Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com charge de Paulo Batista
Conforme vamos nos aproximando do dia 7 de outubro, fica cada vez mais óbvio que estamos diante de uma forte polarização. Que polarização é essa? É esta a pergunta que tento responder neste ensaio.
Começo com uma afirmação forte, contundente: Bolsonaro é o candidato dos ricos e Haddad é o candidato dos pobres!
Essa frase, assim, solta no ar, vira alvo fácil de desmentidos. Certamente, o leitor e a leitora estão pensando: “Conheço um monte de gente pobre que vota em Bolsonaro”. Daqui, eu replico: conheço um monte de gente rica que vota no Haddad.
Segundo o TSE, existem hoje no Brasil 140,3 milhões de eleitores aptos a votar. Será mesmo que a minha percepção pessoal, que construo a partir daquilo que ouço da boca do meu vizinho, do meu primo, é o bastante para ter a visão do conjunto do eleitorado brasileiro?
Não, não é!
A análise não pode ficar restrita ao que vemos com nossos próprios olhos e ouvimos com nossos próprios ouvidos. Por isso, os dados estatísticos são tão importantes. São eles que nos permitem ter noção do que está acontecendo para além do horizonte, onde os olhos não alcançam, onde os ouvidos não escutam.
Parto sempre do princípio de que os institutos de pesquisa sérios e confiáveis são o Ibope e o Datafolha, pois na série histórica mais acertaram do que erraram. O Vox Populi também poderia entrar nessa lista, mas, como ele costuma ser próximo de movimentos sociais ligados ao PT, fiquemos apenas com o Ibope a o Datafolha.
Qualquer analista minimamente sério não briga com os dados do Datafolha e do Ibope. Isso é comportamento de eleitor/torcedor. O Ibope apresentou nessa semana dados qualitativos que ajudam a responder às perguntas que me parecem ser as mais importantes de serem feitas no atual momento da corrida eleitoral: quem é o eleitor de Jair Bolsonaro? Quem é o eleitor de Fernando Haddad?
Dos dois lados da fronteira ideológica saltam respostas caricatas que pouco ajudam na compreensão da realidade. À esquerda, fala-se muito em um “fascismo” que teria se espalhado pela sociedade brasileira. À direita dizem que os eleitores do PT são o resultado de uma revolução cultural que o partido vem silenciosamente fazendo no Brasil, especialmente a partir das universidades, onde atuam os “professores doutrinadores de esquerda”.
Para contraditar as caricaturas, aciono os dados divulgados pela pesquisa do Ibope publicada em 24 de setembro de 2018. Os números são cristalinos:
Haddad lidera com 30% das intenções de voto entre os eleitores que vivem com menos de 1 salário mínimo por mês. Bolsonaro tem 16%. Se o corte for o da escolaridade formal, o cenário é bem parecido: entre os eleitores que estudaram até a 4° série do ensino fundamental, Haddad lidera com 28%. Bolsonaro tem 19%.
A situação é oposta quando mudamos o filtro dos dados qualitativos:
Entre eleitores com renda mensal superior a cinco salários mínimos, Bolsonaro lidera com impressionantes 42% dos votos. Haddad tem 15%. Entre eleitores com ensino superior completo, Bolsonaro lidera com 33%. Haddad tem 16%.
As caricaturas de esquerda e de direita não sobrevivem aos dados: o tal “fascismo” não é um projeto da “sociedade brasileira”, mas, sim, dos mais ricos. As universidades não fazem “doutrinação ideológica de esquerda”, pois a parcela mais escolarizada da população (que tende a ser a também a mais rica) prefere Bolsonaro.
É claro que existem as exceções!
16% de pobres votam em Bolsonaro. É muita gente. Alguns deles salpicam aqui e ali nas nossas relações pessoais, o que pode nos levar a um erro de percepção. Nunca é demais lembrar o óbvio: se 16% dos mais pobres votam em Bolsonaro, 84% não votam. 84 é mais que 16, bem mais.
O que os dados qualitativos mostram é que o eleitor típico de Bolsonaro é homem com diploma universitário, branco, proprietário, com renda mensal superior a cinco salários mínimos e com idade situada entre 25 e 40 anos. Podemos chamar esse tipo ideal de eleitor de “Maicon”.
Já o eleitor típico de Haddad é eleitora. É mulher, é preta, com ensino fundamental incompleto e com renda mensal inferior a um salário mínimo. Vamos chamar esse tipo ideal de “Dona Nísia”.
Maicon vota em Bolsonaro e Dona Nísia vota em Haddad.
Agora, podemos avançar na discussão e apresentar outras perguntas: por que Maicon vota em Bolsonaro? Por que Dona Nísia vota em Haddad?
Maicon vota em Bolsonaro, principalmente, porque é proprietário e está assustado com a violência urbana, que nas pesquisas de opinião é apresentada como o segundo maior problema do Brasil, perdendo apenas para a saúde.
Alguns companheiros e companheiras se limitam a colar o rótulo de “fascista” em Maicon. Não me contento com atalhos argumentativos.
A percepção da insegurança é especialmente forte junto aos proprietários, e por um motivo bem óbvio: quem tem propriedade tem mais a perder com a violência urbana.
É claro que há outros elementos que formam a decisão eleitoral de Maicon: moralismo comportamental, machismo, homofobia. Mas o fundamental mesmo é o poder de sedução da utopia autoritária representada por Jair Bolsonaro, que se manifesta na tópica “bandido bom é bandido morto”.
Para Maicon, a imagem do bandido é personificada no homem preto e jovem que lhe assaltou na semana passada. Maicon está convencido de que se Bolsonaro for eleito esse tipo social será exterminado e, com isso, sua propriedade estará protegida.
Já Dona Nísia lembra com clareza o que aconteceu no governo Lula.
Segundo as Nações Unidas, as mulheres chefiam 92% das famílias assistidas pelo Bolsa Família. Entendem, leitor e leitora? 92%! O Bolsa Família significa o empoderamento da mulher pobre. A Dona Nísia sabe disso, e sabe muito bem.
Segundo dados do governo federal, as mulheres são proprietárias de 89% das unidades habitacionais financiadas pelo programa Minha Casa Minha Vida. Aquela mulher pobre, vítima de violência doméstica, que era obrigada a morar com o agressor porque não tinha para onde ir, foi empoderada pelo Minha Casa Minha Vida.
O que podemos tirar disso tudo?
Maicon vota em Bolsonaro movido pela expectativa de que o problema da violência urbana será resolvido por um governo autoritário e violento. Dona Nísia vota em Haddad porque já viveu a experiência do empoderamento, proporcionada pelas políticas públicas desenvolvidas e intensificadas pelos governos petistas. Os dois estão convictos dos seus votos. Não mudarão, não importa o que aconteça.
Sim, leitor e leitora. Sem dúvida, vivemos um ambiente de polarização. Lulismo X Bolsonarismo; Petismo X Antipetismo.
