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  • Guaranis resistirão à reintegração de posse no Jaraguá-SP

    Guaranis resistirão à reintegração de posse no Jaraguá-SP

    por Sônia Maia

    Com reintegração de posse em favor da bilionária Construtora Tenda marcada para esta terça-feira, dia 10 de março, e que será levada à cabo pela Polícia Militar do Estado de São Paulo e todo seu aparato repressor, a ocupação do povo Guarani no Jaraguá declarou, no último dia 4, que não sairá da terra, que não estão defendendo não como sua, mas como essencial para a preservação e desenvolvimento da cultura Guarani, garantidas por leis federais. Estão lutando, também, pela preservação desse cinturão verde da cidade de São Paulo, o que inclui esse terreno, comprado pela Tenda há dois anos, através de obscuros caminhos de concessões pela Prefeitura de São Paulo, com total desconsideração por leis federais, o que por si só já se classifica como uma ação criminosa. Essa área está classificada, ainda, como parte do cinturão verde da cidade pela UNESCO e como área de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá.

    Evento de resistência contou com show de Arnaldo Antunes e falas de líderes Guaranis.

    No sábado, dia 7, aconteceu uma intensa programação sócio-cultural-política na ocupação, que incluiu conversas com os Guaranis e suas lideranças, o engajamento do Fórum Verde de Parques, Praças e Áreas Verdes na luta pela preservação da área, um reconhecimento do terreno, seu rio, lagos, nascentes, a flora existente, do bosque já derrubado pela Tenda, além de todas as intervenções feitas recentemente pelos Guaranis, como o replantio de 200 mudas de árvores, ervas medicinais, espécies comestíveis, e identificar potenciais para a contrução do futuro Parque e Centro Ecológico Guarani YARY TY (CEYTY). As atividades contaram, ainda, com a adesão do artista e escritor Arnaldo Antunes, que vem produzindo obras artísticas de resistência, como o clip O Real Resiste.

    O evento contou com apoio de centenas de arquitetos, premacultures, artistas, ativistas e apoiadores da causa, que marcaram presença no sábado na ocupação.

    Uma ameaça à manutenção e desenvolvimento da cultura Guarani no Jaraguá

    Em um dos momentos de nossa visita à ocupação Gurani no Jaraguá em 28 de fevereiro, o menino Kalisson Wera’i vê um carro adentrar o terreno, e reage, em tom de desaprovação: “Carros! Vão embora!”. Segundo seu tio, Karaí, Kalisson é um garoto inteligente e já bateu de frente com pessoas em frente à ocupação. “Não é à toa que ele gosta de usar a camisa do Super Homem”, conta o tio. Mais adiante, em entrevista com o líder indígena Thiago Henrique, ele nos contou que é comum carros pararem em frente à aldeia do povo Guarani no Jaraguá para aliciarem as crianças. Que é comum a polícia chegar com uma abordagem agressiva, embora negem.

    Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    Na ocupação, só permitem a entrada de carros se seus ocupantes estiverem trazendo algo de útil para a sustentação dos índios que lá estão para impedir que um total de 4 mil árvores sejam derrubadas e a construção de até 11 torres habitacionais sejam levadas à cabo ali pela bilionária construtora Tenda, sob os duvidosos e criticados caminhos que o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) tomou nos últimos anos. A Tenda está com 69 obras em andamento em regiões metropolitanas, mais da metade do que tinha no ano anterior, e registrou vendas líquidas de 2 bilhões em 2019, como informa apurada matéria de 2 de janeiro de 2020, publicada no site De Olho nos Ruralistas.  Entre os principais acionistas da Tenda estão a AMBEV, de Jorge Paulo Lemann, e o Banco Itaú.

    A ação da Tenda, a 200mts da T.I. Guarani no Jaraguá, onde vivem os Guaranis Mbya e Ñandeva, acabou por trazer à tona práticas fraudulentas, desrespeito total à leis federais de proteção ao povo indígena, como Portaria Interministerial 060 de 2015 e a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 1989, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 junho 2002,  garantindo que qualquer tipo de ação do Estado que venha ferir comunidades indígenas qualquer forma, causando qualquer tipo de impacto, tem que haver uma consulta prévia, livre e informada, de boa fé.

    O povo Guarani teve acesso, também, a documentos de interpretação viciada pela Tenda, como o da FUNAI, quando disseram aos Guaranis que a fundação havia autorizado a construção, o que é uma inverdade.  Todas as provas e ações de má fé da TENDA estão expostas nessa matéria, publicada pelo Jornalistas Livres em 3 de março > Entenda a Luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP. Quando funcionários da Tenda procuraram os Guaranis, foi para simplesmente dizer que estava-tudo-acertado-só-estamos-aqui-para-informar-vocês.

    Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guaranizz
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens
    Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    Líder Guarani fala no evento do dia 7 de março sobre os porquês da ocupação.

    No final do evento do dia 7 de março na ocupação do povo Guarani no Jaraguá-SP, Thiago Henrique falou para as centenas de pessoas que lá foram para apoiar a resistência dos índios na região.

