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  • Redução da Maioridade Penal: mitos e verdades da polêmica que está sendo votada novamente

    Redução da Maioridade Penal: mitos e verdades da polêmica que está sendo votada novamente

    Por Luna Costa para os Jornalistas Livres

    O projeto da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos- (PEC) 33/12 – voltou à pauta no Senado em setembro desse ano e está para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em primeiro novembro. Em 2015, o projeto foi votado na Câmara dos Deputados, proposto ex-deputado federal Eduardo Cunha. Na época, jovens de todo o país fizeram pressão dentro e fora da Câmara no movimento chamado Amanhecer Contra  Redução. O projeto foi barrado em segundo turno no plenário, mas Cunha fez uma manobra para ter uma outra votação e o projeto passou.

    Novamente, a juventude do Amanhecer está mobilizada e conseguiu adiar a votação na CCJ do Senado duas vezes.  É necessária maioria simples para que o projeto seja aprovado na Comissão e, em seguida, seja submetido à votação em dois turnos pelo Plenário. Atualmente, tem 19 votos contrários, 13 favoráveis e 20 indecisos ao projeto, mas o placar pode mudar a qualquer momento.

    A atual crise de Segurança Pública no Brasil, a sensação de medo fomentada pela grande mídia, a fragilidade nas garantias de direitos na Constituição e as frequentes violações pelo Estado reforçam o senso comum e suscitam discursos rasos baseados em vingança, punitivismo e justiçamento.  Por isso, separamos argumentos que são levantados quando se fala em maioridade penal e mostramos se é mito ou verdade.

     

    MITOS X VERDADE

    Os jovens estão cada vez cometendo mais atos infracionais. MITO!

    Sim, a taxa de homicídio entre jovens é enorme. Mas eles não são os que mais matam, eles são os que mais morrem. Segundo o Mapa da Violência publicado em 2014, a cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. Um jovem negro tem 4 vezes mais chance de ser assassinado do que um branco.

    Em contrapartida, menos de 1% de todos os crimes e 0,5% dos homicídios no Brasil são cometidos por adolescentes, segundo os dados do Ministério da Justiça em 2011.

    Os adolescentes em conflito com a lei ficarão impunes? MITO!

    O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em julho de 1990, já responsabiliza os jovens em conflito com a lei. Ao cometerem crimes de grave ameaça ou violência, os adolescentes de 12 a 18 anos podem ficar de seis meses à três anos internados em unidades socioeducativas.

    Além disso, hoje, no Senado, já estão tramitando dois projetos de lei que aumentam até 10 anos a internação de adolescentes. Isso também é uma forma encarcerar cada vez mais cedo a nossa juventude. A privação da liberdade

    A questão então não é impunidade. É o fracasso do sistema socioeducativo, que não cumpre seu papel e não garante com qualidade outras medidas socioeducativas, como as em meio aberto, que consiste em liberdade assistida e prestação de serviço comunitário.

    Aumentar o número de prisões diminui o índice de violência. MITO!

    O Brasil já prende muita gente: somos a quarta maior população carcerária do planeta, com cerca de 622 mil presos – dos quais 61% são negros, segundo o Depen. Destes, 221 mil são presos provisórios, ou seja, 40% aguardam julgamento privados de liberdade. O sistema ainda está com 161% de sua capacidade ocupada. Apesar de aumentar o número de prisões, os índices e sensação de violência não diminuiu.

    O que acontece na realidade é que prisões são lugares de tortura e barbárie chancelados pelo Estado. Violência, estrutura insalubre e precarizada que gera epidemias, superlotação, comidas estragadas, violações de direitos. O sistema carcerário tira a condição de sujeito e desumaniza quem está atrás dos muros da amnésia.

    Reduzir a maioridade é uma tendência mundial. MITO!

    Nenhum dos países que reduziram a maioridade penal reduziu os índices de violência. O Estados Unidos é um exemplo dos que reduziu, mas que discute voltar atrás, já que a medida gerou maiores taxas de reincidência entre esses jovens. A Espanha também reduziu a maioridade penal dos 18 para os 16 anos atrás, e, após novos debates e números desfavoráveis, subiram novamente para 18 anos em 1995.