Mas a verdadeira polarização se dá mesmo entre Maicon e Dona Nísia. É conflito racial, é disputa entre gêneros. É, antes de qualquer coisa, luta de classes, a velha luta de classes. Desde sempre, a história humana é a história da luta de classes.
Duas reportagens da Agência Pública (https://apublica.org), uma dessa semana e outra de dezembro de 2016, mostram que “justiça” no Brasil é uma questão de classe social, de famiglia, de clã. A mais recente destrincha as relações familiares e de negócios, mais do que simples compadrio, entre membros da força-tarefa da Lava Jato, as bancas advocatícias e o poder político que atravessa gerações no Paraná. “Eles se conhecem muitas vezes desde a infância, porque os pais já se conheciam. Frequentaram as melhores escolas, universidades, têm sociabilidade em comum. Quer dizer, vivem na mesma bolha. Têm as mesmas opiniões e gostos políticos e ideológicos. E todos têm conexão com a indústria advocatícia, com os grandes escritórios jurídicos”, afirma o professor de sociologia Ricardo Costa de Oliveira, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). As informações fazem parte de um estudo inédito realizado por pesquisadores da UFPR que será publicado em livro nas próximas semanas.
A segunda traz também os envolvimentos familiares, de convívio social e identidade ideológica entre os membros do Ministério Público e os políticos em São Paulo a partir de uma pesquisa da Conectas Direitos Humanos. Não à toa, quando assumiu o cargo de Ministro da Justiça do governo golpista de Temer, o ex-procurador do MP Paulista, Alexandre de Moraes, afirmou que “a diferença em relação ao governo federal (do PT e não do MDB) é que o governo de São Paulo é honesto” (http://www.vermelho.org.br/noticia/280927-1). Antes de assumir o ministério e depois a cadeira de Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal, Moraes havia sido duas vezes secretário do ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin – PSDB (primeiro na Secretaria de Justiça e Cidadania-2004 a 2005, depois na Secretaria de Segurança Pública-2014 a 2016) e uma vez secretário do ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab – PSD (Transportes- 2007 a 2010). Quando da indicação ao STF, os Jornalistas Livres publicamos duas reportagens sobre plágios acadêmicos do ministro (https://jornalistaslivres.org/2017/02/professor-da-ufmg-acusa-alexandre-de-moraes-de-plagio/ e https://jornalistaslivres.org/2017/02/mais-um-plagio-de-alexandre-de-moraes/) mesmo assim o Congresso golpista aceitou a indicação de Temer.
Outro exemplo, é a do deputado estadual e ex-presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Fernando Capez (PSDB), que acaba de, finalmente, se tornar réu (por 12 votos a 9) no Escândalo da Máfia da Merenda, denunciado em 2016 e que foi alvo de várias matérias pelos Jornalistas Livres (https://jornalistaslivres.org/?s=capez). A reportagem da Pública aponta que “Capez tem fortes ligações com a Promotoria e o Judiciário. Não apenas fez carreira como promotor do estado como seu irmão, Flávio Capez, é procurador aposentado. Outro irmão, Rodrigo Capez, é juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo e foi instrutor do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli. A esposa de Fernando e uma de suas cunhadas também fazem parte do corpo do MPSP.”
É a boa e velha luta de classes reproduzida dentro do judiciário: funcionários públicos que não se reconhecem como trabalhadores (e nem como funcionários públicos, por isso pedem estado mínimo) e portanto mantém a ferro, fogo e pena a luta desigual contra os outros 90% da população.
Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com foto de Guilherme Santos/Sul21
Nada diz mais sobre o Brasil, sobre o que somos há muito tempo, que a caravana de Lula pelo sul do país. Em terras sulistas, por onde Lula passou foi hostilizado pela classe proprietária, pela elite da terra.
Não!
Chamar de “hostilidade” é pouco.
O que aconteceu na etapa sulista da caravana “Lula pelo Brasil” foi uma sucessão de atentados contra a vida de Lula e de seus correligionários políticos. Começou com chicotadas, agressões e pedradas e chegou, no último dia 27 de março, a tiros de arma de fogo.
Não foi ovo, não foi cocô. Foi tiro. Tiro de arma de fogo.
Como entender essa escalada de violência na política Brasileira?
Muitos falam em “fascismo”, termo que tem notória força política e que por isso seu uso no debate público talvez tenha lá alguma importância.
Mas estou convencido de que se quisermos fazer uma interpretação mais rigorosa da realidade, o termo é equivocado, pois mais confunde do que esclarece. Definir como “fascista” a escalada da violência na política brasileira demandaria tantos reparos e observações para mostrar como o “fascismo brasileiro” é diferente daquele “fascismo clássico” europeu de meados do século XX que o próprio conceito perderia força explicativa.
Por isso, prefiro seguir uma via interpretativa doméstica, tomando as manifestações de violência contra a caravana de Lula no sul do Brasil como representativas daquilo que o Brasil é, do que sempre foi.
É este o meu esforço neste ensaio: tomo a violência contra a caravana de Lula como ponto de partida para uma interpretação do Brasil.
Começo, então, com a pergunta que não quer calar, com a pergunta que, talvez, seja a mais importante de ser feita no atual momento da história do Brasil:
Por que as elites brasileiras odeiam Lula?
Nem de longe Lula foi um Presidente revolucionário, nem de longe relou no “sagrado” direito de propriedade privava. As elites brasileiras não perderam dinheiro nos governos de Lula. Muito pelo contrário, nunca ganharam tanto.
De onde vem todo esse ódio?
Não penso que seja necessária a importação de um conceito específico da história europeia para a compreensão de uma realidade que é tão brasileira quanto a jabuticaba. Não é fascismo não, não tem nada a ver com fascismo.
O fascismo é moderno, é o desdobramento mais grotesco da modernidade.
O ódio a Lula é arcaico, deita suas raízes nos velhos valores aristocráticos, pré-modernos, na lógica da Casa Grande, em uma racionalidade de tipo antigo.
Não é fascismo não. É o Brasil mesmo.
Sei que é difícil reconhecer, mas no fundo, bem no fundinho, é só o velho Brasil de sempre. Em pouco mais de uma década de bonança, nos enganamos, fomos ingênuos, achando que o Brasil estava mudando, melhorando. Mudou não. Melhorou não. Tá igualzinho ao que sempre foi.
Não há como falar nessa atualização do “Brasil de sempre” sem dedicar alguma atenção à “instituição Lula”.
Pois sim, o “homem Lula” já morreu e deu lugar a uma instituição.
Lula é a maior instituição política da história do Brasil. É tolo quem acha que uma instituição pode ser morta com uma bala ou com uma facada. Todos os brasileiros e brasileiras terão que conviver com a “instituição Lula” daqui para frente. Ninguém mais faz política no Brasil sem passar por Lula, seja para negá-lo ou para reivindicar o seu legado.
Mas o que significa essa instituição?
Há pouco tempo, escrevi um ensaio sugerindo que no final da década de 1990 aconteceu dentro do PT a “guinada lulista”, que teve efeitos contraditórios para o maior partido político da história da esquerda latino-americana: o lulismo, ao mesmo tempo em que catapultou o PT à chefia do Poder Executivo, representou o seu colapso ideológico.
