Jornalistas Livres

Tag: incêndio

  • Trabalhador faz emocionante homenagem às cinzas do Museu Nacional

    Trabalhador faz emocionante homenagem às cinzas do Museu Nacional

    Queimamos o quinto maior acervo do mundo.
    Queimamos o fóssil de 12 mil anos de Luzia, descoberta que refez todas as pesquisas sobre ocupação das Américas.
    Queimamos murais de Pompeia.
    Queimamos o sarcófago de Sha Amum Em Su, um dos únicos no mundo que nunca foram abertos.
    Queimamos o acervo da botânica Bertha Lutz.
    Queimamos o maior dinossauro brasileiro já montado com peças quase todas originais.
    Queimamos o Angaturama Limai, maior carnívoro brasileiro.
    Queimamos alguns fósseis de plantas já extintas.
    Queimamos o maior acervo de meteoritos da América Latina.
    Queimamos o trono do rei Adandozan, do reino africano de Daomé, datado do século XVIII.
    Queimamos o prédio onde foi assinada a independência do Brasil.
    Queimamos duas bibliotecas.

    Queimamos a carreira de 90 pesquisadores e outros técnicos.

    O que arde no Museu Nacional é uma parte da história antropológica da humanidade. Da história científica da humanidade.

    Se eles pudessem, nos queimavam junto com as paredes do museu, com o prédio em si, com as salas de onde D. Pedro II reinou, com os corredores por onde transitaram os feitores da primeira constituição da república, se eles pudessem, nos queimavam.

    É imensurável o que perdemos.
    Eu tô engolindo o choro.

    ‘Todos que por aqui passem protejam esta laje, pois ela guarda um documento que revela a cultura de uma geração e um marco na história de um povo que soube construir o seu próprio futuro’. Era isso que vinha escrito no chão, frente ao Museu Nacional.”

    Em 1972, uma cápsula do tempo foi enterrada em frente ao Museu Nacional com documentos. Ela deverá ser aberta somente em 2022. Foto Rio – Casas & Prédios Antigos

     

  • Tragédia no Centro de São Paulo

    Tragédia no Centro de São Paulo

    Uma ocupação de moradia pegou fogo na madrugada desta terça-feira (01) na capital de São Paulo, o prédio veio a baixo no início da manhã deste 1º de maio. O prédio ficava na região central, próximo ao Largo do Paissandu, na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua Antônio de Godoi, e fazia parte do MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia).

    De acordo com a prefeitura, cerca de 150 famílias, totalizando 400 pessoas, eram cadastradas como moradores da ocupação. Ricardo, que se apresentou a reportagem como uma das lideranças do movimento, falou em 180 famílias. Muita gente.

    O prédio de 24 andares e 11 mil metros quadrados era da Polícia Federal e estava ocioso desde 2003, quando o orgão se mudou para a Lapa. De acordo com moradores, a ocupação ocorreu entre 2008 e 2009.

    Ana Paula e sua família, 7 filhos e 2 netos, eram parte dos moradores mais antigos, moravam há 10 anos no prédio. “A gente começou a escutar um barulho, a gente estava dentro de casa, achamos que era tiro, quando olhamos na janela, meu filho viu que era fogo no 5o andar. Aí meu filho saiu pra cima avisando todo mundo, ele falou: ‘mãe desce com as crianças avisa todo mundo que tá pegando fogo no prédio’ mas teve gente que ficou no prédio, não deu para salvar”

    Embora o Corpo de Bombeiros não tenha liberado uma lista oficial de desaparecidos, diversos moradores relataram que quem estava nos andares mais baixos conseguiu sair, mas que os moradores dos andares mais altos, do 6o ao 10o, haviam subido para fugir do fogo e estavam no edifício no momento que ele desabou.

    De acordo com relatos, o fogo começou por volta das 1h30 da madrugada no 5o andar. A causa ainda é desconhecida e diversas hipoteses são levantadas. Alguns moradores relatam que o foco teria sido a explosão de um butijão de gás. Outros uma possível briga. Gerivaldo Araújo, que foi porteiro da ocupação, não descarta incêndio criminoso. De acordo com o morador, a ocupação estava sofrendo ameaças há tempos. Ele explicou à reportagem que, por ficar em uma área valorizada, central e próxima ao metrô, a ocupação era muito visada pela especulação imobiliária e mal vista pela vizinhança.

