Após tratar a dependência química como caso de polícia e violar direitos humanos internacionais básicos no desmantelamento do programa De Braços Abertos – política pública construída no diálogo entre Estado, entidades e profissionais especializados em atenção integral à saúde e promoção de cidadania – o prefeito João Dória Júnior segue em seu arbitrário projeto imobiliário-higienista na Cracolândia, no valioso centro de São Paulo.
Dessa vez, a estratégia foi descontextualizar a realidade dos usuários de crack em campanha publicitária; uma das especialidades do político que é dono de uma agência e editora de revistas voltadas para empresários e público de classe A. O prefeito Júnior destinou R$ 3 milhões e 900 mil dos cofres públicos para anúncios em pontos de ônibus, TV, cinemas e redes sociais nos quais coloca toda a culpa do problema do crack nas costas dos usuário. O programa Braços Abertos custava, em sua totalidade, R$ 9 milhões POR ANO.
Astuto, o lançamento oficial da campanha, será nesta segunda-feira (26/06), Dia Mundial de Combate às Drogas. Mas o marketing já começou neste domingo (25) com o lançamento de um vídeo que Dória postou em seu facebook. “Quero compartilhar em primeira mão com vocês esse lindo comercial da prefeitura de SP para a campanha de sensibilização da sociedade para o problema do crack”, disse Júnior. De acordo com o prefeito, basta dizer “não” à droga para ser vacinado à “dependência química terrível, uma verdadeira doença crônica, difícil de tratar”. Posto dessa maneira, culpabilizando o usuário e isentando-se da responsabilidade do Estado em buscar saídas para a miséria e programas de recuperação, ficou fácil pra Prefeitura, né? Mas há muitas camadas de significado na propaganda do prefeito.
No vídeo, logo somos informados que a dramatização é baseada em histórias reais. Então, abre-se uma porta. Musiquinha indie-rock dramática, em inglês, ao fundo. Sobe o som. Um jovem homem branco, então, percorre uma galeria onde estão expostas diversas fotos. Um bebê sorri numa das imagens, uma criança loirinha faz pose em outra, tem cena de formatura e até viagem para o exterior. Logo percebe-se que o rapaz que visita a exposição é o mesmo que está nas fotos. Casamento, nascimento de filho, ar de vencedor…
Até que um espelho mostra que a imagem refletida não é mais a do rapaz sorridente das fotografias. O personagem agora está visivelmente envelhecido. Dentes amarelos, barba e roupas desgrenhadas como se estigmatiza descrever um morador da Cracolândia. O letreiro sobe em maiúsculas: “O CRACK DESTRÓI UMA VIDA INTEIRA. QUANDO VOCÊ VÊ, JÁ NÃO SE VÊ”. O homem chora. O logotipo da Prefeitura de São Paulo acompanha o texto “CRACK. A MELHOR SAÍDA É NUNCA ENTRAR”. Fim.
De imediato, a propaganda faz a separação entre o antes e o depois do crack na vida do personagem. Quando era um feliz “cidadão de bem”, ele não usava a droga. Depois de usar, virou um morador da Cracolândia. Pressuposto errado. A campanha de terror de Dória, que mostra um caminho sem volta, é mais uma estratégia que só distrai o verdadeiro problema: a miséria.
Crack é uma droga que tem o mesmíssimo princípio ativo da cocaína. E, como no uso dela, há inúmeros usuários que compram as pedras na sexta-feira para usar no fim de semana. Quem são esses consumidores? São cidadãos que vivem suas vidas sem parar nas ruas da Cracolândia em situação deplorável, sem família, sem emprego e sem dinheiro. A lógica de quem vai parar lá, por sinal, é inversa. É a miséria que faz alguém chegar à Cracolândia e não necessariamente o crack. E a exclusão social é o principal problema de quem só encontra nas ruas alguma inclusão.
Na Cracolândia está gente sofrida no último grau da dor. São em sua maioria negros destruídos pela sociedade racista, são ex-presidiários abandonados pelas famílias e sem chance de emprego, são prostitutas aniquiladas física e mentalmente, são travestis dizimados pela violência simbólica e material do machismo, são gênios e loucos incompreendidos e raramente aceitos. “Para acabar com a Cracolândia”, sempre repete o médico Drauzio Varella,”é preciso acabar com a miséria”. E isso a propaganda de Dória não promete nem menciona.
Outro ponto escondido é o papel do Estado. O filme não menciona nenhuma palavra, música, imagem ou mesmo um pincelar simbólico sobre o papel da Secretaria da Saúde diante da dependência química. Nada nem de longe faz referência às políticas públicas para lidar com o problema. Tampouco se aborda a multiplicidade de fatores que pode levar alguém à Cracolândia, como a falta de moradia, emprego e estrutura familiar ou a disponibilidade de uma droga barata que foi disseminada nas comunidades mais vulneráveis da cidade e até mesmo o fato de a maioria da população nas ruas ser alcoólatra.
No comercial “lindo” do prefeito Dória tudo se resume a dizer “não” à oferta de crack. Bastaria isso para aquele jovem homem branco, pai de família, viajado e de infância feliz ter sua vida de classe média preservada. Pressuposto totalmente errado. O problema de quem chega à Cracolândia não é a droga. É a miséria.
Espelhamento é estratégia antiga da publicidade. Quem se vê projetado nos anúncios logo se identifica. Os profissionais da propaganda feita pela agência Cazamba sabem disso, tanto que a empresa, que se define especialista em tecnologia de marketing, promete a marcas o engajamento de seus consumidores de uma forma “mais dinâmica e personalizada para alcançar e interagir com a audiência desejada, da maneira desejada.” Não foi necessário nem fazer metáfora para explicitar o público-alvo de Dória no vídeo batizado de “Espelhos”. Incutir o terror na população de classe média diante do crack é estratégia perfeita para fugir de problema muito maiores que são gerados pela exclusão social.
A empresa que fez o vídeo afirma que “é o anunciante quem determina como veicular a peça e quais interações ela terá com o usuário.” Esse, no caso, não é o morador da Cracolândia que Dória trata com batalhão de polícia, demolição de moradia, internação compulsória e fim de acesso a emprego e perspectiva de vida que tinha no acolhimento do antigo programa Braços Abertos. A estratégia de marketing do prefeito é dizer que o usuário é cego, culpado por ter destruído sua vida inteira.
Fica o subtexto de que o Estado, ao virar as costas para o problema de moradia na cidade, por exemplo, não tem nada a ver com a Cracolândia. O sistema carcerário brasileiro que devolve à sociedade presos sem acesso a emprego também não tem nada a ver isso. Os marginalizados todos são só um detalhe que os publicitários e o governo não lembraram. E, assim, só resta mesmo expulsar, até da rua, o dependente químico culpado por suas mazelas e interná-lo na marra numa clínica que recebe subsídio da prefeitura. E que fica bem longe do centro da cidade.
Segunda-feira, dia 24 de abril de 2017, quase dez horas da noite. Um segurança interrompe a conversa da galera no jardim. A estudante coloca os cadernos na mochila. Dois amigos fecham seus laptops – quase sem bateria pois as tomadas elétricas estão lacradas na sala de convivência. Um senhor sexagenário mergulhado na revista de arte leva alguns instantes para entender por que a funcionária tocou seu ombro e atrapalhou a leitura. Era hora de ir embora da Biblioteca Mário de Andrade. O prefeito João Dória Júnior que mandou.
O fim do horário estendido da maior biblioteca de São Paulo, que por um ano e meio funcionou por 24 horas, sete dias por semana, com todas as portas abertas, foi melancólico. Funcionários estavam visivelmente chateados – pela interrupção dos serviços e pela perda de seus empregos. Uma tranca e um cadeado grandão foram passados no portão por guardas da GCM, a Guarda Civil Metropolitana. Tinha até um carro da Polícia Militar na rua para conter os tristes notívagos que se reuniram na portaria da Mário de Andrade para protestar. Uma garota tentou devolver um livro às 21h30 mas os guardas não a deixaram entrar.
A partir de agora, aliás, ninguém mais poderá estender uma noite tendo ao alcance da mão um acervo de mais 50 mil livros circulantes entre os mais de 7 milhões de itens, entre livros, fotos, periódicos e documentos. Dória não gosta disso, não. Diz que custa caro.
O corte do horário da Biblioteca Mário de Andrade vai economizar cerca de R$ 2.200 por dia. Ou R$ 800 mil por ano. Menos do que os R$ 804.959,44 que o prefeito Júnior gastou APENAS com propaganda nos principais programas de televisão para divulgar o programa Corujão da Saúde, sua principal plataforma de campanha. Dória também diz que pouca gente está frequentando o horário noturno na biblioteca.
