PRENÚNCIO DO FASCISMO: “Já era a manifestação do projeto de morte no qual as elites brasileiras irresponsáveis estão lançando o país agora” (jurista Lédio Rosa)
“A memória é subversiva porque é capaz de renovar a esperança e evitar que ressurjam páginas viradas da nossa história (Padre Vilson Groh)
ALERTA CONTRA FASCISMO: Familiares, amigos. políticos e militantes de esquerda em peso na homenagem ao reitor. Foto Raquel Wandelli
Por Moacir Loth e Raquel Wandelli
Indignação e dor contra o abuso de poder que matou o reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo marcaram o ato realizado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, no dia do primeiro aniversário do seu desaparecimento. Cau, como era conhecido, cometeu suicídio no dia 2 de outubro de 2017, como resposta às humilhações e torturas sofridas durante a Operação Ouvidos Moucos, levada a cabo pela Justiça Federal, Ministério Público e Polícia Federal, atendendo a argumentos forjados pelo então corregedor da própria universidade. Um ano depois, um processo de 800 páginas não encontrou uma prova sequer que justificasse a prisão, a violação dos direitos constitucionais e muito menos a proibição do acesso à universidade que dirigia por voto direto da comunidade universitária. Na homenagem política e religiosa, oito discursos emocionaram estudantes, professores, técnicos administrativos e pessoas da comunidade que lotaram o Templo Ecumênico da UFSC.
A injustiça e o abuso de poder serviram como fio condutor para as manifestações. O microfone foi usado para defender a verdade, o respeito ao Estado Democrático e de Direito, a liberdade de expressão diante da ameaça vivida pelo Brasil com a ascensão de um candidato fascista, também sustentada no ódio cego e nas mentiras oficiais que destruíram a reputação do reitor. Antes dos discursos, a apresentação do Madrigal e Orquestra de Câmara da UFSC abriram com o Lamento Sertanejo, que já se tornou um emblema da saga do reitor suicidado.
Padre Vilson Groh: “É preciso cultuar a memória para que as tragédias não se repitam”. Foto Agecom
Padre Vilson Groh lembrou o sermão do Papa sobre “os tempos difíceis”, em referência às ondas conservadoras que vêm eclodindo perigosamente no mundo. Acentuou a importância de não perdermos a memória dos que tombaram no caminho da história pela democracia e pela justiça social. “As pessoas precisam se alimentar dessa memória, que é extremamente subversiva, porque é capaz de trazer de volta a esperança”. A memória é tão transformadora, segundo ele, que pode evitar o ressurgimento de páginas viradas da história. Evocando a resistência, manifestou-se contra a naturalização do imobilismo. “Temos que arregaçar as mangas e conjurar, de forma coletiva, o verbo esperançar”, convidou. Defendeu a utilização dos espaços educativos, como a universidade, para “produzir, acalentar e materializar os sonhos do povo”. Militante pela vida dos jovens das periferias de Florianópolis, falou sobre os projetos que seu Instituto havia firmado com Cancellier (renovados pelo novo reitor) para dar apoio à formação desses jovens antes de serem assassinados pela polícia e pelo tráfico.
Lédio Rosa: “Cau foi um inocente vítima de abuso inominável de ilegalidade do Estado”. Foto Agecom/UFSC
O suicídio político do reitor da UFSC foi um sinal evidente dos horrores que estavam preparando para o país, no discurso dramático do seu melhor amigo, o desembargador aposentado e candidato ao Senado pelo PT, Lédio Rosa de Andrade. Amigo de infância e colega na universidade, Lédio foi ovacionado ao repudiar a irresponsabilidade da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal. “Prenderam e humilharam um inocente; prenderam quem não poderiam ter prendido”. O processo de liquidação moral e jurídica do companheiro de juventude e movimento estudantil foi, na sua definição, “um abuso inominável de ilegalidade do Estado, que é o maior responsável por mortes de cidadãos em todo o mundo”. O Estado mata em nome do monopólio da violência desde a Idade Média, contextualizou, qualificando a perseguição e prisão de Cau como barbárie.
Irmãos Júlio e Acioli Cancellier recebem placa com os dizeres do último artigo do reitor: “A universidade permanece”
Dizem que quando o tempo passa a dor e a revolta amenizam, mas para Lédio, depois de um ano, a inconformidade só aumentou, agravada pelo perigo que o país sofre. “A única coisa que me conforta é pensar que ele estaria ao nosso lado agora lutando contra essa ameaça”. Seu apelo à luta com a voz embargada culminou com uma advertência sobre o perigo enunciado pelo gesto político do suicídio de Cancellier. “Não podemos duvidar da irresponsabilidade das elites deste país diante desse projeto de morte que ameaça hoje a sociedade brasileira”. O fascismo está espreitando as nossas portas, acrescentou: “Urge conter os fascistas que estão na imprensa, nas universidades e nas ruas”. O discurso da violência está se generalizando: “Não é uma questão de esquerda ou de direita. A democracia é um valor fundamental que deve ser ensinado em sala de aula. A ordem do dia é lutar contra o fascismo”.
Pedindo desculpas por estar num ambiente de celebração ecumênica, o estudante Isaac Kofi Medeiros anunciou que era preciso falar da indignação de toda a área jurídica com a “violência institucional” que culminou com a morte do seu mestre do Curso de Direito. Indignação com as “800 páginas de um processo infame que não encontrou um único crime cometido por Cancellier”. Aplaudido com veemência, o líder estudantil denunciou a tentativa de “criminalizar e censurar a indignação da comunidade universitária contra o abuso de poder”, referindo-se à ação judicial movida pela delegada Érika Marena contra o atual reitor e seu chefe de gabinete por causa de uma faixa estendida no hall da reitoria com fotos dos responsáveis pela prisão e abusos de poder contra o reitor envolvidos na Operação Ouvidos Moucos. “Eles se esquecem de que ali foi o palco onde milhares de estudantes se reuniram para derrubar a ditadura, entre eles, o nosso reitor”. Lamentando a ausência do líder no clima de intolerância que ameaça o Brasil, advertiu que o Estado policialesco jamais conseguirá calar a universidade, que se manterá “coesa na defesa da autonomia, da liberdade e da democracia”.
“Indignação por acharmos que o absurdo humano e a violência institucional haviam atingido seu limite, eles retornaram neste ano e tentaram censurar até nosso luto, através de uma ação policial vergonhosa movida contra os professores Ubaldo e Aureo, a pretexto de salvaguardar a honra de alguém que nunca pensou na honra do reitor Cancellier”.
Em nome dos servidores técnico-administrativos, o trabalhador Marco Martins lamentou que um reitor cuja marca era a tolerância extrema e a humildade tenha sido vítima fatal da intolerância. “Ele era tão próximo de nós, que nunca consegui chamá-lo de professor, que dirá de reitor”. Contou que Cancellier havia implantado o diálogo e buscava permanentemente a pacificação do ambiente universitário. Num testemunho muito emocionado, revelou que quando foi surpreendido pela violência do Estado policialesco, Cancellier estava empenhado em garantir uma “convivência saudável” e “plural” na UFSC. Lutando contra as lágrimas, indagou: “Que justiça é essa?”
Emoção e indignação marcaram a cerimônia de um ano da morte do reitor Cancellier. Foto: AGECOM/UFSC
O diretor do Centro de Ciências Jurídicas, professor José Isac Pilatti, membro da Academia Catarinense de Letras, afirmou que o abuso institucional atirou a UFSC numa “crise injusta e inexplicável”. Com versos de Fernando Pessoa, Pablo Neruda e Cruz e Sousa, que falam sobre a permanência do significado de uma existência após a morte, referiu-se ao reitor suicidado como “luz serena e imortal”, “anfitrião das minorias” e “conciliador das maiorias”.
Por fim, o professor do Curso de Jornalismo e Chefe de Gabinete, Áureo Moraes, encerrou a homenagem com a entrega de uma placa aos familiares com um trecho do artigo derradeiro de Cancellier, escrito em 29 de setembro de 2017, três dias antes de mergulhar no seu voo de sacrifício?
“Ao longo de minha trajetória como estudante de Direito – na Graduação, no Mestrado e no Doutorado – depois como docente, Chefe do departamento, Diretor do Centro de Ciências Jurídicas e, afortunadamente, como Reitor da UFSC, sempre exerci minha atividade tendo princípio a mediação e a resolução de conflitos com respeito ao outro, levando a empatia ao limite extremo da compreensão e da tolerância. A instituição, tenho certeza, é muito mais forte do que qualquer outro acontecimento.”
Morre o reitor, a universidade permanece. E dessa forma sua vida continua na luta pela universidade pública. É a mensagem.
Reitor da UFSC, doutor em direito, escritor e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/SC e do Instituto dos Advogados de Santa Catarina.
Há exatos 365 dias perdíamos, de forma trágica, um amigo, um líder, uma referência. O reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Luiz Carlos Cancellier de Olivo, o Cau, nos deixava, após um ato de coragem.
Digam os críticos o que quiserem. Mas, para nós que o conhecemos, foi um gesto verdadeiro de coragem. Uma medida extrema, sim. Mas julgada, por ele, como necessária, indispensável e fundamental. Um genuíno sacrifício em nome de tudo aquilo no que ele acreditava e que lhe havia sido extirpado da forma mais vil, da maneira mais indigna e por métodos que ele aprendeu, em 59 anos de vida, a combater.