É que o lulismo aposta na conciliação de classes e ao fazê-lo acaba negando o princípio da luta de classes, que é o núcleo da identidade ideológica de qualquer partido que pretenda estar à esquerda.
O lulismo achou que era possível “ajudar os pobres sem incomodar os de cima’, na certeira formulação de Marcelo Odebrecht.
No frigir dos ovos, essa conciliação seria mesmo possível.
Com algum sacrifício da classe média e com uma situação econômica relativamente favorável, seria possível distribuir renda para os mais pobres sem contrariar os interesses dos grandes capitalistas.
Dinheiro no bolso do povão, expansão do crédito, incentivo ao consumo, bancarização das relações comerciais, investimento na exportação de commodities. Todo mundo saiu ganhando, ainda que uns tenham ganhado mais que outros.
Com o boom do consumo, ganhou o capital produtivo.
Com a bancarização das relações comerciais, ganhou o rentismo.
Com o micro-crédito, ganhou o pobre, que comprou geladeira, TV de plasma e viajou de avião pra lá e pra cá.
A fórmula funcionou durante dez anos. O fator “Dilma Rousseff” foi o principal elemento de desestabilização do sistema. Não foi o único elemento, é claro que não. Mas foi o principal.
É que Dilma tensionou demais.
Dilma tensionou com o rentismo na batalha dos spreads, tensionou com a classe política, quando acreditou que a “Operação Lava Jato” seria de fato republicana.
O golpe de 2016 não foi exatamente contra o lulismo. Foi contra o dilmismo.
Duvido que Lula cairia, duvido muito. Mas não é disso que quero falar, não aqui, não agora.
O que estou querendo dizer é que pela lógica racional do mercado, do capitalismo, não há nenhum motivo para as elites brasileiras odiarem Lula.
Os donos de terra do sul do Brasil receberam muito dinheiro do governo federal durante a Era Lula, pois a exportação das commodities era o grande combustível econômico da conciliação lulista. Era importante para o governo que os proprietários produzissem, vendessem, ganhassem dinheiro.
Lula tratou o agronegócio com muito carinho, com muito carinho mesmo.
De onde vem esse ódio? Por que os proprietários sulistas tentaram matar Lula? É por causa da corrupção?
Não, não tem nada a ver com corrupção. Há outros políticos notoriamente corruptos que não despertam o mesmo ódio. Nunca é demais lembrar que os mesmos que hoje odeiam Lula aplaudiram Eduardo Cunha e votaram em Aécio Neves. O problema dessas pessoas nunca foi a corrupção.
O ódio é arcaico, é de tipo antigo.
Lula é o nordestino, trabalhador manual, homem de berço plebeu que ousou governar.
Num país em que a política formal sempre foi assunto a ser tratado entre iguais, entre oligarcas, Lula representa o radicalismo, ainda que na posição de mandatário maior da República tenha sido bem tímido, talvez até um tanto conservador.
É que o radicalismo de Lula independe de suas ações. Lula é o próprio radicalismo, é o radicalismo em pessoa, não importa o que faça, não importa o que deixe de fazer, não importa o quanto tente conciliar.
Com aquela “alma de pobre”, com aquelas escorregadelas nas concordâncias e nos plurais, Lula jamais conseguirá conciliar por muito tempo, pois para conciliar carece antes de ser aceito como mediador. Precisa sentar à mesa.
O aristocrata não aceita sentar à mesa com o plebeu.
As elites brasileiras têm nojo de Lula, sempre tiveram. Mesmo ganhando dinheiro durante o governo Lula, elas continuaram sentindo nojo, odiando. É que para as elites brasileiras o mais importante não é, exatamente, o dinheiro. O mais importante é a distinção.
Não importa se o aquecimento do consumo é positivo para a cadeia produtiva. Quando a empregada usa o mesmo perfume que a patroa, quando o filho do porteiro começa a estudar na universidade, é o regime da distinção que está sendo abalado.
Patroa e empregada, sinhá e mucama, não podem ter o mesmo cheiro. Não importa se a empregada “tirou” o tal perfume no cartão de crédito, pra pagar em 12 suaves prestações. Não importa se a empregada, depois da jornada de trabalho, vai sacolejar duas horas no trem e no ônibus para chegar em casa, no outro lado da cidade.
O que importa é o cheiro, é o signo de distinção.
Não importa se o morador do 10° andar vai passear em Paris nas férias, enquanto o porteiro vai visitar “mainha” em Santo Amaro. O que importa mesmo é que quando começar o semestre, o filho do porteiro estará lá, na mesma sala que filho do morador do 10° andar. Olhando de longe, bem de longe, eles são iguais, são estudantes. O absurdo está aqui. O ódio vem daqui.
É isso: não tem nada a ver com fascismo. O que explica a escalada de violência na política brasileira é o ódio de uma elite arcaica que goza com a distinção.
Não é fascismo. O fascismo é a tragédia da Europa moderna. Nossa tragédia é outra.
É a tragédia de uma sociedade de modernização incompleta, forjada no escravismo e controlada por uma elite historicamente comprometida com o atraso.
Reflexões sobre a luta antirracista nos EUA e no Brasil sob os olhos que quem vive o racismo na pele e se inspirou pela exposição “Todo poder ao povo! Emory Douglas e os Panteras Negras”
Queremos liberdade. Queremos o poder para determinar o destino de nossa Comunidade Negra.
Queremos emprego para nosso povo.
Precisamos acabar com a exploração do homem branco na Comunidade Negra.
Nós queremos moradia, queremos um teto que seja adequado para abrigar seres humanos.
Nós queremos uma educação para nosso povo que exponha a verdadeira natureza da decadente sociedade Americana. Queremos uma educação que nos mostre a verdadeira história e a nossa importância e papel na atual sociedade americana.
Nós queremos que todos os homens negros sejam isentos do serviço militar.
Nós queremos o fim imediato da brutalidade policial e assassinato do povo preto.
Nós queremos a liberdade para todos os homens pretos mantidos em prisões e cadeias federais, estaduais e municipais.
Nós queremos que todas as pessoas pretas quando trazidos a julgamento sejam julgadas na corte por um júri de pares do seu grupo ou por pessoas de suas comunidades pretas, como definido pela Constituição dos Estados Unidos.
Nós queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz. E como nosso objetivo político principal, um plebiscito supervisionado pelas Nações-Unidas a ser realizado em toda a colônia preta no qual só serão permitidos aos pretos, vítimas do projeto colonial, participar, com a finalidade de determinar a vontade do povo preto a respeito de seu destino nacional.
Falar sobre os Panteras Negras não se trata de fazer um pequeno resumo escolar com palavras amontoadas tentando explicar o que aconteceu. Trata-se, isso sim, de trazer de volta a consciência comunitária do povo negro que nunca morreu, o desejo de justiça e a indignação com o que fizeram e ainda fazem conosco. Tratar desse partido hoje, décadas depois, não é como ir ao zoológico, tirar fotos dos animais, fazer uma pequena pesquisa na internet. Trata-se principalmente de acordar cada Pantera dentro de cada irmã e irmão de cor, abrir as jaulas, reacender o instinto de união, comunidade e esperança, tendo apenas uma presa em comum: o racismo.
