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Tag: HOMOFOBIA

  • Marcha do orgulho LGBTQ de Buenos Aires lembra assassinato homofóbico na Marinha argentina

    Marcha do orgulho LGBTQ de Buenos Aires lembra assassinato homofóbico na Marinha argentina

    Terrível suspeita mancha de novo as Forças Armadas, acusadas de crime contra a humanidade

    Neste sábado, 7 de novembro, dia da Marcha do Orgulho LGBT de Buenos Aires, mais uma vez será lembrado o assassinato homofóbico do jovem oficial da marinha argentina Octavio Romero, 33 anos, morto no dia 11 de junho de 2011.

    A terrível suspeita que pesa sobre as Forças Armadas argentinas é que Octavio tenha sido assassinado porque pretendia se tornar o primeiro oficial a se casar com outro homem, dentro de sua corporação.

    Acusadas de dezenas de milhares de assassinatos de opositores políticos, durante a Ditadura Militar que se instalou no país a partir de 1976, as Forças Armadas argentinas têm um histórico volumoso de crimes contra a humanidade e de atentados aos direitos humanos.

    Um novo juiz, Jorge Anselmo De Santo, está encarregado do caso, e um dossiê com detalhes sobre a morte do oficial acaba de chegar às mãos da chefe de polícia que investiga o crime. A militância LGBT exige a imediata elucidação do homicídio, a fim de que esse tipo de ataque homofóbico não mais se repita.

    Octavio planejava se casar com seu companheiro Gabriel Gersbach com quem já estava vivendo havia 12 anos. O casamento igualitário havia sido aprovado e a Argentina se tornou o primeiro país da América Latina a sancionar o matrimônio entre pessoas do mesmo sexo.

    Infelizmente, o sonho de Octávio foi interrompido de forma trágica e enigmática: ele desapareceu no dia 11 de junho de 2011 quando se preparava para comemorar o aniversário de uma amiga… Seu corpo foi encontrado por um barqueiro flutuando no Rio de La Plata, que banha a cidade de Buenos Aires, seis dias depois, nu e com marcas de espancamento.

    Gabriel que é motorista de táxi em Buenos Aires, estava trabalhando na noite em que seu companheiro Octavio desapareceu. “O Tavo desapareceu sábado à noite e as amigas que ele pretendia encontrar ligaram dizendo que ele não foi à festa. Eu liguei para ele e ele não respondeu. Em casa, encontrei a porta destrancada, as luzes acesas, a tv ligada. O paletó que ele colocaria para sair ainda estava lá, e as garrafas de vinho que ele levaria para a festa de aniversário de uma amiga estavam dentro do congelador… Parecia que ele tinha dado uma saidinha e voltava logo, mas já eram 2 horas da manhã e ele não estava. Eu acredito que alguém foi em casa ou fez uma ligação.”

    Gabriel descreve seu companheiro como uma pessoa “extraordinária”, amado pelos amigos, invejado pelos colegas de trabalho e admirado pelos chefes de sua corporação: “Ele era uma estrela dentro da prefeitura (administração) naval. Fazia ginástica acrobática, sempre com um sorriso, de bom humor, um exemplo de pessoa. Tinha uma presença excelente e falava português e inglês muito bem. Ele era querido pelos chefes mais altos. Os colegas da idade dele tinham muita inveja.”

    A madastra de Gabriel, Luiza Rotbart, que vive no Brasil e conhecia Octavio, o descreve como alguém muito requisitado: “Ele era sempre chamado para as atividades mais importantes da corporação, para ser o mestre de cerimônias. Era aquela pessoa mais diplomática. Octavio naquele ano de 2011 foi chamado para ser mestre de cerimônias de vários eventos.”

    Octavio era oficial da PNA (Prefeitura Naval Argentina que cuida de todas as vias navegáveis internas e externas do país) e a sua jurisdição era justamente a região do Rio de la Plata onde seu corpo foi encontrado. Assim que assumiu ser homossexual, apareceram pichações homofóbicas no espelho do banheiro de sua corporação e ameaças chegavam via sms e internet.

    Gabriel acredita que foi um crime homofóbico cometido dentro da própria corporação e que o corpo foi deixado como mensagem no rio. Trata-se de uma ameaça a quem ouse usar a farda da corporação para um casamento gay. “Eu acredito que o crime aconteceu dentro das forças navais porque o Octavio apareceu no rio, no setor onde a prefeitura cuida… apareceu nu. Foi uma mensagem para que outros homossexuais pensem bem antes de querer se casar.”