Quando o horário extendido foi implantado – depois de três anos de estudo – o aumento de custo foi de cerca de 30%, com abertura ao público também nos finais de semana. Quem conta é o ex-supervisor de planejamento da Mario de Andrade, o historiador Fabrício Reiner, que participou de todo o processo e estava na portaria da biblioteca. Inconformado. “O número de livros emprestados dobrou quando a biblioteca passou a ficar aberta 24 horas. Antes, o fluxo era de 1500 pessoas por dia. Em 2016, a média foi de 3 mil visitantes por dia. Está tudo em relatório!”.
Doria diz que não é bem assim. Fala que o público não só diminuiu como deixou de pegar livros emprestados. O prefeito Júnior só não lembrou que os eventos e atividades noturnas foram cancelados. Também esqueceu de medir o impacto na permanência no local quando tampou as tomadas de energia para carregamento de celulares e notebooks. Nem mencionou, ainda, a retirada de jornais e periódicos da sala de convivência, entre outras pequenas perversidades econômicas. Ah, a mudança no tipo de programação também não foi levada em consideração, claro.
Hoje, em vez de roda de samba, há espetáculo de flamenco na Mário de Andrade. Nada contra. Mas quem quis assim foi o atual diretor da biblioteca, o milionário e ex-diretor da editora Cosac Naify, Charles Cosac. Ele também acabou com as baladas que aconteciam um sábado por mês. Inimaginável ele permitir, por exemplo, mais um Sarau Erótico, que em 2015 contou com apresentação do grupo de teatro Sensus, estendida até 4 da manhã com festa que amanheceu na rua. Inesquecível para quem estava lá.
“Infelizmente vejo um trabalho de quatro anos arruinando. Tanto a programação quanto o horário expandido foram criados a partir das necessidades dos frequentadores. Muitos trabalham o dia todo no Centro, que é um local de aglomeração. Tudo foi feito para atender a todo e qualquer cidadão em qualquer horário do dia e noite”, conta Reiner, o ex-funcionário, que cuidava do planejamento da biblioteca. O diretor do local na época, o filósofo e professor da USP, Luiz Armando Bagolin, entendia a Mário de Andrade não como um depósito de livros, mas como um centro de encontros.
Não espanta, portanto, notar que nem todos os que estavam ali na portaria para serem expulsos às 22 horas eram exímios apreciadores da leitura. As portas abertas e a fachada iluminada a noite toda abrigava os usuários de wi-fi grátis, gente que fugia do frio ou que perdeu o último metrô ou ônibus e moradores de rua que travavam uma luta inglória contra os olhos dos seguranças e o sono nas mesas de madeira. A presença desse público, por sinal, é um dos incômodos do prefeito.
Intérprete de Mário de Andrade no teatro e na TV, o ator Pascoal da Conceição, devidamente caracterizado como o poeta e escritor, perguntou: “E então é assim? Fecha a porta porque essa gente feia toda está incomodando a biblioteca? Eu dormi tantas vezes em cima de livro… Acho que é uma das coisas mais deliciosas de se fazer. É de uma mesquinharia inescrupulosa o que estão fazendo com a Cultura”, diz o ator-ativista.
Pascoal, quel também é conhecido em todo país também por ter vivido o personagem Doutor Abobrinha, do premiado infantil Castelo Rá-Tim-Bum, na TV Cultura, segue em sua bravata: “temos uma luta muito forte no campo do simbólico nesses tempos difíceis. A Cultura é um ganho que entra dentro de você, que faz transformar o mundo. É na Cultura que a gente gera direitos humanos, igualdade entre as pessoas, avanços em relação ao convívio. Quando atacam a Democracia e a Liberdade e isso chega na Cultura, o que se ataca, no fundo, é o lugar onde se geram os desejos, as vontades. É contra isso que temos a felicidade guerreira, emotiva e humana da luta. A luta é essa”. A fala é emocionada, com uma lágrima escorregadia que depois emenda numa outra enquanto o ator lembra que Mário de Andrade foi artista engajadíssmo na gestão pública da cidade.
De fato, em 1935, o escritor, musicólogo, folclorista, autor de “Paulicéia Desvairada”, festeiro, principal articulador do movimento modernista, criou uma biblioteca circulante com uma caminhonete que levava livros nas casas dos leitores. Tudo para que o prazer da leitura chegasse à população. Então primeiro diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, Mário de Andrade falou para o prefeito na época: “Em vez de esperar em casa pelo seu público, vai em busca de seu público onde ele estiver.”
A biblioteca Mario de Andrade passa a funcionar das 8h às 22h, de segunda a sexta-feira, e aos sábados e domingos, das 8h às 20h.
Leia o comunicado oficial anunciado pela direção: http://bit.ly/2piGsZW
O prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou nesta segunda-feira (17/04) a demissão de Soninha Francine (PPS) de seu secretariado. Soninha ocupava o cargo de secretária de Assistência e Desenvolvimento Social. Em seu lugar entra Filipe Sabará, secretário-adjunto da pasta. O prefeito afirmou que precisa dar uma “força maior” na gestão da secretaria, e que Soninha não tem o perfil. Em vídeo publicado na página do Youtube João Doria News, o prefeito disse:
“Continuo tendo as mesmas referências dos valores que me fizeram fazer o convite à Sônia: humana, dedicada com sentimento. Nessa secretaria, além de todos esses valores, vamos colocar um pouco mais de força na gestão administrativa dessa secretaria. Que é mais pesada um pouco. Construção, obra, implementação dos novos CTAs, dos espaços vida, tudo isso exige uma demanda que não está dentro do espírito da Sônia”.
Soninha ouviu esses comentários do prefeito com uma expressão visivelmente contrariada. No vídeo divulgado pela página João Doria News, ela não emite nenhum som, nenhuma palavra.
Doria começou a “fritar” Soninha no lançamento do programa Cidade Linda., quando ele e vários secretários se vestiram de garis na avenida Nove de Julho. Na ocasião, o prefeito fez questão de avisar a imprensa corporativa (e golpista, e machista) que havia ficado contrariado com o atraso de Soninha no evento.
Na sequência, o prefeito fez alarde de uma regra, criada por ele, prevendo multa de até R$ 400 para membro da equipe que se atrasar em eventos e reuniões da prefeitura. Chamou a providência de “lei Soninha Francine”. Poucos dias depois, a secretária se atrasou novamente para uma coletiva onde o prefeito arranjou um emprego para o irmão do vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas, morto em uma estação do Metrô. Soninha chegou minutos depois do início do evento.
Soninha se notabilizou como VJ da MTV Brasil e como apresentadora do programa RG, veiculado pela TV Cultura. Em novembro de 2001, A TV Cultura divulgou comunicado informando que havia cancelado o contrato de Soninha… Alegava o depoimento dado pela apresentadora à revista “Época” para a matéria de capa “Eu fumo maconha”. Na época, Soninha disse que “[a decisão da Cultura] é coerente com esse sistema hipócrita [a proibição da droga] que faz mal à sociedade”. Na época, Soninha era muito corajosa.
Em sua página no Facebook, Soninha comentou a demissão: “Não correspondi ao ritmo do prefeito, e olha que eu ando rápido rs. Mas eu sou minuciosa, questionadora, (chata!), ‘pessimista no pensamento e otimista na ação’ (a tradução do Gramsci que mais me contempla). Fico chacoalhando os alicerces para ter certeza de que sustentarão a estrutura; para que caia o que não está firme e consigamos reforçá-los na medida exata. Até porque tem coisas que exigem um pouco menos de pressa.”
Doria Junior poderia ter demitido Soninha sem trollar, sem o bullying, sem atribuir a ela uma falta de força, sem inventar uma tal “Lei Soninha Francine”. Mas não. Preferiu espancá-la simbolicamente nas redes sociais.
Aquele que se apresentou como um gestor e não como político de carreira na campanha das eleições municipais de 2016, foi nesses 100 primeiros dias de governo, o rei do marketing e da cidade cinza.
Segundo os vereadores do PT em São Paulo, a Cidade Linda que o prefeito Dória Júnior quis implementar em SP, ficou mesmo só nas frases de efeito.
Divulgamos aqui, um documento construído pelos parlamentares, após levantamento das ações de Doria e a partir de discussões produzidas num seminário preparatório, que identificou as fragilidades da administração e comparou as promessas eleitorais e o discurso do prefeito em relação às ações realizadas e seus resultados práticos.
O documento só será apresentado oficialmente hoje à tarde, a partir das 16h, na sala Tiradentes, no 8° andar da Câmara Municipal de São Paulo. Mas tivemos acesso exclusivo e apresentamos agora para você aqui abaixo.
Charge sobre João Doria Junior. Por: Janela do Abelha.
DOCUMENTO NA ÍNTEGRA
100 DIAS DE GOVERNO MUNICIPAL
PARA ONDE VAMOS?
SÍNTESE
O Prefeito João Doria Junior foi eleito com discurso de que era um gestor competente e não um político profissional. Mas nesses primeiros 100 dias de governo priorizou o marketing pessoal e pouco fez de concreto para enfrentar os inúmeros desafios de São Paulo. O voluntarismo pessoal e o apetite por marketing do prefeito penderam a sua balança de poder mais para a promoção, própria da política tradicional, do que para a gestão eficiente.
