer:

    A ameaça à democracia que representaria uma vitória de Bolsonaro é real, mas nossa democracia já acabou em 2016 quando nosso parlamento resolveu demover a presidenta e aplicar em nossa sociedade um projeto de governo oposto ao que as urnas sacramentaram. Muita gente resiste ao termo “golpe” porque o impeachment seguiu o rito institucional e o vice-presidente assumiu sua função. Entendo que “quem votou em DIlma votou em Temer”, mas votamos no Temer que assinou o projeto de governo de Dilma para compor sua chapa e o traiu. Essa traição é o golpe e essa alteração de programa foi a força motriz do impeachment.

    Não estamos em eleições ordinárias de um período democrático. Nosso candidato foi injustamente impedido de disputar as eleições, visto que prisão e perda dos direitos políticos após condenação em segunda instância é ilegal, fato admitido inclusive por alguns ministros do STF que estranhamente votaram a favor da manutenção do encarceramento. Lula inclusive é impedido de falar ao público e dar entrevistas, o que foi concedido ao preso Paulo Maluf, condenado em última instância por corrupção, ao preso Bruno, o goleiro, condenado por comandar o assassinato brutal da ex-namorada. Só Lula não pode falar porque ele é um preso político e sua prisão faz parte de uma agenda de retomada de poder pelos nossos coronéis de sempre.

    Some-se a isso a revelação de todo o ódio acumulado que as elites não têm mais vergonha de explicitar, sob a justificativa de que os movimentos minoritários “foram longe demais” na sua luta por igualdade. Eu não tenho nenhuma dúvida ao afirmar que o maior problema do Brasil é, muito antes da corrupção, o racismo, seguido de perto pelo machismo, este que acompanha a LGBTQIA+Fobia. Entendo esses problemas não como a discriminação, que é a ponta do iceberg, mas como um sistema viciado que é estruturado de modo a favorecer uns e desfavorecer outros. A ação afirmativa nesse sentido é absolutamente necessária, porque como Lula disse, só quando tivermos juízes vindos da pobreza, a justiça vai olhar para o pobre; só quando tivermos médicos vindos da pobreza, a saúde pública vai melhorar.

    A lista é longa mas o raciocínio é claro: só as cotas podem salvar o Brasil.
    A retomada de poder pelas elites, mesmo que imbuída de boas intenções, só podem nos empurrar pra trás. Pra uma política em que um grupo social controla o poder e o outro é estatística.

    Esse processo está em andamento desde que Aécio Neves resolveu questionar o resultado das eleições de 2014, mas sua origem está no Brasil colônia e na economia escravista. A eleição de Bolsonaro seria só mais um passo.

    Nada disso porém é motivo para esmorecer. Porque sempre estivemos em desvantagem. Mesmo para eleger Lula, mesmo para Lula conseguir fazer tudo o que fez, teve que enfrentar as enormes forças conservadoras da nossa sociedade.

    A luta pela democracia, pelos direitos humanos, pelos direitos sociais das minorias, é diária. Não começa nem se encerra nas eleições. Todo recuo nosso é um avanço deles.

    Por isso vamos lutar, vamos resistir.
    Porque ainda temos uns aos outros.
    Porque cada voto a menos que ele tiver é menos força política para ele realizar atrocidades.

    E cada voto a mais que a gente conseguir é a declaração de um passo à frente.
    E de voto e voto, eu tenho certeza, ainda dá pra ganhar.

  • NÃO É SÓ FUTEBOL

    NÃO É SÓ FUTEBOL

    O futebol, provavelmente a maior fonte de entretenimento do brasileiro, significa muito mais do que um jogo de “22 homens correndo atrás de uma bola”. O futebol salva vidas, gera esperança, resgata jovens sem nenhuma perspectiva de futuro e os transforma em estrelas: Em ídolos nacionais e mundiais.
    Entretanto, não podemos considerar o esporte favorito do brasileiro simplesmente como uma diversão para alguns e “trampolim” social para outros. É necessário analisá-lo como um reflexo da sociedade e assim, apontar seus problemas, interpretá-los e corrigi-los. Em tempos onde o jogo é tão usado para fazer referência ao momento político brasileiro, vale a análise dos últimos acontecimentos do esporte preferido dos brasileiros.