O reitor da UFSC, que apenas um ano e cinco meses antes havia assumido a função, estava no auge de sua disposição. Na semana em que foi preso, junto com outros colegas, tinha retornado de uma viagem para definir novos espaços de atuação internacional da instituição.
Comandou, na véspera, a última solenidade de formatura. E foi despertado, na madrugada seguinte, por agentes encapuzados, fortemente armados, e conduzido –sem saber a razão– para a Polícia Federal e, depois, encarcerado na ala de segurança máxima da penitenciária estadual.
Exilado, como disse à época, viu sua reputação ser escorraçada. Seu nome estampado em todas as mídias como “chefe” de uma organização que “desviou” R$ 80 milhões. E uma trajetória política iniciada na década de 1970, e consolidada pela brilhante carreira na UFSC, sendo simplesmente ignorada. O Cau “foi suicidado”, como diziam alguns cartazes no dia de seu enterro.
Um homem sem nenhuma vaidade pessoal, que ostentou uma única riqueza: a intelectual. Um homem sem grandes posses e que, como milhões de educadores brasileiros, morava num apartamento de cerca de 90 m2, rodeado por quase 2.500 livros. Ali sim, talvez, existisse algum risco àqueles que contribuíram para que fizesse seu último ato político.
Nenhum ilícito lhe foi imputado, todos os seus atos foram dentro da lei e, principalmente, todos no espírito de engrandecer a instituição que tanto amava.
Entregamos recentemente um memorial ao ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, e ao governador do estado de Santa Catarina, Eduardo Moreira, aos quais solicitamos providências ao que nos pareceu o uso excessivo da força e de arbitrariedades sofridas pelo reitor e pelos demais colegas no processo de condução e depois no cárcere. Isso precisa ser rigorosamente apurado.
Sentimos, ainda, muita falta do Cau. Pelo que ele representava de equilíbrio, habilidade no trato com todos, na sua insistência pelo diálogo, pela tolerância, pela agregação. E temos dito que jamais iremos esquecer o que aconteceu.
Ao mesmo tempo, contudo, temos uma longa batalha a travar. Precisamos enfrentar as ameaças externas à nossa autonomia, as tentativas de cerceamento da liberdade de expressão, as intimidações de que viemos sendo vítimas, os ataques de vários setores do próprio Estado que parecem estar em uma cruzada sem precedentes contra a nossa e as demais universidades públicas brasileiras.
Um Estado que, nos parece, cada vez mais longe da regra e explicitamente associado à exceção.
Dos princípios e valores defendidos pelo Cau não nos afastaremos. Seu legado nos inspira a fortalecer ainda mais a UFSC nos próximos quatro anos. Apesar de toda a dor e todo o luto, resistimos, retomamos nossa estabilidade, fizemos uma eleição para a reitoria e o projeto, iniciado por ele, venceu!
Aos poucos os colegas, também injusta e arbitrariamente presos e afastados por um ano, estão voltando. Ele, o nosso Cau, não voltará. Mas a sua honra, sua dignidade e seu nome permanecem vivos e nos motivam a transformar a UFSC naquilo que ele tanto perseguiu: uma universidade em paz, harmonia, e, principalmente, sem medo.
“Que ninguém mais seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês e meu irmão foram”
(Acioli Cancellier, irmão do reitor suicidado)
Da esquerda para a direita: o irmão Júlio, o filho Mikhail, o irmão mais velho Acioli e o reitor
Há um ano, o então reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, tornou-se a primeira vítima fatal explícita da prisão preventiva abusiva e da espetacularização da justiça no Brasil. Muito pouco, ou nada se conseguiu para reparar justiça à memória do reitor e a sua família, além de algumas derrotas à perseguição que os responsáveis pelo abuso de poder continuaram a promover contra professores e dirigentes da universidade. Esse quadro, contudo, começou a mudar. O novo reitor Ubaldo César Balthazar começa a desencadear uma vigorosa ofensiva para levar à investigação e à punição dos abusadores. A Procuradoria da Universidade deve entrar nos próximos dias com um processo judicial contra os responsáveis pelo linchamento moral e jurídico de Cancellier, desde a sua base na Corregedoria Geral da UFSC. Nesta sexta-feira pela manhã, o professor Marcos Dalmau, preso junto com Cancellier e igualmente banido da instituição com outros quatro colegas, retornou a UFSC, depois de vencer mandado de segurança impetrado no TRF4. Foi recebido numa cerimônia emocionada pelo reitor e equipe, na qual a solidariedade e o sentimento maior de defesa da instituição e dos direitos jurídicos falou mais alto do que as intrigas e manchas na reputação lançadas pela Operação Ouvidos Moucos no seio da comunidade universitária.
Reitor Ubaldo Balthazar e pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque entregam memorial dos abusos de poder a pedido do ministro Raul Jungmann
Um outro passo para a criminalização dos procedimentos abusivos da Ouvidos Moucos na UFSC foi dado na quinta-feira (13/9), quando o reitor Ubaldo Balthazar e o pró-reitor de Relações Institucionais, Gelson Albuquerque, entregaram um dossiê ao ministro da Segurança Raul Jungmann, a pedido dele, no seu gabinete em Brasília. O conjunto de documentos e testemunhos relata todos os desmandos, violações dos direitos humanos e jurídicos que envolveram a prisão do reitor, dos cinco professores e de um funcionário celetista. Na mesma hora, o memorial foi encaminhado à Corregedoria do Ministério para investigar a conduta dos agentes dos órgãos federais de representação local implicados na Operação e nas perseguições: Corregedoria Geral da UFSC, Polícia Federal, Justiça Federal, Ministério Público Federal e Controladoria Geral da União. São relatos da prisão e testemunhas dos abusos da Operação que já corriam de boca em boca na UFSC, mas foram sistematicamente ignorados pelos investigadores e juízes. Em dezembro do ano passado, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, devolveu ao irmão do reitor uma representação da família contra a delegada Érika Mialik Marena, após a realização de uma apuração sumária e viciosa, comandada pelo próprio diretor de comunicação da servidora, Luiz Carlos Korff, quando ela ainda era superintendente da Polícia Federal em Santa Catarina. Dessa vez, com o escândalo da perseguição às vítimas, a denúncia alcançou outra dimensão.
O pedido do dossiê foi motivado por manifestação do ministro Gilmar Mendes, que provocou Jungmann a investigar a delegada Érika Marena em razão do caráter absurdo e corporativista das perseguições e intimidações promovidas pela Polícia Federal aos dirigentes da UFSC, o chefe de gabinete Áureo Mafra de Moraes e o reitor Ubaldo Balthazar, numa tentativa de criminalizá-los pelas manifestações de dor e protestos da comunidade universitária pela morte de Cancellier. A primeira parte do dossiê denuncia os procedimentos persecutórios do corregedor geral da UFSC, Roldolfo Hickel do Prado, que alimentaram e subsidiaram a prisão de Cancellier e dos demais por tentativa de interdição das investigações, mesmo não tendo nenhum envolvimento com as suspeitas de desvios de verbas. Em seguida, o relatório reúne relatos que denunciam com detalhes as condições abusivas da prisão e tratamento dos professores em presídio de segurança máxima, solicitada pela delegada federal, com a anuência da juíza federal Janaína Cassol. A Corregedoria Geral da União e o Ministério Público Federal de Santa Catarina também são responsabilizados por terem encampado a perseguição de professores e dirigentes da comunidade.
Outra importante vitória foi o acolhimento nesta semana da manifestação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para que o corredor do órgão, Orlando Rochadel, investigue o procurador do MPF/SC, Marco Aurélio Dutra Aydos por ter insistido em apelação de denúncia contra o reitor Balthazar e seu chefe de gabinete, mesmo depois de rejeitada pela juíza federal Simone Barbisan Fortes. O Conselho considerou suspeita a atitude do procurador que, “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”.
Até então, os algozes não só não foram punidos, como continuaram a intimidar suas vítimas. Sequer a lei que pune autoridades por abuso de poder foi aprovada. O Projeto de Lei 7596, batizado em outubro de 2017 como Lei Cancellier, por proposição do senador Roberto Requião, teve decisão favorável no Senado, mas ficou engavetado no Congresso Nacional desde o dia 10 de maio do ano passado. Essas vitórias iniciais, contudo, mostram que nem todo sistema judiciário é conivente com a rede de horrores acionada contra a UFSC desde a prisão de Cancellier.
14 DE SETEMBRO: DATA DE HORRORES
O reitor Luiz Carlos Cancellier teve sua reputação arruinada por uma rede de intrigas e calúnias que se estendeu das páginas da Polícia Federal para a grande mídia e redes sociais. De jurista e acadêmico respeitado, ganhou os noticiários como chefe de uma quadrilha que teria roubado R$ 80 milhões da universidade, após ser detido em presídio de segurança máxima, junto com outros cinco professores da UFSC e um funcionário terceirizado.
