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  • Que locaute? É o povo que está lutando. A esquerda precisa entrar nessa briga!

    Que locaute? É o povo que está lutando. A esquerda precisa entrar nessa briga!

    *Por Joaquim Xavier, publicado originalmente no site Conversa Afiada

    O recuo generalizado dos usurpadores do Jaburu diante das reivindicações dos caminhoneiros foi mais uma caçamba de cal no golpe de 2016. Com a cara mais lambida do planeta, num dia Eliseu “Quadrilha” Padilha veio a público celebrar um arremedo como o acordo dos acordos. Mais: chamou uma das lideranças dos caminhoneiros de criminosa. “Conheço este sujeito deste 1999. É mau caráter”. Referia-se a José da Fonseca Lopes, da ABCAM, que se retirou das reuniões onde se tramava o fim do movimento sem atender as reivindicações do setor.

    Pois bem: no domingo, o chefe de Padilha aderiu ao “criminoso” e aceitou ponto por ponto tudo o que Fonseca Lopes reivindicava. Tal qual nada tivesse acontecido. Nesse meio tempo, o bufão Marun, líder da tropa de choque de Eduardo Cunha, dava entrevistas sobre a autoridade e esperteza do governo. Para quem já posou de bailarino dentro do congresso, um ridículo a mais, outro a menos não faz diferença. Marun continuou tratando a greve como movimento de empresários inescrupulosos, distribuiu mandados de prisão, mas nunca explicou como os golpistas reabriram negociações com gente considerada delinquente. Questão de costume, certamente.

    Risadas à parte, o fato é que a política imexível de ParenTemer sobre os combustíveis escoou para o ralo. Redução, mesmo ínfima, de preço do diesel, congelamento por 60 dias e mudanças apenas mensais nos valores é justamente o contrário do mantra de reajustes diários conforme variações internacionais. Se Parente tivesse um pingo de caráter, já estaria procurando abrigo em um dos conglomerados internacionais que de fato ele representa. Mas é mais fácil encontrar um posto com combustível na bomba do que qualquer vestígio de vergonha em Parente –para não dizer neste governo de bandidos como um todo.

    Afora isso, ainda que o pacote de concessões de ParenTemer ilustre o desgoverno, ele continua longe de tocar nas feridas que vêm destruindo o setor: a subserviência aos abutres minoritários, a liquidação das refinarias da estatal e o alinhamento da política de combustíveis aos interesses estranhos à soberania nacional. Isso sem falar que a gasolina permanece nas alturas e nem se tocou no preço do gás de cozinha, que atinge sobretudo a camada mais pobre da população.

    Do ponto de vista do país, do povo brasileiro, a saída é de clareza solar: pra começar, redução radical no preço de todos os combustíveis sem aumento de impostos que oneram o povo pobre, reestatização da Petrobras e recuperação dos investimentos em refino para não deixar o Brasil à mercê dos piratas multinacionais. Isso é possível com a quadrilha de golpistas no poder? A pergunta já embute a resposta.

    Em vez de procurar os meios de viabilizar tal caminho, progressistas assustados recomendam calma para não favorecer uma “intervenção militar”. “Vamos esperar as eleições”. Mas que eleições haverá, se é que haverá? Um simulacro em que o principal líder popular e o preferido disparado em todas as pesquisas está encerrado numa solitária?

    Ah, mas outubro está logo aí. Agora, vá dizer isto à população que vive um dia após o outro. “Segura a onda. Passe fome, use lenha, ande a pé, fique desempregado, tire o filho do colégio, suje o nome no Serasa, peça esmola e veja suas famílias no desespero até janeiro do ano que vem”. Isso é conversa de quem está preocupado com a sua própria biografia e com o “julgamento da história” –refúgios preferidos de quem abdica da luta pelos que estão vivos agora ou disputa linhas em páginas de teses a serem lidas pelos bisnetos que sobrarem.

    O momento é complexo, todos sabemos. Mas a política concreta não se faz com recurso a almanaques. Aqueles que se dizem de esquerda e/ou juram respeito à democracia são chamados a encontrar soluções de acordo com o ritmo dos acontecimentos.

    Não se entende, por exemplo, por que as centrais sindicais, os partidos progressistas e as lideranças populares não organizam movimentos de apoio à greve. Não incentivam paralisações em seus setores, sem suas bases, exigindo a saída de ParenTemer, a liberdade para Lula disputar a presidência e a antecipação de eleições. “Ah, mas até lá o Rodrigo Maia assume”, retrucarão os timoratos fantasiados de radicais. Que assuma, mas emparedado pelo compromisso de mudar de imediato a política homicida dos combustíveis e convocar o pleito o mais rápido possível.

    Situações extraordinárias clamam por saídas extraordinárias. A depender do povo, sempre dentro da democracia. Haverá confronto? Provavelmente, mas a história nunca se moveu em gabinetes refrigerados ou salões acarpetados. Fingir que dá pra esperar um calendário que nem se sabe vai acontecer, isto sim, é jogar a favor da direita e dar tempo para uma quartelada de consequências muito bem conhecidas.