    RACISMO

    O ódio e a intolerância são dois sentimentos fixados não só na cultura brasileira, mas também em quase todo o mundo. Logo, ódio nas ruas, há ódio nos estádios; intolerância nas ruas, intolerâncias nas torcidas. Vejamos alguns exemplos:

    Caso Grafite, em 2005; caso Tinga e Aranha, em 2014 são apenas alguns dos famosos exemplos de atos racistas envolvendo jogadores brasileiros. Inclusive, todos eles apresentam a mesma trajetória: repercussão durante dias na grande mídia, esperança de punição aos agressores, repressão dos clubes envolvidos, e, no fim, liberdade ao criminoso. O então atleta do Cruzeiro Esporte Clube, Tinga, foi chamado de “macaco” por torcedores do Real Garcilaso, do Peru, em 2014. No mesmo ano, o goleiro que estava no Santos Futebol Clube, Aranha, foi ofendido pelo mesmo apelido por uma torcedora do Grêmio.

    Alguns dirão que o caso Grafite foi diferente. O atacante brasileiro, quando jogava no São Paulo, foi ofendido por ser negro pelo atleta da equipe do Quilmes, da Argentina, durante uma partida pela Copa Libertadores em 2005. Desábato, acusado de racismo, ficou preso durante duas noites, mas após pagar uma fiança de R$10 mil foi liberado pela polícia. (“Ahhh o dinheiro!”)

    Foto: Rafael Ribeiro/ CBF

    Anos depois, o atacante brasileiro chegou até a confessar que se arrependia de ter acusado o argentino, em razão da “espetacularização” do acontecimento sem o devido foco ao combate ao racismo.

    Outro caso semelhante foi o de Daniel Alves em uma partida pelo Campeonato Espanhol, em 2014. Após um torcedor do Villareal lançar uma banana em direção ao jogador, o então lateral do Barcelona pegou a fruta e a comeu. O gesto do brasileiro repercutiu em toda mídia brasileira e até virou campanha publicitária: “SomosTodosMacacos”. Na ocasião, a agência publicitária Loducca foi a responsável por criar o slogan que gerou alguns milhares de reais à empresa.
    Dias depois, o lateral da seleção brasileira questionou o rumo que a campanha tomou e se declarou contrário a ela.

     

     

     

    POLÍTICA

    O futebol brasileiro também costuma acompanhar a situação política do país e em algumas vezes, até mesmo segue algum movimento de resistência.
    Em 1980, em meio a ditadura militar, o sociólogo e então diretor de futebol do Sport Club Corinthians Paulista, Adilson Monteiro Alves, instaurou no clube de futebol uma gestão altamente democrática, na qual todos os funcionários do clube tinham o mesmo poder de voto, independentemente do cargo que ocupava. Além disso, o Corinthians estampava em seus uniformes frases de defesa ao movimento “Diretas Já” e contrárias a Ditadura instaurada no país naquela época. Esta Era no clube ficou conhecida como “Democracia Corinthiana”.

    Ainda sobre futebol e política no Brasil, é importante apontar mais dois exemplos: Em meados de 2013 – ano de grandes manifestações contra o aumento de passagens de ônibus em diversas cidades e protestos contra os desvios de dinheiro público -, foi criado o Bom Senso F.C., movimento organizado por jogadores de diversos times brasileiros que defendia melhorias nas condições do futebol local.

    Por fim, os escândalos de corrupção na Confederação Brasileira de Futebol (CBF), estão diretamente envolvidos com os crimes investigados na Operação Lava Jato, acarretando a prisão de vários poderosos da entidade, como o ex-presidente da CBF, José Maria Marin.