    Na Escócia, até 2010, a idade mínima com que alguém podia ser levado para a cadeia era 8 anos. Hoje a maioridade penal lá é de 12 anos. De 2013 para 2014, o país registrou seu nível mais baixo de criminalidade dos últimos 40 anos e os crimes violentos diminuíram de 10%.

    Na contramão da redução da maioridade penal estão a Holanda e Suécia que, recentemente, fecharam presídios pelo seu esvaziamento. A primeira é conhecida por sua importante política de liberação das drogas, e a segunda, por sua qualidade de vida e distribuição de renda.

    Medidas socioeducativas em meio aberto são mais eficazes que a internação. VERDADE!

    Prender uma pessoa com a justificativa de solucionar uma questão não faz sentido porque já vimos que cadeias são lugares de tortura. Ao contrário, um jovem socializa quando investem na sua educação, nos seus vínculos entre a família e a comunidade.

    As medidas socioeducativas em meio aberto – a liberdade assistida e a prestação de serviço comunitário – são uma forma de garantir esses direitos ao adolescente, com profissionais adequados, como psicólogos e assistentes sociais. E, sobretudo, dentro do seu próprio bairro, com  seus vizinhos, amigos e a sua escola.

    Essas medidas são de responsabilidade também da Prefeitura de cada cidade e da Secretaria Municipal de Assistência Social. É preciso que o Município cobre aos responsáveis para que tenha condições de trabalho dignas e qualificação humanizada dos profissionais, um judiciário e uma sociedade que entendam o contexto, as necessidades e o impacto das medidas na vida do adolescente.

    A redução fere o Estatuto da Criança e do Adolescente. VERDADE!

    Em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, foi previsto à eles todos os direitos humanos fundamentais, como à educação e à dignidade. Logo, a redução da Maioridade Penal fere uma série de direitos, como: o Direito à vida e à saúde, Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, Direito à convivência familiar e comunitária; Direito à educação, cultura, esporte e lazer; e o Direito à profissionalização e à proteção no trabalho.

    É urgente a garantia do acesso à educação, ao esporte e à cultura e o investimento em políticas públicas voltadas para a juventude. Estamos falando de jovens pobres, negros e periféricos, aos quais são negados esses direitos básicos desde criança. Redução não é solução.

    Resgatando a campanha Amanhecer Contra a Redução

    Em 2015, o projeto de redução da maioridade penal foi discutido na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Jovens de todo o país se mobilizaram em uma campanha Amanhecer Contra a Redução. Tiveram grandes ações em todo o Brasil: praças amanheceram pipas, faixas e cartazes; festival Amanhecer Contra a Redução na Praça XV, com um dia inteiro de shows, oficinas e intervenções; e caravanas de jovens de todos os estados que foram à Brasília acampar em frente ao Congresso e pressionar os deputados.

    Nesse ano, a juventude o Amanhecer está mobilizada e conseguiu adiar a votação na CCJ do Senado duas vezes.  Atualmente, tem 19 votos contrários, 13 favoráveis e 20 indecisos ao projeto, mas o placar pode mudar a qualquer momento. A estratégia agora é pressionar os indecisos, mandando mensagem para a rede social de um Senador por dia. Entenda e participe: https://www.reducaonaoesolucao.com.br/

    A juventude negra e pobre quer e vai viver!

  • Maior problema do Brasil não é a corrupção, é o genocídio da população preta, pobre e periférica

    Maior problema do Brasil não é a corrupção, é o genocídio da população preta, pobre e periférica

    Na continuidade dos protestos contra mais uma chacina no Brasil, o Movimento Independente Mães de Maio segue angariando apoios e participando de manifestações para dar visibilidade ao verdadeiro maior problema do país: o genocídio da população preta, pobre e periférica. Essa semana, membros do Centro Acadêmico 11 de Agosto, fizeram uma homenagem aos 18 mortos de Osasco, colocando cadeiras vazias no pátio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP). Mais tarde, as cadeiras foram colocadas em frente à sala em que o Secretário Estadual de Segurança Pública, Fernando de Moraes, que também foi aluno da instituição, dá aulas todas as segundas-feiras. Não há um prazo para o fim da instalação.