Na década de 60, nos Estados Unidos, policiais perseguiram, agrediram, criminalizaram, prenderam arbitrariamente a população negra. O número de pessoas dentro da prisão era cada vez maior, a miséria assolava vários estados do Sul do país, e os resquícios da escravidão acarretavam o aprofundamento das desigualdades sociais. Foi dentro dessa realidade que Bobby Seale e Huey P. Newton nasceram. Os dois vieram de famílias pobres dos estados do Sul, tentando ganhar a vida. Conheceram-se em Oakland, Califórnia, quando estudavam no Merritt College. Lá, começaram a participar de movimentos estudantis por igualdade racial, raiz principal do Partido dos Panteras Negras, que foi criado justamente para autodefesa da população negra, contra a injusta repressão da polícia.
Eles organizaram pequenas patrulhas comunitárias compostas por negros, que se vestiam de preto, jaquetas de couro, óculos de sol – essa se tornou a “identidade visual” do grupo –, sempre andando armados, com as armas à mostra. As patrulhas impunham respeito diante da polícia autoritária e vigiavam sua ação dentro dos bairros, explicitando o sentido de comunidade a que pertencia qualquer negro revistado pela polícia. Eles formularam o Programa dos Dez Pontos, que articula e define as perspectivas dos Panteras Negras.
Do gênero felino, esses animais não foram feitos pra ficarem enjaulados. Uma pantera sabe se cuidar e cuidar do seu povo. Esse é, basicamente, o ponto número um dos Panteras Negras. O governo racista daquela época não era capaz de garantir o direito do povo negro, seja de Oakland, seja de qualquer outra cidade onde os negros viviam. Mais de 50% da população do Alabama vivia abaixo da linha da pobreza. A articulação dos Panteras Negras era urgente.
A questão da pobreza nos leva ao ponto dois: A necessidade de emprego para a população – talvez esta idéia seja também atual para o povo brasileiro e a nossa realidade. Nascer numa sociedade de configuração capitalista exige que a população trabalhe para se sustentar, garantir as necessidades próprias e das famílias e os direitos básicos, cada vez mais retirados. A maioria das empresas dos Estados Unidos daquela época possuía uma postura racista institucional – traço ainda presente, mesmo que mascarado, em empresas do Brasil – seja ela explícita quando um negro nem chega a ser contratado; ou quando nosso tratamento dentro das firmas é diferenciado do tratamento de pessoas brancas, o que também é refletido no nosso salário mais baixo e na falta de dinheiro para ter alimento sobre a mesa.
Recentemente, mais um negro foi constrangido ao tentar entrar em um shopping na região nobre de São Paulo. A comunidade negra já está farta de ver tal cena. Nos Estados Unidos dos anos 60, um negro nem poderia se sentar no mesmo banco de ônibus do branco, e dividir espaços, seja na escola, no hospital ou até mesmo na rua. A comunidade branca explorou exponencialmente o trabalho provindo das mãos negras, tanto para criar a ferrovia que corta de Leste a Oeste os Estados Unidos, quanto para construir os grandes shoppings da cidade de São Paulo em seus bairros nobres. Ainda hoje, nossa cor nos deslegitima a estar dentro desses ambientes que foram construídos por nossas mãos. Não à toa, o terceiro ponto reforça que queriam (e queremos!): que o homem branco e a classe burguesa parem de explorar a comunidade pobre e negra apenas para construir seus prazeres.
Morro do Alemão, Capão Redondo, Belágua no Maranhão e tantos outros lugares no Brasil onde a população pobre, em maioria negra de linhagem afrobrasileira, se esforça para tentar sobreviver sobre os duros custos de vida. Por sermos descendentes de escravos, temos que multiplicar nossas forças (quando temos), para tentar ter um conforto de vida e uma casa (sonho ainda de muitos brasileiros). Dificuldade essa que a burguesia, e a classe média oriunda da Casa Grande nunca precisou passar e enfrentar, pois sempre terá aquela velha herança guardada na família. Quando falamos de racismo estrutural, falamos dessas estruturas que vêm sendo consolidadas há anos, cujas conseqüências ainda são enfrentadas pela população negra. A possibilidade da família negra de ter uma casa, um lar pra morar, é o tema do quarto ponto do programa.
Aos poucos, é possível ver que o sentido da palavra “educação” ganha novos moldes com o tempo. O que deveria ser entusiasmo pelo saber, na prática, torna-se prisão de horas, onde os alunos não querem permanecer. Quando dizem que eles estão sendo “educados”, muitos se sentem adestrados, simplesmente para fazer provas que serão capazes de “salvar as suas vidas”. Os problemas dentro da educação brasileira são mais que reais: são visíveis. Um deles, em específico, vai ao encontro do problema da educação na sociedade norte-americana: a invisibilidade do povo negro dentro dos livros didáticos e nos currículos escolares.
Se por vezes somos representados, nossa história é sempre curta e com o mesmo roteiro: Escravidão, escravidão e escravidão. Não sabemos de nossas origens, quem veio antes de nós, nossas contribuições para a sociedade. Não sabemos quem foram nossos escritores, músicos, artistas, poetas. Não sabemos quem são as mulheres negras dentro da nossa cultura, e os papéis que elas exercem na nossa sociedade. As leis federais 10.639/03 e 11.645/08 vieram para mudar essa história nas escolas, mas sua aplicação ainda é insuficiente. Querer uma verdadeira educação e não poder obtê-la por ser encoberta por livros de histórias que apenas representam a população branca e européia, só confirma a necessidade do quinto ponto dos Panteras Negras.
Os pontos seis, sete, e oito do partido conversam entre si. Nos 16 anos de vida dos Panteras, um dos assuntos que sempre esteve presente foi a guerra do Vietnã, onde os Estados Unidos intervieram brutalmente, sem o consentimento de boa parte da população americana – essa parte inclui os Panteras Negras, que foram até o Vietnã dar um aperto de mão na população que ali sofria, em um gesto de solidariedade. Os Panteras Negras haviam percebido que o mesmo Estado que assassinava a população negra nas ruas também enviava seus jovens para morrer na guerra. O mesmo negro que antes era cercado pela violência policial agora era obrigado a “defender seu país”. O mesmo país que nunca os defendeu. Os Panteras exigiram a isenção do serviço militar e lutaram por meio das patrulhas para que a violência policial acabasse. A violência é a mesma que se vê presente em vários atos e manifestações ainda hoje, aqui, quando os secundaristas saem exigindo uma educação melhor, quando a população exige um presidente legítimo, eleito pelo voto democrático, ou quando Rafael Braga é preso pelo esdrúxulo motivo de portar de Pinho Sol, pois, para a polícia, sua cor de pele fala mais do que suas atitudes.