    Portanto, é necessário que haja mais manifestações políticas dentro do futebol, tanto por parte dos clubes mas também principalmente pelos torcedores. Em pleno século 21, as arquibancadas brasileiras não podem mais ser palcos de cantos homofóbicos, xenofóbicos e racistas. É preciso denunciar e reprimir todo tipo de ação fascista, em qualquer ambiente que seja. Em tempos de ódio, a luta é a melhor resposta.

     

     

    *Editado por Agatha Azevedo

  • A gente tem lado – Um relato pessoal

    A gente tem lado – Um relato pessoal

    Amanheci a sexta-feira em dúvida ainda cercado de compromissos. Pairava sobre a cabeça uma nuvem de angústia, já faziam algumas noites que eu não dormia bem, me sentindo desterrado da realidade. É uma face oculta do golpe, que não toma apenas o poder político mas a própria percepção do possível e do absurdo. A hegemonia nefasta que Globo, Veja, Folha, Estadão e afins geram é tão opaca que nos faz parecer loucos aos olhos de amigos de infância, parentes, pessoas por quem muitas vezes não deixamos de ter afeto mas que hoje não se limitam a discordar de nossas opiniões, vão além: julgam que nossas opiniões são impossíveis. É uma negação total da política, que se movimenta na divergência, mas também uma negação da nossa capacidade de pensar e em suma, da nossa própria humanidade. É uma agressão e é muito doloroso de sentir.

    Eis que um amigo me chama pra ir pra São Bernardo. Depois outro. E outro. Mais um e eu cancelei tudo que tinha e fui. Nos encontramos um pouco perdidos no terminal Sacomã e uma mulher de uns 50 anos, negra, boné da CUT, estrela vermelha na camiseta, nos disse “Vocês vão pro sindicato né? É esse ônibus aqui mesmo.” Neste ônibus não cabia mais ninguém, mas nós entramos, a porta fechou logo atrás de mim e fiquei espremido contra ela. No aperto já se via mais vermelho, bandeiras, um boné com a bandeira de Cuba, um senhor com uma camiseta da campanha de 89. Era visível ali a solidez das bases que tem o PT no meio do povo, que a mídia não é capaz de destruir. Eu há alguns anos não me dizia petista, mas quanto mais essa corja podre ataca o PT mais eu fico petista; quanto mais a Globo fala mal de Lula, mais eu gosto de Lula – e mais eu detesto a Globo. O ônibus atravessava a Anchieta e as pessoas, ainda um pouco tímidas na conversa, iam jogando algumas opiniões e posicionamentos pra testar se ali já estávamos mesmo entre os nossos. Estávamos. E eu, como criança em viagem de família, perguntava a cada 5 minutos se já estava chegando.

    “Olê! Olê olê olá! Lulá! Lulá!”, descemos no ponto do pé da ladeira cantando. Na subida já encontramos mais amigos, uns que eu já conhecia, outros que eram meus amigos apenas porque estavam ali. Contei no céu 5 helicópteros. Entre as falas das lideranças políticas no trio elétrico e as canções de ordem, já circulavam boatos de que a Tropa de Choque estava chegando, mas ninguém arregou um dedo por causa disso. De repente uma vibração mais forte. Lula aparece na janela do sindicato e cumprimenta as milhares de pessoas que estavam ali. Choro pela primeira vez, por ele e pelo amor que dali emanava, pelos olhares de gratidão, solidariedade e disposição. Estávamos juntos e o nosso compromisso ali estava claro. A nuvem havia se dissipado, a angústia havia se transformado em força. Lula é meu amigo: mexeu com ele, mexeu comigo.

