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Tag: Juiz Sérgio Moro

  • A sentença de Moro é tão infantil quanto o PowerPoint de Deltan Dallagnol

    A sentença de Moro é tão infantil quanto o PowerPoint de Deltan Dallagnol

    A condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dada por Sérgio Moro, no dia 12 de julho, reviveu o debate nacional sobre a politização do exercício da Justiça. A sentença do juiz de primeira instância já sofreu críticas de juristas de diferentes países e linhas doutrinárias dentro do Direito.

    A peça condenatória impressiona pelo seu conteúdo – de atropelos de direitos da defesa durante todo o processo, de impedimento de construção de provas, de apego excessivo a determinada testemunha em detrimento de dezenas de outras, tanto da Defesa quanto da acusação.

    A decisão impressiona também pela sua forma, tão assemelhada a um *libelo acusatório, a ponto de dedicar apenas 0,4% de seu conteúdo à análise das testemunhas de Defesa. A sentença parece escrita por *combatente causídico, agindo em favor da acusação, e não por um Juiz de Direito. Veja, abaixo, os pontos de mais descabidos da sentença de Moro contra Lula.

    Foto: Lula Marques

    Sobre o tríplex

    Na última sexta-feira (14), um oficial de Justiça da cidade de Santos (SP) recebeu ordem de Sérgio Moro para confiscar o tríplex do Guarujá. Por ser considerado o objeto de um crime, o imóvel ficará sob a guarda da Justiça até que toda a tramitação do processo contra Lula se encerre na Justiça. Ou seja, Moro não esperou nem o *trânsito em julgado do processo para confiscar o bem.

    A ordem de Moro deverá ser cumprida pelo oficial de Justiça nos próximos dias. Resta saber contra quem será cumprida.
    Contra Lula é que não será. O imóvel jamais esteve em seu nome, ou de qualquer pessoa de sua família. O ex-presidente nunca pernoitou por lá, teve as chaves ou usufruiu de qualquer maneira do apartamento. Não há em seu poder ou em qualquer lugar um documento ou objeto que ligue o bem à Lula, não há o que ser confiscado do acusado referente ao imóvel. Tudo isso está provado nos autos e o juiz não coloca em dúvida na sentença.

    Deve ser confiscado, então, dos credores da OAS Empreendimentos, empresa proprietária do imóvel ?

    “Expeça-se precatória para lavratura do termo de sequestro e para registrar o confisco junto ao Registro de Imóveis”. Assim ordenou Sérgio Moro. No Registro de Imóveis, está a OAS, dona do apartamento.

    Vale lembrar que os direitos econômicos do imóvel são da Caixa Econômica Federal, que os recebeu em garantia por negócio firmado legalmente com a construtora. Assim, será o banco estatal aquele com o patrimônio financeiro onerado pela decisão do juiz de primeira instância. Por dever de ofício previsto em lei, deverão, assim, os credores da OAS recorrer à Justiça para retomar seus direitos sobre o bem.

    O advogado Guilherme Marcondes, do escritório Marcondes Machado Advogados, um dos maiores do país, declarou que o confisco do imóvel é “ilegal”. “Documental e contabilmente, o tríplex é da OAS, constando inclusive no seu *ativo. Logo, o juízo da recuperação judicial é o único competente para decidir acerca de bloqueios realizados no patrimônio da recuperanda, ou seja, da OAS.”

    Sobre os argumentos da Defesa

    A sentença de Sérgio Moro não se atém aos argumentos da Defesa, não os rebate mostrando inconsistentes, para justificar a condenação do réu, desconsidera provas juntadas nos autos e é utilizada indevidamente como suporte para críticas aos defensores de Lula e também para rebater as críticas que o próprio juiz recebeu enquanto conduzia o processo.

    Uma sentença judicial é dividida em três partes: relatório, fundamentação e decisão:

    • A primeira traz informações básicas sobre o processo, como nome das partes e dos advogados e o que está sendo julgado.

    • A segunda – a mais extensa – é aquela em que o juiz fundamenta sua decisão, enfrenta os argumentos da Defesa e da Acusação e registra tecnicamente os motivos que levam a balança da Justiça a pender para um lado ou outro.