    Tudo é ainda muito nebuloso, e lideranças do movimento social temem que o incêndio sirva como motivo para acentuar a já existente criminalização dos movimentos de moradia. Benedito, advogado da Central de Movimentos Populares – CMP, falou em  entrevista aos Jornalistas Livres, que teme que o incêndio dê início a uma onda de reintegrações de posse.

    Os prédios ao redor foram todos desocupados, e ainda não se sabe se existe risco de novos desmoronamentos.

    Cesar, da coordenação da Assistência Social, nos informou que chegaram na região ainda na madrugada. A prefeitura ofereceu aos moradores abrigo no CTA 3, uma espécie de Albergue, mas que a maioria dos moradores optou por não ir ao abrigo. Até o fechamento desta reportagem, mais de 250 pessoas, cerca de 46 famílias haviam sido cadastradas.

    Para os moradores, o albergue é uma solução temporária e não resolve a questão principal da moradia.

    O atual prefeito Bruno Covas (PSDB) esteve no local e em coletiva de imprensa informormou que está em contato com a cruz vermelha e que ela irá fazer o atendimento inicial às vítimas. O prefeito irformou que em um segundo momento “a prefeitura deverá dar o melhor tratamento aos sem teto”

    O prefeito informou que o Estado irá colaborar com aluguel social e que as pessoas estão sendo encaminhadas para centros de acolhida para que elas tenham onde “passar pelo menos o dia e a noite de hoje, e se for necessãrio os dias subsequentes”

    Questionado sobre politicas habitacionais disse que “essa e uma ação conjunta com o governo do estado e federal”. Jornalistas também questionaram se a possibilidade de aluguel social havia sido oferecida antes da tragédia, Covas disse que não, pois não haveriam recursos. Segundo ele, após a tragédia o Estado estado transferiria esses recursos.

    O prefeito se manifestou sobre a normalização do tráfego “hoje às 16h a CET vai divulgar um plano para facilitar o trabalho dos bombeiros na remoção dos escombros”.

    Michel Temer também esteve presente no local, mas saiu às pressas ao som de chingamentos e gritos de Fora Temer.

    A Ocupação

    De acordo com os moradores, a ocupação era organizada e todos viviam bem. Os moradores eram em sua grande maioria trabalhadores de baixa renda, e todos contribuíam com uma taxa de R$ 80 que servia para a manutenção do prédio.

    Os moradores com os quais a reportagem conversou moravam há pelo menos 4 anos na ocupação.

    No dia 10 de março, segundo a secretaria do municipio, havia cerca de 150 famílias, com 400 pessoas, ocupantes do prédio. Desse total, 25% são famílias estrangeiras. Esse cadastro foi realizado para identificar a quantidade de famílias, o grau de vulnerabilidade social e a necessidade de encaminhamento das famílias à rede socioassistencial.

    A resposta não veio a tempo.

    A situação da Moradia

    De acordo com o Censo 2010, a capital paulista possui cerca de 290 mil imóveis que não são habitados, o mesmo estudo diz ainda que o déficit habitacional na cidade chega a 712 mil famílias, em habitações irregulares ou precárias, como favelas e cortiços.

    Milhares de imóveis que não cumprem sua função social. Os movimentos sociais ressaltam que a ocupação é uma solução temporária de moradia, e denuncia o desmonte das políticas públicas de habitação. De acordo com o Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilios), de 2015, o enxugamento de programas sociais como o Minha Casa, Minha Vida e a recessão do setor da construção civil, tiveram como resultado, entre 2013 e 2015, a redução de quase 400 mil unidades habitacionais.

    Ocupar e resistir

    De acordo com o Observatório de Remoções, projeto desenvolvido pela FAU USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) e pela Universidade Federal do ABC, em outubro de 2017 havia cerca de 720 ocupações irregulares na cidade de São Paulo.

  • Incêndio fatal em Londres revela negligência com os pobres

    Incêndio fatal em Londres revela negligência com os pobres

    Foto: Jason Hawkes, via Jacobinmag.com

    Com o crescente número de mortos do incêndio horrível e “sem precedentes”, que engoliu a Grenfell Tower de Londres na quarta-feira (14/05), razões institucionais e econômicas por trás da devastação vêm sendo destacadas, em meio a preocupações de que frequentes avisos de segurança foram ignorados pelo governo britânico.

    O foco centrou-se, particularmente, em Gavin Barwell, que serviu como ministro da habitação antes de se tornar o chefe de gabinete da primeira-ministra Theresa May.

    “Barwell comprometeu-se, no ano passado, a revisar a parte B do Regulamento de Construção de 2010, que diz respeito à segurança contra incêndio, mas a revisão foi adiada, de acordo com o jornal técnico Fire Risk Management”, informou Thomas Colson, do Business Insider.

