Um dos argumentos utilizados de forma mais recorrente por aqueles que defenderam o retorno das atividades do comércio e o fim do isolamento social decretado em Cuiabá e Várzea Grande no mês passado é o de que a covid-19 aumentou no estado mesmo durante a quarentena obrigatória.
Os dados apresentados convenceram muita gente, até por isso na última sexta-feira (24), o governador Mauro Mendes (DEM) publicou decreto determinando a reabertura. Muitos veículos da imprensa repercutiram a informação sem a devida checagem dos dados e, por conta disso, a história se passou como verdade.
A verdade é que a metodologia da Fecomério para analisar o impacto da quarentena é totalmente precária, se é que existe metodologia. Além de analisar um período curto de tempo, os comerciários levaram em consideração dados agregados de todo estado e não apenas das cidades com isolamento social decretado.
Não houve quarentena em todo estado. Em grandes cidades de Mato Grosso, como Sinop e Rondonópolis, não houve quarentena obrigatória e, se houve foi em um período muito curto, seguido por medidas de flexibilização. Algumas destas cidades sequer adotaram medidas rígidas de isolamento, perto daquilo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) chama de “lockdown”.
Mas afinal qual o efeito da pandemia nas cidades que decretaram fechamento de serviços?
Para fazer esse cálculo levei em consideração o número de casos novos por dia. Aqui enfrento o primeiro problema: nem a prefeitura, nem o governo do estado disponibilizam dados detalhados sobre a pandemia, os dados não são abertos e, em alguns casos, são inconsistentes.
Para entender se houve aumento ou redução no número de casos novos subtrai o número de casos totais de um dia antes da quarentena ser decretada pelo dia anterior. E fiz o mesmo processo com o dia 25 deste mês, último dia antes do retorno dos serviços.
No dia 22 de junho Cuiabá registrou 3210 casos acumulados. No dia anterior, teve 2962 casos. Com isso, houve um aumento de 248 casos novos. No dia seguinte, dia 23 de junho, o juiz José Lindote, da Vara da Saúde, decretou a quarentena em Cuiabá e Várzea Grande.
No último sábado, dia 25 de julho, Cuiabá registrou 11.405 casosacumulados. No dia anterior, o número era de 11.241. Registrou, portanto, 164 casos novos. O que significa dizer que, desde que o isolamento social foi decretado, o número de casos novos caiu 33%. O dado é um indicativo de que a transmissão pode ter sofrido uma queda drástica na cidade.
Interessante notar que o gráfico acima, publicado pela própria prefeitura de Cuiabá, já dá indícios visuais do resultado da quarentena: é possível perceber que, a medida que o tempo de isolamento aumentava a partir do dia 23/06 o número de casos novos caia pela primeira vez na história da pandemia na cidade. Até então, a transmissão só aumentava.
Outro dado importante sobre a eficiência do isolamento é a queda na média móvel de óbitos da doença. Segundo levantamento da Secretaria de Saúde, curva caiu de 255 para 237 mortes. O dado obviamente é preliminar porque leva em conta todo o estado, mas pode indicar redução da transmissão porque a queda ocorreu justamente no período em que a quarentena havia sido decretada.
A média de óbitos semanais desde o primeiro caso do novo corona vírus no Estado subiu até a 15ª semana,
A análise ainda está incompleta porque para entendermos o real efeito do isolamento sobre a transmissão do vírus na cidade seria importante ter informações sobre casos novos da doença, o que possibilitaria acompanhar a média de crescimento percentual da doença antes e depois do isolamento.
Os dados mais contínuos sobre a doença estão no portal do Ministério da Saúde. Por lá, é possível acompanhar dia após dia o aumento de casos novos. Mas, como estes dados são defasados e atrasados, não foi possível analisar o aumento ou redução no período da quarentena, uma vez que as informações mais recentes sobre Cuiabá não chegaram ali.
Aplicando a mesma metodologia que apurou a redução de novos casos durante a quarentena, ou seja, sem analisar a média de novos casos, utilizei os dados do SUS para levantar o aumento de casos novos no período antes do isolamento decretado.