    • A última parte é a decisão, com a pena aplicada e as ordens proferidas para sua aplicação.

    A sentença de Moro tem 218 páginas. Como aponta o advogado Wadih Damous, deputado federal (PT-RJ) e ex-presidente da OAB/RJ, cerca de 60 páginas, ou 30% da sentença, são utilizadas pelo juiz para se defender de acusações de arbitrariedades por ele praticadas contra o acusado e nos processos em que atua. E ele o fez como *combativo causídico, a esgrimar-se com a Defesa do ex-presidente como se com ela disputasse o ganho da causa, chegando a chamar o trabalho dos advogados de “a argumentação dramática da Defesa de Luiz Inácio Lula da Silva” (página 22).

    Já outras 16 páginas, ou 8% de toda sentença, atendem a pura vaidade de Moro, pois serviram para que o juiz rebatesse o que disse Lula em seu interrogatório, promovendo um embate pessoal contra o acusado.

    Para enfrentar todas as provas documentais e periciais anexadas ao processo pela Defesa (aquelas que foram permitidas, já que ao longo da ação Moro rejeitou o acesso aos autos de documentos solicitados e considerados cruciais para a Defesa), dezenas de documentos que mostram a impossibilidade de Lula ser ou ter sido dono do imóvel, Sérgio Moro fez uso de cinco páginas, ou 2,3% da sentença.

    E um grande absurdo foi a fundamentação do juiz para analisar e contrapor as dezenas de testemunhas da Defesa ouvidas nos processos, que deram conta de que Lula nunca teve as chaves, os papéis ou qualquer laço com o tríplex, ou que mostraram não haver relação entre o ex-presidente e os contratos sob investigação da Petrobras, estas receberam nada mais do que 0,4% do conteúdo escrito da sentença. Menos de uma página de um total de 218.

    Sobre a super valorização de depoimento de delatores

    Foram 73 testemunhas ouvidas em 24 audiências. Mas o conteúdo da maioria desses depoimentos foi verdadeiramente ignorado por Sérgio Moro. Exceto para alguns delatores.

    O empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, falou ao processo na qualidade de corréu e delator ou aspirante a delator premiado da Justiça. Na qualidade de corréu, ele não estava, ao contrário de dezenas de testemunhas da Defesa, obrigadas a dizer a verdade.
    A condição de delator também inspira cautela do julgador, ao dar peso à suas declarações, uma vez que se trata de um infrator confesso que busca vantagens na Justiça.

    O depoimento de Léo Pinheiro, no entanto, foi sem dúvida, o que mais pesou no julgamento, o que mais chamou a atenção do juiz, que a ele concedeu mais espaço na sentença, do que aos de todas as outras testemunhas somados.

    • Dois pesos, duas medidas e valorações descabidas

    Não passou pela cabeça de Moro considerar a hipótese de que o depoimento de Léo Pinheiro, possa ter sido influenciado pela sua condição de réu em negociação por um acordo de delação premiada.
    Já em um dos poucos depoimentos da Defesa a que minimamente se ateve, o juiz de primeira instância não deixou de levantar suspeita em sua fundamentação.

    Trata-se de José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da Petrobras (2005-12), executivo importante para esclarecer os mecanismos de contratação da estatal, o funcionamento de seus conselhos administrativos e fiscais, a margem de influência que podem ter pessoas e órgãos dentro das decisões da companhia. Moro assim se deteve acerca das informações que ele trouxe ao processo:

    “782. Foi ainda ouvido José Sergio Gabrielli de Azevedo, Presidente da Petrobrás entre 2005 a 2012 (evento 607). Negou, em síntese, que tivesse participação ou conhecimento do esquema de corrupção que vitimou a empresa. Também afirmou não ter conhecimento de qualquer atuação do ex-Presidente em relação a esses crimes de corrupção e que nunca recebeu qualquer orientação dele nesse sentido.”

     

    “783. O depoimento de José Sergio Gabrielli de Azevedo não é de muito crédito, visto que era o Presidente da Petrobrás no período em que vicejou o esquema criminoso que vitimou a empresa, o que o coloca em uma posição suspeita.”