    O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC estava de portas abertas e nós, com os corações palpitando, entramos neste templo sagrado da esquerda brasileira, ou melhor, da humanidade. O prédio teve o abastecimento de água cortado desde a manhã sem nenhuma explicação pública, mesmo assim o sindicato providenciou água de carros-pipa, manteve os banheiros funcionando e acolheu a todos, sem ninguém que nos dissesse o que podia e o que não podia fazer, onde entrar e onde não entrar, total liberdade e responsabilidade. No terceiro andar, uma grande roda de samba, no quarto andar o bar servia cerveja, cachaça e porções de calabresa. Não era de graça, sinto a absurda obrigação de deixar isso claro, mas sim, tinha samba e tinha cerveja, tinha alegria. Porque lado a lado a gente se fortalece, cantando a gente se une e resiste à dor da violência que nos é imputada. É uma ofensa para os nossos adversários que nós estejamos alegres, pois então nós vamos cantar bem alto. Já há algum tempo venho percebendo alguns afetos do povo brasileiro que são simplesmente ingolpeáveis. A alegria da esquerda, nosso amor, nenhum golpe pode fazer diminuir.

    Soubemos então que Lula não falaria naquele dia, também que a polícia não viria. No dia seguinte, aniversário de dona Marisa, haveria uma missa aberta a todos. Lula estaria presente e só depois possivelmente se entregaria. Estava então decidido: passaríamos a noite lá. Nesse momento falei com minha mãe, sabia que ela ficaria apreensiva. Não tinha saído de casa preparado pra ficar, não me lembrava nem se tinha fechado as janelas direito, mas era simplesmente inconcebível para mim sair dali e passar a acompanhar os acontecimentos pela TV. A História estava acontecendo ali e nós éramos sujeitos ativos daquela construção, cada cabeça que se contava era importante. Eu não tinha um cobertor, mãe, mas tinha o acolhimento dos meus. O mais importante: eu estava feliz.

    Claro que não consegui dormir muito. Some-se aí mais uma noite com o sono prejudicado, mas o espírito estava pleno de energia. De manhã, dois sindicalistas me pediram pra fotografá-los diante de uma faixa com uma imagem de Lula que cobria os quatro andares do prédio. Me disseram que lembrava as faixas do primeiro de maio em Havana, pra onde eles foram numa excursão do sindicato, não pude imaginar a honra! Tiramos uma foto ali também, dá até pra ver nossos olhos cansados e incomodados. O sol matinal é inclemente com quem perde a noite, mas a essa hora já chegavam novos amigos e companheiros para a missa, trazendo uma nova vitalidade, e mesmo os que chegavam com expressões tristes logo se ambientavam no clima de acolhimento que se havia construído à noite.

    A missa começou no que havia se transformado no Vaticano da militância. Quando consegui dar a volta no trio elétrico, olhei pra cima, vi Lula abraçado com Dilma e chorei pela segunda vez. A partir daí as lágrimas não pararam mais. Entre homenagens à dona Marisa, canções, estas escolhidas pelo próprio Lula – Lulapalooza, um dos músicos brincou -, e orações como a carta de Paulo aos Coríntios e a de São Francisco de Assis – esta lida por Dilma, que saudade, Dilma! -, se lembrou sobretudo da importância do amor, do nosso dever um para com o outro naquele momento. Era evidente que estávamos ali processando um luto. Um luto necessário. Um momento para fazer as contas do que perdemos nos últimos anos, aceitar que nossos adversários políticos nos tomaram diversas trincheiras e isso culminaria no final daquele dia com a prisão do maior líder da nossa esquerda. Isso não dependia das tantas estratégias disponíveis, das tantas análises de conjuntura possíveis, nem de elaborações como esta aqui. Quem tem algum compromisso com a esquerda neste país, em presença ou em intenção, se deu as mãos naquela ladeira e rezou aquele pai nosso que encerrou a celebração.