O resultado é interessante. No dia 23 de maio havia 65 casos novos da doença. No dia 22 de junho, um dia antes da Justiça determinar o fechamento, já existiam 217 casos novos de covid-19. O número revela, portanto, que houve um aumento percentual, antes da quarentena, de 233% em novos casos da doença.
Isto significa dizer que, mesmo com informações preliminares, é possível perceber que, na quarentena, o número de casos novos caiu em 33% enquanto sem ela o número de casos novos aumentou em 233%.
De qualquer forma, ainda é cedo para fazer qualquer diagnóstico sobre a doença. O que nós sabemos é que em todos os lugares do mundo onde a quarentena foi decretada a covid-19 teve forte redução na transmissão.
A Vila da Barca, situada quase no centro de Belém do Pará, chora seus mortos e organiza sua resistência.
Texto e fotos: João Paulo Guimarães para os Jornalistas Livres
A Vila da Barca é conhecida pelas casas construídas sobre palafitas, estivas de madeira com pontes e estacas no terreno alagado que seguram essas estruturas improvisadas e os corredores por onde a população trafega. Dentro da Vila, existem áreas com casas de alvenaria também. Sem saneamento básico, a ausência e a parca distribuição de água encanada pela concessionária COSAMPA, a inexistência de esgotamento sanitário, a Vila resiste à pandemia através de recursos externos e doações, além de um trabalho de consciência e educação feito pela própria Associação dos Moradores da Vila da Barca, sem apoio nenhum do município ou do estado.
A última proposta positiva aprovada pelo Município para a comunidade, foi a construção de casas populares de alvenaria para que a população, morando nas palafitas, pudesse se mudar para um espaço mais seguro e menos propenso a incêndios como o que aconteceu em 2018 e destruiu 26 moradias. O projeto que teve sua aprovação no final da segunda administração do então Prefeito na época, Edmilson Rodrigues (na época PT e hoje PSol), está parado e já passou por duas administrações municipais sem conclusão. Hoje é objeto de ação movida pela Defensoria Pública e MPF contra o município de Belém, a Caixa Econômica e a União. Os escombros, hoje, servem para a morada de pessoas em situação de rua e usuários de drogas.
Isolamento social e saúde pública pra quem?
Grande parte da população, 7.000 moradores, era consciente da necessidade do isolamento social, assim como da utilização obrigatória de máscaras, mas a dificuldade em manter a quarentena, vem da circulação necessária nesses espaços tão pequenos e limitados das palafitas, assim como a delicadeza das estruturas e a proximidade física das paredes de madeira das casas. Tudo isso já seria um grande desafio, se não somarmos o afrouxamento completo do isolamento social por parte do Município e Estado, que ao abrirem shoppings, academias e bares, trouxeram para dentro da Vila a ideia de que o pior já passou.
Vários locais na comunidade, casas dos moradores transformadas em mercadinhos e cantinas, oferecem produtos e serviços essenciais básicos como higiene, alimentação e as medidas de distanciamento são improvisadas. Cordões de isolamento são colocados em frente a esses comércios, para que o comprador não se exponha ao possível contato e nem exponha o dono do prestador do serviço.
A Unidade Básica de Saúde funciona de forma superficial no horário de 8h às 17h, na entrada da comunidade, mas não há atendimento para Covid-19, assim como não há trabalho de conscientização ou educação quanto ao vírus ou sobre a necessidade de isolamento social. A Unidade distribui senhas durante a semana para atendimentos no prazo de uma semana ou mais, mas apenas para ginecologista, PCCU, pré-natal, vacinação e clínica médica.
Inêz Medeiros, presidente da Associação dos Moradores
Inêz Medeiros, presidente da Associação dos Moradores da Vila da Barca, além de ser acadêmica de Pedagogia, conta:
“Assim como outras unidades de saúde da prefeitura, lá também não havia material de EPI durante o período que fui buscar doação para os voluntários que ajudariam na distribuição das cestas básicas que foram doadas. Quanto à distribuição de senhas, ela afirma ainda que “muitos moradores chegam às 4 da manhã para aguardar na fila e garantir a senha e o futuro atendimento.”