    Vamos traduzir…

    O depoimento de um dos réus no processo, Léo Pinheiro, candidato a delator premiado, que passou mais de 2 anos preso antes de depor como testemunha de acusação contra Lula, confessadamente autor de ilícitos nas relações de sua empresa e a Petrobras, desobrigado a dizer a verdade no tribunal, este foi mais levado em conta e consumiu mais palavras de Moro na sentença, do que o de todas as outras testemunhas juntas.

    Já uma testemunha de defesa que está obrigada a falar a verdade, que se dispõe a colaborar com a Justiça sem estar confessando nenhum crime, sem estar buscando nenhuma vantagem legal por aquele testemunho, este é considerado suspeito e não teve crédito.

    A Defesa de Lula já protocolou um recurso em que aponta dez omissões, contradições e obscuridades como as que já dissemos e que estão na sentença de Sérgio Moro. O recurso, chamado *Embargo de Declaração, será julgado pelo próprio juiz paranaense. Mais uma vez, será confrontado com sua evidente parcialidade e desapego às normas processuais.

    É pouco provável que o juiz volte atrás em qualquer de seus arbítrios, o caso seguirá então para a apreciação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, onde será julgado em segunda instância.

    O Brasil precisa que os desembargadores sejam maduros e dêem o destino correto à sentença impensável de Sérgio Moro, sem vaidades e com a utilização de um dos valores mais importantes: a verdade.
    Essa sentença não pode ser tão infantil quanto o PowerPoint do Ministério Público Federal.

    Glossário

    *Libelo acusatório – peça jurídica que era produzida pelo Ministério Público e era apresentada no tribunal do júri (crimes contra a vida), expondo o fato criminoso, indicando o nome do réu, circunstâncias agravantes e fatos que poderiam influenciar na fixação de sua pena. Em 2008, uma reforma no Código de Processo Penal suprimiu esta peça do rito processual.

    *Causídico – advogado que atua no âmbito do processo, defensor de uma causa que combate em nome dela ou de alguém perante um tribunal.

    *Trânsito em julgado – Final derradeiro de um processo na Justiça, quando é proferida a sentença final, não havendo mais possibilidade de recurso em nenhuma instância.

    *Precatória – Refere-se à carta precatória, que é uma ordem judicial proferida por um juiz para ser executada em outra comarca. Quando um processo exige que uma diligência ocorra em outra comarca que aquela onde ele tramita, o juiz responsável envia uma carta precatória a esta comarca, com as ordens a serem cumpridas.

    *Fase de instrução – É uma das fases do processo penal, quando são ouvidas as testemunhas chamadas pelas partes e provas documentais e periciais são anexadas (juntadas) aos autos.

  • Declaración de los abogados de Luiz Inácio Lula da Silva

    Declaración de los abogados de Luiz Inácio Lula da Silva

    12 de julio de 2017, São Paulo – para uso inmediato

    El Presidente Lula es inocente. Durante más de tres años, Lula ha sido objeto de una investigación por motivos políticos. No se ha producido ninguna evidencia creíble de culpabilidad y abrumadoras pruebas de su inocencia han sido descaradamente ignoradas. Esta sentencia de motivación política ataca el estado de derecho, la democracia y los derechos humanos básicos de Lula. Es de enorme preocupación para el pueblo brasileño y para la comunidad internacional.

    El juez Moro ha demostrado su parcialidad y motivación política desde el comienzo hasta el final del proceso. Su sentencia ha avergonzado a Brasil al ignorar abrumadoras pruebas de inocencia y sucumbir a la parcialidad política, respaldando las continuas violaciones de los derechos humanos básicos y del proceso legal por él comandadas. La sentencia demuestra lo que hemos argumentado insistentemente: que el juez Moro y el equipo de acusación de la Operación “Lava Jato” han sido motivados por la política en lugar de la ley.