    Gabriel descreve o dia em que o corpo de Octavio apareceu boiando no Rio de La Plata como um momento muito difícil porque os policiais o procuraram e não informaram que já sabiam da morte de seu companheiro.

    “Pra ter uma ideia, o dia que apareceu o corpo do Octavio, de manhã vieram na minha casa dois policiais civis, e me levaram para o departamento de investigações da polícia muito longe. Fiquei 3hs sendo interrogado e depois fui levado para a sala de espera. Lá, a tv estava ligada e, de repente, apareceu a imagem do corpo do Octavio no rio. Desesperado, perguntei para o cara que me entrevistava, e ele disse: Fica tranquilo que não é ele. O chefe de polícia pediu para eu esperar uma psicóloga que ia me atender. Fiquei esperando mais de uma hora para a psi só me perguntar como eu estava. Ninguém falava se era ou não o Octavio. Cheguei em casa e liguei pra um dos chefes do Tavo e ele confirmou.”

    A Argentina foi o primeiro país da América Latina a instituir o casamento igualitário em 2010 e em 2012 sancionou a mais avançada Lei de Identidade de Gênero do mundo, mas não tem uma legislação específica contra a homotransfobia.

    “Quando acontece uma coisa como aconteceu comigo fica tudo parado, o sistema não ajuda as vítimas. Consegui entrar no Processo e descobri que fui tratado como suspeito e que ficaram atrás de mim durante 2 anos. Investigaram minhas contas, meu carro, imagens da garagem. Vieram oficiais da polícia em minha casa com ordem judicial para procurar a arma.”

    Gabriel fala de Estela Andrades De Segura, a chefe de polícia encarregada do caso, que ele acredita estar sendo pressionada por oficiais da marinha para que não dê seguimento à investigação que pode revelar um assassinato homofóbico cometido dentro das forças navais.

    “A chefe de polícia Estela Andrades De Segura me recebeu e eu falei das ameaças que ele havia sofrido. Tavo nunca falou nomes, mas falou de coisas que fizeram. Desesperado, eu chorava e ela mandava que eu parasse com o depoimento e voltar outro dia. “Se vai chorar paramos por aqui”, ela dizia. “A vítima não pode chorar”.

    Agora, as leis mudaram e gays e lésbicas não precisam mais pedir permissão nas Forças Armadas para se casar, mas Gabriel não poderá nunca mais realizar seu sonho de casar e viver com seu amor. É negado a ele inclusive o direito de saber quem foi o assassino e em que condições seu companheiro perdeu a vida. Mas Gabriel segue firme em busca de Justiça para ‘Tavo’.

    “Eu conheci o cara com o qual pensei em me casar e ficar velhinho com ele. Doze anos de relacionamento. Planejamos um monte de coisas. Me tiraram um braço, uma perna minha. Até agora eu estou tentando ir para a frente e tentando fazer com que o sistema mude. Eu agradeço muito à Comunidade LGBT Argentina que me ajudou muito denunciando o assassinato como um crime homofóbico. Eu tento mobilizar todo mundo para que se faça Justiça.”

  • O papa é pop mas nem tanto

    O papa é pop mas nem tanto

    Dentre os 1.600 representantes de organizações civis paraguaias que foram convidados a participar de um encontro com o Papa Francisco no último sábado (11), no Estádio Leon Concou, em Assunção, estava o presidente do grupo Somosgay, Simon Cazal. É a primeira vez que um lider homossexual é convidado para um encontro público com o papa.

    Simon saiu do encontro animado, declarando: “Eu tenho a impressão de que, realmente ele deseja mudar… falou sobre a diversidade da vida, que a diversidade é necessária para a sociedade e que uma sociedade sem diversidade não pode ser considerado saudável. Nós tomamos o discurso como uma espécie de ruptura com a igreja local.”

    Recentemente o Paraguai recebeu cobranças de entidades internacionais de direitos humanos quando uma menina de 10 anos, estuprada pelo padastro, não pôde fazer o aborto porque ele é proibido no país, exceto se a mãe estiver em risco de vida. A religião católica considera o aborto um pecado passível de excomunhão porque acredita que a alma habita o feto desde o momento em que o espermatozóide se encontra com o óvulo.

    Há um ano, manifestantes lgbts em Assunção, capital do Paraguai, foram agredidos pela polícia quando tentaram fazer pressão na 44ª Assembleia Geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), para que o país assinasse a Resolução Sobre Direitos Humanos, apresentada pelo Brasil. A polícia disse que reagiu depois de os manifestantes atacarem. Confiram no vídeo a verdade!