No início da manhã do dia 14 de setembro, Cancellier dormia no seu apartamento vizinho a UFSC quando, surpreendido por uma escolta de mais de cem policiais de várias partes do país, atendeu a porta enrolado numa toalha de banho. Não tinha antecedentes criminais, não respondia um processo administrativo sequer, mas foi submetido à prisão preventiva, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, sem direito à presunção de inocência ou à defesa prévia. No Presídio Masculino de Florianópolis, foi humilhado e desnudado na frente de outros presos por duas horas, antes de vestir o uniforme laranja. Até mesmo o acesso ao seu remédio para o coração foi boicotado, como seu irmão Acioli Cancellier de Olivo constatou com uma carcereira no dia seguinte ao relaxamento da prisão. Segundo os relatos do dossiê, ao reconhecer o reitor, um aluno seu atuante na carceragem teria mostrado no celular mensagem da delegada Marena com a ordem expressa: “É para tratar como preso comum”. Como era um homem alto, cardíaco e sedentário, o professor teve muita dificuldade de se abaixar de costas para ser submetido ao exame de revista anal. “Vejam, que chances ele teria de introduzir algo no seu corpo, se foi arrancado da cama por um esquadrão de policiais?”
Do dia pra noite, um órgão federal de polícia levou um homem de vida acadêmica ao sacrifício, transformando-o em chefe de quadrilha
Aos 59 anos, o reitor havia sofrido uma recente cirurgia cardíaca e a interrupção do tratamento pode ter sido fatal para desencadear o estado de depressão que o levou a suicidar-se dezoito dias depois. O verdadeiro horror, contudo, ainda viria. Com o relaxamento da prisão, foi proibido pela justiça de ingressar na UFSC, à qual se dedicou nos últimos 20 anos, como aluno, professor, diretor de centro e finalmente reitor. Sabendo por fontes do Ministério Público Federal em Santa Catarina que não poderia retornar à instituição, pagou seus advogados para não deixar dívidas à família e no dia seguinte, em 2 de outubro, jogou-se de cabeça do sétimo andar do Beira-mar Shopping, em Florianópolis com um bilhete no bolso, no qual atribuía sua morte ao banimento da universidade.
Hoje, o irmão mais velho, Antônio Acioli Cancellier de Olivo, 67 anos, matemático, sindicalista, pesquisador aposentado do INPE, em São José dos Campos, dedica sua vida para a recuperação da memória e da reputação que Cau, filho de uma família muito pobre de Tubarão, construiu a duras penas, comendo pão de trigo com banana para conseguir estudar e se sustentar em Florianópolis. A mãe, costureira e o pai trabalhador no Lavador de Carvão em Capivari, não davam conta de sustentar os sonhos de formação dos três filhos, Acioli, Luiz Carlos e Júlio, o mais novo. É com o carinho do irmão mais velho que tomava conta dos demais, que ele conta e reconta, pacientemente, sem se exaltar com os detalhes mais perversos da sua perseguição, a história do mártir da Ouvidos Moucos. Ele foi, segundo Acioli, um adolescente rebelde e genial, intransigente diante das injustiças, “com uma produção científica espantosa para quem iniciou a vida acadêmica aos 40 anos e aos 59 já era reitor”. Com Cau, Acioli aprendeu o apreço pela luta política, “embora eu, ao contrário dele, tenha começado muito mais tarde nessa esfera”.
Líder estudantil, jornalista fichado pelo SNI durante a Ditadura, o intrépido militante do Partido Comunista Brasileiro compreendeu na maturidade que o caminho para a luta era a conciliação política e adotou-a como princípio ideológico em sua administração da reitoria. Foi quando mais ele repudiava radicalismos e acreditava na harmonia entre todas as tendências que os aparatos de repressão de Temer puxaram o seu tapete, sem deixar-lhe outra saída, a não ser oferecer a própria vida em sacrifício para denunciar a violação total dos direitos humanos, jurídicos e democráticos que ele apregoava em sala de aula. Abaixo a carta escrita por Acioli em homenagem aos professores que continuam banidos da universidade. Ao mesmo tempo ele homenageia o próprio irmão, mostrando que todos são vítimas da mesma supressão de direitos e do mesmo Estado de Exceção que vitimou Cancellier.
“Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico”.
“E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada”
(Acioli Cancellier de Olivo)
Irmãos Cancellier, na formatura do reitor em Direito
Meus caros professores,
Há exatamente um ano atrás eu nunca havia ouvido falar de seus nomes. Naquela manhã fui acordado com um telefonema de uma amigo que me perguntava: Você é parente do reitor da UFSC? Ao responder que eu era irmão, disse-me que ele acabara de ser preso.
Naquela manhã, quando a Polícia Federal invadiu as suas residências e a do Cau, a violência da ação mudou drasticamente a vida de vocês e de suas famílias; foi o ato inicial de uma tragédia que nos levou o Cau, abalou profundamente nossa família, seus familiares, os amigos em comum, a UFSC e por que não dizer, o país inteiro que não se submete à ditadura dos tanques e togas, citando um jornalista.
Daquela data em diante, seus nomes começaram a me soar familiares e mesmo sem conhecê-los, uma empatia imensa me ligou a cada um de vocês. O sofrimento de cada um de seus familiares me fazia sofrer, pois refletia o sofrimento de cada uma dos meus.
Cau se foi, seu gesto nos doeu muito, mas, em seguida, atentamos que o fez não por sua imagem enlameada, mas para mostrar a cada um de seus carrascos, que não se pode tirar o que de mais importante um homem digno possa ter: a honra. E passamos a nos orgulhar daquele gesto corajoso e heroico. Se no dia 14 de setembro de 2017, arrancaram da cama um homem digno, o cadáver que nos devolveram 18 dias após, não o reconhecemos. Não por seus ossos estraçalhados; não por sua carne dilacerada; não por sua face desfigurada. Não o reconhecemos porque aquele cadáver não tinha a mínima semelhança da pessoa que o Cau fora em vida: honrado, humanista, generoso e solidário.
Um ano se passou e, em todos esses dias, minha luta tem sido em uma única direção: resgatar a honra de meu irmão. Buscar que o Estado reconheça que seus agentes erraram. Erraram em caluniá-lo; erraram em humilhá-lo; erraram em castrá-lo, apartando daquilo que ele mais se orgulhava, servir a UFSC.
Meus caros amigos, se assim posso chamá-los, pois um sentimento de amizade e fraternidade nos uniu pela tragédia. Meus irmãos: vocês foram também vítimas da mesma injustiça; injustiça que não os levou deste mundo, mas que certamente causou perdas e danos irreparáveis. Que lhes irá devolver as angústias, sofrimentos e dores que cada um de vocês passou nestes últimos anos? Quem devolverá a cada um de seus entes queridos a alegria de viver, o brilho nos olhos e o sorriso que minguaram nestes 365 dias? Quem irá garantir que a sua tão esperada reintegração a UFSC ocorra sem traumas? Quem poderá dizer que vocês poderão ensinar, orientar e frequentar o meio acadêmico com a segurança de homens honestos e dignos, sem a certeza de um dedo acusador na figura de um aluno ou de seus próprios pares?
Em ocasião recente fiz uma analogia, que reitero: O Cau morreu, vocês sobreviveram. Mas esta sobrevida, sem a reparação integral da honra e dignidade feridas, equivale a uma morte em vida. Tramita no Congresso Nacional projeto de Lei que pune o abuso de autoridade, cujo relator no Senado, Roberto Requião, a denominou de Lei Cancellier. Mas não podemos esperar. A cada dia que passa, sem a devida reparação da honra de cada um de vocês, um pouco de cada um morre.
Então, meus queridos amigos e irmãos, nesta data simbólica, uno meus pensamentos aos seus; nosso familiares são solidários aos seus familiares. E me comprometo, a cada dia, com mais intensidade, envidar esforços na luta pela rediginficação do Cau e de todos vocês. Lutar pela recuperação da honra maculada de cada um é lutar pela garantia que nenhum ser humano seja julgado, condenado e executado sumariamente como vocês todos foram. E conclamo aos que não se conformam com o arbítrio a se juntarem nessa escalada, pois citando o mesmo jornalista, “nas ditaduras, não há lugar para míopes inocentes.”
Um fraterno abraço
Acioli Cancellier de Olivo
COMEÇA A DESABAR NA JUSTIÇA OS DESMANDOS DA “OUVIDOS MOUCOS”
Docente preso por Érika Marena na UFSC vence mandado de segurança no TRF4 e volta hoje ao trabalho na UFSC
Abraço coletivo ao professor reintegrado fortalece a própria comunidade, dividida pelo processo calunioso. Foto Ítalo Padilha/AGECOM
O professor de Administração Marcos Baptista Lopez Dalmau foi restabelecido hoje (14/9) em suas atividades docentes no Curso de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de onde estava proscrito desde o final do ano passado pela Operação Ouvidos Moucos. Em cerimônia de boas vindas realizada hoje (14/9) pela manhã, ele foi recepcionado no gabinete do reitor Ubaldo Balthazar e equipe, alem de gestores da área e colegas de trabalho. Seu retorno cumpre decisão da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), tomada na terça-feira (11), que acatou o mandado de segurança da defesa do professor contra as medidas cautelares impostas pela Justiça Federal de Florianópolis que o afastaram da instituição. A vitória de Dalmau em habeas corpus individual abre importante precedente para que os outros quatro professores banidos da universidade possam retornar à sala de aula, como seu colega da Administração Eduardo Lobo, que teve seu pedido para retornar negado pelo mesmo TRF4 no início do ano passado.