    El presidente Lula ha estado sujeto al lawfare, que es el uso de procedimientos legales con fines políticos, utilizado con brutal efecto en regímenes dictatoriales. Esta sentencia sesgada y motivada por la política demuestra por qué se han agotado los recursos legales internos del Presidente Lula y por qué ha sido necesario remitir este caso al Comité de Derechos Humanos en Ginebra.

    Nadie está por encima de la ley, pero tampoco nadie está por debajo de ella. El presidente Lula siempre ha cooperado plenamente con la investigación, dejando en claro al juez Moro y a la investigación que el lugar para ejercer las diferencias políticas es en las urnas y no en la corte. La investigación tuvo un efecto terrible sobre la familia de Lula, especialmente en relación a su amada esposa Marisa, que falleció de forma trágica a principios de este año.

    Todo el proceso ha sido un enorme desperdicio de dinero de los contribuyentes y ha avergonzado a Brasil internacionalmente. Ya es hora de reconstruir la confianza en el Estado de derecho brasileño y el juez Moro debe ser responsabilizado por sus abusos.

    Probaremos la inocencia de Lula en todos los tribunales nacionales y también en las Naciones Unidas.

     

    FIN

  • KAFKA PERDE! Moro condena Vaccari por crime do qual não fora acusado.

    KAFKA PERDE! Moro condena Vaccari por crime do qual não fora acusado.

    Vinícius Segalla, especial para os Jornalistas Livres

     

    O Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou a sentença do juiz Sérgio Moro, que havia condenado João Vaccari Neto a mais de 15 anos de prisão, pelos crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva e associação criminosa.

    O motivo: o juiz paranaense de primeira instância havia condenado Vaccari exclusivamente baseando-se em depoimentos de delatores, o que obviamente é contra a lei.

    Aqui, o acórdão:

    http://s.conjur.com.br/dl/acordao-trf4-vaccari.pdf

    Pois bem, não pararam por aí os “erros” do juiz de primeira instância. Vejam este trecho de sua sentença original, esta que foi derrubada pelos desembargadores federais:

    “Para o crime de associação criminosa: João Vaccari Neto não tem antecedentes criminais informados no processo. Considerando que não se trata de associação criminosa complexa, circunstâncias e consequências não devem ser valoradas negativamente.”

    “As demais vetoriais, personalidade, culpabilidade, conduta social, motivos e comportamento das vítimas são neutras. Motivos de lucro são comuns às associações criminosas, não cabendo reprovação especial. Fixo pena no mínimo legal, de um ano de reclusão.”

    Resumindo: Moro condenou Vaccari a um ano de prisão por associação criminosa (o resto da pena é pelos outros crimes, lavagem de dinheiro e corrupção passiva).

    ACONTECE QUE JOÃO VACCARI NETO NÃO HAVIA SIDO DENUNCIADO PELO MPF POR ESTE CRIME. ELE NÃO HAVIA SEQUER SIDO INVESTIGADO POR ESTE CRIME.

    Eu não sei se entendem a gravidade disso. O Moro condenou o Vaccari por um crime a que ele não respondia. Como ele não tinha sido acusado deste crime, ele nunca se defendeu de eventualmente ter cometido este crime. Mas o Moro o condenou por isso, colocando Kafka e seu Processo no chinelo.

    O Moro não tinha nem 25 anos quando se tornou juiz federal. Nunca advogou, não tinha experiência, mas tenho certeza que ele, assim como eu, aprendeu no primeiro ano da faculdade o que significa uma sentença extra petita: é aquela sentença que vai além do pedido inicial da parte acusadora (no caso, o MPF). Ele deve ter aprendido também que toda sentença extra petita é ilegal, devendo portanto ser reformada, como de fato aconteceu.

    Ele aprendeu, mas se esqueceu? Bom, na opinião do desembargador relator do acórdão que derrubou a sentença do Moro, JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, o que houve foi um mero “lapso” do juiz de primeira instância.

    Gebran, que assume desabridamente ser amigo pessoal de Moro, foi voto vencido no acórdão. Ele queria manter Vaccari condenado mesmo apenas com delações premiadas pesando contra ele, mas foi voto vencido. Os desembargadores que não são amigos de Moro barraram a ilegalidade.