Sobre os cuidados para a proteção do moradores, ela diz:
“Estamos mais cuidadosos após alguns casos na comunidade e infelizmente algumas perdas dolorosas. Seguimos resistindo, e tentando ter vozes que ecoam para um único propósito: manter o isolamento social.”
A perda mais dolorosa da comunidade foi o caso da família de Andenilce Souza dos Santos Avelar, que precisou lidar com o falecimento de sua mãe e irmão na mesma semana. Ela conta como perdeu a mãe de 68 anos, Dulce Batista, e o irmão, Carlos Emerson Souza dos Santos, de 47 anos. A mãe era uma mulher saudável e o irmão tinha câncer, mas fazia tratamento e vinha apresentando melhoras. Os dois não precisavam morrer agora, mas morreram. Primeiro ela e depois ele. Andelnice conta, que antes de morrer, Dona Dulce caiu no chão da UPA do Bairro da Sacramenta. Sem forças, foi socorrida pela filha e por uma enfermeira. Dona Dulce era muito religiosa e querida por toda a comunidade. Ela se deitou no colo da filha e ambas rezaram uma Ave Maria. A oração acabou e ela se foi. Mais um número sem cor e sem classe social. Apenas o rótulo de Grupo de Risco.
Andenilce Souza dos Santos Avelar com as fotos da mãe e do irmão
Recentemente, Inês Medeiros criou um cadastro de algumas famílias na Associação, para ajudar aos mais vulneráveis, mapear o desemprego e fazer um levantamento do número de moradores possivelmente infectados, levando em consideração os principais sintomas do Covid-19, entre sintomas leves e moderados.
Das 1.100 famílias cadastradas, 800 apresentaram possível contágio. É importante ressaltar que cada familia, em média, é composta por 5 a 7 integrantes morando na mesma casa, porém, não há como comprovar esse número já que não há testes suficientes na Capital. A Prefeitura de Belém se mantém ausente. O único momento em que alguma política pública destinada a sociedade chegou até a Vila, foi para desinfecção da Praça Pública.
O Projeto “Contração” surge por uma necessidade de contato durante o período de quarentena e está sendo realizado na Cidade de São Paulo, Brasil. Idealiza uma visita, na intenção de encurtar distâncias entre sentimentos. O objetivo é pensar os meios de comunicação e as possibilidades de interação neste momento. O uso da tecnologia como ferramenta de aproximação, revelando a saudade.
“Contração” busca que, ao menos uma das pontas, seja “real”, em corpo físico. Pesquisa formas de contato fazendo uso de um drone. O drone como extensão dos meus olhos.
Faço um convite às avessas: convido-me para adentrar e para a troca, através de uma proximidade segura – uma das únicas formas possíveis de se fazer uma visita nesse momento – sem toque, sem físico… o olhar.
Retrato estas pessoas em suas casas, seus espaços possíveis. São a minha comunidade, meus vizinhos e minha rede de apoio. Cada qual vivendo em seus casulos, lugar onde aprendem o significado de reviver, o contexto espacial que lhes é possível, na tentativa de segurarem a vida… A deles e a de todas e todos.
Poder estar em casa neste momento, sabemos! já começa a ser um privilégio. No Brasil, vivemos um colapso político, além de todo o colapso já causado por uma pandemia. Trabalhar remuneradamente, quase já não faz parte do cotidiano da maioria do brasileiros e brasileiras, seja ele ou ela da classe social que for. Estamos à deriva, soltos à plena “sorte” e caminhando para uma situação de desumanidade geral.
Lembramos aqui da importância de se estar em casa e gritamos alto, cobremos por políticas públicas que nos dêem condições de permanecer… Sobretudo Vivas e Vivos.
O projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro é um projeto dos Jornalistas Livres, a partir de uma ideia do artista e jornalista livre Sato do Brasil. Um espaço de ensaios fotográficos sobre esses tempos de pandemia, vividos sob o signo abissal de um governo inumanista onde começamos a vislumbrar um porvir desconhecido, isolado, estranho mas também louco e visionário. Nessa fresta de tempo, convidamos os criadores das imagens de nosso tempo, trazer seus ensaios, seus pensamentos de mundo, suas críticas, seus sonhos, sua visão da vida. Quem quiser participar, conversamos. Vamos nessa! Trazer um respiro nesse isolamento precário de abraços e encontros. Podem ser imagens revistas de um tempo de memória, documentação desses dias de novas relações, uma ideia do que teremos daqui pra frente. Uma fresta entre passado, futuro e presente.
Por: Beatriz Passos e Marcos Salesse para o com_texto
Lojas abertas, ponto de ônibus lotados, ruas engarrafadas e filas em frente aos bancos marcaram a primeira semana da volta parcial das atividades econômicas de Cuiabá. Com o Decreto Municipal n° 7.886, comerciantes e consumidores buscavam adotar “medidas temporárias visando à compatibilização da prevenção e enfrentamento da propagação do novo coronavírus com a manutenção da economia”, como define o documento publicado no dia 20 de abril de 2020. Infelizmente, essas medidas na prática foram esquecidas por parte da população que foi às ruas.
Não era difícil encontrar alguém sem máscara, com máscara pendurada no pescoço, guardada no bolso, ou carregando nas mãos pronta para ser usada caso o pedestre identificasse algum risco. Em contrapartida, existiam os que utilizavam o objeto de proteção. Mas estes se sentiram tão protegidos que abandonaram a ideia de distanciamento e eliminação de contato físico, andando em grupos e carregando sacolas de compras.
Para quem estava ansioso pela rotina de consumo, o comércio não decepcionou. Às 10h em ponto a reabertura aconteceu. Já às 16h, horário do fim do expediente temporário, o ponteiro do relógio de algumas lojas atrasou, provocando uma demora de 15 a 20 minutos do encerramento.
A volta para casa também foi motivo de aglomeração. O fato de haver um grande número de pessoas nas ruas, aliado à diminuição de ônibus em circulação, causou concentração de usuários nos pontos de parada do transporte público, alguns improvisados ao lado das estações de ônibus fechadas, como a Estação Alencastro.
FISCALIZAÇÃO ALERTA COMERCIANTES
Na terça-feira, 28 de abril, segundo dia de retomada das atividades, o Procon MT, Polícia Militar, Secretaria Estadual de Saúde e a Vigilância Sanitária iniciaram a operação de fiscalização nos estabelecimentos em funcionamento. Na ação, equipes orientavam os comerciantes sobre as medidas de proteção que devem ser tomadas pelos estabelecimentos. No primeiro dia de fiscalização foram orientadas 70 empresas.
A operação que seguiu até segunda-feira, 4 de maio, por todo o estado, buscava explicar aos empresários sobre as diretrizes do Decreto Estadual nº 465. No qual consta a obrigatoriedade do uso de máscara por funcionários, colaboradores e clientes das empresas, além da necessidade de informativos em relação às medidas de prevenção e legislação acerca do Covid-19.
Em coletiva de imprensa o coordenador de fiscalização do Procon MT, Ivo Vinicius Firmino afirmou que as medidas tomadas têm caráter de proteção à vida do cidadão. Portanto, segundo ele, “a lei não tem sentido arrecadatório, por isso a multa que é de 80 reais por cidadão sem máscara, será destinada para coletas de cestas básicas em cada município que houver infração”, explicou o coordenador.
COM PERMISSÃO, COMÉRCIO ABRE AS PORTAS
Desde 23 de março estava proibida a abertura de quaisquer estabelecimentos comerciais não essenciais pelo Decreto Municipal nº 7.849. Provocando mudanças na vida de empresários que atuam na região central, a decisão da prefeitura causou reações diversas, levando comerciantes a se manifestarem por meio de cartazes nas fachadas das lojas, com dizeres como “queremos trabalhar”.