    Colson continuou:

    “Um porta-voz garantiu que uma revisão teria lugar “no devido tempo”,

    mas não se materializou.

    Especialistas advertiram repetidamente que os atrasos do governo punham em perigo

    os edifícios em todo o Reino Unido, após um incêndio de 2009 na Lakanal House,

    uma torre no sul de Londres, que reivindicou a vida de seis pessoas.”

    Os incêndios anteriores, apontou o deputado trabalhista Jim Fitzpatrick em uma entrevista de rádio, deveriam ter sido um “despertador”, mas nenhuma ação foi tomada.

    O líder trabalhista Jeremy Corbyn, que visitou o local do incêndio na quinta-feira, disse que no final das contas “verdade tem que aparecer” sobre o que levou ao incêndio.

    Em uma entrevista na quarta-feira, Corbyn sugeriu que cortes severos do orçamento podem ter contribuído para a gravidade do incêndio, observando: “Quando você reduz as despesas das autoridades locais, de alguma forma paga-se o preço”.

    “Eu acredito que precisamos fazer perguntas sobre os equipamentos e recursos que foram dados às autoridades locais que possuem torres na área e, francamente, a maioria tem”, acrescentou. “Precisamos lidar com isso: precisamos que as pessoas vivam em segurança nos altos edifícios”.

    Embora os comentários de Corbyn tenham sido atacados pelos tabloides britânicos de direita, ele está longe de ser o único que apontou para o vínculo entre cortes severos no orçamento e riscos à segurança pública. Como relatou The Guardian, os bombeiros argumentaram que “os cortes no orçamento do corpo de bombeiros cobraram um sério tributo nas operações”.

    “Veja desta maneira”, disse um bombeiro, “você está preparado para trabalhar em um incêndio por um período máximo de quatro horas, estamos aqui há 12.”

    George Eaton, escrevendo para The New Statesman, observou que “os números do Ministério do Interior mostram que há quase 7.000 bombeiros a menos na Inglaterra do que há cinco anos, o que leva tempos de resposta mais longos e uma queda de 25 por cento no número de visitas de prevenção de incêndio. Embora o número de mortes relacionadas a incêndios tenha caído de 750 por ano, no início dos anos 80, para 264 em 2015, no ano passado aumentou para 303. “

    Alguns, além de chamar a atenção para a austeridade, ligaram o incêndio à crescente desigualdade de renda na Grã-Bretanha, observando que são os pobres e os desfavorecidos que mais sofrem de cortes nos gastos públicos.

    “O incêndio de hoje em Grenfell Tower não está fora da política”,

    escreveu a jornalista Dawn Foster em Jacobin na quarta-feira,

    “é um símbolo da profunda desigualdade do Reino Unido”.

    Qualificando de “nojentas” as disparidades de riqueza e renda, Danny Vance, pastor associado da Igreja Comunitária de Notting Hill, argumentou na sequência do incêndio mortal de Grenfell que as preocupações de segurança não teriam sido negligenciadas se fossem provenientes daqueles que viviam nos “apartamentos de 2 milhões a 5 milhões de libras ao virar a esquina.”

    “Isso não é uma surpresa para mim.

    Para qualquer um que tenha trabalhado em qualquer lugar no centro da cidade

    – isso não é uma surpresa.

    Os pobres são constantemente negligenciados.”

    E concluiu:

    “Coisas como esta vão continuar acontecendo se os pobres forem ignorados nesta cidade.”

     

    Nota

    Tradução, por César Locatelli e Ricardo Gozzi, do artigo Deadly London Fire Shows How Concerns of Poor ‘Constantly Neglected’, publicada em CommonDreams, em 15 de junho de 2017, em: https://www.commondreams.org/news/2017/06/15/deadly-london-fire-shows-how-concerns-poor-constantly-neglected

  • Sônia Guajajara pede socorro por povos indígenas ameaçados pelo incêndio no Maranhão

    Sônia Guajajara pede socorro por povos indígenas ameaçados pelo incêndio no Maranhão

    Há algumas semanas um incêndio de grandes proporções avança por terras indígenas no Maranhão. Os focos começaram na terra indígena Caru, onde existem as aldeias Awá e Tiracambu, do povo Awá Guajá, e a aldeia Maçaranduba, do povo Guajajara, além de grupos de indígenas Awá isolados. Os Awá são um dos últimos povos nômades de caçadores-coletores no Brasil. Considerados pela organização International Survival como a “tribo mais ameaçada do mundo”

    Os indígenas denunciam que o fogo é criminoso e que os incêndios foram iniciados por madeireiros, em represália à atuação dos guardiões do povo Guajajara, que se organizaram para fazer a autodefesa de seu território frente às falhas do Estado brasileiro em cumprir com esse papel.