Não há dúvidas de que ainda é cedo para julgamentos definitivos. O que nos cabe perguntar é se a supervalorização do marketing poderá resolver os problemas concretos, históricos e do dia a dia, da população paulistana que mais depende do Poder Público. Ou da população de renda média e superior da cidade, que deve poder desfrutar os mesmos equipamentos e espaços de convivência pública que os trabalhadores e suas famílias.
O alto grau de integração das pessoas no espaço público, qualquer que seja a sua classe e extração social, é um sinal de avanço civilizatório. São Paulo veio trilhando um caminho constante de ampliação da cidadania no uso do espaço público nas últimas duas décadas, fosse em governos do PT, do PSDB ou do PSD. Agora, as ações voluntaristas do prefeito João Doria Junior deixam margem a dúvidas sobre se esse processo continuará.
O Programa de Metas entregue pelo Prefeito à Câmara Municipal no último dia 30 de março reflete a ambivalência do prefeito: gestão consistente ou fraseologia política? É notável nesse programa que diversas promessas de campanha tenham ficado de fora da agenda de 50 metas. Uma das mais evidentes é a promessa de zerar o déficit de vagas em creches em um ano. No Plano de Metas, isso desapareceu, sendo mudado para crescimento de 30% no número de vagas, apenas.
Assuntos importantes relacionados no plano, a menos que sejam ajustados nas audiências públicas, não serão passíveis de mensuração, tamanha a generalidade das metas.
Há ainda um sinal inquietante. Desde a sua posse, o prefeito se concentrou mais em atender o empresariado do que em falar com o povo. Sabe-se, pela sua agenda, que em 49 dias úteis ele realizou 122 reuniões com empresários. Nada contra empresários e empresas. Mas cabe perguntar por que o prefeito não mostrou o mesmo compromisso em partilhar a palavra com o povo. Doria não apareceu nem mesmo no momento de grande desamparo de dezenas de famílias afetadas pelo incêndio em Paraisópolis, ou nas enchentes recentes.
Fardado, o prefeito participou de mutirões de limpeza. Alinhou famosos com vassouras na mão, abraçou garis, posou para fotos, empunhou pás de pedreiro e máquinas aspersoras de tinta cinza para cobrir grafites. Não teve, porém, correspondente empenho em cuidar da limpeza e conservação pública nos bairros e praças das regiões menos nobres de nossa capital. Por que?
O prefeito pareceu, ainda, muito mais preocupado em preservar a sua imagem do que em apresentar explicações convincentes – e, por que não, desculpas ao povo – no episódio da denúncia sobre sua dívida com o IPTU. Doria é um homem rico, tem uma fortuna considerável, conforme sua declaração de Imposto de Renda. Isso toda a cidade de São Paulo sabe. O que São Paulo não sabia é que Doria deixara de cumprir suas obrigações de contribuinte, preferindo a disputa judicial com a Fazenda Municipal.
A bancada do PT apresentou denúncia em plenário, com provas oficiais colhidas no próprio banco de dados da Secretaria da Fazenda, de que ele acumulava, há anos, uma dívida de IPTU de mais de 90 mil reais. Seu nome esteve, inclusive, inscrito na lista dos devedores contumazes, o CADIN. Nesta circunstância, pela lei, o devedor fica impedido de contratar com a Prefeitura.
Em tempo recorde, o prefeito se apressou e pagou o débito. Deu rápidas explicações, não se desculpou e tratou de virar a página, trocar de assunto. A surpresa seguinte é que João Doria e suas empresas também estão devendo o IPTU de 2013 e 2014, além de aparecerem com pendências no CADIN e na dívida ativa da União.
Do ponto de vista orçamentário, a gestão Doria ensaia um discurso injustificável sobre falta de recursos, por causa de supostos problemas financeiros herdados da gestão anterior. Se há uma capital no Brasil em que isso não procede é São Paulo. Dificuldades existem, é claro, mas a arrecadação dos tributos municipais aumentou, em termos nominais, no primeiro bimestre deste ano, comparativamente ao mesmo período do ano passado.
Na verdade, a gestão Doria foi agraciada com um Caixa de mais de R$ 5 bilhões deixados pelo prefeito Haddad. Não houve descontinuidade financeira entre os governos; não houve funcionários sem receber, nem fornecedores acionando judicialmente a Prefeitura por atrasos. A transição de governos voou como aviões de carreira em céu de brigadeiro.
O prefeito João Doria trouxe algumas novidades preocupantes. Não questionamos o seu estilo frenético de governar. Cada um tem o seu jeito, sua marca registrada. Preocupa-nos, porém, alguns aspectos que gostaríamos de compartilhar com todos os paulistanos, antes que se agravem ainda mais.
São cinco os riscos que vemos no jeito Doria de governar:
Risco de retrocesso político – João Doria vem adotando, gratuitamente, um linguajar cotidiano de desqualificação do PT e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por esta razão, resolvemos não comparecer às reuniões mensais do prefeito com os vereadores. Todo mundo de bom senso sabe que não é adequado um convidado aparecer em evento no qual o anfitrião se esmera em insultar o convidado. A norma civilizada do embate político, em que há uma maioria governista e uma minoria oposicionista, sempre foi respeitada pelos ex-prefeitos Marta Suplicy, José Serra, Gilberto Kassab e Fernando Haddad. Por que isso agora? Por que trazer para o espaço público de São Paulo um discurso de ódio e de preconceito? Fosse a indignação do prefeito Doria contra a corrupção genuína, ele teria que usar palavras pesadas, como faz contra nós, contra o ex-ministro José Serra, o candidato presidencial derrotado Aécio Neves, o governador Geraldo Alckmin e o presidente Michel Temer – todos citados em denúncias da operação Lava Jato. Nós não estamos cobrando que ele o faça. Não desejamos para os adversários o tanto de injustiças e julgamentos apressados de que somos vítimas. O direito de defesa deve ser assegurado igualmente a todos. Por isso, achamos que a adjetivação agressiva muitas vezes usada pelo prefeito Doria contra o PT quebra a norma civilizada, rompe a regra de convivência respeitosa entre situação e oposição. São Paulo ganharia se ele revisse esses destemperos.
Risco de retrocesso institucional – O prefeito parece desconhecer os marcos legais da cidade. Extinguiu secretarias criadas por lei, através de decreto, desrespeitando a Lei Orgânica do Município. Vem atropelando as leis que regulamentam convênios, doações e contratações de consultorias. Propagandas do programa Cidade Linda apareceram nos jogos da seleção brasileira como se fossem inocentes doações de um empresário amigo, e só foram publicadas no Diário Oficial, dias depois, procurando dar um ar de legalidade para um processo ilegal. O prefeito vem sendo interpelado pelos órgãos de controle do Estado por alguns desses atropelos. Esperamos que ele não queira fazer o mesmo em seu programa de privatizações, buscando aprovar projetos a fórceps, na base da pressa e do ultimato. Essas serão matérias muito delicadas, pois requerem estudos de viabilidade cuidadosos e muita transparência no debate público.
Risco de retrocesso administrativo – Os profundos cortes orçamentários que o governo fez em várias áreas, sendo o mais agudo deles nos Direitos Humanos e na Cultura, ameaçam avanços de duas décadas na relação entre a Prefeitura e movimentos autônomos de periferias, organizações não-governamentais e instituições diversas. A capacidade do poder público de canalizar, absorver e satisfazer demandas da sociedade tem sido um dos traços, sob diferentes governos municipais, do amadurecimento administrativo na cidade. Mas esse equilíbrio é frágil e parece ameaçado por um estilo extemporâneo à boa rotina administrativa.
Risco de retrocesso da gestão pública – A dispersão administrativa leva quase que automaticamente à desarticulação na capacidade de produzir e gerir políticas públicas. Secretarias foram desfeitas, outras se encontram sem Norte e muitas dão passos atrás. A intenção ampla, geral e irrestrita do governo de desestatizar aceleradamente – sob argumento de que o setor privado sempre faz melhor do que o setor público – pode produzir um panorama de terra arrasada no setor público, como na época do ex-presidente da República Fernando Collor. Não é uma boa coisa quando o Estado perde equipes qualificadas e compromete inteiramente a sua capacidade de projetar e contratar. Esse é o risco que corremos em São Paulo.
Risco de retrocesso social – A perda da capacidade do poder público de planejar, conceder serviços e fazer o controle dos mesmos rebate diretamente na diminuição do investimento público e na promoção do desenvolvimento econômico e social da cidade. A busca do investimento privado, da parceria com o setor empresarial, não é um substitutivo e não pode degenerar em relacionamento promíscuo do governo com esses agentes, em prejuízo do povo. O progresso social, a proteção dos mais necessitados em programas de moradia, de saúde, de educação, de assistência social e outros, ao lado da difusão da igualdade de oportunidades para todos, requer uma Prefeitura com capacidade de planejar, executar e aferir indicadores de desempenho, seus e também dos privados.