    “Os estudantes de direito estão muito comprometidos com a justiça social e contra ações como a redução da maioridade penal”, contou Débora Maria Silva, fundadora e coordenadora das Mães de Maio. No início do ano estivemos juntos num grande evento sobre o tema, no salão nobre da faculdade que reuniu alguns dos maiores juristas do Brasil. (veja íntegra do ato abaixo).

    Mas as ações das Mães de Maio não param por aí. Amanhã, 21 de agosto, às 19:30, Débora participa em São Paulo, na Biblioteca Municipal Mário de Andrade (Rua da Consolação, 94, Centro), com a artista e videomaker Clara Ianni do lançamento do livro Esperar Não é Saber: Arte entre o Silêncio e a Evidência, de André Mesquita. A obra á baseada do filme Apelo, de Débora e Clara, que fala sobre os Crimes de Maio de 2006, as chacinas nas periferias e os assassinatos durante da Ditadura com ocultação de corpos numa vala comum do Cemitério de Perus onde ainda são enterrados diariamente dezenas de corpos de jovens, identificados ou não, considerados “indigentes”. Como os familiares não são informados e nem sempre os corpos são reconhecidos nos Institutos Médico Legais, muitas vezes as mães seguem buscando seus filhos mortos a vida toda. Assista Apelo abaixo.

  • #NãoAcabou #TemQueAcabar #QueroOFim #DaPolíciaMilitar

    #NãoAcabou #TemQueAcabar #QueroOFim #DaPolíciaMilitar

    Nova chacina em São Paulo expõe uma política de extermínio que tem aval da população

    Quando um político, executivo, jornalista, apresentador de televisão ou qualquer outra pessoa da sociedade, num país com mais de 50 mil assassinatos por ano, enche a boca pra dizer que “bandido bom é bandido morto”, elx está apoiando uma política que se não é oficial, é pelo menos aceita tacitamente pelos governantes. De outro modo, como é impossível entender e aceitar o homicídio de ao menos 18 pessoas em menos de 3 horas na periferia da maior região metropolitana da América do Sul? Imagine, apenas imagine, a comoção nacional que o homicídio simultâneo de quase duas dezenas de pessoas desencadearia, por exemplo, na Inglaterra. O que aconteceria se quase todos os mortos fossem negros e pobres nos EUA? Quanto tempo um governador ou um secretário de segurança permaneceria no cargo se isso tivesse acontecido na Alemanha? Mas não, na São Paulo governada há mais de 20 anos pelo PSDB (não que seja muito diferente no Rio do PMDB ou na Bahia do PT) isso é rotina. Uma triste rotina.

    Débora Silva e outras Mães de Maio no dia das mães de 2015, seu aniversário e aniversário da morte de seu filho, Rogério, um gari, assassinado em 2006

    A mais recente chacina, nas cidades de Osasco e Barueri, é a 11ª ocorrida na Grande São Paulo esse ano. Ao todo, são ao menos 72 mortos, como mostra a reportagem da Ponte (em http://ponte.org/72-foram-mortos-em-chacinas-neste-ano-na-regiao-metropolitana-de-sp/). Apesar de contabilizar há anos quedas consecutivas nos homicídios, o estado vem registrando também aumentos constantes nos índices de letalidade policial. Oficialmente, no primeiro trimestre de 2015, cerca de 18% das mortes à bala no estado são oficialmente de responsabilidade de agentes de segurança (http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/plantrim/2015-01.htm), ou seja, um homicídio a cada 12 horas. E isso não inclui chacinas por autores não identificados.