    O que Lula falou em seguida já está sendo reproduzido e traduzido em todos os cantos da terra. O que nos atravessou, porém, não se pode reproduzir ou traduzir. Todos ali concordariam que Lula é o maior orador da história da humanidade. A sua generosidade ao apresentar todos os companheiros de luta que estavam no trio elétrico e ao apoiar as candidaturas de Manuela e Boulos, a força do seu compromisso com o povo brasileiro, esta já expressa nas suas realizações, a firmeza de sua ideologia democrática, de respeito às instituições – que justifica inclusive a sua opção por não resistir à prisão -, tudo isso foi conduzido pelo nossos corpos, que na multidão se tocavam, se apoiavam. Até os que, minutos antes, gritavam com toda a força que ele não deveria se entregar, no final entenderam e respeitaram a escolha de um homem que, convenhamos, tem mais sabedoria que nós pra decidir o que fazer naquele momento. E ele nos disse pra continuar, porque as suas idéias não podem ser presas e caminharão pelas nossas pernas, falarão pela nossa voz e baterão em nossos corações.

    “Um abraço, companheiros. E até a vitória.” Lula encerrou seu discurso como vem fazendo, dizendo que provará sua inocência e logo retornará à luta, com a expressão tranquila de quem dorme o sono dos justos. Desceu do trio elétrico e foi carregado até a entrada do sindicato, cercado pelas flores que o povo erguia, apertando as mãos das pessoas, sorrindo e chorando. As imagens disso também o mundo inteiro já viu. A comoção em que ficamos do lado de fora não tem nome. O som continuava tocando “Apesar de Você”, mas na verdade estávamos todos em silêncio. Não vi um que não chorasse, não vi um que negasse um abraço, nem um que não estivesse precisando desesperadamente de um abraço. Até agora eu choro enquanto lembro, enquanto escrevo, quando vejo uma foto, quando lembro de alguém que abracei naquela hora. Todas aquelas pessoas estão marcadas no meu coração pra sempre.

    Foi a coisa mais emocionante que eu já vivi.

    Lembro da prisão de Cunha, que não foi acompanhado nem pela esposa. Apesar da tristeza de perceber a neurose coletiva que tomou de assalto o Brasil, de termos que testemunhar absurdos completos golpeando o cotidiano enquanto se impõe a aparência de normalidade, apesar da perspectiva de tempos sombrios, ali estávamos milhares no mesmo abraço, onde tudo começou e preparados para recomeçar. Talvez a entrega de Lula sirva para nos tirar do estado de suspensão e negação em que nos encontrávamos desde o começo dos movimentos do golpe e nos leve a dar os passos além. “A gente tem lado”, ele disse em seu discurso, porque só quem é livre pode escolher de que lado está. Eu tenho lado e está claro: é com os trabalhadores que pegaram aquele ônibus comigo, com quem acenou junto quando Lula apareceu na janela, com quem tocou aquele surdo e brindou uma cerveja no terraço do sindicato, com quem dormiu naquele chão, com quem chorou junto a manhã inteira, com quem ficou sentado em frente ao portão pra não deixar Lula ir embora, com quem está disposto a seguir no compromisso de lutar. Uma certeza dessas é rara de se ter na vida.

  • De um lado da avenida, militantes históricos, do outro, jovens que constroem uma história

    De um lado da avenida, militantes históricos, do outro, jovens que constroem uma história

     

    Vídeo de Laura Capriglione e Katia Passos e Fotos: Caio Chagas e Karla Boughoff

    A segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018, pode não ter sido um dia de milhões de pessoas nas ruas, de metrô, ônibus e trens paralisados em SP, mas sem dúvida, foi um dia histórico para novos e experientes militantes da esquerda contra a Reforma da Previdência e a intervenção militar no Rio de Janeiro. Já para mim, foi um dia de renovação.

    Desde muito cedo, movimentos sociais fizeram diversos trancamentos em grandes avenidas da cidade, panfletagens e caminhadas. Profissionais de educação pública, metalúrgicos e algumas outras categorias aderiram em peso aos protestos, para depois, se somarem às centrais sindicais e movimentos de moradia que estavam concentrados no vão livre do MASP.

    Mas de tudo que vi como jornalista livre nesta segunda, nada me deixou mais feliz, do que dois extremos geracionais que me encheram de esperança na Avenida Paulista.