Abaixo descrevemos, área por área, o que temos visto, cumprindo, assim, a nossa missão precípua, enquanto oposição, de fiscalizar o governo em seus primeiros 100 dias.
ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS
Arrecadação Municipal – A gestão Doria iniciou o governo reclamando da baixa arrecadação, por causa da crise econômica. No entanto, a receita tributária apresentou crescimento de 7,92% no primeiro bimestre do ano: o IPTU teve aumento de 11,35%, em função da alta de 6% na base de cálculo e da derrubada de restrições nos limites de imóveis comerciais e residenciais.
A arrecadação com o ISS registrou forte crescimento, de 13,6%, demonstrando a disparidade da situação de São Paulo em relação ao resto do país, marcado por severa crise financeira de estados e municípios. O IRRF-Imposto de Renda Retido na Fonte também apresentou crescimento de 13,6% e até o ITBI, mesmo com a construção civil ainda combalida pelos anos de crise econômica, registrou crescimento de 9,05%.
Já as transferências da União e do Estado ao Município – tanto as voluntárias por meio de convênios, como as constitucionais – diminuíram expressivamente. As transferências correntes caíram 3,25%, em termos nominais. No caso da União, apresentaram variação negativa de 13,78%, com um corte de R$ 35 milhões do FNDE e de outros quase R$ 40 milhões do SUS. A única rubrica com variação positiva foi no FPM, de 10,26%.
Já em relação às transferências estaduais, a queda foi de 3,59%. Contribuíram para esse resultado tanto a receita dos impostos estaduais – ICMS, com diminuição de 4,29%, e IPVA, com redução de 2,84% – como as transferências voluntárias, com retração de 15,56%.
Doria conta com uma prefeitura mais equilibrada financeiramente e uma arrecadação que destoa da de muitas outras capitais, do Estado e da União. Apesar disso, seu governo não poupou áreas sociais e iniciou o ano com congelamentos expressivos.
Congelamento de recursos – É praxe que se inicie a execução orçamentária com os recursos destinados aos investimentos congelados, até que os órgãos de planejamento possam avaliar as propostas de toda a Administração e elencar as prioridades ao longo do ano. No entanto, o Governo Doria não só iniciou sua gestão congelando os investimentos, como também grande parcela de recursos destinados ao custeio das atividades da Administração.
O mais grave, porém, é que congelou os gastos das áreas mais importantes não só para o funcionamento da máquina da Prefeitura, como para o atendimento da população que mais necessita dos serviços públicos, a exemplo de Saúde e Educação. Esta atitude contraria, inclusive, promessa feita durante a campanha eleitoral de não reduzir os gastos dessas áreas.
Do total orçado para as atividades da Educação, o Prefeito congelou 28,5% dos recursos, frente ao congelamento de apenas 11% em 2016. Na Saúde, Doria congelou 20,7%, ante apenas 4,8% no governo anterior. Em termos nominais, a atual gestão congelou, só nessas duas áreas, mais de R$ 2,6 bilhões, ante R$ 816 milhões no governo Haddad.
Na área educacional o congelamento de R$ 613 milhões da dotação “Operação e Manutenção de CEIs e Creches da rede conveniada e outras modalidades de parcerias” contradiz o discurso de zerar a fila das creches. O bloqueio dos recursos equivale a praticamente um terço do previsto para manutenção e expansão do atendimento.
Na Assistência Social, o congelamento foi de 26,44%, e na Cultura, 43,56% dos recursos. Por fim, o congelamento de 25,23% dos gastos com custeio da função de Previdência Social alerta para uma possível precarização das estruturas do IPREM.
A disponibilidade em caixa da prefeitura em 1º de janeiro de 2017 era de 5,4 bilhões. Descontadas as obrigações financeiras e os restos a pagar do ano anterior, a administração municipal ainda tinha à disposição R$ 3,3 bilhões para novas despesas. Sem qualquer tipo de vinculação ou contraprestação de serviço, o caixa livre era de opulentos R$ 394 milhões.
Além dos congelamentos, Doria publicou o Decreto 57.580/2017, que dispõe sobre a implementação de política de redução de despesas com contratos e instrumentos jurídicos congêneres no âmbito da Administração Municipal Direta e Indireta.
Renegociação de contratos – Em dezembro de 2016, Doria afirmou em seminário feito com os novos secretários que reduziria em 15% o valor de contratos, sem a redução de serviço, conforme publicado no Jornal Folha de S. Paulo. Para o prefeito, a “redução de valor de contrato não significa redução de serviço. Se não quiserem, rompemos o contrato. E se quiserem continuar prestando o serviço, como nós desejamos, continuarão prestando o serviço com uma redução de 15%”. Ele também se comprometeu com um corte de 25% nas demais despesas de custeio, com exceção de educação e saúde.
O decreto 57.580 não assegura, porém, os compromissos anunciados pelo prefeito. Pior, contradiz o prometido por ele ao aceitar que a redução de 15% dos contratos pudesse ocorrer por meio da diminuição de serviços. Ou seja, de fato e para além das palavras do prefeito, a renegociação possibilita diminuir o escopo do contrato.
Custeio – A meta do governo de redução de 25% dos gastos com custeio não foi alvo do decreto 57.580, havendo apenas a pretensão de diminuir 30% do valor total do saldo residual a executar nos contratos de locação de imóveis.
Nos dois primeiros meses da gestão Doria, foram liquidados R$ 6 bilhões do orçamento municipal, valor 3,4% acima do executado no último ano da gestão Haddad, que correspondente a R$ 5,8 bilhões, em valores nominais.
O principal fator para o recuo das despesas liquidadas no primeiro bimestre foi a redução de R$ 209,9 milhões decorrentes do pagamento das dívidas da Prefeitura, o que somente foi possível por causa da renegociação da dívida municipal em âmbito federal, em acordo firmado no ano anterior pelo ex-prefeito Fernando Haddad.
Quando olhado por tipo de despesa, vê-se que o gasto com pessoal continua no mesmo nível (14,3% liquidados em relação ao orçado para o ano) e que os auxílios também mantiveram a média de 13%. Isso mostra que o prefeito não conseguiu reduzir o gasto com pessoal conforme prometeu.
Os investimentos, que tradicionalmente são baixos no início do ano, sofreram queda de 85,9%, ficando em 0,1% do valor orçado inicial, frente a 0,3% na gestão Haddad.
O que mais chama atenção é o aumento da liquidação da rubrica “Atividades”, que compreende os gastos com custeio da Administração. As despesas aumentaram em R$ 197,4 milhões nominais, crescendo 9,1% relativamente a 2016. Em 2016, essas despesas ocupavam 10% do orçamento municipal; agora, subiram para 10,8%, confirmando que o decreto 57.580 não produziu qualquer efeito relevante no primeiro bimestre.
Enquanto as pastas sociais sofrem cortes e congelamentos, a previsão dos gastos com publicidade e propaganda se expande.
Publicidade – O orçamento para 2017 foi aprovado prevendo acréscimo nas receitas com multas de trânsito. Segundo o relator do orçamento, o ajuste foi realizado a pedido da equipe de transição do governo Doria. Os valores, no total de R$ 200 milhões, serão destinados a programas de Educação no Trânsito. Desta forma, a gestão Doria iniciou o governo com provisão de R$ 286 milhões para gastos com publicidade (R$ 86 milhões com Publicações de Interesse do Município e R$ 200 milhões para Ações de Educação no Trânsito). Isso significa uma alta de 156,8% em relação à peça anterior (R$ 111,4 milhões).
No segundo mês de governo, Doria apresentou a minuta de edital com o objetivo de contratar duas agências de publicidade para prestação de serviços técnicos de publicidade, no valor estimado de R$ 100 milhões, o dobro do contrato anterior. A minuta de edital ainda permite a subcontratação de empresas para a execução de serviços, não apresenta estimativa de quantos e quais projetos e/ou campanhas seriam realizados e também não dispõe dos critérios a serem utilizados nas avaliações semestrais.
O marketing e a propaganda passaram a ser elementos centrais da nova administração nesses 100 dias de governo. A criação de novos nomes para antigos projetos e ações da Prefeitura foi uma constante, com o lançamento de mais de 40 nomes de programas. Permitidos ou não, o prefeito lançou mão de todos os meios para ampliar o alcance publicitário de seus programas, como ocorreu nos dois últimos jogos da seleção brasileira.
Nota Fiscal Paulistana – A remodelagem do programa Nota Fiscal Paulistana seguiu a mesma lógica. O nome foi trocado no início de março, mas o programa teve alcance e valor dos prêmios reduzidos, tanto na distribuição da quantidade de prêmios por mês, como no valor anual dos mesmos. Antes, ocorriam 137.553 sorteios mensais, com premiações de R$ 10,00 a R$ 100 mil, acumulando valor mensal de R$ 1,6 milhão. No ano, R$ 19,6 milhões.