    Há quase 10 anos, mais de 500 jovens, negrxs e periféricxs, foram mortos em duas semanas nos chamados Crimes de Maio, logo após os ataques da facção criminosa Primeiro Comando da Capital — PCC a agentes da lei, deixando também dezenas de cadáveres. Os crimes, de um lado e de outro, nunca foram devidamente esclarecidos, assim como não são cerca de 92% dos homicídios no Brasil. No caso dos cidadãos comuns, o modus operandi das chacinas, invariavelmente apontadas imediatamente pelas autoridades como prováveis “disputas por pontos de drogas”, é sempre muito parecido: após a morte de um policial carros com vidros escuros e motos rodam as periferias próximas com encapuzados assassinando aleatoriamente 10 pessoas. Não por acaso, semana passada foram mortos um PM e um Guarda Civil Metropolitano na mesma região dos crimes de quinta-feira. Obviamente pode ser apenas uma coincidência, mas deveria ao menos acender uma luz amarela.

    E a coisa não vai ter solução tão cedo. Afinal, enquanto os governos estaduais investem cada vez mais em presídios e repressão, os setores de investigação e de defensoria pública são relegados a vigésimo plano. Por isso, desde 2006, o Movimento Mães de Maio, de familiares de vítimas da violência policial, tenta a federalização da investigação, que obviamente não vai chegar a lugar nenhum em São Paulo. Mas, diferente do caso da bomba na porta do Instituto Lula (que em nenhum momento pode ser menosprezado por sua importância simbólica da escalada da violência política atual), o pedido de transferência da competência da investigação para a Polícia Federal infelizmente vai seguir aguardando calado em alguma gaveta burocrática.

    “Precisamos de uma lava-jato para violência policial”, reclama Débora Maria Silva, coordenadora das Mães de Maio. “Para investigar corrupção na Petrobras, tem dinheiro, pessoal, aviões, prisão preventiva, capas de revista à vontade. Mas para descobrir e punir quem está matando nossos filhos e mostrar a responsabilidade do Estado terrorista, sempre faltam recursos. Até hoje não foi feita sequer a perícia nas balas que mataram meu filho!”. Enquanto isso, grupos de indignados com as “intenções bolivarianas” do governo federal preparam novas manifestações onde tirarão selfies com Bolsonaros, PMs e coronéis de pijama que se orgulham de ter torturado “comunistas” durante a Ditadura e só se arrependem de não ter matado todos. E se você acha que uma coisa não tem nada a ver com a outra, pense novamente.

     

  • Rio de Janeiro tem dia histórico contra a redução da maioridade penal

    Rio de Janeiro tem dia histórico contra a redução da maioridade penal

     

    “É isso: se tiver violão, se tiver funk, se tiver cultura, não vai precisar de faca em Copacabana. Não à redução!”. Assim o Dream Team do Passinho encerrou seu show para milhares de pessoas na Praça XV, na noite de domingo (14).

    O movimento Amanhecer contra Redução surgiu em meados de abril, inspirado na campanha uruguaia No a la Baja, que impediu a redução da maioridade penal no país vizinho. Uma iniciativa de jovens criativos, principalmente estudantes secundaristas, para resistir à redução, de uma forma didática e leve, com a cultura.

    Foi algo dessa natureza que deixou o centro da Cidade Maravilhosa mais colorido na manhã deste domingo. O Festival Amanhecer, fruto da construção colaborativa de coletivos, movimentos sociais e artistas, reuniu cerca de 80 atrações de música, dança, teatro, grafite, debates, fotografia e poesia na Praça XV, para um público total de mais de 20 mil pessoas.

    Foram 5 palcos espalhados pela tradicional Praça XV, que se coloriu com cartazes, sorrisos, faixas, pipas, murais, grafites, adesivos, brincadeiras, tecidos e danças ao longo do dia. Uma ação de resistência, que não seria possível senão com um posicionamento decisivo dos estudantes.

    “Assim que a PEC da Maioridade passou na Comissão de Constituição e Justiça, nós reunimos um grupo de amigos aqui no Rio de Janeiro para fazer uma campanha contra a redução. Nossa expectativa era que fosse uma campanha pequena, mas acabou crescendo e chegou a 400 cidades em todo o país!” afirma Daniela Orofino, que tem 22 anos e é estudante de Ciências Sociais. De lá para cá não pararam. Em maio, o grupo realizou um grande sarau na Lapa, que reuniu 600 pessoas.

