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  • Pela liberdade dos jovens meninos da favela São Remo

    Pela liberdade dos jovens meninos da favela São Remo

    Por Lucas Martins, Katia Passos e Emílio Lopez, dos Jornalistas Livres 

    Na última terça-feira, 16/07, Y e A, dois adolescentes de 16 e 17 anos, respectivamente, foram presos em São Paulo, acusados de roubar um carro, na Praça General Porto Carrero, bairro do Jaguaré, zona oeste. Mas a história não é tão simples e clara assim. Os garotos e suas famílias negam veementemente a autoria do crime. Será mais um capítulo de injustiça contra pobres?

    Por isso, na segunda (22), moradores, professores, familiares dos meninos, amigos e o coletivo Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio organizaram um ato nas ruas da favela São Remo, local onde os jovens nasceram e cresceram. O objetivo da manifestação foi denunciar mais essas duas prisões, sem crimes, sem provas, de pessoas pobres que não têm e nunca tiveram envolvimento com nenhum ato ilícito em suas vidas. Pelo contrário, um dos meninos é inclusive um atleta participante da Taça das Favelas e foi recentemente entrevistado na televisão, pela rede Globo. Mas, infelizmente, histórias com esse enredo não causam o mesmo interesses aos veículos da mídia tradicional. Por isso, coletivos organizados por equipes voluntárias e a sociedade civil, têm importância fundamental na visibilidade de situações de genocídio, violência e de injustiça como é o caso dessa. A Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, presente nesses territórios, consegue ter uma importantíssima atuação contra o silenciamento de diversos casos, no apoio às famílias vítimas e claramente apavoradas com essas atrocidades, temendo retaliação por parte da própria Polícia dos territórios onde habitam, e sobretudo, no acompanhamento diário, do começo ao fim da história, até o desfecho e in loco.

    Marisa Fefferman, da Rede pontua: “a insegurança e o medo perpassam essas comunidades e isso aumenta cada vez mais. Existe sim um alvo. A metodologia da rede de proteção é andar pela favela, ver quem são os parceiros, é mostrar uma mãe falando pela comunidade que isso não acontece só com o filho dela”. Ainda sobre a institucionalização dessas histórias de injustiça e violência, Marisa explica: “a Rede tem um grupo de trabalho com o Ministério Público para discutir o controle interno das Polícias, com representantes da Secretaria de Segurança Pública, da Ouvidoria e da Defensoria. É um canal aberto e o nosso caminho para a tratativa desses casos é formaliza-los no MP.”

     

    Manifestantes carregam flores durante ato, na comunidade São Remo, na zona oeste de São
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Sobre o destino atual de Y e A, a rede tem acompanhado, junto com as meninas, a internação dos meninos na Fundação Casa, unidade Brás, na capital paulista. O caso foi apresentado ao Ministério Público na última quinta (18) e a partir dessa data, o órgão tem até 45 dias para apresentar o caso a um juiz.

    Entenda os detalhes do caso

    Em depoimento ao advogado de defesa, os jovens saíram de casa para encontrar a namorada de um deles. A moça também reside na região.

    Em mensagens trocadas entre o casal, pelo aplicativo Whatsapp, a moça justifica o pedido para que o amigo do namorado o acompanhasse:

    20h35 – “se ele tiver pede pra ele vim com vc amor, pra minha amiga da uns bjs nele pra ele dá uma atenção pra ela ela ta mal”.

    Na continuação:

    20h44 – mensagem do namorado, um dos jovens apreendidos:  –  “veremos isso na hora que eu chegar ai”.

    Chegaram. Segundo depoimento ao advogado que os defende, em frente a casa da jovem, por volta das 21h38. Dois minutos depois foram apreendidos pela polícia.

    Os adolescentes A e Y se declaram inocentes e apresentam outra versão que contradiz completamente o texto do Boletim de Ocorrência (BO) realizado pela vítima por detalhes importantes de logística, temporalidade e um aparelho celular. Segundo o documento, a vítima, uma Policial Militar, estacionou o carro na Praça, e logo após descer foi “abordada por dois indivíduos” que a colocaram no carro e partiram. É relatado, ainda, que, na Av. Presidente Altino uma viatura perseguiu o carro, mas não conseguiu alcançá-lo, perdendo-o na Av. Dracena. Segundo a vítima ela conseguiu fugir do carro após um dos assaltantes, que estava no banco traseiro, sair do veículo.