    “Primeiro queremos agradecer a vinda de todos vocês aqui.

    É muito importante as pessoas entenderem a luta dos povos indígenas.

    Não é uma luta simplesmente contra a Tenda ou a Prefeitura. Nossa luta é em defesa da Mãe Terra, em defesa da Fauna e Flora, é em defesa do cinturão verde de São Paulo.

    Esta área, onde a Prefeitura deu de mão beijada para um crime ambiental.

    Juntos, vamos vencer essa luta.

    É importante que cada um de vocês que está aqui hoje possa entender o que aconteceu pra gente chegar até aqui, quais são os motivos de estarmos aqui, o porquê de estarmos resistindo.

    Não vamos fugir, porque somos a resistência desde que chegamos aqui.

    Falamos para a Tenda, para a Polícia, para o Jurídico, que nõs estamos aqui em luto, porque a Tenda derrubou mais de 500 árvores sem ter respeito algum pelo meio ambiente.

    Nós estamos aqui para pedir perdão para essas árvores, pedir perdão pelo que o diruá (branco/não índio) fez, por não nos deixarem fazer nosso luto.

    Então, nosso luto virou luta!

    E não importa se a PM virá, se vai jogar bomba, se a juiza virá mandar prender, não importa se o diruá quer fazer de todas as formas o empreendimento aqui.

    O que importa é que cada um de nós vai defender esse território, que nenhuma árvore aqui vai ser tombada com um guerreiro de fé.

    Todos nós somos guerreiros.

    Todos nós somos responsáveis – nós temos a responsabilidade de defender a Mãe Terra, porque sem ela a gente não vive.

    Aqui é um pedacinho da Mata Atlântica, que a Tenda comprou para desmatar, para matar os animais e acabar com a Fauna e a Flora que tem nessa região.

    Aqui é Mata contínua do Pico do Jaraguá.

    Os nossos animais silvestres usam todo esse espaço.

    As abelhas nativas, que nós criamos na aldeia, migraram para cá.

    Nós fizemos um trabalho para fortalecer o meio ambiente e agora o diruá, o espírito bandeirante, chega achando que vai fazer uma catástrofe e vai sair ileso disso.

    Mas nós não vamos deixar.

    Existimos há mais de 500 anos. Nós existimos e não vamos deixar de existir.

    Tenham fé.

    Esqueçam o modo de vida do branco e traga para o coração de vocês o modo de vida da Floresta.

    Que cada um de vocês se torne um guardião da Floresta.

    A Amazônia é aqui também.

    A Mata Atlântica está aqui também.

    A Fauna, a Flora, os animais, estão aqui também.

    O espírito está aqui também.

    Se o diruá continuar desmatando, se continuar fazendo da terra um papel, o dinheiro, não vai adiantar chorar quando tiver enchente, deslizamento, desmoronamento, ficar colocando na rede social que está triste porque uma árvore caiu em cima de um carro, porque alguém foi pego em um raio ou em um alagamento. Porque a Natureza não vai olhar para quem ela vai atingir, ela só vai responder que está sofrendo.

    A Terra é como um corpo, é nossa Mãe. Se a gente fizer uma ferida nela, ela vai infeccionar, e vai tentar reagir para se curar.

    Só que as bactérias que estão ferindo a Terra são o próprio ser humano, que está criando um tumulto, que está usando de sua ganância para acabar com a Natureza.

    Que cada pessoa que está aqui assistindo entenda que não precisa esperar acontecer uma catástrofe para tomar uma atitude.

    A Tenda veio aqui e aterrou um lago, colocou um monte de entulho no lago.

    Fomos nós que limpamos aquele lago, onde as crianças hoje estavam tomando banho.

    Aquele entulho vai parar aonde? Nos córregos e quando chover vai alagar.

    A Tenda fala que quer fazer conjunto habitacional para o pobre, que nós estamos contra o pobre, que ela quer favorecer o pobre.

    Quero saber se a Tenda está lá, com o pobre, na hora que tiver um alagamento. Não vai estar!

    Quero saber se a diretora da Tenda vai morar aqui. Não vai morar!

    Simplesmente veem apenas o lucro e querem colocar as pessoas contra a gente.

    Nesse momento era para a população do entorno – dos coletivos, as pessoas que moram na Vila Clarice, no Jaraguá, em Pirituba, na região – estarem fazendo a resistência aqui com a gente.

    Essa responsabilidade não é so com o Guarani.

    Cada um de vocês tem o espírito da Floresta, cada um de vocês tem a força da Mãe Natureza e é um guardião também.

    Essa luta é de todos nós.”

  • Entenda a luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP

    Entenda a luta do povo Guarani pelo Parque Ecológico Yary Ty no Jaraguá-SP

    A Ocupação Yary Ty (CEYTY) comunica ESTADO DE EMERGÊNCIA DO TERRITÓRIO INDÍGENA da T.I. Jaraguá e convoca imprensa, parceiras e parceiros para comparecerem dia 04 de março, às 15h, no Fórum da 14a. Vara Federal, na Avenida Paulista 1682, para fortalecer na reza dos Guarani durante a audiência. A luta do povo Guarani no Jaraguá continua.