    Além da programação cultural, o domingo foi marcado por intensos debates com a presença de artistas, ativistas e parlamentares, como Marcelo Freixo, deputado estadual pelo Rio de Janeiro.

    Mais de 20 mil reais foram arrecadados para o evento, através do financiamento coletivo: “É a força da juventude mostrando que a gente acredita na cultura e na educação como alternativas para todos esses jovens do Brasil que têm poucas oportunidades”, conclui Daniela.

    Outra estudante, Mariana Monteiro, tem 16 e começou a participar da campanha a partir de um convite feito pelos colegas. Seu grupo colaborou para o financiamento realizando um sarau na escola para arrecadar fundos: “Doamos R$1.000 para o Festival e foi muito bem investido”.

    Assim como ela, Clarice Pessoa, 14, também faz parte da Campanha e participou da produção do evento: “A redução, na verdade, é a seletividade penal, pois serão os jovens em situação de vulnerabilidade que pagarão, e não nós. Estamos aqui hoje para
    lutar por direitos”.

    Gisela, estudante de Comunicação, destacou a importância de se unir ao movimento cultural: “Pela cultura conseguimos dialogar com muito mais gente”.

    O Levante Popular da Juventude foi um dos movimentos que compuseram o festival, com uma oficina de bateria. Para Felipe Haua, estudante e militante do grupo, é fundamental a união de todas as forças contra a PEC da maioridade. “É uma pauta que está sendo empurrada no Congresso e que afeta diretamente a juventude. Se não estivermos unidos não teremos chance”.

    Nada deve parecer impossível de mudar..

    Se o festival queria atingir corações e mentes para ganhar forças na luta contra a redução, conseguiu. Gilvan tem 42 anos e é empresário. Passou sem querer na praça e a curiosidade fez com que ficasse, para mudar de opinião:

    “Era a favor da redução. Ouvi um debate, li as faixas e cartazes e me permiti refletir sobre a questão. Principalmente sobre a frase ‘Redução não é solução’. Não é mesmo. Na verdade, ela traz muitos problemas, como o aumento desmedido da população carcerária”, afirmou.

    Não é a solução porque desvia o foco do que é realmente importante: a proteção dos direitos das crianças. É o que pensa Átila Roque, diretor da Anistia Internacional no Brasil. “Hoje o adolescente é vítima da violência, não quem causa violência. Os jovens são mais de 50% dos mortos no país, totalizando 30 mil jovens mortos por ano na faixa dos 15 aos 29. Grande parte deles entraria nessa faixa da redução. Ou seja, já existe uma penalização gigantesca para esses jovens”, afirma.

    A Campanha Jovem Negro Vivo, da Anistia, levanta ainda um dado assombroso na matemática da pátria educadora: dos 30 mil mortos, 70% são negros.

    A marcha dos desprovidos

    Atualmente, o Projeto de Emenda Constitucional — PEC 171, que altera a imputabilidade penal, está no Congresso Nacional. A Comissão Especial criada para a discussão do tema possui 70% dos deputados a favor da redução. Jandira Feghali, deputada federal pelo PCdoB, esteve presente no festival e concorda que a conjuntura não é favorável:

    “No Congresso, infelizmente, nós estamos andando para trás. Todas as pautas que vão se estruturando e vão se estabelecendo são pautas profundamente retrógradas, de anulação de um período longo de conquistas em todas as áreas.”

    Ativistas do movimento estudantil são expulsos da Câmara dos Deputados durante a semana, ao se manifestarem contra o projeto de redução da maioridade penal. Fotos: Mídia NINJA

    Mas acredita que a batalha não está perdida. “Muitos dados mostram que não é só o jovem infrator grave que está no alvo desses caras. Mudar a Constituição é mudar as regras para a juventude inteira. Vai mudar a relação do Estado brasileiro com a sociedade”.

    Nas próximas semanas, a Campanha e as ideias propagadas nesse domingo viajam para Brasília, para pressionar os parlamentares da Câmara e dialogar com uma comissão especial do Senado sobre o tema.