    Ainda no Boletim de Ocorrência, consta que, após sair do veículo, “correu em direção a um carro da Yellow, pedindo auxílio, sendo que neste momento o motorista do carro da Yellow abriu a porta e a vítima entrou”. No documento está registrado, também, que na “Rua Onófrio Mileno, Jaguaré, localizaram o veículo parado e próximo havia três indivíduos (…) que saíram correndo empreendendo fuga, sendo dois dos indivíduos alcançados”, isso teria ocorrido, segundo o BO, às 21:40h.

    Já na 91° DP a vítima reconheceu A e Y e recuperou o carro. Consta no relato que foi encontrada a chave do veículo com o jovem de 16 anos, mas não o celular, que também foi roubado.

    A defesa

    O advogado dos jovens confronta a versão policial com a geolocalização dos dois quando foram abordados.

    Segundo o registro do celular eles estariam na Rua Três, há mais de 200 metros de onde a versão policial os coloca e também questiona o paradeiro do celular da vítima, que, até agora, não foi localizado. Segundo a defesa, a pesquisa em imagens de câmeras existentes pelo trajeto pelo qual os jovens passaram, será realizada, ação que poderá elucidar e trazer liberdade aos meninos.

    A mobilização

    Logo após a prisão, as famílias e conhecidos começaram a se mobilizar para provar a inocência dos jovens. O professor de futebol Lula Santos, do Projeto Social Escolinha de Futebol do Catumbi, e que mora na São Remo junto com as famílias e a Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, que atua em casos de violação de Direitos Humanos em São Paulo, organizaram um ato nesta segunda, 22, que circulou pelas ruas onde os dois jovens moram.

    O professor deixa claro o que acha que motivou a prisão “estamos sem voz e estão prendendo pessoas inocentes pelo tom da pele”. Y, o jovem de 16 anos, também é negro.

    O professor Lula Santos
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Y e A nasceram na favela São Remo, que fica ao lado da Cidade Universitária, em uma região valorizada da capital. Mesmo estando ao lado da Universidade de São Paulo, a USP, maior do país, as condições da comunidade são precárias.

    A manifestação

    O ato começou em frente à casa do jovem Y, por volta das 10h30. Um dos presentes foi Marcelo Dias também preso injustamente ano passado. Emocionado, chorou e contou brevemente sua história: “acordei cedo para vim, em solidariedade a essa família, essas duas famílias. Minha mãe também passou por isso e eu sei a dor que a família está passando nesse momento. A importância, gente, de nos estarmos aqui é muito grande. Essa comunidade precisa sair daí. Precisa vir para a luta junto com essa família”.

    Uma luta que não se restringe ao tema do encarceramento em massa no país. A luta de quem vive em territórios hostis como o da favela São Remo é dura, é preciso apelar, gritar e apelar muito por direitos básicos, para se ter uma vida minimamente decente.

    Antes do ato caminhar pelas ruas da favela, Iracema, mãe de A, mostrou a casa onde mora com o marido e o filho. Três cômodos: um quarto, um banheiro e a sala que também é cozinha. Separados do filho por oito dias, contam como era a vida como educam A, a partir da própria realidade de suas vidas. Arlindo, pai de A, sofreu um AVC e tem mobilidade reduzida, por isso, o filho sempre está presente para ajuda-lo:  “nunca é fácil, mas agora tá pior. Acordar e não ver ele. Quem fazia comida para mim, esquentava. Agora não faz mais. Sempre foi caseiro”.

    Iracema, veio de Pernambuco para São Paulo com 14 anos. Trabalha desde os 16 anos na mesma casa, como empregada doméstica: “trabalho em casa de família. Não deixo faltar nada, dentro das minhas condições. Tudo vem do suor do trabalho de diarista, e falo para ele: seja assim igual a sua mãe”. Enquanto conta sua história, Iracema mostra a chave da casa dos patrões como símbolo da confiança.

    Quando as pessoas começaram a caminhar no ato quem puxava as palavras de ordem era o professor Lula, que convidava as pessoas para se somarem à passeata.