O Brasil possui suas prisões em carga máxima e tem a quarta maior população carcerária do mundo. Muitas dessas prisões, seja aqui, seja nos EUA, são provocadas pela polícia racista: jogam o pó branco básico dentro da bolsa e enquadram mais um negro…
A realidade de um negro é somente do negro, e somente outro negro pode entender. Mas estamos cheios de acadêmicos e estudiosos brancos que, por serem tão supridos de inteligência, pensam ser capazes de entender exatamente o que acontece com a comunidade negra.
Uma das maiores dificuldades que temos na luta contra o racismo é esta: brancos que acham que entendem a nossa vida. Querem protagonizar ou se provar mais entendidos do que acontece conosco. Não serão capazes. Só quem está em nossa pele sabe o que é estar aqui. Todo apoio é bem-vindo, mas somos nós, negros, quem sabemos os limites entre apoiar e atrapalhar.
A experiência dos Panteras Negras pode nos dar aporte histórico para pensar sobre essa questão. Não havia um interesse de entender o que acontecia com a população negra. Por isso, os Panteras reivindicavam a presença de negros no sistema judiciário. Queriam uma justiça que se preocupasse também com os filhos negros de 14 anos na rua voltando muito tarde pra casa, queriam uma justiça que entendesse que não é confiável uma polícia que dá enquadros em jovens negros e enfia o pacotinho branco dentro de suas mochilas.
Querer terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz, minimamente deveria ser lei, regra, e um dever do governo. Esses desejos não alcançados fazem parte do décimo ponto dos Panteras Negras e das reivindicações de comunidades africanas, indígenas e tantas outras comunidades pobres, esquecidas. Os exemplos da realidade nos mostram que essas necessidades ainda são muito atuais.
As manifestações que acontecem ao redor do mundo de populações fartas de governos que não as ajudam, e que, sob o nome da “democracia”, escondem do povo seus verdadeiros interesses, provam que a luta dos Panteras Negras é necessária e atual como antes.
Você quer saber mais sobre os Panteras Negras? Tem uma exposição maravilhosa sobre eles no Sesc Pinheiros, em São Paulo, até o dia 2 de julho. Todas as terças, quartas, quintas, sextas e sábados, das 10h30 às 21h30. Rua Paes Leme, 195, Pinheiros SAO PAULO | CEP: 05424-150
A pesquisa qualitativa, Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo, realizada pela Fundação Perseu Abramo, gerou discussões e interpretações nas várias cores do espectro ideológico. A direita e a extrema direita a usaram para realçar e propagandear os valores liberais dos moradores da periferia paulistana. A esquerda reagiu de maneira variada, classificando-a de inadequada e inoportuna, e até, por outro lado, louvando o aprofundamento do tema que ela proporcionou.
Pinçamos, nesse texto, ideias dos três sociólogos reunidos na Fundação Perseu Abramo para discutir a pesquisa, Andréia Galvão, Sérgio Fausto e Giovanni Alves, bem como da entrevista com Gabriel Feltran, ouvido pela Pública.
“Não me parece que as perguntas da pesquisa permitam
sustentar a conclusão de que para a população
não há luta de classes e de que o Estado é o inimigo.”
Andréia Galvão
Embora considere legítima e adequada a metodologia da pesquisa, Andréia Galvão aponta que as perguntas foram muito amplas e muito abrangentes, o que dificulta chegar às conclusões indicadas pelos próprios pesquisadores. Sua opinião é de que as perguntas deveriam ter sido mais fechadas e mais alinhadas às hipóteses da pesquisa.
Sobre a conclusão da pesquisa de que a polarização política não é bem definida ou é inexistente para o público estudado, ela realça a diferença que existe entre uma pessoa, por um lado, se reconhecer como pertencente à direita ou à esquerda, ou como conservadora ou progressista, e, por outro lado, ser confrontada com posições que podem ser definidas como sendo de direita ou de esquerda.
Andréa Galvão exemplifica: “Poderíamos perguntar para o sujeito: ‘Você é homofóbico?’ E ele dizer: ‘Não, não sou, não me reconheço nessa categoria’. Mas, ainda assim, expressar posições que são posições homofóbicas.” O resultado da pesquisa seria mais evidente e objetivo se fossem pedidas avaliações dos entrevistados sobre políticas concretas.
Com relação ao empreendedorismo referido na pesquisa como aspiração dos entrevistados, a professora questiona que ele pode estar mais relacionado a uma estratégia de sobrevivência pela falta de oferta de postos de trabalho assalariado, e menos a “uma aspiração ideológica a virar patrão”.
Ela conclui: “A análise dos resultados da pesquisa ganha se a gente consegue destacar e reforçar esses aspectos contraditórios. O conservadorismo no plano dos costumes, que nem aparece muito na pesquisa, não necessariamente equivale à defesa da liberdade econômica, da não-intervenção do Estado, do mercado como valor, e vice-versa. A crítica à ineficiência do Estado, o desejo de consumo individual não equivale a demanda de menos Estado ou de menos bens de consumo coletivo. Eu não vejo liberalismo aqui.”
“A gente precisa levar em consideração essas três dimensões:
o global, o que é brasileiro, do ponto de vista da transformação da sociedade,
e o momento político que nós estamos vivendo que afeta essa paisagem.”
Sérgio Fausto
Buscando concluir que os sindicatos e os partidos estão perdendo representatividade e sendo substituídos por outras formas de intermediação, Sérgio Fausto afirma: “O que a gente sabe que está acontecendo? A gente sabe que está acontecendo, primeiro, uma mudança, que não é só no Brasil, em que as sociedades estão se tornando mais heterogêneas, em que as identidades se definem menos em função das posições ocupadas no mercado de trabalho. As classes, tal como concebidas a partir do século XIX, são categorias de análise, hoje, que têm, digamos, uma aderência mais complicada com a realidade. Isso não significa dizer que o conflito distributivo acabou. Mas as identidades se formam a partir de outros elementos também”.
Para ele as categorias surgidas no século XIX não dão conta de explicar a realidade atual e darão menos ainda com a substituição do trabalho humano por máquinas inteligentes.
Focando no Brasil, Fausto aponta a ascensão social ocorrida nos últimos anos e a regressão atual: “Você tem uma transformação brasileira de um processo de mobilidade social bastante acentuado, que se deu num curto espaço de tempo e que chega a um fim abrupto. Então, essa pesquisa é colhida num momento em que ‘deu ruim’, ‘deu ruim’ para muita gente que experimentou o plano de saúde privado, a escola privada, e voltou para o sistema público. O que vai resultar dessa experiência, não é claro. Uma sociedade, ainda que não esteja politizada nesse nível sofre os efeitos do colapso do sitema político, tal como ele se organizou no período da redemocratização. Que afetou o PT de maneira muito dura, e não só o PT.”
“Essa pesquisa está mostrando um Brasil que está num desmonte.”