    Numa ponta do ato, um grupo de militantes históricos da esquerda erguiam uma faixa que trazia os dizeres “Abaixo a Ditadura” e do outro, uma reunião de militantes muito jovens pintavam o asfalto com a frase “Intervenção militar no Rio é Ditadura”. Da maneira como descrevo agora, parecem ações muito simples, mas não são. Presencialmente, senti uma força amorosa no ar.

    Curiosa com a faixa que destoava daquelas confeccionadas em gráfica, fui logo conversar com um dos militantes “da velha guarda”.

    Eles me contaram que haviam passado o final de semana, criando a faixa de maneira “artesanal” e aproveitaram para debater sobre a formação de um comitê em defesa da candidatura de Lula que será lançado, em março, de maneira simbólica, na frente da casa do ex-presidente.

    O outro grupo, de jovens militantes batucava e cantava funks, sambas, tudo transformado em versões políticas contra a Reforma da Previdência, a prisão de Rafael Braga e o principal, simultaneamente, bradavam as rimas de luta e faziam, também de maneira bastante artesanal, uma intervenção usando rolo de pintura de parede e tinta branca no asfalto em frente ao vão livre do MASP.

    Até agora, não disse nada além do factual, mas é importante contextualizar para trazer quem não foi à manifestação em SP ou em outras cidades, para essas realidades.

    Ontem foi um dia importante para eu perceber que há tempos, eu, jornalista não milito verdadeiramente em protestos. Há tempos eu, jornalista não grito sequer um “Fora Temer”. E, embora eu viesse caminhando por esse Brasil, ouvindo de amigos próximos que estava fazendo a tal luta, eu, mesma, na realidade, acho que preciso fazer mais e muito mais.

    Aliás, quero dizer que depois do impeachment eu tive pensamentos sobre o que é ficar em paz ou alcançar alguma espécie de calma. Fiquei imaginando que poderia me dar ao luxo de ficar inerte, de parar de ter o gás dos militantes históricos que carregam hoje a faixa contra a Ditadura, que poderia deixar de fazer intervenções com a disposição da juventude.

    Depois da queda de Dilma, passei tempos e tempos pensando que tudo o que eu poderia fazer era ficar ali, no cafofo do meu apartamento, ouvindo Música Popular Brasileira e curtindo minha canabis. Saindo de lá, durante a semana para a redação e na portaria do prédio, eu me imaginava cega e surda para o mundo. Ia, voltava e tudo estaria bem. Na mediocridade do viver, eu deixando o tempo passar para não sofrer mais, revoltada com os mandos e desmandos de um país, que tem um Vampiro Neoliberal na presidência, revoltada por viver em uma terra que amo, mas que não me representa mais.

    Ah! Mas ontem eu acordei.

    Despertei de um pesadelo, daquele de cair da cama, onde eu estava mergulhada, desde, pelo menos, 2015, eu despertei!

    Aliás, desde sábado, depois de um post nas redes sociais, realizado por uma amiga preocupada sobre o que fazer para ajudar a população dos morros no RJ, na intervenção do Temer, acho que eu comecei a acordar.

    Mas, ontem, na Paulista aqueles dois grupos me balançaram. De dentro de mim, reviveu a militante negra de esquerda que estava querendo viver deixando a tal luta para depois. Saiu de mim a reação que a gente deve ter, frente a tempos de Temer, MBL, bancada da bala, bancada da bíblia, intervenção militar, lama, lama e lama. Os grupos de jovens e velhos que estavam ontem nas ruas podem agora sim, voltar a contar comigo. E eu queria muito contar com você que está em dúvida se agora é luta ou não. Revolta agora, só se for pra defender nossas irmãs e irmãos que estão sendo trucidados com ações temerosas.

    Como diz Oswald de Andrade, no Manifesto Antropófago “Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”

    Eu vou fazer a minha Antropofagia por aí.