    Depois de alguns minutos de trajeto as pessoas pararam de andar para que discursos em tom de denúncia pudessem ser feitos. Lula explicou a situação “não é justo o que estão fazendo com os nossos meninos. No geral, com todas a comunidades. Todas as comunidades, o que estão fazendo? Oprimindo todas as comunidades, as favelas ao nosso redor. Peço um minutinho de vocês, de atenção. Venham um pouquinho para a rua. Vamos somar aqui, mostrar para as pessoas que temos voz. A favela tem voz”.

    Em seguida Leandro, Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Butantã alertou:  “nos vemos casos como esse em todas as periferias, pessoas sendo presas injustamente e hoje a AOB e a comissão de direitos humanos se solidarizam com esses meninos que foram presos injustamente. Vemos que o processo hoje não tem as duas versões, só existe a versão da polícia”.

    O ato seguiu até o campo de futebol da comunidade. Uma escolha simbólica para contrastar os sonhos dos meninos com o pesadelo que vivem.

    Os dois jogam e amam por futebol. Iracema conta, enquanto mostra as chuteiras furadas de tanto uso, que o filho, além de ser um Santista roxo, tem o futebol como sua maior paixão.

    Y e A treinam com Lula no campo da comunidade. Ali o menino Y tornou possível um dos seus maiores desejos, jogar no Pacaembu. Os dois participaram de testes para jogar na Taça das Favelas São Paulo, torneio que reuniu 32 times masculinos e 16 femininos de várias favelas da cidade. A não conseguiu jogar por questões médicas, mas Y passou e realizou o sonho de entrar no estádio, não como torcedor, mas como atacante.

    Iracema, mãe de A mostras as chuterias do filho
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Maria Ivone entrou em campo, como o filho, mas para defendê-lo: “tem muito jovem injustiçado, somente porque mora em comunidade. Somente porque não tiveram a oportunidade estar fora deste lugar. Mas também quero pedir que as mães, os pais que estiverem vendo essa passeata se comovam. Botem a mão no coração, porque hoje sou eu, mãe, que estou aqui, hoje, clamando e pedindo ajuda. Amanhã pode ser você, nenhum dos nossos filhos estão sendo respeitados. Nós não estamos aqui somente para chamar atenção porque é meu filho. É porque são da comunidade São Remo”.

    Manifestantes no campo
    Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres

    O ato seguiu para a área externa do campo e prosseguiu entre as palavras de ordem e uma trilha sonora que também servia como apelo por justiça: Racistas Otários, dos Racionais MC’s, e Eu só quero é ser feliz, de Cidinho E Doca.

    A manifestação foi encerrada em frente a porta da casa de A. Aluta pela liberdade dos meninos não para por aqui, por isso, uma reunião que discutirá os próximos passos, já está agendada para a próxima sexta (26/07) e terá a presença de membros da comunidade, advogados e coletivos contra o genocídio da população pobre preta e periférica.

     

     

  • Mais de três quartos dos homicídios de jovens em Belo Horizonte são contra negros

    Mais de três quartos dos homicídios de jovens em Belo Horizonte são contra negros

    Por Hemerson Morais

    Foi lançado na última quarta (21) em Belo Horizonte, o Relatório de Prevenção à Letalidade Juvenil e Adolescente, desenvolvido pela Secretaria de Segurança e Prevenção. A data foi escolhida por ser o Dia Internacional de Combate ao Racismo no mundo.

    Considerando-se a faixa etária entre 15 e 29 anos em recorte de 100 mil habitantes, o relatório aponta que a taxa de 173,8 em 2012 caiu para 91,1 em 2017. Porém, no somatório de pretos e pardos (considerado o total de negros), o percentual chega aos 76% do número de homicídios na capital mineira, sendo que mais de 84% são causados por arma de fogo.

    O percentual é maior que em um comparativo a nível nacional (72,33%) e de cidades consideradas muito violentas, como Rio de Janeiro, onde a taxa é de 80%, segundo o relatório.

    OJornalistas Livres conversou com a Deputada Federal Áurea Carolina (PSOL), com a Diretora Municipal de Políticas para a Igualdade Racial Makota Kisandembu e a Gerente Municipal de Prevenção à Criminalidade e Violência Juvenil, Etiene Martins, sobre a importância do relatório e quais os caminhos podem ser tomados a partir dele. Ouça abaixo:

     

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    O relatório pode ser lido na íntegra aqui.