Dalmau recebe o abraço de Acioli que estende luta pela memória do irmão a todos os perseguidos. Foto: Ítalo Padilha/AGecom
A cerimônia reuniu, além do reitor, pró-reitores e secretários da UFSC, o chefe de Gabinete Áureo Mafra de Moraes; o irmão do ex-reitor Cancellier, Acioli de Olivo; o chefe do Departamento de Administração, Pedro Antônio de Melo; o diretor do Centro Socioeconômico, Irineu Manoel de Souza, que foi candidato de oposição a Ubaldo, e a vice-diretora Maria Denize Henrique Casagrande. Abraçado por todos eles, o primeiro professor a ser reintegrado às atividades docentes desde a prisão, se disse, mais tarde, “emocionado e feliz com a solidariedade e o carinho com que foi recebido no campus e nas instalações do Curso de Administração”.
Dalmau foi preso em 14 de setembro com outros quatro professores, um servidor terceirizado e o reitor da universidade, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, todos incriminados pela Operação Ouvidos Moucos, sob suspeita de desvio de verbas do Ensino a Distância do Programa Universidade Aberta. Comandada pela delegada Érika Marena, responsável pela prisão de Cancellier, com o aval da juíza da 1ª Vara Criminal Federal de Florianópolis, Janaína Cassol, a operação prometia desvendar um esquema milionário de desvios de verbas da educação. Passado um ano da prisão, o braço catarinense da Lava Jato nada concluiu e postergou a investigação, depois de emitir um relatório que resultou no indiciamento de outros 23 docentes da UFSC.
Outros quatro professores – Marcio Santos, Rogério da Silva Nunes, Gilberto de Oliveira Moritz e Eduardo Lobo -, também investigados pela operação, continuam impedidos de retornar às suas atividades. Eles recorreram ao próprio TRF-4 em mandados diferentes, mas como tiveram seus pedidos negados, apelaram ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ainda aguardam decisão.
Reitor e equipe manifestam solidariedade ao professor reabilitado Marcos Dalmau e aos demais que permanecem afastados. Foto: JL
Pela decisão unânime, Marcos Dalmau deveria reassumir seu cargo de professor e atuar em sala de aula com a notificação da universidade, o que aconteceu ontem (13/9). A relatora responsável por analisar o mandado de segurança em favor de Dalmau, Salise Monteiro Sanchotene, votou a favor do retorno do docente, seguida pelos desembargadores Luiz Carlos Canalli e Claudia Cristina Cristofani. O parecer foi unânime, mas com restrições: até o final das investigações, Dalmau está impedido de “atuar nas atividades que gerem percepção ou pagamento de bolsas relacionadas ao ensino à distância (EAD) e ao Laboratório de Produção de Recursos Didáticos para Formação de Gestores (LabGestão)”.
“Essa decisão vem reparar uma injustiça perpetrada contra o impetrante, que ficou impedido de exercer seu trabalho durante quase um ano, por conta da ilegalidade do afastamento indeterminado, sem mera previsão de formação de culpa, em face de uma marcha pré-processual confusa, retardatária e revestida de autoritarismo injustificável”, afirmou o advogado Adriano Tavares da Silva, que defende o professor da UFSC .
Conselho propõe inquérito contra procurador que criminalizou manifestações na UFSC
Por Marcelo Auler
O conselheiro Leonardo Acciolly da Silva quer que o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Orlando Rochadel investigue o procurador da República de Santa Catarina, Marco Aurélio Dutra Aydos por ele “com consciência e vontade, desviou-se do interesse público e se utilizou do cargo público por ele ocupado para censurar a liberdade de expressão de acadêmicos, docentes e servidores da UFSC, movimentando todo o aparato de Justiça criminal para tutelar interesse próprio, com base em sentimento pessoal de justo ou injusto”. Na suposta defesa da honra da delegada federal Erika Mialik Marena, Aydos tentar processar o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Ubaldo Cesar Balthazar e o seu chefe de gabinete, Áureo Mafra de Moraes, por conta de críticas feitas por manifestantes não identificados, em cerimônia na UFSC, aos responsáveis pela Operação Ouvidos Moucos que levou o antigo reitor, Luiz Carlos Cancellier, ao suicídio. Depois de ver sua denúncia rejeitada, Aydos continua tentando processar o reitor e o chefe de gabinete.
Insistência de Aydos
Apesar de a denúncia do procurador Aydos contra o reitor e seu chefe de gabinete ter sido rechaçada pela juíza Simone Barbisan Fortes, em 30 de agosto, como informamos em Juíza rejeita denúncia contra reitor e “adverte” agentes públicos, ele não se deu por vencido.
Quatro dias depois, em 3 de setembro, recorreu da decisão à 3ª Turma Recursal de Santa Catarina. Insiste na sua posição de processar os dois por não terem impedido que durante uma cerimônia na universidade, em dezembro de 2018, manifestantes não identificados expusessem uma faixa com críticas à delegada, a juíza Janaína, ao procurador da República, André Stefani Bertuol, ao corregedor-geral da UFSC, Rodolfo Rickel do Prado e ao superintendente da CGU, Orlando Vieira de Castro Junior. Ou seja, cobrou de ambos a censura à livre manifestação da comunidade acadêmica.
Neste recurso (leia aqui) chega a dizer que a juíza Simone, invertendo os papéis, perdoou os agressores da delegada mesmo sem procuração para tal. Na peça com 13 laudas, ele expõe:
“Exorbitou a decisão recorrida em excesso passional e argumentativo que normalmente fazem parte da defesa prévia, fazendo-se lamentável disfunção de justiça, consistente na condenação da vítima, de um lado, e perdão, ilegítimo, dos agressores, de outro lado. A ninguém é conferido direito de “perdoar por procuração” – um “horror” que deturpa a essência da Justiça, segundo extraordinária lição do filósofo Emmanuel Lévinas (in Quatro leituras talmúdicas, São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 56).” (grifo do original)
Em seguida insistiu nas críticas à juíza:
“A decisão recorrida abrigou no largo guarda-chuva da justa causa tudo quanto encontrou para perdoar por procuração. A magistrada simplesmente substituiu-se à Ofendida para decidir que ela não devia ter representado criminalmente. Mas com que direito? O cenário do equívoco é metajurídico. Construiu-se uma narrativa histórica de alegado progresso, não apenas questionável, mas também falseável (segundo o método de Popper, que aqui é aplicável, por tratarmos de uma teoria, não de um fato). Em primeiro lugar, é preciso resgatar a autoridade do Supremo Tribunal Federal, que não ampara essa narrativa.”
Procurador contesta afirmações de Nassif sobre o fascismo
Onde está o fascismo?
Nesta sua apelação, ele também criticou o jornalista Luís Nassif de tentar intimidar a Justiça, ao escrever no JornalGGN – MPF denuncia reitor da UFSC por não censurar manifestação – que ele, Aydos, “colocou o MPF na ante-sala do fascismo”. Para o procurador, o fascismo esteve próximo da manifestação ocorrida na universidade com críticas à delegada. Diz na sua peça:
“(…) é oportuno refutar com veemência tentativas de intimidação à Justiça, mal disfarçadas sob o manto sempre sagrado da crítica, exemplificadas na verve do jornalista Luís Nassif, que deseja ver na denúncia do Ministério Público a “ante-sala do fascismo”. No nascimento da modernidade, criou-se a imprensa como uma instituição liberal, bem retratada por Jürgen Habermas como a primeira grande “transformação estrutural do espaço público”. Naquele tempo havia publicistas. Mas Leibnitz (1646-1716), contemporâneo do nascimento da modernidade, já registrava, a propósito, que essa criação típica da Inglaterra, a dos “public spirits” inspirados pelo amor à coisa pública que praticaram outrora gregos e romanos, já estava desaparecendo e ficando fora de moda em seu tempo (…)
Hoje os publicistas desapareceram. Remanescem os ideólogos, tipos forjados da adulteração do original, que decretam respostas antes de fazerem as perguntas. Uma via de esclarecimento mútuo consiste em usar o esquecido ponto de interrogação do teclado e reformular seus decretos. Podemos perguntar, por exemplo. Onde fica a ante-sala do fascismo?
Assim como outras formas de dominação descobertas pela modernidade, o fascismo não é uma experiência completamente reeditável. Ocorreu na Itália, sob circunstâncias dadas, e não se repetirá jamais de modo completamente igual, porque a história não se repete. Mas um fenômeno desses, depois de descoberto, integra o arsenal de agressões que forma o subterrâneo bárbaro de nossa civilização. Elementos de fascismo, assim como dos totalitarismos nazista e soviético, eventualmente podem emergir na superfície civilizada de democracias. Normalmente emergirão em contextos fortemente ideologizados, à revelia da consciência dos atores.
Vale então conhecer um bom retrato da ascensão do fascismo italiano no extraordinário romance de Ignazio Silone, Fontamara. Numa das cenas memoráveis do livro, presenciamos uma cerimônia típica do Fascismo, o exame da população em praça pública a partir de duas perguntas: Viva quem? Abaixo quem?
A solenidade de que trata a presente causa ecoa vividamente as cerimônias daquela descoberta italiana. Ergue-se a fotografia de um servidor público em praça pública com a descrição, sempre sumária, de seus alegados malfeitos. Como o fascismo é um movimento de massas, é sempre suficiente que se grite “Abaixo” alguém, para liberar o exército de seguidores para barbarizarem. É extraordinariamente curto o passo da violência simbólica para a violência física”.