    Maria de Fátima, mãe do dançarino D.G., executado pela Polícia Militar carioca em abril de 2014, é categórica na importância da campanha continuar sua caminhada contra a PEC 171:

    “O Brasil é dividido em dois: o país dos privilegiados e o país dos desprovidos. A redução só atingirá os desprovidos”

    Foto: Felipe Paiva / Rua Foto Coletivo

    texto Larissa Gould para Jornalistas Livres
    fotos Cobertura Colaborativa Amanhecer Contra Redução

     

  • Ser mãe negra e jovem no Brasil

    Ser mãe negra e jovem no Brasil

     

    Como ensinar a sua filha a ter orgulho da própria cor no país da falsa Abolição

    Ontem, dia da Abolição, deveria ser feriado Nacional. Deveria ser um dia de comemoração, um dia para ser lembrado. Mas acho que sei porquê o dia 13 de maio não está em vermelho no calendário: por mais que a escravidão tenha sido oficialmente abolida do nosso país, ela continua dentro das pessoas.

    Sou negra, nunca fui obrigada a trabalhar em troca de comida ou moradia, mas sei o que é entrar em um algum lugar e ser olhada como diferente, sei o que é ouvir piadinhas (todas sem graça nenhuma) pelo fato de sua pele ser de uma pigmentação mais escura, ter apelidos por causa da minha etnia, perguntarem por que não faço uma progressiva.

    A escravidão acabou oficialmente, mas o racismo não. O que me deixa extremamente abalada é ver que para muitas pessoas isso é normal. Vemos na televisão e nos cinemas que as empregadas domésticas são negras, que os bandidos são negros, que a maioria dos mortos são negros. E me pergunto: quando isso irá mudar? Quando isso deixará de fazer parte da cultura brasileira?

    Frases como: “Tinha que ser preto!”, “Viu aquele neguinho?”, “Cuidado, é preto e corinthiano!”, são ditas com a maior naturalidade, sem constrangimentos. Aceita-se esse tipo de abordagem. Não apanhamos mais de senhores feudais, não temos mais navios negreiros. O que temos é a NEGAÇÃO da nossa cor no dia a dia.

    Ao olhar na periferia, vemos que ali estão os pretos e pardos. Numa construção, os serventes e pedreiros são negros, assim como as faxineiras. Claro que o Brasil evoluiu um pouco, já temos muitos negros na universidade, muitas cotas oferecidas (por mais que a USP se negue a participar), temos o PROUNI, o FIES, mas também temos o Senado querendo aprovar a PEC 171 para reduzir a maioridade penal. Quem perde com a diminuição da idade penal são os “neguinhos da quebrada”. Nossos presídios estão lotados de negros.

    Lembro de quando estava na 5ª série (atualmente, 6º ano) e meu apelido era “Poodle”, pois meu cabelo não era do padrão de beleza estabelecido. Recordo-me que todos os empregos que minha mãe obteve foram como empregada doméstica. E foi assim, com o suor e a batalha, limpando tantos banheiros, que ela criou meu irmão e eu.

    Quanta vezes presenciei amigos serem abordados dentro de bares, padarias ou até mesmo na rua, simplesmente por serem negros e nossos amigos brancos, nunca. A desculpa era de que estavam em “atitude suspeita”. Mas estávamos juntos fazendo as mesmas coisas.

    Ao olhar para minha sala de aula na faculdade vejo que sou uma das poucas negras (na verdade, minha sala, que tem 50 alunos, tem apenas dois negros) e sou a única negra bolsista. Isso não é novidade dentro de uma universidade reconhecida como a minha.

    Hoje estou com 26 anos, sou casada e tenho uma linda filha, a Isabella, que mesmo com 5 anos sabe bem o que é ser uma menina negra. Sempre ouço (até de nossos próprios parentes): “Nossa, criança, que cabelo é esse?”, ou “Quando ela crescer pode fazer uma [escova] progressiva!”, ou, ainda, “Tinha que puxar justo o seu cabelo e o seu nariz?”. Sim, nosso nariz batatinha também sofre na nossa sociedade preconceituosa. Mas me enche de orgulho de ouvir ela sempre dizer:

    “Amo meus cachos, são iguais aos da minha mãe!”