A nova instrução normativa estabeleceu apenas um sorteio por mês, de R$ 1 milhão de reais. Houve, assim, redução de 37% no montante dos prêmios distribuídos mensalmente. No ano, a premiação caiu de R$ 19,6 milhões para R$ 13 milhões, menos 33,7%.
Terceirização de funções – A terceirização de funções intrínsecas ao governo preocupa, como foi o caso na elaboração do Plano de Metas de São Paulo. Há tempos o processo democrático incorpora mecanismos de participação, como a realização de audiências públicas, consultas públicas, debates setoriais, mas o que se vê é a centralização das decisões mais importantes da cidade nas mãos de consultorias privadas.
Em entrevista ao Jornal O Estado de S. Paulo, o cientista político Marco Antônio Teixeira afirmou que a decisão de terceirizar o Plano Metas é, no mínimo, inusitada, pois Doria terá de abrir dados internos da Prefeitura à empresa contratada. “Abrindo mão de construir um plano com a sociedade e optando por um modelo técnico, fechado”, disse, o risco é que informações estratégicas da Administração passem de graça ao setor privado.
Isso pode ser um risco ainda maior no caso de um dos bens mais valiosos, o Bilhete Único. Neste caso, também há um problema de segurança da informação: os dados do usuário não são propriedade do poder público. Por isso, não podem ser repassados ao setor privado.
Por fim, o preço a se pagar por esta opção também é financeiro. O prefeito havia assegurado que as consultorias seriam gratuitas, sem qualquer custo para a prefeitura; depois informou que buscaria apoio privado para custeá-las. Em março, porém, remanejou R$ 30 milhões para gastos com consultorias na Secretaria de Desestatizações e Parcerias, tirando recursos de importantes obras para a população que mais precisa.
Doações – Doria parece desconhecer os limites entre o público e o privado. Impõe uma relação de proximidade entre agentes públicos e particulares que contraria os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência norteadoras da administração pública, conforme o Artigo 37 da Constituição Federal.
Ao anunciar uma agenda de divulgação de bens e serviços doados por empresas, o prefeito busca vender uma imagem de bom negociante e atrelá-la à ideia de gestor competente. Imiscui-se em terreno de propaganda privada e abre um flanco indevido para conflito de interesses envolvendo interessados diretos e a administração pública. O quadro abaixo faz um comparativo das ações anunciadas com as de fato realizadas, ilustrando os elementos que configuram os possíveis conflitos de interesses.
Redução de Impostos – Doria anunciou que receberá doação de laboratórios farmacêuticos para repor estoques de medicamentos em falta. A medida prevê contrapartida financeira da prefeitura, não se configurando como uma doação desinteressada. Além disso, há sérios riscos nesse tipo de doação, pois, como foi divulgado, existe a possibilidade de serem entregues medicamentos com prazo de validade inferior a seis meses. Atualmente, é de responsabilidade das farmacêuticas a incineração dos remédios fora do prazo de validade, mas com a doação os laboratórios são liberados desta prerrogativa, mesmo que não haja tempo suficiente para distribuição dos mesmos à população. Por fim, o governo estadual concedeu, por meio do Decreto nº 62.491, de 23 de fevereiro de 2017, isenção do ICMS para 165 medicamentos que serão doados, com alíquotas que variavam de 12% a 18%.
Mudança na forma de prestação de serviço público – No o jogo da seleção brasileira contra o Uruguai (em 23/03) ocorreu uma propaganda do programa SP Cidade Linda nas placas digitais em volta do estádio em Montevidéu. Segundo a assessoria do prefeito, a publicidade foi uma doação “sem contrapartida” da empresa Ultrafarma, sem nenhum custo para a prefeitura. Ocorre que essa empresa é uma das cotadas para distribuir os medicamentos gratuitos da rede mantida pela prefeitura, haja vista a intenção do governo Doria de terceirizar a distribuição.
Doações de prestadores de serviços da prefeitura – As doações mais significativas ocorreram por parte de prestadores de serviços municipais. Segue abaixo exemplo de 11 empresas que doaram bens ou serviços e possuem contratos com a Administração, recebendo vultosos valores. Enquanto o Município recebe cerca de R$ 4,4 milhões de reais em “doações”, já pagou mais de R$ 7,7 bilhões às empresas “cidadãs”.
Multas – A empresa Inova Gestão de Serviços Urbanos realizou doações de serviços de limpeza e remoção de pichações na Ponte Governador Orestes Quércia – Ponte Estaiadinha, correspondentes ao valor de R$ 93,5 mil. De 2012 a 2017, os valores recebidos pela empresa foram de R$ 2,6 bilhões, em termos reais. Mas ela foi autuada em 328 multas por execução inadequada de serviços. Considerando apenas os processos administrativos abertos em 2015 e 2016, tem-se um total de R$ 192,8 mil.
Licitações em aberto – A PPP da Iluminação Pública na cidade de São Paulo é estimada em R$ 7,2 bilhões por 20 anos. O edital da licitação encontra-se suspenso pelo TCM, mas o imbróglio jurídico deve se resolver nos próximos meses. Uma das possíveis selecionadas, a empresa Philips Lighting Iluminação fez doações que equivalem a R$ 296 mil.
Liberação de licença ambiental – A incorporadora Cyrella é outro caso que sugere conflito de interesses. Enquanto presta serviços gratuitamente na revitalização e manutenção de banheiros e na marquise do Parque Ibirapuera, ela busca a liberação de licença ambiental para iniciar empreendimento em área central da cidade. Só que existe forte mobilização para que destinar a área à instalação do Parque Augusta.
Mudança de concepção na política pública – Na gestão Haddad foi investido cerca de R$ 1 bilhão na implantação de Vias Cicláveis, requalificação de corredores e implantação e requalificação de terminais de ônibus urbanos. Já o governo Doria inverteu totalmente esta lógica. Cortou 100% dos recursos previstos no orçamento deste ano para investimento no transporte público, num total de R$ 888 milhões. Mudança conveniente à indústria automobilística, que já doou R$ 896 mil em bens e serviços. Dez foram as doações de motocicletas pela Yamaha Motor.
As instituições Financeiras e a Dívida Ativa – Comissão Parlamentar de Inquérito instalada na Câmara Municipal para investigar os grandes devedores da dívida ativa tributária no município identificou as 100 maiores empresas inadimplentes. Segundo dados da Procuradoria Geral do Município, as instituições financeiras respondem por 42,7% do montante devido, ou R$ 14,6 bilhões, sendo que apenas o Grupo Itaú/Unibanco deve R$ 5,2 bi aos cofres públicos municipais.
No final de março, as instituições bancárias anunciaram doação de recursos ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (FUMCAD) por meio de renúncia fiscal para implementar o programa Nossa Creche. O valor estimado dessa renúncia seria de R$ 120 milhões, representando menos de 1% da Dívida Ativa dos bancos. Antes de doações, o que a prefeitura de São Paulo precisa é que os bancos paguem os impostos devidos.
O Secretário de Fazenda, Caio Megale, ex-diretor associado do banco Itaú, de 2011 a 2016, negou o questionamento sobre os impedimentos ou conflitos que poderiam ser gerados pela sua trajetória profissional para o exercício da função que ocupa no governo.
FUNCIONALISMO
O candidato Doria apresentou em seu programa de governo duas metas em relação ao funcionalismo: “valorizar as carreiras estatutárias e os funcionários concursados e implantar um sistema de progressão de carreiras e bonificações por resultados” e “desenvolver programa estruturado de evolução das carreiras públicas municipais com base na meritocracia”. Logo após o pleito eleitoral, o prefeito anunciou que congelaria o salário de todos servidores municipais e que explicaria aos funcionários “a verdade” sobre as finanças municipais. Esse anúncio não durou um dia; com a repercussão negativa, o prefeito voltou atrás e disse que manteria os reajustes negociados pela gestão anterior.
Entretanto, limitou os reajustes aos servidores educacionais, mantendo apenas o que foi negociado pela gestão Haddad. Com isso significa que a maioria dos servidores estará com os salários congelados em 2017. Em contrapartida, quando fala sobre os impostos municipais, o prefeito sustenta que eles devem ser reajustados pela inflação.
DESEMPREGO
A taxa de desemprego na Região Metropolitana de São Paulo atingiu, em janeiro, 17,1% da PEA (População Economicamente Ativa). São 1 milhão e 800 mil pessoas no desemprego. Em seu programa de governo, o candidato Doria falou de duas metas para estimular a geração de empregos: “criar núcleos de Desenvolvimento Regional” e “Mutirão do Emprego”. Por enquanto, nada se viu no Programa de Metas em termos dessas iniciativas. Pior: todos os recursos previstos no Orçamento de 2017 com vistas a combater o desemprego foram congelados pela atual administração.