    Mas em relação à parte extra petita da sentença, a condenação espontânea de Moro por associação para o crime, ah, com essa nem mesmo Gebran foi capaz de anuir.

    Em seu voto, ele assim escreveu:

    “No que respeita ao crime de quadrilha ou bando, o art. 288, do Código Penal, com referido acima, a sentença é extra petita quanto ao ponto, porque não há pedido do Ministério Público Federal, sequer imputação, quanto a este fato típico, tampouco houve na sentença qualquer exame do ponto, mas, possivelmente por lapso do magistrado, exame da dosimetria da pena para este réu em relação a fato que não fora condenado.”

    Então, o desembargador mostra que o juiz de primeira instância tirou de sua criativa mente uma condenação por um crime a que o réu sequer respondia. O juiz de primeira instância explica em sua sentença por que o está condenando por este crime (só não diz que isso é ilegal). Então o desembargador conclui: por que o juiz condenou alguém por um crime que sequer lhe era imputado? Ah, foi um lapso!

    Então, tá.

  • Moro atropela lei brasileira para atender pedido da polícia dos EUA

    Moro atropela lei brasileira para atender pedido da polícia dos EUA

    O Juiz Sérgio Moro determinou em 2007 a criação de RG e CPF falsos e a abertura de uma conta bancária secreta para uso de um agente policial norte-americano, em investigação conjunta com a Polícia Federal do Brasil. No decorrer da operação, um brasileiro investigado nos EUA chegou a fazer uma remessa ilegal de US$ 100 mil para a conta falsa aberta no Banco do Brasil, induzido pelo agente estrangeiro infiltrado.

    Na manhã da última terça-feira (20), os Jornalistas Livres questionaram o juiz paranaense sobre o assunto, por meio da assessoria de imprensa da Justiça Federal, que afirmou não ter tempo hábil para levantar as informações antes da publicação desta reportagem (leia mais abaixo).

    Todas essas informações constam nos autos do processo nº. 2007.70.00.011914-0 – a que os Jornalistas Livres tiveram acesso – e que correu sob a fiscalização do Tribunal Regional Federal da 4ª Região até 2008, quando a competência da investigação foi transferida para a PF no Rio de Janeiro.

    Especialistas em Direito Penal apontam ilegalidade na ação determinada pelo juiz paranaense, uma vez que a lei brasileira não permite que autoridades policiais provoquem ou incorram em crimes, mesmo que seja com o intuito de desvendar um ilícito maior. Além disso, Moro não buscou autorização ou mesmo deu conhecimento ao Ministério da Justiça da operação que julgava, conforme deveria ter feito, segundo a lei.

     

    ENTENDA O CASO

    Em março de 2007, a Polícia Federal no Paraná recebeu da Embaixada dos Estados Unidos um ofício informando que as autoridades do Estado da Geórgia estavam investigando um cidadão brasileiro pela prática de remessas ilícitas de dinheiro de lá para o Brasil. Na mesma correspondência, foi proposta uma investigação conjunta entre os países.

    Dois meses depois, a PF solicitou uma “autorização judicial para ação controlada” junto à 2ª Vara Federal de Curitiba, então presidida pelo juiz Sérgio Moro, para realizar uma operação conjunta com autoridades policiais norte-americanas. O pedido era para que se criasse um CPF (Cadastro de Pessoa Física) falso e uma conta-corrente a ele vinculada no Brasil, a fim de que policiais norte-americanos induzissem um suspeito a remeter ilegalmente US$ 100 mil para o país. O objetivo da ação era rastrear os caminhos e as contas por onde passaria a quantia. A solicitação foi integralmente deferida pelo juiz Moro, que não deu ciência prévia ao Ministério Público Federal da operação que autorizava, como determina a lei:


    “Defiro o requerido pela autoridade policial, autorizando a realização da operação conjunta disfarçada e de todos os atos necessários para a sua efetivação no Brasil, a fim de revelar inteiramente as contas para remeter informalmente dinheiro dos Estados Unidos para o Brasil. A autorização inclui, se for o caso e segundo o planejamento a ser traçado entre as autoridades policiais, a utilização de agentes ou pessoas disfarçadas também no Brasil, a abertura de contas correntes no Brasil em nome delas ou de identidades a serem criadas.”