Reitor Ubaldo Balthazar, recém-empossado, jursita de conduta ilibada, é o novo perseguido pelos agentes federais em Santa Catarina
Apesar das manifestações generalizadas no país condenando a perseguição a professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o Ministério Público Federal no estado encampou as intimidações da Superintendência da Polícia Federal. Na tarde desta sexta-feira, o procurador da República, Marco Aurélio Dutra Aydos denunciou o reitor recém-empossado, Ubaldo César Balthazar, 65 anos, e o chefe de gabinete da Reitoria, Áureo Mafra Moraes, 54 anos, por terem permitido manifestação da comunidade universitária com uma faixa que “fere a honra funcional da delegada Érika Mialik Marena”, responsável pela prisão abusiva do reitor que levou o então Luiz Carlos Cancellier ao suicídio.
Dizendo-se “amparado nos elementos de convicção colhidos no inquérito” da PF, o procurador extrapola a mera apresentação da denúncia ao propor a condenação dos réus com uma pena de detenção de “40 dias a oito meses” e uma indenização por danos morais de no mínimo R$ 15 mil para cada réu, estipulada pela ofendida que, segundo ele, “se mostra bem razoável”. Na prática, Balthazar e seu chefe de gabinete são incriminados por não terem proibido à força protesto pacífico da comunidade universitária contra a prisão abusiva e a suspensão dos direitos jurídicos que levaram o reitor Luiz Carlos Cancellier à morte. Na denúncia, o procurador afirma que a faixa “As faces do poder”, com a foto da delegada Érika Marena e de outros agentes federais questionados pelos abusos em cerimônia que comemorava os 57 anos de aniversário da UFSC, ofende a “honra funcional” da atual superintendente da PF de Sergipe. Os Jornalistas Livres apuraram que pelo menos dois procuradores do MPF em Santa Catarina estão insatisfeitos com a intervenção indevida do órgão neste e em outros processos contra professores e dirigentes da UFSC, jornalistas e militantes sociais que criticaram os abusos de poder relacionados à prisão e morte do reitor Luiz Carlos Cancellier. Apesar da conduta de procuradores vedar manifestação político-partidária, Marco Aurélio Aydos participou das manifestações pela interrupção do mandato democrático de Dilma Rousseff e fez campanha em sua página do Facebook pelo impeachment (veja fotos ao final da matéria).
No palco: delegada da Polícia Federal afastada do olho do furacão da famigerada Operação Ouvidos Moucos, em Santa Catarina, mas promovida a superintendente da PF em Sergipe logo após a morte do reitor. Nome da Lava-Jato em Curitiba, protegida pela corporação
A denúncia do procurador (leia na íntegra) reproduz a acusação da Polícia Federal, que abriu inquérito para investigar o chefe de gabinete e professor do Curso de Jornalismo da UFSC, Áureo Mafra de Moraes, por ter concedido uma entrevista à TV UFSC mantendo a faixa no fundo em que aparecem também os titulares regionais do Ministério Público Federal, o procurador-chefe André Bertuol, a juíza que autorizou o pedido de prisão, Janína Cassol, o superintendente da Controladoria Geral da União, Orlando de Castro e o corregedor geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, que intrigou o reitor na PF acusando-o de tentar obstruir as investigações. O órgão não se deteve com as manifestações no país sobre o caráter abusivo e corporativista da Polícia Federal nas intimidações contra o chefe de gabinete da UFSC, endossando a ação contra ele, como ofereceu denúncia também contra o reitor Ubaldo Balthazar, considerado um jurista de conduta irretocável, que nunca foi repreendido ou processado em sua carreira acadêmica.
No sábado (17/8), ao nomear a equipe de gestão da UFSC, o reitor disse que seu sonho era que a universidade perdesse o medo e recuperasse sua liberdade e sua harmonia. Em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, ele e o chefe de gabinete afirmaram que a UFSC não se intimidaria mais, que lutaria contra os novos abusos de poder contra o reitor e os demais professores afastados da universidade sem provas e se mobilizaria para defender a sua autonomia. “Estamos vivendo um momento de total violação do Estado de Direito e das garantias jurídicas do cidadão”, acrescentou Moraes. Balthazar também anunciou que, no seu devido tempo, a universidade entraria com medidas jurídicas para reaver a honra e a justiça para o reitor Luiz Carlos Cancellier, cujo suicídio vai completar um ano no dia 2 de outubro. Na cerimônia de posse, o presidente da Andifes Reinaldo Centoducatte, ofereceu o apoio incondicional de todas as instituições federais contra a violência sofrida pela UFSC.
Manifestação do dia 18 de dezembro na UFSC que deu origem às investidas da PF , agora agasalhadas pelo MPF
Ao vir à tona na grande mídia e na mídia independente, as perseguições da PF contra o reitor Balthazar, que foi obrigado a depor no inquérito contra seu chefe de gabinete, foram condenadas pela OAB, pela Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior, por dirigentes de diversas entidades e instituições democráticas e até pelo ministro do STF Gilmar Mendes, segundo quem o ministro da Justiça Torquato Jardim deveria tirar satisfações da PF sobre esse tipo de intimidação inaceitável, de quem “não tem o menor cuidado com a honra dos outros”. Todavia, ao respaldar a indignação pública de tantos setores jurídicos e instituições democráticas, o ministro Gilmar Mendes não foi processado nem denunciado pelas suas declarações à imprensa. Faltou coragem?
Segundo informações na Reitoria, a ofensiva do MPF de Santa Catarina já era aguardada, pois o órgão vinha agindo junto com a Polícia Federal para encobrir os crimes de abuso de poder da desastrosa “Operação Ouvidos Moucos”, tendo inclusive feito intimidações pessoais contra a vice-reitora Alacoque Erdmann Lorenzini para revogar a exoneração do corregedor geral. Sobre o novo capítulo desse pesadelo kafkiano, o chefe de gabinete Áureo Moraes confirmou que a intimidação já era esperada: “Estamos tranquilos porque em nenhum momento ofendemos as instituições, a Polícia Federal, o judiciário ou o Ministério Público. Não há o que temer”. Moraes acrescentou que tanto ele quanto o reitor, que viajou para uma formatura no Campus da UFSC de Araranguá, no Sul do Estado, defendem autonomia constitucional da universidade, o fortalecimento da democracia e o respeito à liberdade e ao direito de expressão da comunidade no ambiente universitário. “Não nos cabe censurar as reações em’ protesto aos abusos que sofremos, nem cercear esse tipo de manifestação que partiu da comunidade, e não da reitoria”.
Ministro da Justiça deposto pelo golpe de Estado, Eugênio Aragão: “Ação corporativista, abusiva e desumana”
Em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão afirmou qualificou a ação proposta pelo procurador como absolutamente sem substância e incabível. Segundo ele, não se pode considerar uma alegação de injúria pessoal, no caso contra a delegada Érika Marena, como uma questão de interesse público, que mereça a mobilização de um órgão como o MPF. “É CLARAMENTE uma atuação CORPORATIVISTA, ABUSIVA, sem a MÍNIMA CONSIDERAÇÃO PELA DOR DA COMUNIDADE pela perda de Cancellier. É um sinal de DESUMANIDADE e sobretudo de ABUSO DE AUTORIDADE!”
Empossado em 27 de julho pelo novo ministro da Educação, Rossieli Soares, Ubaldo César Balthazar foi eleito em fevereiro deste ano para substitui o reitor morto após sua prisão preventiva em presídio de segurança máxima, quando teve sua reputação devassada por um processo calunioso sobre o roubo de R$ 80 milhões alimentado na mídia e nas páginas oficiais da Polícia Federal. Detido em casa de manhã cedo por 105 policiais, ainda enrolado numa toalha de banho, sem nenhum processo constituído, nem direito à defesa, o também jurista Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que nunca respondeu a um processo administrativo sequer, foi banido do cargo de reitor e proibido de se aproximar da universidade. Ele cometeu suicídio no dia 2 de outubro,18 dias após ser preso acorrentado nos pés e algemado nas mãos e ter sido humilhado nu diante dos outros presos. Deixou um bilhete no bolso com os dizeres “Minha morte foi decretada no dia em que fui banido da universidade!!!”. Em outro bilhete destinado somente aos familiares, afirmou que não era mais capaz de suportar a dor pelo processo de perseguição jurídica e midiática a que fora submetido.
Imagem do início da cerimônia prova que faixa foi acrescentada depois pelos manifestantes à programação oficial. Foto: Raquel Wandelli
Leia na íntegra a avaliação do jurista Eugênio Aragão:
“A ação proposta pelo procurador Marco Aurélio de Dutra Ayres é absolutamente sem substância. Na verdade, trata-se ali quando muito de uma injúria porque ali não há atribuição de fato, nem nada. A questão que todo mundo sabe é que Érika Marena foi a grande responsável pela prisão do então reitor Cancellier e isso foi devidamente colocado na imprensa, não tem nenhuma dúvida a respeito disso. A inconformação das pessoas na universidade com essa situação pode eventualmente incorrer em excessos que vão pra injúria. E a injúria diz respeito sobretudo à honra subjetiva. Não é um assunto para se abrir nem inquérito e muito menos o Ministério Público sair querendo fazer denúncia. Isso é algo que se resolveria pela própria Érika Marena, se ela se sentisse ofendida pessoalmente. E além disso ela poderia ela mesma buscar a reparação de danos e não colocar essa reparação dos danos como se fosse uma questão de interesse público para mobilizar o Ministério Público da República. Então o que se tem aqui é claramente uma atuação corporativista, abusiva, que, na verdade não tem a mínima consideração pela dor da comunidade pela perda de Cancellier. É um sinal de desumanidade e sobretudo de abuso, de abuso de autoridade!”.