OBRAS E INVESTIMENTOS
Após oito anos em que, praticamente, não houve uma agenda consistente de obras em São Paulo, a gestão Haddad enfrentou o desafio de criar o principal programa de investimentos que a cidade já teve. Ele totaliza R$ 13 bilhões, considerando as obras contratadas, em prosseguimento ou já entregues à população. Foram superados os principais entraves burocráticos: desapropriações, licenciamentos ambientais, licitações, garantindo, assim, a pactuação de recursos federais por meio do PAC.
Uma das principais frentes do Programa, as obras de drenagem, possuem investimentos da ordem de R$ 4,8 bilhões, abrangendo mais de 2,6 milhões de m³ de volume em novos reservatórios e um aumento de mais de 50% na capacidade de reservação do município. Mas a gestão Dória, que prometeu 30 piscinões, começa devendo o básico. Uma obra prestes de ser concluída, a do Córrego Ponte Baixa, encontra-se parada. Já recebeu investimentos de cerca de R$ 600 milhões e faltam apenas R$ 15 milhões para ser concluído.
O Programa de Mobilidade Urbana do governo Haddad deixou como legado mais de R$ 4 bilhões em investimentos, com a construção de 126 quilômetros de corredores. Para comparar, até 2012 a cidade tinha apenas 120 quilômetros de corredores.
Até mesmo as Operações Urbanas, que possuem recursos vinculados e garantidos estão com as obras paradas e não receberam nenhum recurso empenhado até o momento.
Em relação aos equipamentos sociais, a gestão Haddad deixou contratados e em obras 14 CEUs, sendo oito com avanço físico de mais de 30% da obra, e outros seis em início de obras, todos com condições de serem entregues no segundo semestre de 2017. Até o momento a nova gestão não desembolsou nenhum recurso para essas obras.
O mesmo acontece com as creches. Foram deixadas 18 CEIs em obras e mais 80 contratadas, mas até o momento não foi autorizado o prosseguimento de nenhuma.
Na Saúde, foram deixadas 15 obras em andamento ou contratadas para a construção de UBS – Unidades Básicas de Saúde, e 12 obras em andamento ou contratadas para UPA – Unidades de Pronto Atendimento. Dois grandes hospitais também tiveram obras iniciadas.
O Hospital Parelheiros, que será o primeiro na região da Subprefeitura de Parelheiros, beneficiando mais de 200 mil pessoas, tem 90% da obra concluída, podendo ser finalizado em menos de três meses, mas encontra-se parado. Já o Hospital Brasilândia, na zona norte, com 250 leitos instalados, sendo 40 leitos de UTI, recebeu investimentos de mais de R$ 52 milhões, de um total de R$ 216 milhões. Entretanto, até o momento, não há recursos reservados para a conclusão de nenhum deles.
Segundo parâmetros do BNDES, para cada R$ 10 milhões investidos gera-se 506 empregos. Assim, apenas com os saldos dos contratos já existentes, o prefeito teria condições de viabilizar mais de 500 mil empregos na Cidade de São Paulo nos próximos anos. Pela amostra desses 100 dias, não há movimentação nesse sentido.
REFORMA ADMINISTRATIVA
Em seu primeiro ato administrativo, Doria redefiniu organização, atribuições e funcionamento da Administração Pública Municipal. Extinguiu as Secretarias de Igualdade Racial, de Mulheres, de Licenciamento e a Secretaria Executiva de Comunicação. Reativou a Secretaria de Justiça e rebaixou a Controladoria do Município a um departamento desta Secretaria. Mesmo que ele tenha anunciado na campanha a intenção de extinguir essas secretarias, o prefeito fez isso por decreto, ignorando a necessidade legal de passar a medida na Câmara Municipal. Hierarquicamente no arcabouço legal, um decreto está abaixo de uma lei. Ocorre que a gestão anterior instituiu essas secretarias por meio da Lei nº 15.764, de 27 de maio de 2013, debatida e aprovada pelos vereadores.
EDUCAÇÃO
Benefícios como o Leve Leite e o Transporte Escolar Gratuito sofreram grandes mudanças, prejudicando a população mais pobre. As promessas já frustradas de eliminação de fila de espera nas creches faz parte do mesmo pacote de restrições. A falta de transparência é total: os números não são divulgados e não se sabe ao certo a quantidade de alunos impactados pelo corte do TEG; qual o número de crianças na fila de espera por creche e principalmente qual é o montante que a prefeitura deixará de investir na educação.
Mesmo em uma das maiores crises econômicas que o país já viveu, O prefeito achou adequado fazer grandes transformações no Programa Leve Leite, que há mais de 20 anos beneficia crianças e adolescentes matriculadas na rede municipal de ensino, contrariamente à opinião de diversos médicos e especialistas na área de nutrição. Foram excluídos do benefício todos aqueles com mais de sete anos, um total de mais de 690 mil crianças e adolescentes. Para os que continuarão a ter o benefício, o prefeito também reduziu drasticamente a quantidade oferecida, fornecendo apenas a metade do leite que era entregue antes.
Dias antes do início do ano letivo, grande parte das crianças que dependem do transporte escolar gratuito para ir à escola ficou sabendo que não poderiam mais contar com esse benefício. Sem ampla notificação, Doria mudou a maneira como era calculada a distância entre a residência dessas crianças e a escola. Se antes a distância do trajeto casa-escola era calculada de carro, com as mudanças do prefeito agora é calculado a pé ignorando diversos fatores que colocam a vida e a segurança delas em risco, como grandes avenidas, pontes, ruas sem calçamento, grandes morros entre outras coisas. A prefeitura não divulga qual foi a quantidade de crianças impactada pelo corte. Entretanto, em relatório feito pelos próprios condutores levantou-se que em torno de 61% de crianças não têm mais atendimento.
Além disso, em apenas três meses de gestão, o discurso do prefeito constantemente muda. Desde sua campanha eleitoral Doria afirmava quer iria zerar a fila de creche em apenas um ano, ainda que soubesse que a espera era de 65,5 mil crianças. Durante todo o período em que esteve em campanha, o prefeito insistia que tal promessa poderia ser cumprida, no entanto, após somente três meses de mandato a história mudou. Em março, Doria anunciou um novo prazo, divulgando um programa que pretende zerar a fila somente em março de 2018. No entanto, em seu Plano de Metas, apresentado em 30/03/2017 a meta relacionada a fila de creches é “Expandir em 30% as vagas de creche, de forma a alcançar 60% da taxa de atendimento de crianças de 0 a 3 anos”. Ou seja, não é possível saber ao certo se ele vai cumprir sua promessa de zerar a fila ou se isso foi usado somente para angariar votos durante sua companha eleitoral. Isso também mostra que o prefeito não busca informações antes de fazer suas promessas e posteriormente acaba voltando atrás e mudando seu discurso.
CULTURA
Atividades que visam desenvolver os artistas da cidade, como o Programa de Fomento à Dança e o Programa Vocacional, que oferecem diversas atividades artísticas aos alunos dos CEUs, estão completamente parados e sem data para sair do papel.
Até mesmo a Virada Cultural, que tem um histórico de integração e ocupação do espaço público pelos moradores de diversas regiões da cidade, foi alvo das intervenções do prefeito. O evento que desde sua criação tem como palco o centro da cidade, agora deve passar a acontecer no Autódromo de Interlagos. A questão dos grafites polarizou o debate público, mas segue em aberta. Depois de mandar cobrir os muros grafitados de cinza, o prefeito improvisou a proposta de um Museu de Arte de Rua, remunerando grafiteiros para pintarem determinadas áreas da cidade. O que será, onde será, como será; nada se sabe.
DIREITOS HUMANOS E CIVIS
A gestão Doria inicia-se extinguindo as Secretarias de Igualdade Racial e de Políticas para Mulheres, sinalizando que essas políticas são menos importantes. E consequências disso temos a paralisia de inúmeros programas e ações dessas áreas.
Os procedimentos da prefeitura em relação à população em situação de rua são opacos: mesmo com o lançamento de um programa denominado Espaço Vida, o que mais se vê são ações coercitivas e cosméticas, como envelopamento de viadutos com moradores de rua, recolhimento de cobertores de sem teto e colocação de telas para escondê-los. Já em janeiro, Doria editou o Decreto nº 57.581, permitindo ações como essa.
A proclamada intenção de acabar com o Programa de Braços Abertos, adotando a internação compulsória para dependentes de crack, prevista no Programa Redenção, do governo do Estado, está em suspenso, por ora. O Ministério Público instaurou procedimento administrativo para acompanhar o Redenção, pois, segundo o órgão o Programa aponta “inconsistências” e “falta de referencial teórico”.
Embora na campanha eleitoral o candidato tenha feito outra proposta, agora o prefeito iniciou a requalificação profissional de dependentes químicos, por meio de um programa denominado Trabalho Novo, que visa empregar pessoas oriundas da “condição de morador de rua”. Sua meta é empregar 20 mil pessoas até 31 de dezembro, contando com o apoio de empresas privadas. A iniciativa não parece ser suficiente para enfrentar os problemas estruturais que acometem os moradores de rua da cidade. O foco em seleção, definição de perfil e acompanhamento de resultados do programa Trabalho Novo sugere que o gestor faça algum tipo de seleção adversa, deixando pelo caminho os mais fragilizados e incapacitados.