     

    Principais tópicos da luta do povo Guarani no Jaraguá

    Em visita à ocupação do povo Guarani na área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY), descobrimos vários caminhos fraudulentos e mesmo criminosos trilhados pela Tenda Negócios Imobiliários, que tem como principais acionistas a AMBEV e o Itaú, e que estão garantindo à construtora tomar posse dessa área para construir até 11 torres de apartamentos a 200 metros de território indígena (T.I.), o que, por si só, transgride a Portaria Interministerial 060 de 2015. Mas as ações ilegais não param aí.

    Entre as diversas contradições dessa especulação imobiliária está o fato dessa área ter sido classificada como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), sendo que já estava classificada como ZEPAM (Zona de Preservação Ambiental). Leia mais em “Outras Ações em Curso” no final do texto.

    A área é considerada, ainda, uma Reserva de Biosfera, instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável de recursos naturais.

    522 árvores da Mata Atlântica já foram derrubadas pela Tenda na área, além de diversas espécies de animais mortas, como abelhas sem ferrão. Depois dessa ação, a comunidade Guarani do Jaraguá ocupou o local para impedir que essas devastações ambientais continuassem.

    No dia 10 de março, a Tenda deve entrar nessa área continuar a derrubada de um total de 4 mil árvores, uma ação orquestrada com aval de uma juíza estadual, que pode calar diversas defesas garantidas por leis de preservação daquela área, considerada, ainda, área de amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá. A ação da Tenda pode, ainda, acabar por isolar a comunidade Guarani e seu território demarcado, a 200mts dali, tornando praticamente inviável a manutenção e o desenvolvimento cultural Guarani naquele território, além de minar a preservação de uma das já poucas áreas verdes em São Paulo.

    Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    O chamado agora é para que todos os habitantes da cidade de São Paulo acordem para esse crime ambiental!

    “Ontem nos reunimos com vários coletivos daqui para uma ação no dia 10 de março. Estaremos promovendo vários eventos e atividades na ocupação. Acabamos, de certa forma, sendo protagonistas aqui no Jaraguá. Mas essa luta é um dever de todos. Assim como estão vindo pessoas de outros países, o principal é que as pessoas que moram em São Paulo façam parte dessa resistência com a gente”, disse o líder Thiago Henrique, que nos conta os detalhes dos encontros líderes do povo Guarani no Jaraguá com a Tenda.

    Entendendo todo o histórico da luta abraçada pelo povo Guarani no Jaraguá pela criação do Parque Yary Ty (CEYTY) e um Memorial da Cultura Guarani.

    Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    Depoimento de Thiago Henrique, líder da ocupação indígena no futuro parque:

    “A Tenda Negócios Imobiliários comprou este terreno há mais ou menos dois anos. Aqui havia o Clube Sul Riograndense.  Por mais que fosse uma área privada, nossa comunidade sempre usou essa área, porque as pessoas da administração do clube entendiam que estávamos aqui antes do clube. Então, nunca barrou a comunidade de vir nadar no rio, pescar, brincar nas árvores, até porque nosso território aqui é a menor terra indígena demarcada por um governo federal – tem 1,7 hectares, onde meus avós iniciaram, de novo, a família Guarani aqui.

    O clube faliu e a Tenda comprou este terreno, já com um projeto  de construção de apartamentos. Quando a Tenda nos procurou, no final de dezembro de 2019, disseram que iam construir cinco torres para 800 habitantes, que teriam que derrubar 4 mil árvores, que a gente não precisava se preocupar, pois já estava tudo licenciado, com alvará da prefeitura e autorização da FUNAI, e que eles só estavam avisando a gente.

    Foi quando dissemos que não era assim que funcionava, que não íamos aceitar o corte de 4 mil árvores do nada.  E eles disseram que havia uma área dentro desse terreno, onde não poderiam construir, e seria cedida para nós contruirmos uma escola, na compensação para a prefeitura – uma área no meio do terreno, que é uma área de lagos (rs).  

    Argumentamos, então, que não estávamos ali para negociar terra, mas sim a vida das árvores e queríamos um esclarecimento do Ministério Público, porque dentro de uma área de 8 km de uma terra indígena nenhum tipo de especulação ou obra pode ser feita sem um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena (Portaria Interministerial 060, de 2015). Estamos a 200mts desse empreendimento.

    Esse estudo determinaria quais seriam os impactos dentro da terra indígena e de que forma esses impactos podem ser minimizados ou compensados e se há a possibilidade de serem compensados, porque existem impactos que não têm como serem compensados.

    A Tenda, então, argumentou que não precisava fazer isso, que estava isenta desse processo/estudo, pois a FUNAI já tinha dado a autorização, e que a Tenda não precisaria respeitar a legislação federal.