(Publicação do MPF de Santa Catarina)
MPF denuncia reitor e chefe de gabinete da UFSC por ofenderem delegada da PF
Justiça Federal de Florianópolis vai examinar as acusações que pedem a condenação por ofensa à honra
CRIMINAL
24 DE AGOSTO DE 2018 ÀS 16H15
Depois de avaliar elementos colhidos em inquérito policial, o procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos, do Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina, ofereceu denúncia contra o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Ubaldo Cesar Balthazar, e o chefe de gabinete da reitoria, Áureo Mafra de Moraes, por ofenderem a “honra funcional” da delegada da Polícia Federal Érika Mialik Marena. O procurador pede à Justiça Federal que os réus sejam condenados às sanções penais cabíveis e à reparação do dano moral.
O procurador disponibilizou a íntegra da denúncia 5015425-34.2018.404.7200 e não concederá entrevistas sobre o assunto por motivo de segurança institucional.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal em SC
“Procurador que denunciou reitor por não censurar manifestação contra PF possui blog com fotos em protestos golpistas”
Publicado em 25 agosto, 2018
Apesar da conduta de procuradores vedar manifestação político partidária, Aydos deu publicidade a sua participação nos atos que interromperam o mandato democrático de Dilma Rousseff
O procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos impediu “manifestantes não identificados” de “ofender a honra funcional da Representante Delegada da Polícia Federal Érika Mialik Marena” através do MPF. Ele é dono de um blog que conta sua própria história e traz imagens de protestos de 2013 contra a PEC 37, que poderia aumentar a atuação da polícia judiciária e foi chamada por promotores de “PEC da Impunidade”, e as manifestações de 2015 que resultaram no golpe contra Dilma Rousseff.
A Corregedoria Nacional do Ministério Público recomenda a vedação da atividade político-partidária, o uso das redes sociais e do e-mail institucional por parte dos promotores de Justiça e procuradores da República. Marco Aydos parece que não segue essa recomendação geral.
Atuação do procurador da República Marco Aurélio Dutra Aydos no processo de impeachment em seu blog. Foto: Reprodução/Marcoaydos.wordpress
Seu pai, Eduardo Aydos, pedia o impeachment de Lula desde 2006, em um livro sobre o ex-presidente e seu governo.
“NÓS VAMOS LUTAR E RESISTIR CONTRA OS ABUSOS DE PODER”, afirma novo reitor
Cobertura ao vivo da posse da nova gestão da UFSC em 17/08/2018. Entrevista a reitor Ubaldo César Balthazar, chefe de gabinete Áureo Moraes, presidente da Andifes, Reinaldo Centoducatte, o irmão do reitor, Júlio Cancellier, ex-reitor Álvaro Prata e pró-reitora de Cultura Maria Borges.
Hoje faz 11 meses da prisão abusiva do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier. Professor, jurista e jornalista, que nunca sofreu um processo administrativo sequer, Cancellier foi surpreendido na manhã de uma quinta-feira, dia 14 de setembro, em casa, enrolado numa toalha de banho, por uma operação com mais de cem policiais escalados de diversas partes do Brasil. Portando um mandado de prisão impetrado pela delegada da Polícia Federal Érika Marena e avalizado pela juíza federal Janaína Cassol, com base em denúncias nunca comprovadas, os homens o levaram algemado nas mãos e acorrentados nos pés. O reitor foi detido em um presídio de segurança máxima, humilhado nu e achincalhado na grande mídia e nas redes sociais como “chefe de uma quadrilha”.
Afastado do cargo e excluído da instituição, só retornou a ela morto, no dia 2 de outubro, depois de se jogar do alto do Shopping Center Beira-mar, com o famoso bilhete no bolso, no qual atribuía sua morte ao banimento da universidade. O jornalista Zé Hamilton Ribeiro, que foi atropelado pela tragédia quando chegou à UFSC para uma aula magna do Curso de Jornalismo, retorna à universidade quase um ano depois e novamente repercute o abuso de poder que vitimou o reitor. Repórter mais premiado do século, autor de 15 livros, Zé conclama a comunidade a não aceitar novos abusos contra a dignidade de qualquer cidadão e se diz muito emocionado: “Hoje esta casa é uma trincheira contra o abuso de poder”.
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Velório do reitor Luiz Carlos Cancellier, suicidado em 2 de outubro de 2017
“Do dia pra noite, um órgão federal de polícia levou um homem de vida acadêmica ao sacrifício”
Na manhã do dia 2 de outubro de 2017, a Universidade Federal de Santa Catarina recebia horrorizada as primeiras notícias sobre a morte do reitor. O épico jornalista José Hamilton Ribeiro chegava de São Paulo para proferir a Aula Magna do Curso de Jornalismo da UFSC quando encontrou a comunidade atônita entre a dor e a revolta. O chamado “repórter do Século”, que testemunhou tragédias como a Guerra do Vietnã e o Golpe de 64, fora surpreendido pelo velório do primeiro cadáver do Lava-Jatismo e do golpe de 2016.
Contrariando a postura da própria Rede Globo, que anunciou a prisão do reitor sem nenhum cuidado, como se ele fosse responsável pelo roubo de R$ 80 milhões em verbas públicas, o repórter gravou para os Jornalistas Livres, na época, um contundente desabafo. No vídeo, ele reclama da espetacularização da justiça e alerta para os riscos de um Estado policialesco que toma suspeitas como provas, terminando por arruinar a reputação e a vida de cidadãos inocentes.
“Investigações prematuras da PF são vazadas e espetacularizadas pela grande mídia. Essa atitude alimenta o escracho público e pode levar à morte”, afirmou o repórter da Globo em 2017
Ao abrir na sexta-feira (10/8) a Aula Magna do Curso de Jornalismo da UFSC deste semestre, as primeiras palavras de Zé Hamilton lembraram o horror que ele testemunhou:
– Estou muito emocionado de estar aqui. Da última vez que estive, na sala ao lado era velado o reitor Cancellier. A universidade, a cidade, estava estarrecida diante da brutalidade, do abuso de força da intrepidez desmedida de um órgão da República que transformou um cientista, um homem de estudo, um homem da academia, de um dia para outro, numa coisa inimaginável, e de tal maneira constrangedora e absurda que o levou ao martírio, ao sacrifício.
Entrevista de Zé Hamilton à TV UFSC ao chegar ao aeroporto de Florianópolis pouco antes da morte do reitor
– Eu volto com muito prazer aqui porque hoje essa casa é uma trincheira da dignidade e uma trincheira contra o abuso de qualquer tipo que se faça com um cidadão. Exerça sua função dentro da lei, mas leve em conta sempre que o cidadão tem o direito à presunção de inocência e tem que ser tratado com dignidade sempre. Seja um reitor da universidade ou um boia fria”.
No dia 2 de outubro de 2017, o repórter já se colocava na contramão do discurso da mídia servil ao Estado policialesco ao declarar que “Pessoas inocentes têm suas reputações destruídas por processos judiciais que deveriam correr em sigilo”. Na UFSC para abertura da Semana Acadêmica do Curso de Jornalismo, afirmou em entrevista exclusiva aos Jornalistas Livres que talvez tenha vivido tempo demais para ver as pessoas pedirem um estado policialesco e a volta da ditadura militar. Aos 83 anos, o jornalista que cobriu a Guerra do Vietnã pela Revista Realidade em 1967, onde perdeu uma perna na explosão de uma mina, disse que investigações prematuras da Polícia Federal, sem comprovações, são vazadas e espetacularizadas pela grande mídia e acabam destruindo a reputação de pessoas. Essa atitude alimenta o escracho público e pode levar à morte inocentes, como no caso do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancelier”.
Assista no link abaixo ao depoimento do jornalista José Hamilton Ribeiro, comentando, um ano atrás, o sequestro dos direitos jurídicos que levaram ao suicídio do reitor da UFSC:
Um misto de cinismo e desfaçatez, típico dos piores torturadores da Ditadura Militar, marca o comportamento do Governo Temer nos quatro meses que sucederam o suicídio do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier. Mesmo com a indignação e denúncia da unanimidade dos setores democráticos do país, os agentes do Estado de Exceção permanecem impunes, num dos casos de violação dos direitos jurídicos constitucionais mais assombrosos da história recente do Brasil. Valendo-se de pareceres corporativistas forjados para inocentar e até promover os responsáveis, além de intimidações e perseguição aos que lutam por justiça; a República de Temer deu até agora clara demonstração de que não está disposta a reconhecer o que qualquer estudante de Direito sabe: Cancellier foi vítima de abuso de poder.