    No mesmo despacho, Moro determinou que não configuraria crime de falsidade ideológica a criação e o fornecimento de documentação falsa aos agentes estrangeiros: “Caso se culmine por abrir contas em nome de pessoas não existentes e para tanto por fornecer dados falsos a agentes bancários, que as autoridades policiais não incorrem na prática de crimes, inclusive de falso, pois, um, agem com autorização judicial e, dois, não agem com dolo de cometer crimes, mas com dolo de realizar o necessário para a operação disfarçada e, com isso, combater crimes.”


    Depois disso, foram feitas outras quatro solicitações da PF ao juiz Moro, todas deferidas pelo magistrado sem consulta prévia à Procuradoria Federal. Atendendo aos pedidos, o juiz solicitou a criação do CPF falso para a Receita Federal:

    “Ilmo. Sr. Secretário da Receita Federal,


    A fim de viabilizar investigação sigilosa em curso nesta Vara e realizada pela Polícia Federal, vimos solicitar a criação de um CPF em nome da pessoa fictícia Carlos Augusto Geronasso, filho de Antonieta de Fátima Geronasso, residente à Rua Padre Antônio Simeão Neto, nº 1.704, bairro Cabral, em Curitiba/PR”.

    Além disso, o magistrado solicitou a abertura de uma conta no Banco do Brasil, com a orientação de que os órgãos financeiros fiscalizadores não fossem informados de qualquer operação suspeita:

    “Ilmo. Sr. Gerente, [do Banco do Brasil].

    A fim de viabilizar investigação sigilosa em curso nesta Vara e realizada pela Polícia Federal, vimos determinar a abertura de conta corrente em nome de (identidade falsa).

    (…) De forma semelhante, não deverá ser comunicada ao COAF ou ao Bacen qualquer operação suspeita envolvendo a referida conta”.

    Criados o CPF e a conta bancária, as autoridades norte-americanas realizaram a operação. Dirigiram-se ao suspeito e, fingindo serem clientes, entregaram-lhe a quantia, solicitando que fosse ilegalmente transferida para a conta fictícia no Brasil.

    Feita a transferência, o caminho do dinheiro enviado à conta falsa foi rastreado, chegando-se a uma empresa com sede no Rio de Janeiro. Sua quebra de sigilo foi prontamente solicitada e deferida. Como a empresa era de outro Estado, a investigação saiu da competência de Moro e do TRF-4, sendo transferida para o Rio.



    LEI AMERICANA APLICADA NO BRASIL


    A ação que Moro permitiu é prevista pela legislação norte-americana, trata-se da figura do agente provocador: o policial que instiga um suspeito a cometer um delito, a fim de elucidar ilícitos maiores praticados por quadrilhas ou bandos criminosos.

    No caso em questão, o agente norte-americano, munido de uma conta falsa no Brasil, induziu o investigado nos EUA a cometer uma operação de câmbio irregular (envio de remessa de divisas ao Brasil sem pagamento dos devidos tributos).

    Ocorre, porém, que o Direito brasileiro não permite que um agente do Estado promova a prática de um crime, mesmo que seja para elucidar outros maiores. A Súmula 145 do STF é taxativa sobre o assunto:


    “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.”


    Ou seja, quando aquele que tenta praticar um delito não tem a chance de se locupletar por seus atos, caindo apenas em uma armadilha da polícia, o crime não se consuma.

    É o que explica o advogado criminalista André Lozano Andrade: o agente infiltrado não deve ser um agente provocador do crime, ou seja, não pode incentivar outros a cometer crimes. “Ao procurar uma pessoa para fazer o ingresso de dinheiro de forma irregular no Brasil, o agente está provocando um crime. É muito parecido com o que ocorre com o flagrante preparado (expressamente ilegal), em que agentes estatais preparam uma cena para induzir uma pessoa a cometer um crime e, assim, prendê-la. Quando isso é revelado, as provas obtidas nesse tipo de ação são anuladas, e o suspeito é solto”, expõe Lozano.