    Mais uma vez trouxemos à Tenda a Portaria Interministerial  060, de 2015. Além dela, existe a Convenção 169 da OIT, adotada em Genebra, em 1989, e aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 143, de 20 junho 2002,  e que nos garante que qualquer tipo de ação do Estado que venha ferir a comunidade de qualquer forma, causando qualquer tipo de impacto, temos que ter uma consulta prévia, livre e informada, de boa fé. Ou seja, o próprio Município de São Paulo não poderia ter dado uma autorização ou alvará, liberando uma obra aqui, sem antes ter consultado a comunidade, porque esse licenciamento da prefeitura, mesmo sendo ilegítimo, passa a ser criminoso quando fere a Convenção 169 da OIT, quando nos coloca em uma situação de vulnerabilidade e de risco.  

    Entre os dias 7 e 9 de janeiro, levamos essa denúncia ao Ministério Público Federal, com essas alegações da Tenda. O Ministério Público, então, marcou uma audiência de conciliação mais pra frente. Mas, até a gente chegar a esse consenso, pedindo para que não houvesse mais cortes das árvores aqui, acabamos fazendo essa ocupação porque, do dia para a noite, a Tenda começou a derrubar árvores na área…

    Em menos de dois dias cortaram 522 árvores.

    Nossa ocupação é para deixar que nenhuma árvore a mais seja derrubada aqui.

    Que nenhum tipo de empreendimento aconteça aqui de forma ilegal.

    E que um estudo de impacto ambiental e sócio-componente indígena seja feito para podermos chegar a um consenso.

    Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens
    Desmatamento feito pela Tenda para construção de apartamentos no Jaraguá, próximo a Reserva Indígena Guarani – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    AS MENTIRAS DA TENDA E AS DEFESAS DO POVO GUARANI.

    Quando ocupamos a área descobrimos que eles mentiram – não têm autorização para a derrubada de  4 mil árvores, mas estão pleiteando essa derrubada.

    Falaram na implantação de cinco torres para 800 moradores, mas  quando vimos o projeto da Tenda, descobrimos que estão pleiteando um total de onze torres, divididas entre a parte de frente e de trás do terreno, dividido por um rio. Por isso o total dá 4 mil árvores.  Só que as pessoas da Tenda que vieram falar com a gente chegaram todas desinformadas, mesmo sendo da empresa. E acabaram expondo que seriam 4 mil árvores sem querer. Foi quando nós,  da comunidade Guarani, começamos a entender que a Tenda estava agindo com a mentira.

    O documento que eles dizem ter da FUNAI é, na verdade,  um documento informativo de um setor da FUNAI, dizendo que esse terreno não está dentro da aldeia, com a FUNAI deixando claro que aquele papel não era nenhum tipo de autorização de construção. Mas a Tenda pegou esse documento e tentou usá-lo de má fé, dizendo que a FUNAI tinha autorizado a construir sem o estudo.

    Tudo que a Tenda tem é um documento fraudulento da prefeitura, e essa informação da FUNAI, que o terreno não é um terreno tradicional Guarani. 

    A única coisa que a gente diz para a Tenda é: a partir de agora vocês não vão cortar mais nenhuma árvore, nenhum empreendimento vai ser feito. E o caminho para vocês agora é aceitar o termo de transferência de potencial construtivo da prefeitura e construir em outro lugar e aqui ser feito um parque para a população, visando o meio ambiente, a ecologia, a permacultura, a agrofloresta, a criação de abelhas nativas sem ferrão.

    Decidimos que a nossa luta continua.

    A própria Tenda criou um cemitério de árvores aqui, a partir do momento que derrubou 522 árvores e tem que ser responsabilizada por esse tipo de ação.

    Os impactos já estão aí: Mata Atlântica dizimada, diversas abelhas nativas sem ferrão foram mortas aqui com esse desmatamento, como as arapuás e uruçus amarelas, além de cobras, pássaros… Desde 2016 passamos a criar abelhas sem ferrão em nossa aldeia, pois estavam sumindo e conseguimos expandir essas espécies para o território e aí vem a Tenda e mata também as abelhas que estávamos fortalecendo.

    Para nós, tudo isso é um crime inaceitável”

    Mata Atlântica – Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

    OUTRAS AÇÕES EM CURSO

    Como publicado na Folha Noroeste de 26 de fevereiro de 2020,há dois projetos de lei protocolados na Câmara Municipal, ambos de autoria do vereador Eliseu Gabriel. Um deles muda o zoneamento local, hoje classificado como ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), para Zona de Preservação Ambiental (ZEPAM). O segundo propõe transformar a área em questão em parque municipal. Já o vereador Gilberto Natalini entrou com duas representações junto aos Ministérios Públicos Federal e Estadual com o objetivo de garantir a integridade física dos índios e impedir que mais árvores nativas sejam derrubadas. No documento, o parlamentar questiona o fato do terreno ser classificado como ZEIS estando ele inserido numa ZEPAM. A área, inclusive, é considerada uma Reserva de Biosfera (instrumento de preservação que incentiva uma gestão integrada e sustentável dos recursos naturais)”.