    Em maio desse ano, vários casais homossexuais e militantes lgbts promoveram um beijaço em frente ao Congresso paraguaio, em protesto contra a discriminação por orientação sexual e em defesa do casamento igualitário. “O casamento é um direito, não um privilégio heterossexual” lia-se nos cartazes.

    O Somosgay fez uma ampla campanha com outdoors que foram posicionados em lugares por onde o pontífice passaria usando uma frase que o Papa proferiu quando perguntado sobre o tema homossexualidade: “Se eles aceitarem o senhor e terem boa vontade, quem sou eu para julgá-los?” e em nota a Somosgay declarou : “Desejamos que este gesto possa ajudar as comunidades religiosas a abraçar seus membros LGBT e respeitar toda a nossa dignidade. Você pode ser gay, lésbica ou trans e católico ao mesmo tempo; não há contradição entre ser uma pessoa LGBT e ser católico ou católica. O respeito pelas crenças pessoais é inerente à democracia.”

    Já a Associação Panambi de travestis, transexuais e trangêneros do Paraguai decidiu não participar do encontro e publicou a seguinte nota em seu site:

    “Consideramos oportuna explicitar nossa postura institucional de não ir ao encontro, atendendo nosso caráter de organização de sociedade civil que promove e defende os direitos humanos da população T do Paraguai, mantendo a nossa linha de coerência na exigência de um estado laico.”

    A presidenta do Panambi, Yren Rotela, denunciou a polícia paraguaia, que tem o consentimento e apoio da igreja católica, como a instituição que mais ameaça a população de travestis e transexuais em seu país. Disse que os policiais tiram fotos dos clientes, das chapas dos seus carros e depois os ameaçam para tirar dinheiro deles. “O pior proxeneta da população T é a polícia, porque é ela que a cada noite fica assediando as companheiras travestis, aproveitando-se dos clientes , ameaçando”. Ressalta também que desde 1989 ocorreram mais de 50 assassinatos de travestis que não foram investigados pela polícia.

    Yren manda um recado para o Papa:

    “Eu gostaria que o Papa exortasse os fiéis e sacerdotes que incitam a violência contra nós em seus sermões para parar com isso, porque eles violam os direitos das pessoas sob uma ideologia que Deus condena. Eu interpreto a Bíblia de forma muito diferente. Tenho colegas trans que são crentes e são discriminadas”.

    Sobre a transexualidade, a posição contrária do Papa Francisco é muito clara, quando declarou em 15 de abril de 2015, em discurso na praça São Pedro que: “ Deus, depois de ter criado o universo e todos os seres vivos, criou a obra-prima, ou seja, o ser humano, que fez à própria imagem: “à imagem de Deus os criou: homem e mulher os criou” (Gen 1, 27), assim diz o Livro do Gênesis.” Alterar a “obra prima” de Deus com cirurgias e hormônios se constitui um pecado e uma heresia. “Não se pode desfigurar a face de Deus”. Segundo São Tomás de Aquino, teólogo da idade média, “extirpar um órgão sadio é considerado uma aberração”.

    Sobre relações homoafetivas, Francisco declarou que não tem condições de julgar, mas que gays devem ser incluídos na comunidade católica. Sob sua orientação, em 13 de outubro de 2014, o Vaticano elaborou um documento para ser apreciado pelo Sínodo de bispos convocado pelo próprio papa, onde se dizia que “ homossexuais tem dons e qualidades a oferecer’’, e perguntava se seria possível a inclusão e uma convivência compassiva com casais homossexuais dentro da comunidade católica. Depois de duas semanas de discussões, a ala conservadora barrou o conteúdo inclusivo. Relações homoafetivas continuam a ser repudiadas no catolicismo como relações que carregam intrinsicamente o pecado. O ex-papa Bento 16 já havia definido homossexuais como “intrinsicamente desordenados”. Ser homossexual não constitui um pecado no catolicismo, mas a prática da homossexualidade sim. Por isso os homossexuais só podem ser incluídos na comunidade católica se não estiverem em pecado, ou seja, tem de se abster do sexo. Para ser incluídos, são convidados ao celibato!

    O Papa Francisco, em dezembro de 2013, foi escolhido “personalidade do ano” pela tradicional revista americana pró-direitos dos gays “The Advocate” dos EUA.