    Veja vídeo dos grupos que me empolgaram para novas e velhas formas de luta, todas lindas:

    https://youtu.be/gUVoFjBWcHA

     

     

  • Justiça Brasileira: Somos Fogo!

    Justiça Brasileira: Somos Fogo!

     

     

    Desde tempos imemoriais, algumas cenas não mudam. Passados 200 mil anos desde o alvorecer da humanidade, as histórias se repetem.

    Há o tacape assassino, a guilhotina, a máquina de triturar ossos da Inquisição e, hoje, neste trajeto maléfico, a toga.

    É fácil entender que existe um tabuleiro nefasto no jogo do poder. E há perigo quando panelas batem, buzinas tocam e pobres se juntam inocentemente aos movimentos de ódio das classes médias frustradas.

    Hoje, muitos desses estão comemorando a condenação, em um processo recheado de falhas, do presidente Lula, um retirante nordestino que ousou lutar por dignidade para os mais humildes.

    Volto ao pensamento inicial. O fogo primeiro não foi repartido entre todos da aldeia. Foi usado como peça de força coercitiva.

    Revolucionários eram aqueles que sabiam compartilhá-lo.

    O que persiste, até os dias atuais, é essa tensão entre os estúpidos gananciosos e os solidários que se atrevem a dividir os progressos humanos.

    Ledo engano do proletário que, vestido de boçal verde e amarelo, encontrará, amanhã, no centro de produção, o promotor das fuzarcas do pato.

    O primeiro retornará como otário, ameaçado pelo trabalho intermitente e pela extinção de seus direitos previdenciários.

    O outro, lá da sala da chefia, vai rir sarcasticamente, satisfeito pelo plano bem executado.

    No corredor, ambos sorrirão. O primeiro como trouxa. O segundo como beneficiário da ignorância do subalterno.

    O primeiro, esfolado desde sempre, é bem capaz de imaginar que o patrão é bondoso, pois lhe oferecerá uma sala para trabalhar até mais tarde, e assim cumprir as metas da produção.

    O segundo, privilegiado de sempre, certamente festejará a mais-valia, o valor roubado que lhe permitirá gozar de luxuosas férias na cafona Miami.

    O trabalhador iludido vai acreditar na meritocracia e considerar que o burguês lhe faz um bem ao negar-lhe o próprio direito.

    E pensa como é bom não ter que enfrentar a PM; afinal, o Datena disse que isso é coisa de bandido.

    Pensará como é bom que seus filhos, negros, pobres, periféricos, refugiados, do mato, poderão aprender sobre mérito, competitividade e sacrifício.

    Até imaginará que saúde e educação devem ser mesmo pagos, pois “vagabundo não merece esmola do Estado”.

    Pessoa poetou: quem quiser passar além do Bojador, tem que passar além da dor. Talvez seja este o sentido de toda essa tragédia nacional.

    Talvez as pessoas precisam sofrer para valorizar o que é justo, reto e correto.

    Porque a dor pode ensinar, como ensinou ao menino retirante que engraxava sapatos. E que só virou presidente para acabar com a aflição de seus iguais.

    Não falei. E não vou mais falar sobre o jogo de hoje. Porque esta disputa perdemos.

    Falemos da livre interpretação da tradição ioruba, aquela da vida e de um dos elementos da natureza, o fogo. Ele é o símbolo de Xangô, o orixá.

    Foi aquele que fez de “fogo, trovões e raios”, instrumentos para lutar por misericórdia, justiça e lealdade. Xangô nos ensinou a tomar o fogo deles.

    Agora, vale lembrar aqueles que, de posse do artefato combustível, enganaram os “doutos” da época e se tornaram referência da necessária rebeldia.

    Falo de Lima Barreto, o escritor; de Carolina de Jesus, a escritora; e de Luiz Gama, advogado, um dos maiores abolicionistas do Brasil.

    Cada qual usou o fogo que tinha para superar as dificuldades. Foi a fome o preconceito, no caso de Barreto; foi a fome, no caso de Carolina; foi a escravidão, no caso de Gama.