Para acolher migrantes, ainda não se viu nenhuma ação com respeito à prometida instalação de Centros de Informações e Orientação ao Imigrante e Refugiados, para cadastrar, identificar condição de vida e origem, ofertando-lhes cursos de língua portuguesa.
A despeito da promessa de Doria de manter e ampliar o Programa Transcidadania, que atendia a comunidade LGBT, as informações disponíveis são de que foi encerrado o convênio que mantinha o Programa em funcionamento.
Já a Casa da Mulher Brasileira, fruto de convênio da Prefeitura com o Governo Federal, teve as obras concluídas, mas ainda não entrou em funcionamento. Há ainda informações sobre possíveis fechamentos de Centros de Referência a Mulheres em Situação de Violência (CRMs), além de atrasos a repasses às entidades gestoras. Também a Unidade Móvel (ônibus lilás), que realizava atendimentos às mulheres, não está funcionando.
SAÚDE
Os 10 programas anunciados pelo candidato Doria na área da Saúde seguem no papel. Ao mesmo, há uma fila de 800 médicos aprovados em concurso, sem chamamento.
Corujão da Saúde – Principal iniciativa do atual governo na Saúde, esse programa está cercado de contradições. Os dados utilizados pelo governo conflitam com os dados oficiais do sistema SIGA, da própria Prefeitura. A quantidade de exames a serem feitos, em todas as modalidades, eram de 607 mil ao final do governo Haddad.
Desse total, a atual gestão excluiu cerca de 122 mil pessoas da fila, pois requeriam exames não contemplados no Corujão. Com isso, o número real foi reduzido para 485 mil. Em 11 de fevereiro, o jornal O Estado de S. Paulo informou que 157 mil pessoas haviam a saído da fila de espera; 80 mil por não agendamento e faltas e 77 mil não encontrados. Assim, a fila reduziu mais uma vez, para em torno de 328.000 pessoas.
Em seu balanço final, a Secretaria da Saúde divulgou ter realizado 326 mil procedimentos nos cinco tipos de exames elencados pelo programa. Dos exames realizados, apenas 20,22% foram feitos em hospitais particulares; a grande maioria (79,78%) ocorreu na rede pública organizada pela gestão anterior. Esse dado por si só mostra que houve muito marketing sobre o propalado uso de instituições privadas nos horários vagos, à noite. Como mostrou o jornal Folha de S. Paulo, uma nova fila, de 90 mil exames, já teria se formado.
Remédios e Farmácias – O programa de Farmácias deixado pela gestão Haddad promovia a dispensação de cerca de 280 medicamentos em 575 unidades disponíveis na rede de saúde pública. Trabalham nesses locais cerca de 2000 trabalhadores, entre farmacêuticos e administrativos. Ainda com poucas informações por parte do governo, foi anunciado que esse programa teria dado lugar à distribuição dos medicamentos pela rede de farmácia privada.
São várias as potenciais consequências negativas dessa medida: 1) o atendimento por farmácias que se encontram nos longe da periferia, penalizando, a população mais pobre; 2) a interrupção do acompanhamento farmacêutico pela equipe multidisciplinar que atende as dúvidas e necessidades na unidade de saúde, quando da retirada do remédio; 3) ameaça de demissão de perto de 2000 profissionais, diretos e indiretos; 4) incertezas, como a possibilidade de aumento no custo; deficiência na fiscalização e baixa inibição de lobby de grandes laboratórios, entre outros riscos.
Doutor Saúde – Lançado em 8 de março, trata-se, na realidade, do mesmo programa Hora Certa Móvel instituído pela lei municipal de autoria do Vereador Paulo Reis, que objetiva levar o atendimento médico e exames para todas as regiões da cidade em carretas adaptadas. O Prefeito Doria mudou o nome do Programa sem nem sequer cogitar a alteração da legislação. As novas disposições, a serem cumpridas por três carretas, prevê a feitura de cerca de 15 mil exames por mês, nas especialidades de oftalmologia, cirurgia vascular e saúde da mulher. Dados de 2016 mostram, porém, uma média mensal de exames de 64 mil no antigo Hora Certa Móvel.
MOBILIDADE E TRANSPORTES
A política de tarifas de ônibus da nova administração contém grandes contradições. Doria cumpriu sua promessa de campanha de não majorar as tarifas no primeiro ano de seu governo, mas sua primeira ação foi propor o aumento de tarifa para as viagens de integração (ônibus, metrô e trem), e nos bilhetes temporais (bilhete único mensal, semanal e diário). No primeiro caso, aumento de R$ 5,92 para R$ 6,80, com majoração de 14,86%; no segundo caso, aumento do bilhete único mensal de R$ 140,00 para R$ 190,00, alta de 35,71%.
O Partido dos Trabalhadores teve êxito em pedido de liminar concedida pela justiça, o que impediu a concretização desses aumentos.
Anúncios de intenção foram feitos quanto à privatização da gestão do Bilhete Único, os números anunciados são pouco precisos e uma importante discussão, de grande interesse público, deverá acontecer a partir do momento que o projeto de lei para tanto for enviado à Câmara. Projeto que, segundo Doria, virá à apreciação dos vereadores ainda neste mês.
Doria também cumpriu a promessa de aumentar as velocidades nas marginais Tietê e Pinheiros. Os resultados preliminares não parecem bons: conforme levantamento do jornal Folha de S. Paulo, no primeiro mês de implantação das novas velocidades máximas ocorreram 102 acidentes e no segundo mês 117 acidentes com vítimas, número bastante superior à média de 64 acidentes do Governo Haddad.
Desde 15 de Agosto de 2016, até 25 de janeiro de 2017, não era registrado morte nas marginais, ou seja, 163 dias. Da mudança para cá, já foram registradas quatro mortes nas marginais e duas nas alças de acesso.
Outra contradição do governo refere-se às multas de trânsito. Em sua campanha, Doria prometeu a retirada da função de fiscalização de trânsito dos Guardas Civis Metropolitano. Desde o dia 18 de março, porém, 68 guardas civis foram credenciados para exercer a função de agentes da autoridade de trânsito.
ZELADORIA E PREFEITURAS REGIONAIS
As ações de zeladoria, envolvendo os serviços públicos de limpeza urbana, poda de árvores, recapeamento e manutenção de áreas ajardinadas contam duas histórias. A primeira são ações demonstrativas dos mutirões a que comparece o prefeito. A segunda indica menor atividade no conjunto dos serviços. Dados fornecidos pela AMLURB – Autoridade Municipal de Limpeza Urbana, mostram que o serviço de varrição no primeiro mês de governo teve um volume 5,3% menor do que no mês anterior, ou 3,4% menor quando comparado com o mês de janeiro de 2016.
Fonte: AMLURB/Folha de São Paulo
Também falta transparência com relação aos dados. Após verificada a queda do volume dos serviços executados, a AMLURB indisponibilizou os dados antes publicados em sua página no portal da Prefeitura de São Paulo.
O atendimento à população também é deficiente. As principais reclamações dos munícipes são relativas a manutenção de praças e áreas públicas, existência de buracos e remoção de entulho, sendo que as solicitações não são atendidas a contento.
Fonte: Folha de São Paulo
MEIO AMBIENTE
O principal tema relativo ao meio ambiente são os prováveis convênios e concessões para gestão dos parques municipais, sem que até o momento haja clareza quanto ao assunto.
As demais metas como programa de educação ambiental, monitoramento veicular municipal, campanhas de conscientização da importância da coleta seletiva e sua ampliação, programa de recuperação de cursos d´água e fundos de vale, programa córrego limpo e implantação de parques lineares não foram até agora discutidas.
Está em curso a implantação de jardins verticais ao longo da Avenida 23 de Maio, nos muros onde estavam os trabalhos em grafite e foram cobertos por tinta cinza. Esses jardins verticais são contrapartida de termos de compensação ambiental, medida que foi duramente atacada pelo atual Secretário do Verde e Meio Ambiente Gilberto Natalini quando relator da CPI dos Termos de Compensação Ambiental na Câmara Municipal de São Paulo em 2016.
A implantação desses jardins irá demandar trabalho de manutenção especializado e grande consumo de água, uma vez que ao contrário dos edifícios, nestes muros não é possível armazenar água das chuvas em reservatórios próprios para a irrigação.
GESTÃO URBANA
As agendas da secretária de Urbanismo e Licenciamento, assim como a do Prefeito, sugerem que há o desejo de se promover mudanças no recém-aprovado Plano Diretor Estratégico e Lei de Uso e Ocupação do Solo, principalmente no que se refere à cobrança da outorga onerosa e perímetros das Zonas Especiais de Interesse Social.
Ao longo dos 90 dias de governo, houve em torno de duas dezenas de reuniões do governo com representantes de empresas e sindicatos empresariais do setor.