Embora Cuiabá tenha adotado as medidas de isolamento por metade do tempo mínimo considerado eficaz por especialistas, que é de dois meses, para a comerciante Regina Campos um mês de isolamento foi o tempo suficiente.
“A volta do comércio é muito importante e como ela está sendo feita também. Porque tivemos o tempo necessário de quarentena e agora é importante fazer a economia funcionar, para que as pessoas que trabalham dentro do comércio tenham condições de dar continuidade ao seu trabalho e ganhar seu pão de cada dia”, declarou a comerciante.
Regina contou que precisou fazer algumas mudanças na administração para se adequar ao cenário da pandemia.“Eu tenho mais funcionários que trabalham na loja comigo. Alguns que são de grupo de risco estão de licença. A loja física também se adequou ao horário de funcionamento, das 10h às 16h, e os outros que estão trabalhando em casa fazem o serviço de venda através da internet”, explicou.
A comerciante garantiu que sempre usa máscaras, faz a higiene das mãos e do ambiente com álcool em gel, por acreditar que esse seja o caminho para o combate ao Coronavírus.
“É necessário a conscientização da população de que não é uma coisa de enfeite para ser usada e retirada simplesmente porque não está acostumado. É claro que nosso clima é quente, a gente não está habituado, mas tudo tem que ser adequado às nossas condições. Então, a gente tem que se acostumar por ser uma coisa importante e necessária para a nossa saúde e a do próximo”, disse.
Mayra Freitas, outra comerciante, também considera bom o cenário de abertura do comércio. De acordo com ela, “a volta do funcionamento do comércio é importante para o comerciante que não tem um capital guardado. Eu mesma não tenho! E aí tenho que pagar aluguel, água, luz… Sem as vendas, eu não consigo. Por isso é importante, até porque as contas não param né? As contas continuam, a gente precisa das vendas”, revelou.
Ambas, Regina Campos e Mayara Freitas, declararam que pretendem realizar promoções para atrair os clientes e aproveitar o retorno, principalmente na próxima temporada de vendas do Dia das Mães.
“A gente já está preparando uma grande promoção para o Dia das Mães para atrair as pessoas para virem comprar os presentes para a mamãe. Apesar de toda essa crise e de todo esse problema, não podemos esquecer a importância que é essa data e a mamães nas nossas vidas”, declarou Regina Campos.
COSTURANDO ALTERNATIVAS
Mesmo estabelecida a proibição da circulação de vendedores ambulantes no decreto assinado pelo prefeito Emanuel Pinheiro, a presença destes trabalhadores era nítida em muitas regiões do centro.
Com a venda de óculos, meias e máscaras, a necessidade de garantir uma renda mínima guiava as ações destas pessoas. Este é o caso da costureira Maria Elisa, que viu na venda de máscaras uma oportunidade de recuperar parte da remuneração que ganhava trabalhando para uma fábrica.
“Trabalhava antes para uma fábrica, costurando, mas essa fábrica não está mais mandando mercadoria para mim, por conta da pandemia. Como acabei ficando desempregada, pensei em começar a vender máscara”, disse a autônoma.
Mesmo em uma situação delicada, Maria relatou que não perdia o bom humor e seu sorriso ainda estava ali, escondido atrás da máscara. | Foto: Com_Texto
O encontro com Maria se deu próximo a uma lanchonete, onde negociava algumas peças com possíveis compradoras. Acompanhada de sua filha mais velha, a trabalhadora demonstrou ter consciência do perigo de estar na rua em tempos de pandemia.
“Me preocupo muito. Toda hora eu vou até algum lugar para passar álcool em gel na mão. Às vezes dou uma limpada. Tem um lugar ali em cima, no teatro, que dá para lavar a mão, aí vou lá e lavo”, contou.