    “Somos poucos índios para proteger a terra de todo o Brasil. Se entregarmos, nossas florestas irão se transformar em plantação de eucalipto, soja ou cana. O Maranhão está em chamas, nossas terras estão sendo incendiadas por ataques criminosos em consequência do desmatamento ilegal”,

    relatou sob fortes aplausos Sônia Guajajara, Coordenadora Executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), durante o evento “Emergências”, que acontece desde 7 de dezembro no Rio de Janeiro.

    Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), cerca de 100 indígenas Guajajara e 30 Awá estão atuando no combate às chamas, coordenados por apenas 45 brigadistas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Ibama.

    Mesa de Culturas indígenas no #Emergências. Foto: Mídia NINJA
  • Chapada Diamantina volta a arder em fogo e ameaça Vila do Capão

    Chapada Diamantina volta a arder em fogo e ameaça Vila do Capão

    Moradores denunciam que esforços das autoridades são insuficientes: “monitorar não é debelar”

    Na madrugada desta sexta-feira (11/12), o incêndio que consome o Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA) avançou sobre a Vila do Capão. Brigadistas voluntários passaram a madrugada combatendo o fogo, que se aproxima de Ibicoara e Pindobaçu, além do Vale do Capão.

    Em respostas burocráticas, a assessoria do governador da Bahia, Rui Costa, informa que a Operação Bahia Sem Fogo é formada por bombeiros militares, Exército e Força Aérea Brasileira, e é coordenada pela Secretaria do Meio Ambiente e executada pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).

    Para moradores, a atuação do governo do estado é ínfima e pouco eficaz, além de não dialogar com as demandas da população local. O incêndio consome a Chapada Diamantina há mais de 40 dias.

    Imagens da Chapada Diamantina na madrugada desta sexta-feira (11/12) | Fotos: Marcelo Issa
  • A Chapada Diamantina pede socorro!

    A Chapada Diamantina pede socorro!

    Como 350 anos de exploração econômica e social na Chapada Diamantina culminaram em uns dos maiores incêndios florestais da sua história

    Por Rodrigo Santanna*, de Lençóis (BA), especial para os Jornalistas Livres; Com fotos de Açony Santos

    “Fogo sempre pegou só que antes chovia, né?”

    Foi justamente essa frase, dita por um ex garimpeiro da cidade de Lençóis, que deu início a esse documento. O hoje pedreiro Milton surpreendeu-me enquanto conversávamos pelo sentimento de cansaço estampado em seu rosto, quando me contava dos idos tempos, quando tudo ali era água e as queimadas, quando ocorriam, eram sem demora controladas pelas certas chuvas de estação.

    Entre outras barbaridades, confirmou-me também um fato já conhecido, que apenas algumas famílias eram e ainda continuam sendo donas de enormes porções de terras griladas na região. Terras essas que eram totalmente queimadas para a criação de gado e para permitir a expansão da agroindústria. O fogo é um problema antigo na Chapada Diamantina, seu uso como agente limpador dos terrenos é cultural e ainda hoje sua prática causa enormes danos a fauna e flora da região.

    Um incêndio de enormes proporções já consumiu cerca de 15 mil hectares do parque nacional (o equivalente a 15 mil campos de futebol), é difícil apontar causas, mas é fácil achar falhas grotescas no que diz respeito à prevenção do fogo e manutenção de uma equipe coesa e preparada para os eventuais incêndios que irão certamente ocorrer.

    O poder público, como veremos adiante, não está nem nunca esteve ao lado da população. Desde a chegada do branco português à região, a exploração social e a total falta de respeito para com a natureza vem sendo a constante em uma equação que poderá ter como resultado o desaparecimento de alguns dos biomas mais ricos do país.

    A região da Chapada Diamantina nem sempre foi uma imponente cadeia de serras. Há cerca de um bilhão e setecentos milhões de anos iniciou-se a formação da bacia sedimentar do Espinhaço, a partir de uma série de extensas depressões que foram preenchidas com materiais expelidos de vulcões, areias sopradas pelo vento e cascalhos caídos de suas bordas. Ocorreu depois um fenômeno chamado “soerguimento”, que tornaria visíveis os diversos minerais que posteriormente seriam encontrados nessas terras.