    Nesta guerra do fogo, todos eles obtiveram êxito.

    Se a lágrima brota, não é por tristeza. Se a mão treme, não é por medo. Se o coração palpita, não é por dor.

    Se me sinto só, enquanto a pena risca o papel, não é por solidão. Se a poesia se esvaiu não é por falta de amor.

    Se me tiram quase tudo, me sobra, porém, o fogo. É aquele que queima a madeira e move a locomotiva. É aquele que aquece a alma e oferece luz sobre o caminho.

    Portanto, não serão três magistrados, suspeitos da toga, que vão decidir nossas vidas.

    Pois para cada juiz, sim, escravocrata e burguês, sempre existirá um dos nossos, inspirado por Xangô; que tocará o coração dos injustiçados e constituirá sabedoria para o contra-ataque.

    Então, fiquem todos alertas e saibam: o nosso fogo não se apagou. Ele foi recolhido para reabastecer-se de combustível.

    Reanima-se a alma. Logo mais, estamos reconstituídos! Vontade de lutar!

  • Estudantes convocam reedição da “UNE Volante” para o primeiro semestre de 2018

    Estudantes convocam reedição da “UNE Volante” para o primeiro semestre de 2018

    Via: União Nacional dos Estudantes – UNE

    Os 17 diretores da Executiva da UNE aprovaram nesta terça-feira (12/12) a construção da “UNE VOLANTE: Uma universidade chamada Brasil” no primeiro semestre de 2018.

    1° Reunião da Executiva da UNE – 2017-2019

    A iniciativa é uma reedição da UNE Volante realizada pela primeira vez em 1961, e foi uma caravana que percorreu diversos estados do Brasil com o objetivo de promover as reivindicações estudantis através da cultura e da conscientização popular.

    Na época a caravana serviu para mobilizar a luta da UNE pela participação dos estudantes nos órgãos colegiados da administração das universidades, na proporção de um terço, com direito a voz e voto, que desembocou na greve nacional do 1/3. Os estudantes chegaram a ocupar por três dias do prédio do Ministério da Educação e Cultura, no Rio.

    “Dessa vez nossa proposta é conhecer mais de perto as realidades das universidades brasileiras nos diversos Estados para focarmos na nossa luta em defesa da universidade pública e gratuita de qualidade”, destacou a presidenta da UNE, Marianna Dias.

    Segundo a resolução aprovada a homenagem se dá num momento em que a democracia do Brasil passa novamente por uma grande crise, assim como o próprio caráter gratuito das universidades públicas brasileiras. “Por isso, a UNE VOLANTE 2018 terá como principais eixos: a defesa da universidade pública e gratuita brasileira; a defesa da universidade pública enquanto indutora do desenvolvimento nacional e soberano; a defesa dos espaços de vivência e confraternização estudantil, a luta contra a mercantilização do Ensino Superior Privado e a defesa do Estado Democrático de Direito.”

    De acordo com diretor de Universidades Públicas da UNE, Mário Magno, os estudantes querem “construir uma agenda de esperança que consiga chegar além dos centros urbanos, mas também ao processo de interiorização do ensino superior, no fortalecimento das lutas locais e na mobilização para o Encontro de Mulheres, Negros e Negras e LGBT da UNE”.

    Para percorrer as principais universidades públicas do país a UNE Volante buscará o apoio das associações nacionais, regionais e locais da comunidade acadêmica e científica.

    Uma nota em defesa do estado democrático de direito e contra a perseguição política ao presidente Lula também foi aprovada durante a reunião.

    ”A UNE ressalta sua posição em defesa do combate à corrupção, mas entende que este processo não pode ser feito à margem de conquistas democráticas como o direito à presunção da inocência, ao contraditório, à ampla defesa e o devido processo legal”, diz o documento.

     

    O ex-presidente da UNE, Aldo Arantes (à dir.), organiza a primeira caravana da história da entidade em 1961.