  • Familiares e vizinhos lutam para provar inocência de 4 jovens periféricos

    Familiares e vizinhos lutam para provar inocência de 4 jovens periféricos

    Por Kátia Passos e Lucas Martins

    Washington Almeida da Silva, Leandro Alencar de Lima e Silva e os irmãos Pedro e Fabrício Batista dos Santos estão presos desde o dia 11 de dezembro de 2018, acusados injustamente de roubar um motorista de Uber e seu carro. Hoje a família tenta provar a inocência dos quatro.

    Nesta última sexta-feira (18) as famílias organizaram um ato pelas ruas do Jardim São Jorge, que os quatro jovens percorreram em seus últimos momentos de liberdade. A manifestação começou às 18h de frente ao mercado Paraná, ponto de referência do bairro, e na rua de onde os quatro saíram para aquela que seria uma de suas últimas caminhadas em liberdade.

    Washington, de 22 anos, Pedro, de 21 e Fabrício, de 20, são negros. Leandro, de 20, é branco. Nenhum dos quatro tem antecedentes criminais. A rotina dos jovens é entre a igreja e trabalhos esporádicos, como Washington, que trabalhou com carteira assinada de 2012 a 2015 e, até ser preso, trabalhava no Mercadinho e Padaria Simpatia todas as quartas e duas vezes por mês, nos sábados e sextas.

    As famílias foram as primeiras a chegar, antes do horário marcado para a concentração às 17h. Aos poucos, conhecidos e vizinhos foram aumentando o número de manifestantes, que no momento de ápice chegou a 200 pessoas. Enquanto esperavam a concentração das pessoas, eram colocadas músicas políticas como as dos Racionais MCs, passando por Titãs, MC Cidinho e áudios do Dráuzio Varella sobre o Carandiru. Também falavam parentes sobre o caso, pediam para que as pessoas do bairro caso quisessem saber mais chegassem e perguntassem. Estavam dispostos a conversar e mostrar que os jovens eram inocentes.

    Ato pela liberdade dos quatro, realizado na última sexta-feira (18) Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    O Jardim São Jorge é um típico bairro da periferia paulistana. Poucas opções de lazer, pouco arborizado, distante do centro e com poucas opções de transporte. Fica escondido atrás da Rodovia Raposo Tavares. A violência policial é constante, mas os moradores, por mais que estejam habituados com os abusos, não deixam de pautar a diferença de tratamento que recebem no bairro com a atuação policial em bairros do centro. As possibilidades de diversão são poucas para quem quiser ficar no bairro. Ficar em casa, em reunião com os amigos, como faziam os quatro, é uma das opções mais comuns.

    Ao som de “Racistas Otários” as pessoas que passavam pela rua olham com interesse. Algumas paravam e conversavam, perguntavam. Outras, passavam reto. O som mudava para “Marvim” e os convites para que se somassem ao ato era única interrupção do som. Também ecoou a simbólica música “Eu só quero é ser feliz”, do MC Cidinho, que parecia ter sido feita sobre encomenda para retratar o caso:

    “Eu só quero é ser feliz
    Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
    E poder me orgulhar
    E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”

    Quando o ato saiu, havia uma viatura, duas Rocams (Ronda Ostensiva Com Apoio de Motocicletas) e uma Base Comunitária Móvel acompanhando as pessoas. A família conversou com o comandante da operação, para estabelecer o trajeto e garantir a passagem. Mas o clima de medo, por conta de uma eventual represália, existia.

    Ato pela liberdade dos quatro, realizado na última sexta-feira (18) Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    As palavras de ordem, durante todo o ato, foram pedidos de Justiça e Liberdade. Enquanto o último passeio dos quatro jovens era reproduzido pela manifestação, os jograis (quando se repete o que é dito por um interlocutor central) explicavam o caso para as pessoas que assistam das casas, calçadas e carros pelas quais a manifestação passou.

    O trajeto foi recheado de emoção. Muitas das pessoas que participaram não conseguiram esconder o choro. A ideia de ver os quatro presos era estranha para todos que ali estavam. Muitos do que participavam do ato eram colegas da igreja evangélica de algum dos jovens. Falas como “eles sempre iam à igreja, não são disso” eram ouvidas entre as conversas.

    Emoção de manifestante durante o ato Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Os cartazes e gritos que vinham do ato eram de repúdio, não só à prisão, mas à situação que “os bairros periféricos” enfrentam. Falas que envolviam a privatização dos presídios do Estado de São Paulo, a violência policial e prisões arbitrárias foram constantes.