Vale lembrar que o ex-presidente do SECOVI ocupa o cargo de Presidente do Conselho Gestor da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamentos
HABITAÇÃO
Apesar das medidas anunciadas no plano de governo do candidato Doria estarem alinhadas com a política habitacional estabelecida no governo Haddad, as declarações do atual Secretário da Habitação levam a acreditar que as intenções de continuidade não serão mantidas. O secretário de Habitação já se manifestou contrário a diversos pontos do Plano Municipal de Habitação elaborado na gestão Haddad e anunciou que mudanças serão feitas.
Bancada do Partido dos Trabalhadores
BANCADA DE VEREADORES DO PT (2017)
Alessandro Guedes
Alfredinho
Arselino Tatto (1º Secretário)
Antonio Donato (Líder da Bancada)
Eduardo Suplicy
Jair Tatto
Juliana Cardoso
Reis
Senival Moura
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO – GABINETE DA LIDERANÇA DO PT
Por Filipe Brancalião*, especial para os Jornalistas Livres
A Cidade de São Paulo vem atravessando dias sombrios no que tange às políticas públicas na área da cultura. Construídos ao longos dos anos, com a participação da classe artística e da sociedade civil, diversos programas e leis estão sendo desmontados pela atual gestão.
O ataque desmancha os editais de fomento à pesquisa, criação e circulação artística e hoje, mais especificamente, minou também os projetos de formação.
Nesta hora de tristeza, recorro ao filósofo francês Jacquès Rancière e me lembro de suas formulações no espaço entre política, arte, filosofia e educação. Me lembro do binômio por ele proposto: emancipação e embrutecimento e me pergunto: Como fazer arte em uma cidade em que o embrutecimento é a palavra de ordem do poder instituído? Como conduzir processos formativos quando somos calados sob o argumento de que foi vontade das urnas?
A política emerge quando aqueles que se vêem lesados em seu direito de fala e participação nos rumos do convívio público proclamam sua igualdade e reivindicam para si o espaço que lhes é devido.
Igualdade aqui entendida como atribuição básica de todo ser humano, capaz de falar, argumentar e, em conjunto, determinar os caminhos da convivência pública.
Fala aqui entendida como possibilidade de expressão das divergências, dos pontos de vista, das visões de mundo. Divergências essas não necessariamente mediadas pelo cronômetro de uma casa legislativa ou de uma instituição do poder executivo, mas presentes na Ágora, no espaço público da visibilidade, que coloca aquele que fala como agente na teia das relações humanas.
Há dias venho assistindo as ações de governo de João Dória, o prefeito de São Paulo, e seu séquito na área da cultura – como o secretário André Sturm, a diretora da Escola Municipal de Iniciação Artística (EMIA) Luciana Schwinden e a nova assessora de dança Lara Pinheiro -, propagarem que escutam, que trabalham e que o resto é mimimi.
Ora, não percebem a contradição em seus discursos?
O diálogo político se faz na igualdade de fala e portanto, acusar ao seu diferente de mimimi é justamente colocá-lo no lugar de um animal ambulante, incapaz de articular o pensamento e expressar visão de mundo, relegado aos mugidos de dor e gemidos de prazer.
Acusar àqueles que divergem de fazerem mimimi mina a possibilidade de qualquer diálogo pois reduz os interlocutores a qualquer coisa diferente do humano.
Pois bem, essa ação também têm resultados.
O secretário de cultura André Sturm já postou vídeos acusando a classe artística de ações violentas na obstrução da saída da Secretaria Municipal de Cultura.
Ora, não percebe ele que a possibilidade de diálogo já havia sido recusada por ele horas antes, quando informou as medidas jurídicas que impediriam a recontratação de 336 artistas da cidade em um programa público? Quando inviabilizou a continuidade de processos artísticos e pedagógicos por toda a cidade? Quando cancelou e propôs a redução da verba destinada ao cumprimento de uma lei que prevê a pesquisa e criação em dança? Quando feriu a gestão democrática da Escola de Iniciação Artística e colocou lá uma interventora que quer implementar o “seu” projeto, sem reconhecer que entra em uma escola que já carrega consigo 30 anos de história?
Onde estava o direito a igualdade de fala e participação na construção das políticas públicas de interesse da cidade e de seus cidadãos? Onde estava o diálogo quando os anos de luta e construção conjunta entre poder público e sociedade civil foram ignorados?
Juridiquês nunca foi nem nunca será política. A judicialização do espaço público não vê pessoas, apenas papéis e documentos, não lê história, apenas autos em um processo que determina as normas a serem cumpridas e exclui o debate, o confronto de visões de mundo e pluralidade como marca do humano.
Ao nos calarem e garantirem apenas para si o direito à determinação das políticas públicas, a prefeitura e a secretaria de cultura nos coloca na condição de animais que apenas emitem grunhidos. Ao colocar nós, artistas, na condição de meros ouvintes, seres não dotados do direito à fala, Sturm e seu séquito condicionam o mugido de dor, já que nos tiram o espaço de expressão e trabalho, o urro de raiva, já que nos impedem de exercer o ofício, nos convocam eles próprios à desobediência civil!
Afinal, se só podemos ouvir e não falar, não somos mesmo capazes de entender. Assim, se não somos civilizados o suficiente a ponto de podermos participar das determinações do espaço público, o que nos resta???
*Filipe Brancalião é ator e diretor do Teatro do Abandono e pedagogo do teatro. Atuou no Programa Vocacional como artista orientador e coordenador artístico-pedagógico de 2004 a 2014.
por Fabiana Prado, especial para os Jornalistas Livres
O PIÁ – Programa de Iniciação Artística é um programa sob a gestão da Secretaria Municipal de Cultura com parceria orçamentária da Secretaria Municipal de Educação, oferecido gratuitamente para crianças e adolescentes de 5 a 14 anos, sendo o único programa da Secretaria Municipal de Cultura voltado para esse público. Inspirado na EMIA (Escola Municipal de Iniciação Artística) o PIÁ existe há oito anos e atua com destaque na periferia de São Paulo em 32 equipamentos públicos entre CEUs, Bibliotecas, Escolas, Centros Culturais, Teatros e Casas de Cultura.
Entendendo a formação artística não-formal como complemento necessário à educação formal, o PIÁ afirma a relevância do processo artístico desde a infância enquanto fomentador de competências sensíveis, críticas, cidadãs e estéticas em paridade com as realidades sócio-culturais nos territórios. Sua abordagem artístico-pedagógica está focada nas Culturas das Infâncias e parte da relação entre artistas educadores de linguagens diversas com as crianças e adolescentes participantes.
Em seus oito anos de atuação na interface entre Cultura e Educação, o PIÁ vem elaborando e desenvolvendo um importante pensamento sobre a educação artística não-formal que contribui de forma efetiva na construção de políticas culturais para a Infância e adolescência por meio de parcerias pedagógicas com instituições educacionais e culturais das redes públicas e privadas; participação e elaboração de seminários públicos de formação; conversas continuadas com gestores públicos; mostras artístico-culturais; publicação da revista Piapuru e diversas outras ações de formação expandidas. No ano de 2015 o PIÁ foi signatário da cadeira de Culturas da Infância no Conselho Municipal de Cultura de São Paulo e em 2016 começou a transitar na Câmara Municipal de São Paulo o projeto de Lei 461/2016, que visa instituir legalmente os editais dos programas de formação PIÁ e Vocacional.
O congelamento do orçamento da Cultura municipal neste início de ano implica não somente na precarização do trabalho dos 126 artistas educadores contratados via edital público, mas principalmente na descontinuidade das atividades que, a rigor, deveriam acompanhar o calendário escolar, atendendo a um público potencial de cerca de três mil crianças e adolescentes, sem contar nas ações culturais estendidas às famílias que formam um público estimado em quase dez mil pessoas.
Diante de um programa público de tamanho porte, o congelamento da verba do programa implica ainda na quebra de um importante vínculo afetivo com as crianças e adolescentes que deve ser considerado quando se trata de pensar uma política cultural comprometida com o público ao qual se destina, de modo ético e engajado. É notório o pertencimento que o programa gera nas crianças e adolescentes participantes, dado este que figura nas pesquisas internas realizadas pelo programa e que sinaliza o potencial do programa no que diz respeito ao exercício da cidadania e ao acesso do público infanto-juvenil aos espaços públicos na cidade
de São Paulo.
Ao final do ano de 2016 uma comissão do PIÁ esteve presente nas reuniões de discussão orçamentária da Câmara Municipal de São Paulo, tendo colaborado com a entrega de valores detalhados para o seu funcionamento em 2017.
É urgente e fundamental que se descongele a verba para a continuidade do PIÁ em 2017 e que as contratações dos artistas educadores aconteçam imediatamente, uma vez que os credenciamentos dos contemplados no edital bienal de 2016 estão dentro do seu prazo de vigência, para que se possa afirmar a continuidade de diálogo e de construção do programa de modo democrático e transparente com as crianças, os adolescentes e suas famílias.