    Claro que isso não é nada perto de tantos negros que já foram presos, espancados, mortos. Meu relato não chega perto de tantas mães que viram seus filhos saírem de casa sem nunca mais voltar. Ou daqueles que percebem as pessoas que atravessam a rua com medo, puxando suas bolsas, porque um negro está ali. E te olham com nojo.

    Certa vez ouvi que o dia 20 de Novembro não era uma data que deveria ser comemorada, afinal todos nós temos Consciência Negra. Me indignei com isso, pois se TODOS NÓS realmente tivéssemos essa consciência, esse meu texto não precisaria ser escrito, não haveria tantos jovens negros assassinados.

    No dia 13 de Maio de 1888 a lei Áurea foi assinada. Mas a verdadeira Abolição ainda não aconteceu. Gostaria muito de dizer que a escravidão se foi há 127 anos, mas apenas posso dizer que ela continua de uma forma mais camuflada — e igualmente cruel.


    Michelli Cristini C M de Oliveira, 26 anos — é estudante de Letras na Universidade Presbiteriana Mackenzie, casada com William Freitas de Oliveira e mãe de Isabella Cardoso de Oliveira. Faz parte da rede Jornalistas Livres.

  • Protesto pela paz e contra a violência policial mobiliza Comunidade do Alemão

    Protesto pela paz e contra a violência policial mobiliza Comunidade do Alemão

    A manifestação que contou com mais de mil pessoas ocorreu em resposta ao assassinato de quatro moradores em menos de 48 horas

    Mais de mil pessoas realizaram um protesto na manhã deste sábado (4) no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro (RJ), pedindo por paz na comunidade, que tem mais de 15 mil habitantes. A manifestação ocorreu em resposta à violência policial e ao assassinato de quatro moradores em menos de 48 horas nesta semana, entre eles Eduardo de Jesus Ferreira, de apenas 10 anos.

    Com cartazes que diziam “- Bala + Amor”, “Merecemos viver sem medo de morrer” e “Pobreza não é caso de polícia”, os moradores e militantes de direitos humanos saíram em marcha pelas ruas da comunidade vestidos de branco.

    Foto: Mídia NINJA

    “A minha filha mais velha não quer ir pra escola com medo de morrer. Estou caminhando hoje porque a nossa luta é pela vida. A gente quer viver”, relatou Camila, moradora do Complexo do Alemão e mãe de duas crianças, em entrevista à reportagem da Mídia Ninja, que transmitia ao vivo a mobilização.

    Vanessa, que sempre viveu no Alemão, criticou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que foi instalada no local em 2012. “A UPP vem só para destruir. O caso do Eduardo não é inédito, já vem acontecendo. Um dia antes uma mãe morreu. Esses policiais são covardes. Só vem para matar, tirar a vida dos outros”, disse. Apesar de não possuir nenhuma história de assassinato na família, Vanessa afirmou que “cada sangue de inocente que é derramado, sangra na gente. Aqui no Complexo do Alemão todo mundo é uma família”.

    Outra declaração veio de um morador, que não quis se identificar por medo de represálias, assim como muitos que a reportagem da Mídia Ninja buscou ouvir. Aos gritos em meio ao protesto, ele sentenciou: “O maior investimento de dinheiro público é na UPP. Mas a gente precisa de creche, de posto de saúde. Policial só oprime! Fora UPP!”. Mais um morador que não se identificou disse: “Eu não tenho muito pra falar, eu só quero é paz…”

    Para Raul Santiago, morador do Alemão e comunicador do Coletivo Papo Reto, “o policial puxa o gatilho, mas quem assina o atestado é o Estado, a mídia comercial, essa mídia escrota. A gente da mídia alternativa tem que disputar isso. Se a gente ficar parado, o rolo compressor passa por cima. Por isso a gente tem que ir par rua, protestar, lutar.”