    O ato terminou onde começou, de frente para o mercado Paraná. De forma simbólica as famílias esperavam fazer, com o trajeto, o que desejam para Washington, Leandro Pedro e Fabrício: que voltem para onde começaram suas caminhadas.

    Entenda o Caso

    Em 10 de dezembro de 2018, os quatro meninos se encontraram durante a tarde na casa dos irmãos Fabrício e Pedro para “tocar violão e tomar refrigerante”, conta a mãe, Luci Batista dos Santos. De acordo com ela, esse era o passatempo favorito deles.

    Por volta de 18h, os garotos se deslocaram do quintal para a frente da residência, onde fica um salão de cabeleireiros, na Rua Ângelo Aparecido dos Santos, Jardim São Jorge, zona oeste de SP, para não incomodar os pais com o barulho. Ali os garotos passaram boa parte da noite “dançando e se divertindo, só isso”, explica Luci.

    Os quatro resolveram sair para comprar refrigerante na padaria da esquina, passar pela casa de Washington e depois voltar para casa dos irmãos. O pai de Pedro e Fabrício, Adailton dos Santos, chegou a pedir para que não saíssem: “Já está tarde”, disse para os meninos. Conseguiram comprar o refrigerante e passar pela morada de Washington. Mas até agora nenhum do quatro voltou a ver a casa de onde partiram.

    Quando voltam da casa de Washington para a de Fabrício e Pedro, eles foram abordados por dois PMs que buscavam quatro assaltantes de um Uber, roubado havia pouco, às 23:45h (de acordo com o B.O.), perto do Shopping Raposo Tavares. De acordo com o Boletim Ocorrência, uma viatura que fazia buscas pelo carro “foi até a rua Luíza Josefina Voiron, ali próximo, onde o veículo foi localizado.” ali viu que “o motor do carro ainda estava quente. Que neste instante ainda pode ver quatro indivíduos ali próximos observando a ação policial.”.

    Os quatro indivíduos que observavam a ação policial eram os quatro jovens. Em seguida os policiais efetuaram “a abordagem a tais indivíduos. Que em revista pessoal nada de interesse policial foi localizado”.

    De acordo com os familiares, que já os visitaram no CDP (Centro de Detenção Provisória) ll, em Osasco, os meninos confirmaram esta parte da declaração. Mas tem outra versão para o que teria precedido o momento da abordagem.

    Ao saírem da casa de Washington eles resolveram cortar caminho pela Rua Horácio dos Santos, que cerca os fundos do Cemitério Israelita. Enquanto os policiais achavam o carro na rua Luíza Josefina Voiron, os meninos paravam na saída dos fundos do cemitério para se aliviar, ainda na rua Horácio. Esse seria o momento de coincidência entre o testemunho dos policiais e dos meninos.

    O local onde os quatro jovens foram abordados, na esquina da Rua Padre Ângelo Giolelli com a Rua Horácio dos Santos Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Os meninos contaram que, depois de abordados e revistados, na esquina da Rua Padre Ângelo Giolelli com a Rua Horácio dos Santos, foram levados pelos policiais para a rua seguinte, onde o carro tinha sido encontrado, a Luíza Josefina Voiron, distante pelo menos 100 metros do local onde foram revistados. Enquanto isso, o motorista do Uber era levado, por uma outra viatura, para o local onde o veículo fora achado. Chegando lá, a vítima “reconheceu prontamente tais indivíduos como sendo os roubadores”. Deste momento em diante os quatro foram algemados e levados para a delegacia e presos.

    O testemunho do motorista foi a base para a prisão em flagrante dos quatro. Faz mais de um mês que os garotos aguardam julgamento. Mas, por conta do recesso do final de ano do Judiciário, o fórum paralisou os trabalhos, que só voltaram agora no último dia 7. Um habeas corpus foi indeferido pelo juiz de plantão.

    Possíveis falhas levantadas pelas famílias dos garotos

    Alguns pontos da investigação levaram as famílias a questionarem a prisão e afirmarem a inocência dos quatro jovens.

    Os horários: Um dos testemunhos da defesa é o de um comerciante que trabalha de frente para a casa dos meninos, da lanchonete, que afirma ter visto os rapazes ali até por volta das 23:40h, enquanto o roubo estaria acontecendo, no B.O. a ocorrência está registrada como iniciada as 23:45h.