Giovanni Alves
Giovanni Alves contrapõe dois momentos do país: as décadas de 1950 e 1960, em que nos encontrávamos na ascensão história do capitalismo industrial, e as décadas de 2000 e 2010, em que experimentamos a decadência do capitalismo industrial . Afirma ele: “a desindustrialização muda todo o sentido produtivo no caso de uma metrópole como São Paulo”
“Nos anos 60, você tinha elementos de uma tremenda ideologia que buscava quebrar essa percepção da luta de classes e, de certo modo, passar aquela ideia de que patrão e empregado pertenciam a uma mesma comunidade produtiva. Se formos verificar, temos elementos de continuidade e descontinuidade na miséria das camadas populares nas metrópoles nesse país.”
Ele salienta aspectos mais gerais do capitalismo global e enfatiza que as mudanças em curso não são singulares do Brasil ou de São Paulo: “Eu salientaria a questão do desmonte do mundo do trabalho, esse aprofundamento da precarização do trabalho nas suas mais diversas dimensões. Isso é um dado que explica muito dos resultados dessa pesquisa”.
O professor chama atenção para um aspecto que julga pouco lembrado a “precarização das condições existenciais do trabalho vivo”, a falta de sentido de vida oriundo do trabalho. Sindicatos e partidos burocratizaram-se e não se preocuparam com esse aspecto. Para ele a valorização das igrejas e das famílias significa a ocupação, por essas instituições, do vazio de sentido da atividade profissional. As igrejas neopentecostais estão “dentro de uma lógica de mundo, onde alienação se aprofundou a uma dimensão que as pessoas estão recorrendo a esses espaços e não tem volta”.
Nas conclusões da pesquisa encontramos que “no processo de formação de opinião, as condições materiais de vida e do cotidiano são preponderantes”. Giovanni Alves ressalta esse aspecto como “fundamental para a formação de uma consciência de classe.”
Ele conclui que teremos outros resultados na ação social “no dia em que essas pessoas tiverem a consciência clara de que não existe mercado para todos”.
“As esquerdas perderam votos na periferia quando deixaram de ser esquerdas.”
Gabriel de Santis Feltran
Feltram, com base na diversidade de formas de ver o mundo nos bairros periféricos, opina que os “jovens” pesquisadores da Fundação Perseu Abramo “não deram conta dessa diversidade e acabaram homogeneizando demais a interpretação”. Para ele é “bem perigoso” imaginar homogeneidade nas periferias que são, ao contrário, crescentemente, heterogêneas.
Ele nos lembra que “nas eleições municipais as periferias de São Paulo elegeram a Erundina, o Maluf, o Pitta, a Marta, o Kassab, o Haddad e o Doria. Mas, veja, elas votaram no Lula, majoritariamente, desde 1989”.
Sua avaliação, ainda assim, é que as esquerdas perderam votos na periferia quando se distanciaram e consideraram que a base era “menos importante eleitoralmente do que televisão e políticas populares, de melhora do bem estar, como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, etc. Não há espaço vazio em política. Outros grupos, como as polícias militares (que têm horas de programa diário na TV aberta, dentro das casas das periferias, com figuras carismáticas como apresentadores), os evangélicos (com suas ações midiáticas e de base), bem como o empreendedorismo do mercado de trabalho, têm estado bem mais perto. E estando perto, ganham eleição ali”.
Notas
1 Andréia Galvão é professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp
2 Sérgio Fausto é superindente do Instituto Fernando Henrique Cardoso e da USP
3 Giovanni Alves é professor do Departamento de Sociologia e Antropologia da Unesp
4 Gabriel de Santis Feltran é professor do Departamento de Sociologia da UFSCar
Por Camilla Hoshino, do Brasil de Fato, Leandro Taques, dos Jornalistas Livres e Christian Quintero, do Hemisferio Izquierdo
De Veranópolis (RS)
Recolocar o Brasil na rota de influência e dominação dos Estados Unidos e criar condições para acelerar medidas no campo econômico que possibilitem novas formas de ampliação da extração de valor. Estes são os principais objetivos da atual agenda política manejada pelo governo interino de Michel Temer (PMDB), de acordo com o professor da UFRJ Marcelo Braz. “É preciso construir unidade no plano tático entre os setores progressistas para conter o processo feroz de contrarreformas profundas que estão sendo colocadas em pauta”, comenta.
Marcelo Braz é pós-doutor em Economia pela Universidade de Lisboa, doutor em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor e vice-diretor da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ. É membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e atua em parceria com movimentos populares, como o MST, sendo professor e colaborador da Escola Nacional Florestan Fernandes.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Jornalistas Livres e ao Hemisferio Izquierdo, Braz fala do golpe em curso no país, a partir da análise da estrutura política do capitalismo brasileiro, condensado no Estado e em suas instituições, e de elementos históricos marcados pelo interesse das classes dominantes. “Sempre que os níveis de emancipação social avançam, a burguesia trata de fazê-los recuar”, avalia.
Autor e coautor de diversas publicações, Braz se destaca em temas relacionados à economia política, questão social, capitalismo contemporâneo, socialismo e marxismo. Em relação aos métodos de análise do mundo contemporâneo, afirma: “Só Marx não dá conta da complexidade do mundo em que vivemos, mas sem Marx nós não entendemos o mundo em que vivemos”.
Confira a entrevista.
Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
BdF/JL/HI — O senhor publicou recentemente um artigo intitulado “Um golpe nas ilusões democráticas”, analisando a atual conjuntura política no Brasil a partir de elementos históricos e estruturais. Gostaríamos que retomasse as ideias centrais desse texto, sinalizando principalmente aquilo que entende por “ilusões democráticas”.
Marcelo Braz — O ponto de partida desta análise foi o desfecho- que ainda não se completou- que destituiu a presidente eleita Dilma Rousseff e teve seu ápice, do ponto de vista institucional, na votação da Câmara dos Deputados no dia 17 de abril de 2016. Digo do ponto de vista institucional, porque do ponto de vista das classes que construíram as condições para o golpe isso vai além das instituições. Mas a efeméride do dia 17 de abril foi um momento que apresentou ao Brasil e ao mundo o apodrecimento do sistema representativo brasileiro e o nível da indigência moral e intelectual dos parlamentares reunidos naquele show de horrores. Só que desta vez o show foi televisionado. E, lamentavelmente, esta data que marca o Massacre de Eldorado dos Carajás, em que dezenove companheiros sem-terra foram assassinados [no Pará, em 1996], entrará novamente para a história.
“Bancada BBBBB”
Aqueles parlamentares, que representam interesses de classe muito concretos, nada representam o interesse do povo brasileiro. Isso não é forçar a análise, pois sabemos que existem muitas formas parlamentares que podem representar algumas demandas dos trabalhadores. Mas aquela votação serviu, didaticamente, para mostrar que o sistema político condensado no Congresso Nacional- não apenas na Câmara dos Deputados, mas também no Senado Federal- envelheceu completamente. Os parlamentares que lá estão não representam os interesses de Deus e da família- como disseram durante a votação-, e nem os interesses da cidadezinha do interior, por mais que eles possam representar algumas demandas locais. O domínio da Câmara dos Deputados, como já dizem há algum tempo, é o domínio da ‘bancada BBB’, do boi, da bala e da bíblia. E eu diria que é a ‘bancada BBBBB’, porque é a bancada ruralista, é a bancada da indústria de armas, é a bancada dos evangélicos conservadores- porque nem todos são conservadores-, é a bancada dos bancos e instituições financeiras e a bancada da cartolagem do futebol ou a bancada da bola, que inclusive conspirou recentemente contra a CPI do futebol.