    O povo Guarani que hoje ocupa a área do sonhado Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY) já plantou mudas de novas árvores onde as nativas foram derrubadas, além de estar em curso a limpeza da vegetação e a instalação de jardins filtrantes com plantas macrófitas, para recuperar as águas do lago, que estão sendo analisadas.


    RESUMO – ALERTA DA SITUAÇÃO

    DIA 4 DE MARÇO, 14HSCONVOCAÇÃO – 14a. Vara Federal, Avenida Paulista, 1682.

    Audiência de conciliação na Justiça Federal para tratar sobre essas questões, quando o povo Guarani, através de sua assessoria jurídica – a Comissão Yvyrupa, que representa os povos Guaranis, além de uma representação da OAB e do CIMI (Conselho Indigenista Missionário) – farão os trâmites legais de dizer que a obra é inviável e que, embora os Guaranis não estejam brigando pela posse do terreno, isso não significa que o cinturão verde de São Paulo, assim estabelecido pela UNESCO, deva ser devastado, como a Tenda quer.

    DIA 10 DE MARÇO – MOBILIZAÇÃO GERAL

    Diversos eventos e atividades estão sendo organizadas pelo povo Guarani na área ocupada, junto a coletivos da cidade, no mesmo dia em que a Tenda deve novamente entrar no terreno, depois de ganhar, recentemente, uma reintegração de posse emitida irregularmente por uma juíza estadual, que será executada pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, conforme comprova ofício emitido pela própria PM, no qual consta, ainda, a necessidade de uso de armamentos de impacto controlado, como armas de choque e VANT – Veículo Aéreo Não Tripulado, como drones, uma clara declaração de guerra ao povo Guarani e a Ocupação Yary Ty. A reintegração de posse foi emitida apesar de todo o levantamento apresentado, esclarecendo tratar-se de um empreendimento ilegal e o fato de uma juiza estadual ter tomado uma decisão ilegítima, ao atuar sobre uma questão federal, colocando em risco a integridade física da comunidade Guarani, em uma ação na qual a juíza não tem representatividade alguma.

    Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens
    Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens
    Reserva Indígena Guarani – Jaraguá – São Paulo/SP – Fev/2020
    crédito: Nair Benedicto/N Imagens

     

    Entrevista e edição: Sonia Maia

    Fotos: Nair Benedicto e Fausto Chermont

     


    Links:

    Participe ativamente dessa luta, que também é nossa.

    Marque presença na ocupação, principalmente no dia 10 de março. Compartilhe, assine petições, impulsione doações.

    Petição pela criação do Parque Ecológico Yary Ty (CEYTY) e o Memorial da Cultura Guarani > https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/prefeitura_de_sao_paulo_criacao_do_parque_ecologico_yary_ty_ceyty_e_memorial_da_cultura_guarani/

    Existe Guarani em SP > https://www.facebook.com/existeguaraniemsp/

    Tenonderã Ayvu > https://www.facebook.com/tenonderaayvu/

    Portaria Interministerial 060 de 2015

    http://www.lex.com.br/legis_26632223_portaria_interministerial_n_60_de_24_de_marco_de_2015.aspx

    Convenção 169 da OIT

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5051.htm


     

     

  • Guaranis em defesa da natureza em SP

    Guaranis em defesa da natureza em SP

    Os Guaranis do Jaraguá (SP) seguem em defesa da natureza e do território, com uma ampla rede de apoiadores.

    INFORMES de 06.fevereiro.2020

    Ontem, por volta das 16h30, a ocupação C.E.Y.TY Yary Ty (Floresta de Cedro) foi surpreendida pela Polícia Militar que veio executar uma ação de reintegração de posse emitido pela juíza, de primeiro grau, Maria Claudia Bedotti. Se apresentaram fortemente armados e determinados expulsar todos os Guarani do terreno, porém não obtiveram êxito na ação, ao chegarem ao local, deram de encontro com membros da FUNAI que visitavam a área e tomaram as devidas providência para evitar uma provável ação truculenta promovida pela Polícia Militar, pela Tenda e pela Juíza.

    Uma comitiva de advogados que acompanha o caso dos Guarani da T.I. Jaraguá, se uniu em força tarefa, entre CGY, CIMI, CTI, OAB, DPU e DPE, emitindo um Agravo de Instrumento a fim de invalidar o documento contra a comunidade. Enquanto a ação de reintegração de posse não cair, a rotina da ocupação segue em estado de alerta, pois a ação pode, ou não, ser executada a qualquer momento. A ocupação se mantém na resistência.

    Para o dia de hoje, o vereador Eduardo Suplicy agendou uma reunião no MPF, com todas as partes envolvidas, estavam presentes: a comitiva indígena, representantes da SVMA, diretores e advogado da Tenda, os vereadores Eduardo Suplicy, Juliana Cardoso, Ana Xocleyn, Soninha Francine e Gilberto Natalini, as advogadas do CIMI e do CTI, representante da FUNAI e o procurador federal Matheus Baraldi Magnani, quem comandou a sessão.