    Trajeto: Após a prisão os familiares passaram pelo trajeto que os meninos contaram que teriam feito. Nesse caminho buscavam por testemunhos que contradizem os horários do crime com o dos meninos. Conseguiram encontrar uma filmagem, que capta o abandono do carro roubado e a saída dos quatro assaltantes. Nessa filmagem é possível ver quatro homens saindo do veículo e entrando em uma viela, momento em que não é mais possível vê-los. A família aponta que os quatro homens que descem a viela descem no sentido contrário ao que estavam os jovens quando abordados. Pergunta também por que eles teriam dado a volta para ficar próximos do veículo após o abandonarem? A busca por mais filmagens em casas e comércios continua, mas muitos dos locais em que há câmeras de vigilância, por onde os meninos passearam, dizem não ter mais as filmagens ou preferem não cedê-las, por medo de represálias

    Roupas diferentes: As roupas dos indivíduos que podem ser vistos abandonando o carro, no vídeo, são   diferentes das roupas que os meninos usavam em uma publicação postada em redes sociais momentos antes de serem presos. É possível ver, também, que um deles sai carregando um pneu, que não foi encontrado na posse dos jovens.

    Ele não sabe dirigir: Pedro, um dos acusados, foi identificado como o motorista do roubo. A família afirma que ele nunca soube dirigir.

    Onde estão os itens roubados: Além do carro, foram roubados, também, três celulares e R$150,00 do Uber. No B.O. existe a informação que nada foi encontrado com os quatro durante a revista. A família pergunta por que eles não estariam em posse dos objetos roubados, se fossem os verdadeiros assaltantes?

    Reconhecimento: O testemunho da vítima foi dado duas vezes. A primeira, no local do crime levado “instantes depois, a viatura em que a vítima estava compareceu ao local e a vítima reconheceu prontamente tais indivíduos”. O segundo reconhecimento foi na DP em que o B.O. foi registrado. Para o jurista Marco Aurélio de Carvalho, esse primeiro reconhecimento, no local, é “completamente atípico, se desenvolveu fora dos padrões normais esperados para uma situação como essa” e é “um quadro sugestivo de intimidação e irregularidade, que tem que ser apurada pela corregedoria da polícia.”. O reconhecimento também é entendido por muitos advogados e juristas como uma prova frágil, devido as falhas de identificação por conta de fatores como ação do tempo, o disfarce, más condições de observação, erros por semelhança, a vontade de reconhecer.

    Roubo novamente: Na última sexta-feira (11/01) um roubo muito semelhante foi praticado. Um outro Uber foi assaltado na rua José Lavechia, no Jardim Arpoador, que fica aproximadamente a 1,5 km do local onde o carro do primeiro crime foi abandonado. O número de assaltantes foi o mesmo, quatro. Eles não foram achados e o motorista se disse impossibilitado de reconhecê-los.

    Os meninos e apoios

    Toda a articulação pela liberdade dos meninos começou por conta do professor de boxe e coordenador de um projeto social do bairro “Instituto Resgata Cidadão”, Maurício Monteiro. Ele também faz parte Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio da Juventude, grupo montado para denunciar casos de violência contra jovens pobres e negros. Eles se articulam em vários bairros da Grande São Paulo para acompanhar casos como esse, o acompanhamento à investigação da chacina de Osasco é um dos muitos em que atuam.

    O professor de boxe e coordenador social, Maurício, no local onde funciona o projeto
    Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Maurício, quando soube, acionou a rede, que vem dando apoio para o caso e para as famílias. “Se a molecada que não está fazendo nada, a molecada que não é criminoso, não está sendo presa eles estão sendo mortos”, é assim que Mauricio descreve a situação no bairro. “É uma injustiça o que aconteceu. Muito, muito injusto… molecada do bem. Se a gente não fizer nada por essa molecada aí, eu… perco até minhas esperanças.”, conclui ele. Ele os conheceu por meio do projeto que organiza e das aulas de boxe. Os quatro participavam do projeto há mais de um ano e ajudaram na reforma da casa onde ele ocorre.

    O cabelereiro Esmeraldo, que tem como cliente a família de Washington há anos, descreve o que conhece do menino “eu sempre vejo ele trabalhando, sempre vejo ele com a família, nunca vi ele com pessoas suspeitas” ele também lembra que “um rapaz que trabalha comigo foi preso o ano passado. Ele ficou preso sete meses preso, suspeito de participar de um roubou. Ele estava trabalhando comigo no momento.”, para Esmeraldo é muito semelhante a situação de seu colega e a dos meninos.