Herzog e Cancelier: duas vítimas do fascismo e da farsa em dois tempos
Foto: divulgação
Como é próprio dos governos mais obscuros, o Ministério da Justiça não só deixou de reconhecer os erros escandalosos cometidos pela Corregedoria Geral da União, Polícia, Justiça e Ministério Público Federal na prisão e exclusão do reitor da universidade, como humilhou a família com artifícios crueis até para um leitor acostumado aos pesadelos jurídicos de Kafka. Na véspera do Natal, o ministro Torquato Jardim apresentou ao irmão mais velho do reitor, Antônio Acioli Cancellier de Olivo, um parecer atestando a inocência da delegada tão fajuto quanto a grotesca simulação de suicídio com a qual os assassinos de Vladimir Herzog pretendiam encobrir a tortura até a morte do jornalista.
A inconsistência e desfaçatez desse relatório logo viria à tona. Em reportagem intitulada “Assessor produziu parecer para eximir delegada da PF em sindicância”, publicada pela Folha de S. Paulo no dia 31 de janeiro, o repórter Walter Nunes apurou que o parecer foi produzido pelo “assessor de marketing” da delegada na Operação Ouvidos Moucos, Luiz Carlos Korff. (https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/02/1954885-assessor-produziu-parecer-para-eximir-delegada-da-pf-em-sindicancia.shtml). Acumulando os cargos de chefe da Correição da PF em Santa Catarina e diretor de Comunicação do órgão, o delegado torna esse resultado no mínimo suspeito ao encaminhá-lo para arquivamento. Mas a debilidade do parecer corporativista, que não passou do nível administrativo, vai além: numa análise mais detalhada do relatório a pedido dos Jornalistas Livres, um grupo de advogados avaliou que sequer houve investigação: o “parecer Korff” inocentando a colega constitui apenas uma análise superficial das informações, sem que tenha havido de fato apuração de provas e depoimento de testemunhas sobre a legalidade da prisão do reitor; as humilhações às quais foi submetido e seu banimento da universidade. “É apenas um relatório superficial. Não houve de fato nenhum inquérito, nem em nível administrativo”, atesta uma comissão de juristas que se formou em apoio à família e ao processo de criminalização do caso. “Trata-se de um juízo de inadmissibilidade de inquérito”, esclarece Fabrício Guimarães, um dos novos corregedores da UFSC.
Numa operação espetaculosa, 105 agentes federais de todo o país foram mobilizados para a prisão do reitor é de outros seis professores
A matéria se contrapõe a outra, publicada pela mesma Folha, no apagar das luzes de 2017, que deveria entrar para a história como um caso exemplar de conluio entre a mídia e os aparatos de repressão. Sob o título “Depoimentos reforçam suspeita da Polícia Federal sobre reitor da UFSC”, o veículo publicou “com exclusividade”, no dia 22 de dezembro, uma denúncia da Polícia Federal pela qual o órgão se esquiva de sua própria investigação. E de que forma? Acusando o reitor morto. Quem leu a reportagem de Rubens Valente, atraído pelo anúncio de novas informações incriminando o reitor, encontrou os mesmos dados requentados do processo, fundamentado em denúncias de tentativa de interdição das investigações que num país cujo Estado de Direito não tivesse sido comprometido pelo governo policialesco, ou pelo “lavajatismo”, como diz o senador Requião, jamais justificariam as medidas tomadas contra Cancellier. Confira a matéria da Folha: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/12/1945326-depoimentos-reforcam-suspeita-da-policia-federal-sobre-reitor-da-ufsc.shtml.
Foi como seca família tivesse recebido a cabeça do irmão de presente de Natal. “Cada notícia dessas representa para todos nós uma segunda morte, um sofrimento indescritível”, desabafa Acioli, funcionário aposentado do Instituo Nacional de Pesquisas Espaciais de São José dos Campos (SP). ( https://jornalistaslivres.org/2017/12/matem-o-que-uma-pessoa-mais-ama-e-valoriza-e-o-que-resta-e-um-cadaver-ambulante/ ). Ao fundo, a matéria só reforça a denúncia de que o processo não tem sustentação legal, como defendem juristas renomados do país, a exemplo do senador Roberto Requião, o ex-senador Nelson Wedekin, o desembargador aposentado Lédio Rosa de Andrade, o procurador-chefe do Estado de Santa Catarina João dos Passos Martins, o criminalista Rui Spíndola e Fábio Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD).
No que tange à incriminação do reitor, “é feito de areia de praia”, como se diz na gíria da construção civil. Além disso, traz uma revelação importante contra os próprios inquisidores: dos R$ 80 milhões informados pela PF como total investigado em seu anúncio midiático da prisão do reitor e de outros seis membros da UFSC, restaram apenas suspeitas sobre “R$ 372 mil em gastos indevidos”, conforme auditoria da Capes, que apurou “casos de professores coagidos a repassar metade da bolsa para outros professores”. (A versão dos acusados é de que a bolsa era dividida pela metade por pares de professores para poder manter, mesmo com proventos reduzidos, o mesmo número de profissionais dos cursos de Ensino a Distância. Conforme noticiado na época, o programa de EaD estava sofrendo corte nos repasses da Capes e corriam risco de paralisação). A batida da Operação Ouvidos Moucos do dia 2 de outubro foi anunciada pelo Bom Dia Brasil da Rede Globo como a “prisão do reitor acusado de desviar R$ 80 milhões da UFSC”, seguida pelo comentário: “É roubalheira de tudo quanto é lado”.
O parecer do relações públicas da PF é demonstração inequívoca de que o Ministério da Justiça usou a denúncia da família contra ela mesma, no momento em que lhe sobrava apenas lutar para reaver a reputação de Cancellier, como aponta a carta do coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção, publicada abaixo. Nos últimos dias de janeiro, em passagem por Florianópolis, ao ser indagado pela imprensa local sobre o inquérito do reitor, o ministro da Justiça Torquato Jardim evocou a referida inocência atestada pelo parecer amigo e devolveu para a família a responsabilidade de contestá-lo. “Ou se encerra o procedimento disciplinar ou mando seguir por algum motivo”. Ele omite, contudo, que no parecer o delegado já encaminha a denúncia para arquivamento, conforme documento anexado ao final desta reportagem. Siga o diálogo entre os repórteres e o ministro no trecho específico sobre a prisão do reitor:
Ano passado tivemos aqui em Santa Catarina a Operação Ouvidos Moucos que prendeu o ex-reitor Luiz Carlos Cancellier. Como o senhor avalia a ação? O senhor se aprofundou sobre ela?
Pedi à Polícia Federal depois de receber uma representação dos irmãos do ex-reitor junto com o senador Dario Berger que fosse feita a sindicância. Já recebi o resultado, a sindicância interna entende que não houve equívoco nenhuma na conduta da delegada. Enviei esse documento para a família, para que se pronuncie, não recebi resposta. Com a reabertura do Congresso semana que vem, vou enviar ao senador Dario Berger. Depois disso vou tomar as providências.
Qual sua avaliação?
Quero ouvir os outros primeiro.
Outros quem?
A família e o senador.
E o que pode ocorrer internamente?
Não sei, há várias hipóteses. Ou se encerra o procedimento disciplinar ou mando seguir por algum motivo. A questão para mim está em aberto. http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2018/01/ministro-da-justica-descarta-presidio-federal-em-itajai-e-fala-sobre-a-operacao-ouvidos-moucos-10136364.html
A forma como os aparatos de justiça e repressão do Governo Temer se inocentam de sua responsabilidade no caso Cancellier só ganha parâmetros mesmo nos momentos mais torpes da Ditadura Militar. Antes desses fatos novos, a premiação da delegada Érika Mialik Marena, responsável pela desastrosa Operação Ouvidos Moucos, já tinha sido recebida no apagar das luzes de 2017 como uma afronta. O parecer Korff teve ainda por cima o mérito de legitimar sua controvertida promoção para o cargo de superintendente da Polícia Federal do Estado do Sergipe. Para universidades, parlamentares de partidos de esquerda, de centro e até de direita, inclusive de base governista, além de entidades representativas do direito e juristas respeitados de todo país, o prêmio soou como uma bofetada na cara dos que clamavam por justiça, denunciando o flagrante ilegal da prisão do reitor. “Um deboche”, nas palavras do irmão Antônio Acioli de Olivo.
Acioli, sobre o caixão do irmão que tanto orgulho deu à família. “Cada matéria dessas é um sofrimento indescritível” Foto: Pipo Quint Agecom/UFSC
Houve quem se iludisse com a possibilidade de incriminação da delegada, mas os agentes de exceção continuaram surpreendendo. No final do ano, um inquérito criminal foi aberto pela Polícia Federal em Santa Catarina contra membros do coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção para apurar responsabilidade na produção de uma faixa que estampa o rosto e o primeiro nome dos agentes responsáveis pela prisão e linchamento moral do reitor, incluindo o corregedor da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado; a delegada da PF, Érika Marena; a juíza federal, Janaína Cassol; o procurador da República MPF/SC, André Bertuol, e o superintendente da Corregedoria Geral da União em SC, Orlando Vieira de Castro Júnior.