    As alegações e apontamentos apresentados pela diretora da Tenda, Daniela Ferrari, a todo momento caia em contradição, conforme menções abaixo.

    A começar por dizer que, até o momento, não havia oferecido nenhum tipo de acordo ou compensação a comunidade. Informação mentirosa, a comunidade tem, inclusive, gravação da diretora do SIC, em nome da Tenda, oferecendo migalhas para viabilizar a obra sem ter “problemas” com a comunidade, tais como, reforma da escola, patrocínio da equipe de futebol feminino, montar horta comunitária, reforma das casas que pegaram fogo, arrumar ruas no entorno e comprar tenda para venda de artesanatos, nomeando essa tentativa de extorsão de “responsabilidade social”.

    Justifica aos presentes a necessidade da construção do condomínio na região por apresentar, na região, um défict de moradias populares, que os são apartamentos serão do tipo HIS1 e acessível para pessoa que ganham até 03 salários mínimos, podendo financiar pelo programa Minha Casa Minha Vida. Informação duvidosa, o estudo do alvará de construção do condomínio apresenta 525 unidades do tipo HIS1, 267 unidades do tipo HIS2 e 88 tipo HMP.

    Quanto ao manejo, afirmou, que foi efetuado, mas no área desmatada, foram constatadas várias leituras contrárias, técnicos que visitaram o local detectaram colônias de abelhas (algumas delas em extinção) caídas com as árvores, passarinhos caídos do ninho e outros animais silvestres do bioma Mata Atlântica, ou seja, não houve manejo algum tal como não se tratar de área de árvores isoladas, visto a diversidade das espécies arbóreas que foram derrubadas.

    Mentiu também sobre a consulta a CETESB, a qual foi ao visitou o local do acampamento e questionada do motivo pela liberação da obra em tamanho crime ambiental, a mesma esclareceu que, em momento algum, não foi comunicada da execução da obra. Mentiu sobre o contexto da consulta a FUNAI, nas mesmas circunstâncias.

    Enfim, também se pronunciou quanto as intenções de continuar o ataque a Mãe Natureza, os animais e seus recursos, deixando claro que não tem, em absoluto, nenhuma intenção em cancelar o empreendimento, ou negociar a outorga do mesmo, alegando que o terreno está em área ZEIS-2 com licença para supressão de 528 árvores com reposição e plantio de acordo com processo emitido pela Prefeitura de São Paulo e SVMA. Esta é a maior das contradições, uma vez que independente do estabelecido pelo Plano Diretor local, a obra, em condições legais, só deveria entrar em andamento após cumprimento do componente indígena. A consulta e aprovação do desmatamento através da SVMA é indevida, inadequada e ilegal.

    A Tenda teria a obrigação de realizar um licenciamento ambiental supervisionado pelo IBAMA, e estabelecido pela comunidade indígena que está localizada há menos de 08km da construção, como descrito no decreto interministerial 060 de 2015. O órgão regularizador da obra, por lei, deve ser o IBAMA não o SVMA.

    Durante a reunião, a diretora também ofereceu 50% da área ZEPAN (área permanente de proteção ambiental), do terreno para ficar sob tutela da comunidade em condição de compensação pelo empreendimento que pretende construir. A proposta foi terminantemente desaprovada pela comunidade. Não há compensação para o extermínio da comunidade, promoção da violência e tendência de higienização da região através da especulação imobiliária que esta obra representa, qual a compensação de uma ou mais vidas? Qual compensação da comunidade viver acuada pelo cerco de torres de condomínio e perder toda condição de vive sob modo de vida e cultura de seu povo? Qual a compensação pela supressão de centenas de árvores nativas, ou não, e pela morte de diversos animais silvestres? Qual a compensação para o extermínio da natureza? Como mensurar tamanha fatalidade?

    A Tenda foi judicializada pelo MPF, para apresentar a devida autorização do manejo arbóreo executado. A Funai exigiu da Tenda apresentação da documentação do empreendimento.

    O MPF informou que irá acionar o IBAMA, cedendo um ofício a fim de desmunicipalizar o manejo arbóreo da obra e dar andamento ao componente indígena, e este então analisar se vai ou não dar encaminhamento a obra.

     

     

    Os Guaranis já estão replantando a mata

    A comunidade determinou que manterá a ocupação por tempo indeterminado, até o cumprimento das suas exigências que compreendem na criação de um parque ecológico e memorial cultura Guarani [este foi prometido pelo Prefeito Bruno Covas que se comprometeu em concretizar esse projeto a comunidade indígena do Jaraguá, para usufruto público e com gestão compartilhada, deixando intacta a área ainda não desmatada pela Tenda e recuperando a área que foi afetada, como a ação de plantio de 200 mudas de espécies da Mata Atlântica feito durante esses dias de ocupação.