Por ser trabalhadora autônoma, Elisa disse ter se cadastrado para receber o Auxílio Emergencial, amparo financeiro destinado a uma gama da população que perdeu parte da sua renda mensal por conta das consequências do novo coronavírus, entretanto, teve seu pedido negado. Com uma filha de 11 anos e sustentando todas as despesas familiares sozinha, o dinheiro pode ter sido negado por ela ainda não ter se separado legalmente.
“Ainda não consegui, aparece em análise até hoje. Porque assim, eu me separei tem nove anos, mas eu nunca me divorciei. Então como eu tenho uma filha de 11 anos, fiz para receber R$ 1.200,00 mas não consegui. Eles acabaram não aprovando esse primeiro, acho que por eu ainda não ser divorciada”, revelou.
Dentre as opções de recebimento do amparo, mulheres consideradas ‘chefes de família’ possuem direito de receber o benefício em dobro, ou seja, R$ 1.200,00. Em desacordo com a realidade de mães e trabalhadoras autônomas, o recebimento do Auxílio segue como um dos grandes problemas desde o início do cadastramento, até a primeira semana de pagamentos em espécie.
AS FILAS DO AUXÍLIO ‘NÃO EMERGENCIAL’
Na semana marcada pela reabertura do comércio na capital mato-grossense, outro movimento também chamou atenção de quem passava pelo centro, ou visualizava tudo pela internet. Com a liberação do saque em espécie do Auxílio Emergencial, filas contornavam quarteirões e tomaram as calçadas do entorno de uma das agências da Caixa Econômica Federal, localizada na rua Barão de Melgaço.
Nossa equipe visitou o local na segunda-feira, dia 27 de abril, e quinta-feira, 30 de abril. Nos dois dias a cena se mantinha a mesma: um fila extensa, com pessoas aglomeradas e muitas sem máscaras de proteção individual.
Entre a ansiedade de conseguir sacar o dinheiro e o medo de se contaminar, a angústia e o estresse eram sentimentos compartilhados por grande parte dos que ali aguardavam. Foi o que disse Emerson Saldanha, 46, que chegou na fila às 8h30 da manhã, na expectativa de ser atendido rapidamente. Ao lado da esposa, Emerson mostrava o relógio marcando 11h40, enquanto relatava sua insatisfação em ver a entrada da agência ainda muito distante.
“Eu vim para sacar o auxílio ‘não emergencial’. Cheguei umas 8h30, porque eu sou nascido em fevereiro, e hoje está programado para a gente fazer o saque. Tá muito mal organizado, não tem nem o espaçamento, ninguém está respeitando. Tem gente de máscara, mas tem muitos sem e isso me preocupa”, disse.
Mesmo com a tentativa de evitar aglomeração, separando os pagamentos pelos meses de nascimento, o que se viu foi uma prova de que a comunicação entre as ações do governo federal e a população seguem desalinhadas. Outra prova deste desalinhamento também se concentra nas inúmeras dificuldades relatadas pela população que tentava acessar os aplicativos do banco.
Na segunda-feira, os problemas se encontravam no aplicativo Caixa Tem, utilizado para gerar o código de acesso ao saque do auxílio. As pessoas que enfrentaram a fila relataram dificuldades na hora de gerar o código, já que o aplicativo não carregava a página que o número era disponibilizado.
Este foi o caso da trabalhadora autônoma Bruna Alves Figueiredo, 24, que acompanhou a avó de 80 anos para fazer o saque. “Eu já entrei na agência, mas quando cheguei lá um menino me disse que o meu código tinha vencido. Fiquei quatro horas tentando gerar um código, quando consegui, cheguei para sacar e já estava vencido. O problema é que o aplicativo não abre e não consigo gerar um novo código, ou seja, estou quatro horas na fila para nada”, desabafou.
Enquanto conversava com a nossa equipe, Bruna já tinha perdido as contas de quantas vezes tentou gerar o código. | Foto: Com_Texto
Com validade de apenas duas horas, muitas pessoas perdiam as senhas ainda na fila, e com a lentidão do aplicativo, ficavam impossibilitadas de fazer o saque. Segundo a autônoma, o sentimento era de extrema tristeza.