Elementos estruturais e históricos
De forma mais precisa, o dia 17 de abril de 2016 entra para a história como um momento em que se deu o desfecho principal do desencadeamento dos fatos conjunturais que guardam as suas ligações com elementos estruturais e com os elementos históricos da nossa realidade. Portanto, aquilo não foi ‘um raio que caiu de um céu sereno’ [referência à obra Napoleón le petit, de Vitor Hugo, sobre o golpe de Estado de Luis Bonaparte, na França, em 1851]. Por um lado, o que nós vimos naquele momento representa, num plano imediato conjuntural, a falência da democracia brasileira. Do ponto de vista estrutural representa até onde vão os interesses das classes dominantes e como elas podem manipular um sistema político apodrecido, mas que lhes é muito útil. O que se apresenta é um comportamento das classes dominantes brasileiras profundamente antidemocrático, que sempre colocou profundos óbices a qualquer conquista democrática mais significativa. Nem digo sobre conquistas que pudessem levar à socialização do poder político, porque isso nós sabemos que só é possível com o derrube do Estado. Mas sempre que os níveis de emancipação social avançam, a burguesia trata de fazê-los recuar.
Recuos democráticos
Se pensarmos a democracia nas camadas política, social e econômica- esta última jamais alcançada no âmbito da sociedade capitalista- veremos que a sociedade capitalista pode comportar alguns níveis de democracia política e de democracia social. Mas todas as vezes em que a sociedade brasileira- evidentemente que eu estou falando da luta dos trabalhadores- fez avançar algumas formas de democracia política e de democracia social, as respostas das classes dominantes e das outras classes à ela associada, foram golpes, instauração de processos abertamente ditatoriais- e até mesmo fascistas- ou a introdução de profundos recuos democráticos.
Mas não podemos comparar o recuo democrático da nossa pobre democracia, que se empobrece mais ainda com o que estamos vivendo hoje, com o recuo democrático mais profundo que configurou o golpe de 1964. Em 1964, no período pré-golpe, o movimento ia ao sentido de reformas de fato estruturais, de reformas de base, como a reforma agrária, a reforma urbana e a reforma financeira. A esquerda estava se batendo por reformas de base de caráter estrutural. O que nós assistimos agora, mais do que em 1964- sabemos que a história não é evolutiva nem linear- é uma estrutura política do capitalismo brasileiro, condensada no Estado e nas suas diversas instituições burguesas, muito pouco permeável às demandas sociais dos trabalhadores. Ela se mostra hoje mais resistente a atender algumas demandas no nível da democracia política e da democracia social dos trabalhadores. Isso do ponto de vista de algumas conquistas que os trabalhadores podem ter nos limites da ordem burguesa. O que significa dizer que nós precisamos fazer um balanço profundo do significado do que aí está exposto para ver que tipos de ações no plano imediato devem ser colocadas e que tipo de ações em médio prazo podem ser pensadas.
Tirar Dilma e colocar Temer é colocar um governo ‘puro sangue’ da burguesia, isto é, que representa por inteiro os interesses da burguesia nos seus seguimentos mais avançados, incluindo não só, mas principalmente, o capital financeiro. Porque um dos significados desse golpe- do qual nós somos, lamentavelmente, contemporâneos- é destravar os obstáculos que impedem a implementação de uma agenda profundamente regressiva.
Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
BdF/JL/HI — Quais seriam os objetivos mais concretos dessa “agenda profundamente regressiva”?
Marcelo Braz — A agenda do golpe atende três objetivos principais. O primeiro é recolocar o Brasil na rota da influência e da dominação preferencial dos Estados Unidos. Isso não significa que os Estados Unidos tenha deixado de exercer o seu imperialismo entre nós. Mas sabemos que os últimos dez ou quinze anos, por conta de governos com colorações ideológicas muito distintas, colocaram obstáculos para a manutenção da zona de influência preferencial dominada pelos Estados Unidos na América. Esses governos apresentaram desde uma inclinação fortemente anti-imperialista, como o de Hugo Chavez, na Venezuela, até um reformismo fraco como o do PT, no Brasil. Passando dessas extremidades, também tivemos os governos dos Kirchner, na Argentina, de Rafael Correa, no Equador e de Evo Morales, na Bolívia.
O segundo plano é criar condições para acelerar medidas no campo econômico que aumentem as possibilidades de novas formas de extração de mais valia, seja ela absoluta ou relativa. Evidentemente que isso significa, do ponto de vista da mais valia relativa, aumentar a produtividade média do trabalho, elevar os investimentos tecnológicos. Se quiserem saber mais, basta ler o que Delfim Neto- este que é o último signatário vivo do AI5- tem dito com muita frequência em suas colunas. Ele diz que é muito baixa a produtividade média do trabalho no Brasil e que é preciso um incremento dessa produtividade. Isso coloca o terceiro objetivo da agenda regressiva- que se casa com o segundo, porque auxilia nas condições de se criar novas formas de mais valia absoluta- que é promover um desmonte do máximo que as forças conservadoras soldadas nesse governo conseguirem. Significa promover um desmonte no pouco do edifício dos direitos sociais e trabalhistas que foram conquistados no Brasil.
Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
BdF/JL/HI — Do ponto de vista da extração de mais valia, quais são as formas de efetivar esse objetivo?
Marcelo Braz — Uma das formas é realizando tarefas em atraso. São as tarefas que Fernando Henrique Cardoso anunciou lá atrás, mas que o vigor da luta em oposição ao neoliberalismo dos anos 1990- por meio de atores que encabeçaram essa luta, inclusive e fundamentalmente o PT, naquela época, entre outros, como o movimento sindical, CUT, etc.- conseguiu conter. Como ele [Fernando Henrique] mesmo disse no discurso de posse, ‘um dos objetivos do meu governo é superar a Era Vargas’. Trocando em miúdos, o que ele quis dizer com ‘superar a Era Vargas’ não era superar o Estado burguês que Vargas construiu, mas desmontar os direitos trabalhistas condensados na CLT. E não apenas os direitos trabalhistas, mas também os direitos sociais, que avançaram o tanto quanto foi possível no ordenamento constitucional de 1988. Mas os setores burgueses diversos acham que a conta está muito cara. Nesse sentido, até o Bolsa Família está sendo atacado pelo novo Ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra. Ele está dizendo que o programa precisa ser mais focal, que deve atingir apenas cinco por cento dos mais pobres entre os mais pobres. Isso significa, no dizer desse cidadão, beneficiar apenas dez milhões de brasileiros contra os sessenta milhões que hoje o Bolsa Família alcança. Não preciso dizer o que a contribuição do Bolsa Família significa em termos monetários…
Ataque a direitos constitucionais
Mas não é o Bolsa Família o objetivo principal, e sim o ataque à previdência, que não é distributiva, é contributiva, mas que arrecada e constitui o fundo público dos trabalhadores. No sentido não só de privatizar parte dela, criando um mercado de previdência privada, mas no sentido de um avanço para esse fundo público maior do que aquele que se faz hoje. E não é só a previdência, é também a assistência social. Veremos o avanço contra alguns direitos constitucionais como o Benefício de Prestação Continuada e, sobretudo, o avanço contra a saúde, este sim, um direito universal constituído no SUS, que é um sistema extremamente avançado, modelar, um dos mais avançados do mundo e que, evidentemente, não pode funcionar, pois tem um subfinanciamento crônico. A meu ver, é necessário construir, no plano imediato e tático, uma ampla frente dos segmentos mais progressistas que resistam a esses recuos democráticos, porque o golpe do dia 17 de abril foi um recuo democrático, que significa um atalho para mais recuos democráticos.