    A luta dos Guaranis do Jaraguá vem de muito tempo [+ em]:

    Carta para o Prefeito Bruno Covas dos Guaranis do Jaraguá

     

    Uma conversa com Karai Popygua (David), liderança indígena Guarani

     

    Em ato simbólico, Guaranis encenam a “cura” dos colonizadores

     

     

     

  • “Tem dia que a gente come, tem dia que a gente não come”

    “Tem dia que a gente come, tem dia que a gente não come”

    Texto e fotos por João Bacellar, Estúdio IIIM, para os Jornalistas Livres

    No século XVI, inicio da chegada sistemática europeia à América do Sul, estima-se que no atual território brasileiro havia cerca de cinco milhões de pessoas divididas em mais de mil culturas indígenas. No século XXI resta menos de um quinto desse contingente populacional; 750 mil pessoas. E as culturas originárias sul americanas no Brasil já não chegam a 180. Um desses resilientes povos é o Guarani M´bya.
    Tekoa Pyau – Aldeia Nova, em guarani – é uma das 4 comunidades Guaranis M´Byas do Bairro do Jaraguá em São Paulo, capital.

    As 135 Famílias residentes da aldeia fazem parte dos cerca de 725 guaranis que formam a comunidade total habitante do entorno da reserva ambiental do Pico do Jaraguá. Trata-se da segunda aldeia a ser formada no bairro e de um dos principais motores da expansão da comunidade indígena na região.

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    Embora “tekoa” seja comumente traduzido como aldeia o termo possui conotação mais abrangente querendo dizer precisamente “o lugar, o território, onde se pratica o modo de vida guarani.” Tal conceito é importante para a compreensão da relação deste povo com seu lar.

    Tekoa Pyau não é apenas uma ocupação ou assentamento; para seus habitantes trata-se de um local sagrado.

    Alísio Tupã Mirim, Um dos primeiros moradores da aldeia ensina: “Onde vive nosso espírito, onde vive nosso Deus, não é longe. Ele está aqui. Todo minuto, todo momento. Pela conversa, pelo pensamento, pelo sol, pelo vento, pela chuva. É tudo “transporte” de Nhanderú”.

    Segundo a lenda de criação guarani Nhanderú Papá, o Deus universal, com a ajuda de seus irmãos Peru Rimã e Xariã, em não existindo nada, nenhum material até então, construiu a terra, a fauna e flora e os povos humanos com a própria carne. Para os Guaranis a terra contém em si a essência de Deus, sua materialidade e, especificamente, a terra habitada por eles é a parte de Deus que lhes foi destinada. Para o Guarani não existe diferença entre religiões, consideram que aquilo que os juruás (não-índios) chamam de Deus ou Jesus e Nhanderú são a mesma entidade compreendida de modo diferente.

    Dentro do código de ética guarani m´bya toda ação realizada com bondade e no melhor interesse da coletividade é a expressão do desejo e manifestação de Nhanderú Papá. A ocupação de um terreno abandonado numa região tradicional do antigo território guarani (o Pico do Jaraguá é uma histórica referência geográfica para esse povo) com o objetivo de utilizá-lo para a perpetuação de seus costumes faz todo o sentido e está em consonância com suas crenças mais enraizadas. Habitar essa área, portanto, vai muito além conseguir a posse jurídica oficial de alguns hectares.

    Para uma das jovens lideranças, Vitor Karai Mirim, além da espiritualidade também existe a questão de transmissão cultural: “A terra de Tekoa Pyau é importante para nossas crianças, pro jovem, a gente precisa desse apoio do governo para poder manter a nossa cultura. Sem terra, sem demarcação, a gente não pode realizar nossa educação diferenciada. O povo guarani, tudo que a gente aprende, é com a terra. É mãe de todo mundo. Da terra a gente tira alimento pra fortalecer nosso corpo, da terra a gente tira água pra tomar, enquanto a gente vive estamos em cima da terra e quando a gente morre a terra é quem recebe nosso corpo”.

    Patrícia Jaxuká, neta do cacique e pajé da Aldeia Nova, senhor José Fernandes Karai Poty, segue os passos do avô na luta pela demarcação e melhoria das condições de vida na aldeia; “Nossa situação aqui não é tão boa, a luta continua contra esse governo e esse ministro que tirou nossos direitos (…) nosso sonho, do nosso povo, é realizar a demarcação. Pra comunidade poder viver mais tranquila”.

    Jaxuká refere-se a um imbróglio jurídico no qual a posse, via demarcação, do território das aldeias do Jaraguá está em xeque.

    Quando seu avô Karai Poty chegou à região na década de 90 para visitar a tia Jandira Kerexú fundadora da comunidade de Tekoa Ytu, localizada logo a frente de Tekoa Pyau, com o objetivo de tratar seu pai enfermo, instalou-se, a princípio temporariamente, no terreno abandonado que viria a ser Tekoa Pyau.