    Luci, a mãe dos dois irmãos, enquanto nos mostra o quarto onde eles dormiam, conta que os dois, além do trabalho frequentavam a igreja. Ela passa procurar alguns desenhos que o filho fazia. Em uma caixa com alguns objetos pega uma grossa pasta ficheiro e nos leva de volta para a sala onde estão os outros familiares que nos acompanhara pelo trajeto simulado que fizemos refazendo os passos dos meninos. Ela nos mostra os desenhos em estilho manga que o filho fazia e Adailton, marido de Luci, busca a carta que Fabrício escreveu de dentro da prisão para a família. Os desenhos impressionam pela qualidade e quantidade, o ficheiro está cheio. Na sala também está Suelma, tia de Washington.

    Luci mostra os desenhos do filho
    Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres

    Na carta Fabrício escreve “É com muitas saudades que escrevo esta carta… só agora percebo que não dei o devido valor à vocês, mas quando sair deste lugar vou recompensar cada um de vocês. Pai sei que não fui melhor filho do mundo, mas eu e Pedro te amamos muito e estamos com muitas saudades… Mãe, já conversamos na visita, mas a saudade ainda me machuca muito. Pais, sempre fomos muito grudados e essa distância me mata pois, sua visita é o dia que mais espero chegar, mas sei que logo estaremos juntos e Deus vai nos dar a nossa Vitória…”.

  • Desemprego cresce no período de Michel Temer

    Desemprego cresce no período de Michel Temer

    Um dos principais argumentos para afastar a presidenta Dilma Rousseff era a crise econômica e a taxa de desemprego no país. Contudo, pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta crescimento do desemprego no segundo trimestre de 2016. A taxa de desocupação (11,3% no Brasil) subiu em todas as grandes regiões no 2º trimestre de 2016 em relação ao mesmo período de 2015. Ela pode ser compartilhada, portanto, entre Dilma, afastada em 12 de maio, e Michel Temer, que assumiu interinamente a Presidência da República.

    Para o IBGE, os principais afetados pelo desemprego são as mulheres e os jovens. As mulheres representam 65,9% da população desempregada no país. Já os adultos de 25 a 39 anos são 35% da população desocupada, de acordo com o levantamento. Ao assumir o poder, Michel Temer foi criticado por montar uma equipe composta por homens, além de rebaixar políticas públicas para mulheres.

    A pesquisa também mostra que pessoas com menos escolaridade também tem sido muito afetadas pela crise política e pelos cortes feitos pelo governo interino. Segundo o IBGE, “por nível de instrução, a maior taxa de desocupação, no Brasil, foi observada para pessoas com ensino médio incompleto (20,6%)”. O dado preocupa, uma que se o desemprego atinge os mais pobres, o governo interino desenha cortes nas áreas sociais e políticas públicas para saúde e educação.

    Para o analista do IBGE, Cimar Azeredo, os dados da PNAD apontam crescimento contínuo do desemprego no governo atual. “O mercado de trabalho está dispensando, com aumento da procura de emprego bastante expressiva, com menos carteiras assinadas, queda no rendimento e, consequentemente, criando um círculo vicioso”, projeta.

    Desemprego de Temer

    Se a pesquisa trimestral do IBGE aponta que a economia está desajustada, outros dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) revelam crescimento no desemprego no Brasil até junho. “A população desocupada (11,6 milhões de pessoas) cresceu 4,5 % em relação ao observado entre janeiro e março (11,1 milhões de pessoas), um acréscimo de 497 mil pessoas na procura por emprego. No confronto com igual trimestre do ano passado, esta estimativa subiu 38,7%, um aumento de cerca de 3,2 milhões de pessoas desocupadas na força de trabalho”, apurou o IBGE.

    Para o economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Sandro Silva, ao contrário do que diz a classe política, não há tendência de reverter o desemprego no país no curto prazo com a troca de comando federal em definitivo: “O desemprego vem aumentando desde o ano passado em função de fatores econômicos, que também sofrem a influência de outros fatores como o político e a Lava Jato. Isso tudo acaba gerando incertezas”, avalia o economista.