    Analisando a violência urbana no estado carioca, Santiago apontou que “as favelas do Rio vivem uma guerra há muito tempo. A diferença é que agora o Estado está patrocinando uma facção. A UPP é uma milícia patrocinada pelo Estado”. Na sua opinião, “a saída é investir em saneamento básico, investimento na população, na base. Não é através das armas que vai mudar alguma coisa, mas é investindo no povo.”

    Solidariedade

    Moradores de outras comunidades também foram até o Complexo do Alemão expressar sua solidariedade, como Naldo Medeiros, morador da Maré. Segundo ele, “a única forma de diálogo que o Estado oferece para a favela é a polícia, a Secretaria de Segurança Pública. Ninguém aqui conhece o Secretário de Cultura, o de Educação. A opressão é grande, e não só da violência, você não tem escola, saneamento. Você vê a criança morrendo, o pobre, o preto morrendo, e isso corta o coração.”

    Centenas da famílias foram às ruas do Complexo — Foto: Mídia NINJA

    Participando do protesto também estava o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), integrante da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ). Ele também criticou a falta de diálogo do Estado com as comunidades. “Não dá para olhar para o Alemão como um território a ser conquistado, como numa guerra. Tem que olhar como um lugar onde vivem pessoas, famílias. Enquanto o governador insistir em olhar para o Alemão como um território de guerra, vamos ter que contar os espólios dessa guerra. Vai morrer policial e morador”, disse.

    Freixo ainda relacionou os casos de assassinatos de jovens negros com a recente aprovação da redução da maioridade penal em uma comissão da Câmara dos Deputados, avaliando que isso se trata de um retrocesso social muito grande.

    “A gente já tem uma juventude negra e pobre que está morrendo. O índice de homicídios de um país em guerra não tem índices de jovens mortos por armas de fogo como nós temos. E o resultado disso é que agora o Estado quer criminalizar essa mesma juventude a jogando num cárcere, que já é abandonado. A gente institucionaliza que essa juventude estará no banco dos réus e não no banco das escolas”, criticou.

    O ator Paulo Betti também esteve no protesto e cobrou maior compromisso do poder público. “Acho que as pessoas não têm consciência de que não é colocando na cadeia e punindo que o problema vai ser resolvido. O problema é social, é falta de escola. Não adianta colocar na cadeia, tem que colocar na escola. O que falta do governo é uma definição mais radical em favor dos pobres e não dos mais ricos”, afirmou.

    Considerando como uma questão de justiça o ato pela paz no Alemão, Betti criticou outros protestos que vem sendo feitos pelo país, como aqueles que pedem o impeachment. “Chega a ser ridículo quando eu vejo aqui no Rio e em São Paulo aquelas manifestações de pessoas vestindo verde e amarelo. Política é algo mais complexo do que isso.”

    Trajeto

    O ato iniciou Estrada do Itararé e, pouco antes de terminar, ele parou em frente a Praça 24 de outubro onde foram feitos discursos contra a morte de inocentes na comunidade. Na linha de frente da marcha estavam dezenas de mototaxistas, que abriam caminho para a manifestação. Ao longo do trajeto, a população protestava em uníssono “Sem hipocrisia, essa polícia mata pobre todo dia” e “UPP chegou pra matar trabalhador.”

    No final do protestos alguns moradores discursaram contra a violência policial — Foto: Mídia NINJA

    Acompanhando a caminhada, o som vinha do funk “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é. E poder me orgulhar, e ter a consciência que o pobre tem seu lugar”. Cornetas, bandeiras e faixas com dizeres pedindo paz eram carregadas pelos moradores, principalmente pelas crianças.

    As vaias vinham sempre quando passavam pela manifestação as viaturas da Polícia Militar, entre elas o chamado “caveirão”, um veículo blindado da PM que tem a aparência de um tanque de guerra. De acordo com o G1, o policiamento na região está reforçado por policiais das UPPs do Alemão e outras unidades, além de agentes do Comando de Operações Especiais, que envolve o Batalhão de Operações Especiais (Bope), além de veículos blindados e helicóptero.

    O ato terminou por voltas das 13h com um anúncio no carro de som informando que mais um tiroteio estava ocorrendo, desta vez, no Morro da Grota.

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