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    José Fernandes Karai Poty desde aquele tempo já era considerado um dos mais importantes pajés e curadores espirituais guaranis do Brasil, sua presença no Jaraguá estimulou a chegada de muitas famílias em busca de tratamento tradicional, aos poucos a morada improvisada de Karai Poty expandiu-se dando origem à Aldeia Nova. O pajé acredita ter recebido a orientação de Nhanderú Papa para fundar essa nova Tekoa.

    A minúscula área de 1,7 hectares que forma Tekoa Ytu, a menor reserva indígena do Brasil, foi doada e regulamentada. Ela é habitada pelos guaranis desde a década de 60. Em 86 o Incra e a Funai reconheceram as aldeias do Jaraguá como terras indígenas (TIs). A demarcação do 1,7 hectares de Tekoa Ytu foi homologada em 87.
    Com o crescimento demográfico e criação de novas tekoas os guaranis passaram a pleitear a demarcação de 512 hectares, espaço suficiente para preservarem seu modo de vida e garantirem a ocupação das famílias já instaladas.


    Em 2015 a Portaria Declaratória 581 do Ministério da Justiça (MJ) aceitou o reconhecimento dos 512 hectares como ocupação tradicional indígena. No entanto, já sob o comando do governo de exceção de Michel Temer, a portaria 683 do MJ, de Agosto de 2017, anula a 581.

    Além dessas dificuldades, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) apresentou denúncia sobre, entre outras acusações, uso de entorpecentes e abuso infantil nas TIs do Jaraguá. Tudo isso num contexto onde o governador tucano Geraldo Alckmin sancionou, em 2016, projeto de concessão para a iniciativa privada de 25 parques estaduais, incluindo o do Jaraguá, que permitiriam desde a exploração de serviços como o ecoturismo até corte de madeira e extração de subprodutos florestais.

    Até onde a denúncia do MPSP é motivada por espírito público ou por pressão econômica, dado o timing da ação, é no mínimo uma questão a se considerar. O que, entretanto, não é passível de especulação, mas realidade é a dura situação dos moradores da Aldeia Nova.

    Imprensados entre duas rodovias, sem uma área suficientemente abrangente para levar seu modo de vida tradicional baseado em pequenos roçados familiares para subsistência e utilização da mata virgem na obtenção de remédios tradicionais, caça, pesca e materiais de construção e manufatura, os m´byas do Jaraguá vivem numa espécie de limbo; nem moradores comuns de uma típica periferia brasileira, nem indígenas que podem exercer plenamente sua cultura.

    Ébrio, com o rosto machucado, causando visível desconforto nos demais membros adultos da aldeia (e diversão entre os curumins) Levi Tupã Mirim resume de maneira simples, porém contundente e verdadeira, um lado triste da vida em Tekoa Pyau; “Eu gostaria que o governo visse o que estamos passando… Tem dia que a gente come, tem dia que a gente não come”.

    Dependendo basicamente da venda de artesanato, que gera pouquíssimos recursos, e alguma assistência governamental mínima, tal como ajuda de ongs ou doações particulares, a situação econômica é desesperadora. Os problemas sanitários são gravíssimos; falta saneamento básico e coleta efetiva de resíduos. Problemas que associados ao grande número de animais soltos (galinhas, cachorros, gatos) geram zoonoses e doenças relacionadas à insalubridade. Parasitas de todos os tipos castigam os moradores.

    A necessidade cotidiana de renda impulsiona os artesãos a não realizarem apenas os trabalhos tradicionais guaranis, dessa forma padrões de artesanato de outros grupos étnicos considerados mais vendáveis ou mesmo sem qualquer tipo de relação com a arte indígena são confeccionados, o que, obviamente, contribui para a diluição da cultura original.

    Embora despendam um grande esforço para manter sua língua e seus costumes, a interação com o entorno é difícil. Os guaranis, expostos a todos os problemas típicos das periferias paulistanas, resistem como podem aos assédios juruás: à aculturação, ao alcoolismo (povos indígenas são, por fatores genéticos, intolerantes ao álcool), ao consumismo e à tentação, principalmente entre os jovens, de simplesmente abandonar seu modo de vida por um subemprego qualquer.

    Sua resistência é impressionante, historicamente a nação guarani é uma das mais bem-sucedidas em termos de adaptação à invasão europeia, porém precisam – e muito – de toda a ajuda disponível e a se mobilizar para conseguirem a justa e sonhada demarcação definitiva.

    Para além da justiça de se reestabelecer direitos de um povo historicamente perseguido e roubado em seus domínios, pessoas oprimidas em seu modo de vida e escravizadas em seus corpos, para além da questão humanitária em aliviar as provações pelas quais passam neste momento, defender a demarcação e a preservação da cultura guarani m´bya é ser inteligente e humilde o suficiente para compreender o quanto seu modo de vida, suas relações interpessoais e formas de convívio harmônico consigo próprios, com outros povos e com a natureza tem a contribuir como ensinamento para o modo de vida dos juruás – os não-índios – tão desarmônicos entre si, belicosos e destruidores do meio natural.

    A luta guarani é a luta de todos nós; a garantia de direitos legítimos, estabelecidos, justos e eticamente intocáveis.