“É bem complicado. Eu trabalho como autônoma e meu marido também. Então nem eu e nem ele conseguimos o auxílio. Aí, quando minha avó consegue temos que ficar aqui implorando por 600 reais, porque é isso que estamos fazendo, praticamente implorando por essa miséria”, concluiu. Tanto Bruna, quanto sua avó, vieram do Distrito da Guia, localizado a 35 quilômetros de Cuiabá, viajando aproximadamente 40 minutos apenas para realizar o saque do benefício.
Toda esta insatisfação também estava visível no rosto dos profissionais que tentavam organizar a fila. Em ambos os dias, foi possível ver cerca de três ou quatro funcionários do banco tentando agilizar o atendimento, entretanto, o esforço era insuficiente.
Diante do cenário caótico, o presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários e do Ramo Financeiro de Mato Grosso (SEEB-MT), Clodoaldo Barbosa, observava o movimento enquanto filmava a enorme fila. Em um dado momento, nossa equipe se aproximou para entrevista e o tom era de preocupação e revolta.
Para Clodoaldo, um dos principais problemas estava na concentração dos pagamentos em um único banco. “Existe a cobrança que vem sendo feita no Governo Federal para descentralizar esse pagamentos. Não podemos deixar todos eles centralizados na Caixa Econômica, temos que dividir para os demais bancos e assim dar vazão para toda esta demanda”, afirmou.
Segundo o presidente, descentralizar pode ser uma das maneiras de não sobrecarregar os funcionários que estão na linha de frente do atendimento. “Os trabalhadores estão expostos, trabalhando acima do seu limite, essa é a revolta do nosso sindicato e dos empregados. Não é justo centralizar toda essa demanda nas costas da Caixa Econômica Federal”, desabafou.
Questionado sobre as tentativas de diálogo com o Governo Federal, para estabelecer esta descentralização, Barbosa contou que existe pressão sendo feita por alguns sindicatos, por meio do Comando Nacional dos Bancários em contato direto com a Federação Nacional dos Bancos (Fenaban), mas a resposta ainda é incerta. “Infelizmente não estamos percebendo do lado do Governo Federal nenhuma boa vontade em resolver este problema. Eles não se sensibilizam e continuam permitindo que as pessoas fiquem expostas. O que queremos é que o Governo Federal faça alguma coisa, rápido”, concluiu.
Mesmo com a pressão dos sindicatos, nenhuma resposta quanto a possibilidade de descentralização foi dada pelo Governo Federal. Esta realidade de aglomeração e filas extensas foi vista em outras agências da Caixa, espalhadas por todo país.
Até esta segunda-feira (4), o estado registrou 344 casos confirmados da Covid-19, sendo 145 casos apenas em Cuiabá, município com maior número. Foram 7 novos casos confirmados em 24 horas, e os óbitos já somam 13 pessoas desde o início da pandemia em território mato-grossense. Para entender melhor os números, leia a última nota informativa divulgada pela Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES-MT), clicando aqui.
Podcast Vida em Quarentena
Ep. 06 Quarentena no Brasil Desigual
Desigualdade é uma palavra que define a realidade de um país periférico no capitalismo mundial. Agora, algo que se acentua ainda mais por conta da ausência de políticas de saúde no combate ao coronavírus nas periferias. No último episódio desta primeira temporada a gente quis saber como a quarentena tem afetado a vida de quem mora em regiões periféricas ou do interior das cinco regiões do país. Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Em uma parceria com estudantes, jornalistas e coletivos de comunicação, fomos atrás de histórias que mostram as diferentes realidades de um período que acentua ainda mais a desigualdade. Quais as vozes do Brasil na Vida em Quarentena?