    Os primeiros moradores da região de que se tem notícia foram os índios Maracás. Seus domínios estendiam-se desde o rio Paraguassu até as margens do rio de Contas. Por volta do ano de 1659, bandeirantes portugueses, organizados pela família Garcia de Ávilla, chegaram à região e em menos de 15 anos haviam praticamente acabado com todo o povo Maracá.

    A exploração da área pela família durou quase dois séculos, tendo sempre como principal objetivo a busca por pedras preciosas, principalmente ouro e prata. A propriedade era tão grande que cortava a Bahia ao meio numa parábola que se iniciava em Salvador e finalizava no Maranhão.

    A região fértil foi o berço para o desenvolvimento do que hoje chamamos de Chapada Diamantina. A agricultura e a pecuária eram então as principais atividades de exploração na colônia, até que em 1710, pela primeira vez, encontrou-se ouro próximo ao rio de Contas. Durante esse mesmo ano, a chegada de bandeirantes e exploradores marcou o início da era do garimpo na região.

    Chegam também para trabalhar nas jazidas recém-descobertas os escravos negros. Estima-se que durante toda a escravidão no Brasil mais de 3 milhões de negros africanos foram trazidos à força para trabalhar nas lavouras e garimpos da então colônia. Um dos principais destinos do contingente era a Chapada Diamantina.

    Num Brasil já acostumado ao uso do trabalho escravo, teve início a exploração do ouro de aluvião e, mais tarde, do diamante. Descoberto no início do século 19, a gema em breve tornaria a região a maior produtora de diamantes do mundo por quase 30 anos.

    “Oficialmente o garimpo começou em 1844, no lugar conhecido hoje como cidade de Mucugê, onde aconteceu o verdadeiro rush do diamante na Chapada. A partir de lá a região da Chapada Diamantina começou a ser delimitada, de acordo com as migrações dos garimpeiros em busca da gema cobiçada. Até meados dos anos 70, após diversos momentos de crises e apogeus, imperou somente o garimpo rudimentar, conhecido como garimpo de serra ou artesanal, em que o cascalho diamantífero, derivado da erosão dos conglomerados da formação Tombador, era procurado entre sedimentos eluvionares e coluvionares existentes nos flancos dos relevos. Com a exaustão das jazidas das serras, o minerador lançou mão de equipamentos pesados para explotar os sedimentos aluvionares das bacias hidrográficas. Foram as chegadas das dragas que caracterizaram um maior volume de produção e, conseqüentemente, maior intensidade nos impactos sobre o meio natural.” (por Paulo Magno da Matta- “O garimpo na Chapada Diamantina e seus impactos ambientais: Uma visão histórica e suas perspectivas futuras”)

    O ciclo do diamante, em seu auge, foi farto e rico, mas rápido. Durou apenas um quarto de século, o suficiente para redefinir a organização do espaço na Chapada Diamantina, forjar fortunas e poder, criando uma “aristocracia dos coronéis”.

    O impacto do garimpo foi tão grande e de uma extensão tão abrangente que ainda hoje é possível, ao caminhar pelo parque, encontrar ruínas de antigas casas, canais, máquinas, esteiras, ferramentas e até mesmo verdadeiras cidades de pedra. Estima-se que a população da cidade de Lençóis, no apogeu da mineração, tenha sido de mais de 30 mil pessoas. Para se ter uma ideia, hoje essa mesma cidade é a que mais recebe turistas e mesmo assim possui de acordo com o IBGE cerca de 12 mil habitantes, apenas.

    Como vimos até aqui, a história da Chapada é marcada pela exploração, violência e total desrespeito ao meio ambiente. O vale do Pati, hoje um dos lugares mais visitados do parque, já foi um dos maiores produtores de café do estado e, a exemplo de tantos outros lugares, teve sua mata nativa quase que totalmente derrubada ou queimada para o plantio e a pecuária.

    Encontramos nesse breve levantamento histórico os alicerces sobre os quais o comportamento sócio-cultural da região foi edificado. Sobre esses mesmos alicerces, após o declínio do garimpo, tem início a era do turismo.

    Após um começo tímido e desorganizado, foi com a criação do parque nacional, em 1985, que o fluxo de turistas começou a aumentar e claro, o dinheiro começou a voltar a região então assolada pelo total abandono, devido ao término da era do diamante. O turismo é hoje a principal fonte de divisas para a região — sua população está quase que totalmente ligada à atividade. Centenas de pousadas e campings recebem os turistas diariamente, o fluxo de brasileiros e estrangeiros é enorme, as agências ligadas ao turismo de aventura levam a cada dia um incontável número de pessoas aos mais diversos pontos turísticos da Chapada.