  • Um texto fundamental para entender a greve dos caminhoneiros

    Um texto fundamental para entender a greve dos caminhoneiros

    Tem ao menos seis anos que colaboro com um jornal de caminhoneiros e não me arrisquei a fazer nenhuma análise sobre a recente greve da categoria. Mas muitas opiniões, sobretudo de “esquerda” proferidas em redes sociais (ninguém se importa, na verdade) me geraram um incômodo. Por isso, me arrisco agora a escrever algumas pontuações sobre a greve dos caminhoneiros, lembrando que, dessa vez, muita gente perguntou, rsrsrs.

    1) A greve começou como um movimento puxado pela CNTA, a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos. A convocação da paralisação se deu após encaminhamento de ofício ao governo federal em 15 de maio, solicitando atendimento de demandas urgentes antes da instalação de uma mesa de negociação. As urgências eram: o congelamento do preço do Diesel pelo prazo necessário para a discussão sobre benefício fiscal que reduzisse o custo do combustível para os transportadores (empresas e caminhoneiros); e fim da cobrança dos pedágios sobre eixos suspensos, que ainda está acontecendo em rodovias de caráter estadual, conforme compromisso assumido pela lei 13.103/2015, conhecida também como Lei do Motorista.

    2) No ofício encaminhado pela CNTA se fala na deflagração de uma paralisação em 21 de maio, caso não fossem atendidos os pedidos da Confederação. Também se explicita o apoio de 120 entidades representativas, mas não se esclarece se essas organizações são sindicatos patronais ou de autônomos.

    3) A paralisação prevista para 21 de maio aconteceu, já que o governo se recusou a negociar com a CNTA e com demais entidades. Ao que consta nos comunicados de imprensa do organismo, também estavam na pauta discussões como o marco regulatório dos transportes e a questão da “reoneração da folha de pagamento”

    4) Abro parênteses para o tema: desde 2011, a discussão da desoneração da folha de pagamento vem acontecendo no Brasil com vistas a garantir a geração de empregos. Nos anos seguintes ela foi ampliada para outros setores, como o do transporte rodoviário de cargas. Com a desoneração os patrões tem a possibilidade de escolher a forma mais “vantajosa” de pagar a contribuição previdenciária, recolhendo 20% sobre os pagamentos dos funcionários e contribuintes individuais (sócios e autônomos) ou recolhendo uma alíquota sobre a receita bruta (cujo percentual variava entre diferentes setores da economia, no caso do TRC é de 1,5 a 2%). No ano passado, o governo Temer, através do Ministro da Fazendo, Henrique Meirelles, anunciou a reoneração da folha de pagamento com a justificativa de que era necessário reajustar “as contas” da União. Atualmente, a ampliação da reoneração da folha de pagamento está sendo discutida no âmbito do TRC.

    5) Com a mobilização que se potencializou em 21 de maio, uma série de pautas foram levadas para as “estradas”. Dentre os mobilizados nesse primeiro momento estavam autônomos e motoristas contratados. As informações que nos chegam é a de que eles estão deixando passar as cargas perecíveis e os medicamentos e os itens considerados de primeira necessidade.

    6) A paralisação continuou e ganhou adesão das transportadoras que prometeram não onerar os funcionários nem realizar cortes salariais ou demissões por causa da greve. Afinal de contas, a redução do preço do Diesel também é do interesse da classe patronal.

    7) A greve conta com grande apoio nacional, porque a alta do preço dos combustíveis afeta não só a prestação de serviços, mas a vida de grande parte dos brasileiros.

    8) Os sindicatos estão batendo cabeça. De um lado, muitas federações e entidades soltaram nota dizendo que não apoiam a greve e que ela tem características de lockout justamente porque a pauta tem sido capitaneada pelos setores empresariais em nome dos seus interesses. Do outro lado, existem sindicatos de autônomos, como a própria CNTA, o Sindicam de Santos que puxou a paralisação na região do porto, e agora a Abcam, que recentemente se mobilizou na negociação, apoiando o movimento. Segundo nota, o presidente da Abcam esteve em Brasília no dia 24 de Maio e depois de uma reunião frustrada disse que a greve dos caminhoneiros continua. A reunião tinha como objetivo negociar a redução da tributação em cima dos combustíveis.