Produção em parceria entre o Comunicast da UFMT com a repórter Ana Beatriz Felício da Agência Mural das Periferias; os estudantes Daniel Santos e Vick Melo Rádio Cordel da Universidade Federal de Pernambuco; o jornalista freelancer do Rio de Janeiro Marcos Furtado, a vice-cacique da Comunidade Iawá do povo Curuaia da Volta Grande do Xingu (Pará) Lorena Curuaia e os estudantes da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro), no Paraná, Victor Prado e Mayara Maier.
Conheça também o trabalho voluntário da Gabriela Galiassi com surdos nesta quarentena
A gente ama áudio mas entende que ele não é totalmente acessível. Se você escutou o último episódio do Vida Em Quarentena, sabe da história da Gabriela Galiassi (@gabigaliassi no Instagram). Em meio a pandemia, ela ajuda surdos e surdas a compreender alguma notícia confusa ou se comunicar com os médicos no hospital. Compartilhe o vídeo para que mais gente saiba dessa ação.
Encontro com produtores do Vida em Quarentena e correspondentes de todo o país irá debater a situação da pandemia nas periferias do Brasil e comunidades do interior. Como produzir um podcast narrativo no período de pandemia? Fontes, entrevistas, edição, roteirização e desafios dos estudantes na primeira temporada do Vida em Quarentena!
Como as crianças estão vivendo a quarentena? E como é o cotidiano de uma mãe de quíntuplos? Com essas questões o quinto episódio do Vida em Quarentena aborda a educação, o cotidiano, a rotina e o consumo de mídia pelo público infantil no período de isolamento social. Essa é uma produção do Projeto de Extensão em Rádio e Podcast, Comunicast, da Universidade Federal de Mato Grosso realizada em casa por estudantes.
Uma das fontes do episódio é a Anieli Kurpel que descobriu a gravidez natural de quíntuplos no ano passado. Hoje ela tem uma rotina movimentada com um filho de seis anos e os cinco recém-nascidos na cidade de Chopinzinho, no sudoeste do Paraná. Também é possível conhecer o Grupo de Pesquisa em Infância da Universidade Federal de Mato Grosso (Gpin) que debate como as crianças estão recebendo informações neste período.
O episódio debate, ainda, a educação e o consumo de mídia pelas crianças com a professora do Programa de Pós Graduação em Comunicação e Poder da UFMT, Pâmela Craveiro. O podcast também está no Spotify, Deezer, Anchor, Mixcloud, Breaker, RadioPublic e Youtube. Agora, também é possível ouvir na aba de podcasts da página oficial sobre a Covid-19 da UFMT no endereço https://ufmt.br/covid.
Vida em Quarentena
Este é um podcast feito de dentro de casa, na quarentena. A divulgação de informações que atendam ao serviço público de combate ao Coronavírus é fundamental no período de quarentena, principalmente na região Centro-Oeste em que Mato Grosso se encontra dentro de um vazio noticioso. Segundo o Atlas da Notícia do Instituto Pró-Jornalismo, os vazios são ausências de veículos de informação de abrangência local ou regional. Por outro lado, dos 13.732 veículos mapeados em todo o Brasil, o rádio é mais presente, correspondendo 35,5% do total. Solidariedade, empatia, cuidados e precaução! Ouça agora em:
UFMT lança chamada pública de captação de recursos para enfrentamento à Covid-19
A Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), por meio da Pró-reitoria de Cultura, Extensão e Vivência (Procev), lançou o edital 06/2020, referente a uma chamada pública para a doação de recursos, materiais/produtos, bens e/ou serviços para ações de extensão de enfrentamento ao Covid-19. A iniciativa conta com o apoio da Secretaria de Infraestrutura (Sinfra) da Universidade e da Fundação Uniselva.
O Projeto de Extensão em Rádio e Podcast – Comunicast também está na lista de projetos que atuam no enfrentamento à Covid-19. A lista de materiais que podem ser doados para a produção de informações voltadas a emissoras radiofônicas e podcasts está no link: https://www1.ufmt.br/codex/arquivos/3f99faa0d346e9c81f5d99b59b87586f.pdf.