BdF/JL/HI — Nesse sentido, quais os desafios da esquerda?
Marcelo Braz — Eu diria que, no plano imediato, se a interrupção do mandato da presidente Dilma se confirmar entre agosto e setembro, é preciso construir alguma unidade no plano tático entre os setores progressistas, entre os setores variados da esquerda brasileira, entre os diversos movimentos sociais, entre os diversos partidos que levantam a bandeira dos trabalhadores brasileiros em suas diversas franjas, para conter o processo feroz de contrarreformas profundas que esse governo já está colocando em pauta.
No meu texto [Um golpe nas ilusões democráticas] eu atento para o ‘discurso de posse’- entre aspas, porque não é posse e sim um governo interino-, em que Michel Temer diz com todas as palavras tudo aquilo que está posto no documento do PMDB, ‘Uma ponte para o Futuro’. Na realidade, é uma ponte para a barbárie, sabemos. As duas linhas desse governo, diz Michel Temer, serão ‘ordem e progresso, que estão na nossa bandeira’ e ‘privatizar tudo o que for possível’. Nós sabemos que ‘ordem’ significa porrada nos trabalhadores e ‘progresso’ significa liberdade ao capital. Então, a meu ver essa unidade de resistência é mais do que necessária.
Campanha contra a esquerda
Foi realizada uma campanha difamatória contra a esquerda, não apenas no Congresso Nacional, mas organizada pelo maior partido organizado da classe dominante brasileira, que é o partido da mídia, no sentido de descredibilizar inteiramente não só a esquerda brasileira, mas a atividade política como um todo. O ataque preferencial é ao PT e a tentativa de derrotar o PT- que antes de qualquer coisa é uma derrota da estratégia do PT- respinga em toda a esquerda. Portanto, hipoteca toda a esquerda e traz problemas para todos.
Foto: Leandro Taques/Jornalistas Livres
A unidade no plano tático é necessária não apenas para resistir ao rolo compressor que vem por aí e que está se consolidando e ao linchamento moral do PT, mas ao ataque efetivo que já se constitui contra o MST, com perseguições, encarceramento e investigações que certamente estão sendo feitas nos sistemas de inteligência militar do governo. Agora o governo interino recria o Gabinete de Segurança Institucional e coloca ali um ex-general que foi serviçal da ditadura [Sérgio Etchegoyen], filho de um general que serviu a ditadura. Então, é para resistir aos ataques à classe trabalhadora, às nossas organizações, é para fazer denúncias políticas, é para poder fazer campanhas e denunciar as prisões e pressionar pela libertação de companheiros como José Valdir, Luiz Batista [do MST], é para resistir aos ataques aos direitos sociais e democráticos e para resistir contra as privatizações que estão sendo anunciadas.
BdF/JL/HI — Diversas organizações, que apresentam estratégias distintas em médio e longo prazo, têm constituído, no plano tático, frentes de resistência ao golpe. Como o senhor vê isso?
Marcelo Braz — Não quero entrar na análise específica das frentes, mas acredito que possa existir algo que dê liga a uma ‘frente das frentes’, a uma frente ampla, democrática e unida. Não estou sugerindo este nome- foi só algo que me veio à cabeça-, porque inclusive o nome teria que ser muito amplo para comportar todas essas frentes. A meu ver essa construção só pode ter futuro se caminhar na linha da resistência no plano tático contra os recuos democráticos que esse governo certamente implementará. Ele conta com o apoio da mídia, e, no Congresso Nacional com uma hegemonia muito forte, de maneira que o que está em questão não é apenas destravar os obstáculos para poder criar condições para acelerar os recuos democráticos, implementar contrarreformas que atacam os trabalhadores e os direitos, mas também está em jogo a própria organizações dos trabalhadores.
Não sei se o ‘Fora Temer’ unifica. Como palavra de ordem já vimos que unifica, mas é preciso dar conteúdo maior a isso. Pois até mesmo o ‘Fora Temer’ interfere mais no horizonte estratégico do que nas táticas mais de resistência que são necessárias agora. Então, eu creio que, sem baluartismos, com a humildade necessária da autocrítica, o que pode ser feito é a construção de uma frente ampla e unida que lute contra os recuos democráticos que vem por aí. Isso não significa um rebaixamento do horizonte estratégico de nenhuma organização. Esta é uma opinião puramente pessoal.
BdF/JL/HI — O senhor é um pesquisador de autores clássicos, como Marx, e defende a atualização de suas teorias. Aproveitando o gancho da análise, poderia citar três elementos da obra de Marx que nos ajudem a compreender o mundo contemporâneo?
Marcelo Braz — Os três elementos, seguramente, são o método histórico dialético, a teoria do valor-trabalho e a teoria da revolução. Sendo fiéis à obra de Marx, a partir da compreensão de que é preciso estudar o tempo todo o método histórico dialético, a tarefa que se coloca para nós é realizar uma análise teórica que atualize Marx como já há diversas análises teóricas que analisaram Marx durante o século XX. Essa tarefa é dificílima, mas urgente, necessária e permanente. No que diz respeito a esses três pilares, a teoria do valor é o aspecto que mais requer e exige análises teóricas contemporâneas, porque as análises teóricas equivocadas nesse aspecto vão trazer problemas e vão turvar exatamente a teoria da revolução. Teremos, por exemplo, dificuldade de identificar o sujeito da revolução se não tivermos uma análise contemporânea do capitalismo e das novas formas de extração do valor. Por último, é claro que precisamos atualizar a teoria da revolução, mas com base numa atualização da teoria do valor. E essa atualização não é nenhuma revisão de Marx, mas é enxergar a vitalidade das categorias marxianas. É ver como elas sobrevivem ao tempo histórico, como podem iluminar nossa realidade atual e como podem nos ajudar a entender as formas novas de extração de valor. Que fique claro, isso não é uma revisão. E para finalizar, aquilo que eu sempre digo, é que temos que nos convencer de que só Marx não dá conta da complexidade do mundo em que vivemos, mas sem Marx nós não entendemos o mundo em que vivemos.