    Esse é o cenário geral da mobilização. Ela é composta por uma série de segmentos que conformam o TRC. E, obviamente, suscita algumas questões:

    • Existe uma clara apropriação da pauta dos caminhoneiros por parte da classe empresarial que exerce maior influência nas negociações. Isso significa que, por mais que a greve seja legítima, pode acabar resultando num “tiro pela culatra” a depender dos rumos tomados na resolução entre as partes e as lideranças.
    • Não existe uma pauta unificada, o movimento não é hegemônico, nem do ponto de vista social, nem do ponto de vista ideológico. Existe um grupo de caminhoneiros bolsonaristas, outros que são partidários de uma intervenção militar, outros pedem Diretas Já e Lula Livre. Ou seja, é um movimento canalizado principalmente, pela insatisfação em relação ao preço do Diesel.
    • Em função da grande complexidade e fragilidade das lideranças sindicais de autônomos, o movimento carece de uma representatividade que possa assegurar as demandas da classe trabalhadora. Enquanto isso, os sindicatos patronais acabam por exercer maior influência, determinando os caminhos da negociação e o teor das reivindicações.
    • Isso se faz notar, por exemplo, no tipo de reivindicação expressada por grande parte dos caminhoneiros que é a redução da tributação em cima do preço do combustível. Ora, todos nós sabemos que o cerne do problema é a nova política de preços adotada pelo governo Temer e pela Petrobras, que atualmente é presidida por Pedro Parente.
    • Novo parênteses sobre o tema: desde o ano passado, a Petrobras adotou uma nova política de preços, determinando o preço do petróleo em relação à oscilação internacional do dólar. Na época, esse tipo de política foi aplaudida pelo mercado internacional, que viu grande vantagem na venda do combustível refinado para o Brasil. Aqui dentro, segundo relatório da Associação de Engenheiros da Petrobras, a nova política de preços revela o entreguismo da atual presidência da empresa e governo Temer, que busca sucatear as refinarias nacionais dando prioridade para a importação do combustível. Tudo isso foi justificado na época com o argumento que era necessário ajustar as contas da Petrobras e passar confiança aos investidores internacionais. É verdade, portanto, que o movimento em si tem uma percepção um pouco equivocada da principal razão do aumento dos combustíveis, mas isso não significa que toda classe dos caminhoneiros não faça essa relação clara entre o problema da política de preços da Petrobras e o aumento dos combustíveis.
    • De fato o grande problema nesse momento é saber quem serão as pessoas a sentar nas mesas de negociação. De um lado, existe uma legítima expressão da classe trabalhadora em defesa das suas condições de trabalho e dos seus meios de produção. O aumento do Diesel é um duro golpe entre os caminhoneiros autônomos e a reivindicação da sua redução, seja pela eliminação dos tributos, seja pelo questionamento da política de preços da Petrobras, é legítima e deve ser comemorada.
    • A questão fundamental agora é saber o que o governo vai barganhar na negociação. Retomo, então, a questão da reoneração da folha de pagamento. O governo já disse que haverá uma reoneração da folha e esse é um dos meios de captação de recursos caso haja fim do Pis/Cofins incidindo sobre os combustíveis. Na prática, porem, a reoneração pode ter um impacto sobre os empregos dos próprios caminhoneiros, resultando em demissões.
    • Se houver o fim da tributação no Diesel, conforme inclusão do relator, Orlando Silva (PCdoB/SP), na Medida Provisória, de parágrafo que exclui a tributação, a classe trabalhadora e toda sociedade serão impactadas. Afinal de contas, com redução de receita, haverá, consequentemente, um corte no repasse da verba para a seguridade social, previdência, saúde, etc.

    Considerando tudo o que foi dito, expresso meu incomodo com análises e percepções simplistas da esquerda, ou de pessoas que se dizem da esquerda, sobre o movimento. Locaute virou doce na boca dos analistas de facebook. Porque não atende à nossa noção de “movimento” ideal, os caminhoneiros que legitimamente se mobilizaram em nome da redução do preço do diesel estão sendo taxados de vendidos e cooptados, como uma massa amorfa preparada para ser manipulada.

    Os “puristas” não entendem a complexidade da categoria, e tampouco atentam para a dificuldade que é promover a mobilização ampla desses trabalhadores, tendo em vista não só a precarização extrema à qual estão sujeitos, mas também à realidade itinerante de seu trabalho. Soma-se a isso o duro golpe que atualmente foi proferido contra as entidades sindicais menores de autônomos, com o fim da obrigatoriedade do imposto sindical. Sinto dizer aos colegas acadêmicos, portanto, que nem sempre nossos modelos de análise social se aplicam a realidade. Não se trata de uma disputa entre o bem e o mau; nem de um movimento totalmente cooptável e ilegítimo; uma massa manipulável e “bobinha”. Por outro lado, também não é um movimento cujos protagonistas tem uma consciência enquanto classe, enquanto categoria. Não é unificado, as pautas são heterogêneas e também voláteis. Por tudo isso, parte desses trabalhadores expressam reações conservadores e, alguns grupos, visões extremistas sobre a política e suas estratégias de luta.

    Nada disso, ao meu ver, torna ilegítima a mobilização. Pelo contrário, é um convite para que busquemos entender mais das categorias sociais e para que aceitemos que as mobilizações sociais nem sempre atendem ao nosso critério idealizado de pauta, objetivo e organização.