Outros dois repórteres ligados ao coletivo, um deles integrante dos Jornalistas Livres, foram arrolados pelo corregedor em um Inquérito Policial Militar aberto no BOPE da Polícia Militar de Santa Catarina. O inquérito apura acusação apresentada por Hickel contra dois policiais que teriam vazado informações do Sistema de Acesso Privativo de Agentes da Polícia sobre seus antecedentes criminais para os Jornalistas Livres. Mesmo valendo-se do direito ao sigilo de fonte, os JL afirmam com vigor que fizeram consultas a pessoas e processos públicos identificados na reportagem, sem receber qualquer informação de policiais de nenhuma das corporações, seja civil, militar ou federal. Sobre o perfil e os antecedentes criminais de Rodolfo Hickel do Prado, em cujas denúncias a delegada Érika Marena e a juíza Janaína Cassol se basearam para decretar a prisão e banimento do reitor, confira a reportagem: https://jornalistaslivres.org/2017/10/exclusivo-corregedor-que-denunciou-reitor-a-pf-ja-foi-condenado-por-calunia-e-difamacao/
Em todas essas situações de inversão da lógica da justiça, o Governo Temer só confirma que inaugurou e encorajou um indisfarçado Estado de Exceção, no qual quem deveria ser investigado ataca intimando, processando e perseguindo. Em pouco ou nada perde para os “heróis” de 64, quando os militares perseguiam e incriminavam os parentes e apoiadores de suas vítimas desaparecidas ou assassinadas.
Para Fraser frente a essa ofensiva, o propósito do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção é somar forças com OAB, Congresso Nacional, Senado, Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Câmara de Vereadores, Associação Nacional de Dirigentes de Instituições de Ensino Superior, conselhos profissionais, sindicatos, juristas e parlamentares que se indignaram com a injustiça cometida contra o professor Cancellier. Além da ação do Coletivo, o ministro da Justiça receberá uma resposta coletiva da Andifes, entidade nacional representante dos reitores de universidades e Institutos Federais de Educação, que no dia 1° de março estarão oportunamente todos reunidos no Centro Sul de Florianópolis. Os dirigentes deverão, segundo o reitor pro tempore da UFSC, o diretor do Centro de Ciências Jurídicas, Ubaldo Balthazar, entrar com uma ação coletiva por violação da autonomia das universidades e dos direitos básicos constitucionais no caso do reitor.
CRIME E IMPUNIDADE EM DOIS ATOS
Tortura psicológica, assédio moral e sofrimento insuportável levaram o reitor ao óbito, atestou médica do trabalho da UFSC em comunicação ao Ministério da Saúde
Na manhã de 14 de setembro, Cancellier foi arrancado da cama ainda de pijamas, levado com as mãos algemadas e pés acorrentados por uma operação que mobilizou 105 policiais federais de diversas partes do Brasil. Encarcerado numa penitenciária de segurança máxima em Florianópolis, onde passou um dia e uma noite, o professor de Direito Administrativo experimentou o tratamento de um criminoso comum: foi desnudado durante duas horas em público e submetido a exame anal e penial; dormiu no cimento, tremeu de frio e chorou. Ao contrário do corregedor da UFSC, que o intrigou na Corregedoria Geral da União e na PF com uma denúncia de interdição das investigações apoiadas em calúnias, o reitor não apresentava quaisquer antecedentes criminais e nunca havia sequer respondido a um processo administrativo. Depois de recorrer sem sucesso ao Ministério Público Federal para retornar à sala de aula, Cancellier soube por fontes não esclarecidas que não haveria chance de voltar ao cargo de reitor. No dia 2 de outubro, atirou-se de cabeça das escadas do piso L4 do Shopping Beira-mar Norte (correspondente ao sexto andar), com um bilhete no bolso: “Minha morte foi decretada quando fui banido da universidade”.
Conforme laudo técnico da médica do Trabalho da UFSC, Edna Maria Niero, o reitor foi levado ao suicídio por sofrimento insuportável, tortura física e psicológica provocada por assédio moral. O ex-líder estudantil, diretor do CCJ da UFSC, mestre e doutor em direito optou pelo gesto político extremo do suicídio para denunciar a opressão que sofria. Do dia para a noite o conceituado jurista tornou-se um chefe de quadrilha depois de uma prisão vexatória e espetacularizada que se desdobrou em um processo de linchamento moral jurídico e midiático.
Hickel, o algoz de Cancellier que fundamentou o pedido de prisão da delegada, continua perseguindo pessoas e abrindo processos, mesmo afastado do cargo
Se o reitor tinha ficha limpa, seu algoz, Rodolfo Hickel do Prado, contudo, apresenta uma diversificada lista de antecedentes criminais com condenações e processos por calúnia e difamação com produção de falso testemunho de ameaça à mão armada; tortura psicológica e espancamento de ex-mulheres e crime de trânsito pondo em risco a coletividade. Na denúncia ao Ministério, a família reivindica a ilegalidade da sua prisão, quando sequer era citado ou investigado na denúncia de desvios de verbas do Programa Ensino a Distância, muito anteriores a sua gestão.
O corregedor e a juíza Janaína Cassol tiraram licença de saúde depois do suicídio. Hickel tirou mais 30 dias de férias, mas mesmo afastado continuou requerendo as câmaras de vigilância da UFSC, intimidando pessoas e abrindo processos. Outros cinco professores e um técnico-administrativo continuam banidos da UFSC: Marcos Baptista Lopez Dalmau, Gilberto de Oliveira Moritz, Rogério da Silva Nunes, Eduardo Lobo e Marcio Santos (professores); Roberto Moritz da Nova (funcionário da FAPEU). No final de janeiro, o TRF-4 negou liminar impetrada pelo advogado de Eduardo Lobo para que pudesse retornar à UFSC. Todos tiveram suas vidas expostas e foram julgados e condenados pelo tribunal policialesco e midiático, no qual não há presunção de inocência nem direito à defesa. Enquanto prevalece a impunidade e nenhuma ação concreta de apuração e investigação de responsabilidades é instaurada contra os abusadores, a Polícia Federal prorrogou por mais 60 dias as investigações da Ouvidos Moucos, sem apresentar nenhuma conclusão, conforme reportagem de Jussara Soares, publicada pelo no jornal O Globo em 14 de janeiro. Confira: https://oglobo.globo.com/brasil/ouvidos-moucos-completa-4-meses-sem-conclusao-22286582
ARQUIVAMENTO DA DENÚNCIA DE ABUSO DE PODER:
Escárnio, Hipocrisia e Desfaçatez!
O Ministro da Justiça, Torquato Jardim, quer isentar de responsabilidade o Estado e seus agentes na morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que hoje faz quatro meses.
O abuso de poder típico do Estado de Exceção que se abateu sobre a UFSC tem o DNA de agentes públicos da PF, da Justiça Federal, do MPF e da CGU. A posição do ministro Torquato, em entrevista à imprensa nesta semana, poderia ser classificada como parte de uma comédia policialesca, não fosse por tamanho escárnio, hipocrisia e desfaçatez com o princípio constitucional de imparcialidade da Justiça.
O ministro disse ter devolvido o processo de sindicância da PF à família e aos interessados, e divulgou conteúdos da “apuração interna” cujo parecer inocenta os acusados e orienta pelo arquivamento por falta de provas. No entanto, a investigação das denúncias de abuso de poder pelos agentes do Estado, entre eles a Delegada da PF Erika Marena, foi claramente viciada por corporativismo e parcialidade.
O ministro age ao estilo dos órgãos e agentes da Ditadura Militar, algozes cujas narrativas imputavam às vítimas a responsabilidade pelas mortes anunciadas nos processos do regime. Em ação corporativista, covarde e irresponsável, o Ministério da Justiça não apurou as responsabilidades de forma imparcial.
Trata-se de uma farsa, sem a mínima preocupação com as aparências, típica de quem se sente intocável por dispor das garantias do regime de exceção legitimado por uma mídia acrítica e servil. Ministro e PF tomaram por base relatório do delegado Luiz Carlos Korff, que também é o responsável pela comunicação daquele órgão e assessorou a delegada investigada na malfadada operação que levou à morte o professor Cancellier. Korff, portanto, fez parte do longo processo de linchamento público da UFSC (iniciado muito antes de setembro de 2017) e dos acusados pela operação Ouvidos Moucos.
Diante disso, mais uma vez, nós, do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção, exigimos justiça. É inadmissível que o Ministério da Justiça ignore o conjunto de evidências contra os agentes do Estado responsáveis pela operação, denunciadas em inúmeros relatos e artigos, em eventos e sessões públicas nas universidades, na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, no Senado Federal e na imprensa nacional e internacional. Mais de 500 cidadãos assinaram nosso Manifesto de denúncia do estado de exceção, incluindo membros das três categorias da UFSC, governadores, senadores, deputados, juristas, acadêmicos de todo o país, jornalistas, advogados, religiosos e lideranças de movimentos sociais e dos direitos humanos.
Apresentamos mais uma vez nossa solidariedade à comunidade universitária e em especial à família de Cancellier, neste momento de luta e de dor. Para dar efetividade a essa solidariedade e para exigir justiça, apelamos à UFSC (Reitoria e Conselho Universitário), ao Governador do Estado, à ALESC e a seus parlamentares, à OAB e a outras lideranças e personalidades públicas, para que promovam abertura imediata de Processo Civil Criminal de Perdas e Danos, em favor da UFSC e das vítimas, contra o Estado e seus agentes públicos, por sua responsabilização e criminalização em atos de abuso de poder, nos termos encaminhados pelo Ofício ao Reitor pro tempore da UFSC e ao Conselho Universitário, em 6 de Dezembro de 2018.