    Nenhuma das atividades acima citadas é regulamentada.

    Nenhuma delas conta com apoio governamental no que diz respeito à preservação do meio ambiente ou ao acesso a programas de aprendizagem e reciclagem de seus funcionários sobre as necessidades, deveres e consequências das ações tomadas numa área de preservação ambiental tão vasta e importante como essa.

    Outro ponto importante: O turismo é a única opção de trabalho para a população local. O investimento em outras áreas de atuação não existe. Os cursos ministrados no Senac da cidade de Lençóis, por exemplo, destinam-se a fornecer a mão-de-obra para a rede turística. A escravidão pode ser apenas um ponto de vista, nesse ainda inaceitável Brasil-colônia.

     Os investimentos em prevenção e cuidados com o meio ambiente também são escassos. A cidade que recebe o maior fluxo de turistas, Lençóis, nem sequer tem um aterro sanitário estruturado. A cerca de 5 km da entrada da cidade, existe um espaço onde o lixo é jogado e rotineiramente incinerado. O lixo carregado pelo vento fica espalhado pela estrada e o mesmo pode acontecer com as fagulhas que, em tempos de estiagem como agora, podem gerar incêndios. Nem mesmo durante o atual incêndio, as queimadas foram paralisadas, ainda há fogo e fumaça saindo do lixão.

    Tão grave quanto o descaso acima descrito é o total abandono pelas prefeituras das brigadas de incêndio que atuam nas cidades da região. A seguir o trecho de uma carta enviada pela população à prefeita da cidade de Lençóis, Moema Rebouças (PSD-BA), e ao secretário do meio ambiente da Bahia, Eugênio Spengler, no dia 18/11:

    “A população de Lençóis, moradores(a) e visitantes, vêm por meio desta, manifestar seu repúdio e indignação com o descaso com que as autoridades locais e regionais lidam com os incêndios florestais que anualmente atingem a região, ignorando a tomada de medidas preventivas e omitindo apoio e incentivo ao trabalho da BRAL .

    É inaceitável que em uma área de preservação ambiental e de altíssimo fluxo turístico como o Parque Nacional da Chapada Diamantina, não seja dotada de políticas de prevenção de incêndios florestais e que tampouco seja realizado, junto à comunidade local e turistas, campanhas de educação ambiental e conscientização.É inaceitável também que a brigada de incêndios local funcione exclusivamente de doações e mobilizações voluntárias e populares, sem nenhum investimento público no que diz respeito a manutenções, equipamentos ou treinamentos adequados para os brigadistas e voluntários. São os cidadãos e cidadãs de Lençóis, muitos pais e mães de família, quem arriscam suas vidas no combate a chamas de vários metros de altura, sem equipamentos de proteção adequados e sem nenhum treinamento específico para essa, no mínimo, insalubre função.Além disso, a população reclama a solução do problema com o manejo e descarte dos resíduos produzidos na cidade, manejo este que atualmente ignora completamente a Lei Federal 12.305/10 da Política Nacional de Resíduos Sólidos, além de oferecer um altíssimo risco de incêndio.”

    O incêndio que atinge atualmente a Chapada Diamantina é o reflexo da exploração humana e ambiental da região. Infelizmente, a verdade não é que a ajuda não veio DESTA vez; é que ela NUNCA existiu. As autoridades locais, regionais e federais jamais estiveram interessadas no bem-estar da população ou na preservação do parque nacional.

    Índios, escravos, trabalhadores ou voluntários são apenas diferentes denominações para aquelas pessoas que ainda fazem parte da mesma camada explorada dos tempos do Brasil colônia, aquela parte da população que não tem dinheiro, que não existe.

    A comoção popular mostrou-se muito forte durante os últimos dias. As associações locais e a comunidade trabalham há dias em uma comovente união que nos faz acreditar que a solução está em cada um de nós, naquilo que todos nós podemos juntos reivindicar e mudar.

    Governo é coisa do passado. É resquício que tem que queimar.


    *Rodrigo Santanna é morador de Lençóis, na Chapada Diamantina, e faz parte da equipe de voluntários que está combatendo os focos de incêndio. É também publicitário. Escreveu o texto acima motivado pela indignação face ao cenário caótico e de total irresponsabilidade do poder público frente à tragédia.