    Já Isaac Newton Belota Sabbá Guimarães, promotor do Ministério Público de Santa Catarina e professor da Escola de Magistratura daquele Estado, explica que “a infiltração de agentes não os autoriza à prática delituosa, neste particular distinguindo-se perfeitamente da figura do agente provocador. O infiltrado, antes de induzir outrem à ação delituosa, ou tomar parte dela na condição de co-autor ou partícipe, limitar-se-á ao objetivo de colher informações sobre operações ilícitas”.


    CONTESTAÇÃO JUDICIAL

    A ação policial autorizada por Moro levou à prisão vários indivíduos no âmbito da Operação Sobrecarga. Uma das defesas, ao impetrar um pedido de habeas corpus junto à presidência do TRF-4, apontando ilicitude nas práticas investigatórias, argumentou que seu cliente havia sido preso com base em provas obtidas irregularmente, e atacou a utilização de normas e institutos dos Estados Unidos no âmbito do Direito brasileiro:

    “Data venia, ao buscar fundamento jurisprudencial para amparar a medida em precedentes da Suprema Corte estadunidense, a d. Autoridade Coatora (Sérgio Moro) se olvidou de que aquela Corte está sujeita a um regime jurídico diametralmente oposto ao brasileiro.”

    “Enquanto os EUA é regido por um sistema de direito consuetudinário (common law), o Brasil, como sabido, consagrou o direito positivado (civil law), no qual há uma Constituição Federal extremamente rígida no controle dos direitos individuais passíveis de violação no curso de uma investigação policial. Assim, a d. Autoridade Coatora deveria ter bebido em fonte caseira, qual seja, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e das demais Cortes do Poder Judiciário brasileiro.”

    O habeas corpus impetrado, no entanto, não chegou a ser analisado pelo TRF-4. É que, logo depois, em 2008, a jurisdição do caso foi transferida para a Justiça Federal do Rio de Janeiro. Lá, toda a investigação foi arquivada, depois que o STF anulou as interceptações telefônicas em Acórdão do ministro Sebastião Rodrigues atendendo outro habeas corpus impetrado por Ilana Benjó em defesa de um dos réus no processo.

    Processo arquivado, crimes impunes.



    OUTRO LADO

    Os Jornalistas Livres enviaram na manhã da última terça-feira à assessoria de imprensa da Justiça Federal no Paraná, onde atua o juiz Sérgio Moro, as seguintes questões a serem encaminhadas ao magistrado:


    “Perguntas referentes ao processo nº. 2007.70.00.011914-0


    – Qual a sustentação legal para a solicitação do juiz Sérgio Moro para que a Receita Federal criasse CPF e identidade falsa para um agente policial dos Estados Unidos abrir uma conta bancária no Brasil em nome de pessoa física inexistente?

    – Por que o juiz Moro atendeu ao pleito citado acima, originário da Polícia Federal, sem submetê-lo, primeiramente, à apreciação do Ministério Público Federal, conforme determina o ordenamento em vigor no país?

    – Por que o juiz Moro não levou ao conhecimento do Ministério da Justiça os procedimentos que autorizou, conforme também prevê a legislação vigente?”

    A assessoria do órgão não chegou a submeter os questionamentos ao juiz. Disse, por e-mail, que não teria tempo hábil para buscar as informações em arquivos da Justiça:


    “Esse processo foi baixado. Portanto, para que consiga informações sobre ele precisamos buscar a informação no arquivo.


    Outra coisa, precisa ver o que realmente ocorreu e entender pq o processo foi desmembrado para o Rio de Janeiro. Não tenho um prazo definido pra conseguir levantar o processo. Também preciso entender como proceder para localizar o processo aqui. Infelizmente essa não é minha política, mas não consigo te dar um prazo para resposta neste momento. Fizemos pedidos para o juiz e para o TRF-4.

    Sugiro que vc (sic) tente com a Justiça Federal do Rio de Janeiro também.

    Espero que compreendas.

    Assim que tiver alguma posição, te aviso.”