     

    Mas mesmo ele tem suas limitações quando o assunto esbarra na doutrina católica. Condenou o ativismo LGBT como defesa e propaganda da orientação sexual, declarando inclusive que homossexuais deveriam, em vez disso, buscar a Deus. Em sua vida pregressa, quando era bispo de Buenos Aires, Bergoglio era ligado a setores conservadores na Argentina que se opuseram firmemente contra a legalização do casamento homossexual, do aborto e da lei de identidade de gênero. E, recentemente, o papa rejeitou a nomeação do diplomata indicado pela França para a embaixada do Vatican,o Laurent Stefanini, por ser católico e homossexual assumido.

    O catolicismo se fundamenta em rígidos dogmas, que são a “verdade revelada”, pela tradição ou pelas escrituras, e a fé é a adesão incondicional a essa doutrina. Um dogma não pode jamais ser contestado, porque sua negação se constitui uma heresia. Nem o Papa pode contestar um dogma, mas em contrapartida, um dos dogmas católicos reza que: “o papa goza do instituto da infalibilidade por força do seu cargo quando, na qualidade de pastor e doutor supremo de todos os fiéis e encarregado de confirmar seus irmãos na fé, proclama, por um ato definitivo, um ponto de doutrina que concerne á fé ou aos costumes.” (Catecismo da Igreja Católica, 891)

    Então, se alguém pode mudar alguma coisa dentro da igreja, esse alguém é o Papa.

    Que seja Francisco!

     

  • Isso não é um convite

    Isso não é um convite

     

    Centenas de mulheres enfrentaram o frio de Curitiba e tiraram as camisas, casacos e cachecóis para lutar por respeito


    Em Curitiba, no último sábado (4), centenas de mulheres foram às ruas para protestar por seus direitos e ecoar suas vozes que, mesmo muitas vezes silenciadas, continuam pedindo justiça. A concentração teve início às 10h30 na Praça 19 de Dezembro — intitulada também como Praça da Mulher Nua — e percorreu as principais ruas do centro da cidade.

    Foto: Amanda Souza

    Em frente à Catedral Basílica de Curitiba, cantavam: “se o Papa fosse mulher o aborto seria legal, seria legal e seguro, se o Papa fosse mulher”, questionando a “laicidade dos ventres” e reivindicando o direito de decisão sobre seus próprios corpos.


    No Brasil, o aborto é o quinto maior causador de mortes maternas. A estimativa é que entre 7,5 milhões e 9,3 milhões de brasileiras tenham interrompido a gravidez entre 2004 e 2013.

    Foto: Gabriel Dietrich

    O ato ainda deu voz a luta contra a LGBTfobia e contra o racismo. Segundo dados divulgados pela Associação Internacional de Gays e Lésbicas em 2014, o Brasil é o líder do ranking em mortes decorrentes da LGBTfobia, com 325 assassinatos registrados entre 2008 e 2011.

    O ato teve fim na Boca Maldita, espaço localizado entre a Praça Osório e Rua das Flores, essencialmente uma confraria de homens, os “Cavaleiros da Boca Maldita”, que se reuniam para discutir as manchetes dos jornais — “y otras cositas más” — em uma espécie de tribuna livre dos pensamentos e opiniões. E foi lá que um beijo gay ao lado do pastor que, aos berros, jurava que todos ali seriam convertidos — mesmo que não quisessem -, selou a Marcha das Vadias de 2015. A marcha teve fim, a luta não.

    “Eu não posso salvar todas..”

    A cada hora o Sistema Único de Saúde (SUS) recebe em suas unidades de atendimento uma média de duas mulheres com sinais de violência sexual, de acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde em 2013. Uma outra pesquisa, realizada em 56 países e publicada pela revista The Lancet, mostrou que 1 em cada 14 mulheres já sofreu, ao menos uma vez na vida, abuso sexual por alguém que não era seu parceiro. Mas, quando se analisa a porcentagem de mulheres no mundo que já sofreu violência, não apenas a sexual, o número chega a 70%, segundo dados divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU).

    Fotos: Rafael de Andrade

    Contudo, a própria The Lancet reconhece que o número de registros de abuso e o próprio atendimento às vítimas são prejudicados pelo medo que assombra as mulheres. O medo de não receber apoio, de que não acreditem nelas, o medo de sofrer represálias. “A violência contra as mulheres não está confinada a uma cultura, uma região ou um país específicos, nem a grupos de mulheres em particular dentro de uma sociedade. As raízes da violência contra as mulheres decorrem da discriminação persistente contra as mulheres”, afirma a ONU.

    Um estudo divulgado em 2013 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) afirma que, entre 2009 e 2011, quase 17 mil mulheres foram assassinadas no Brasil por conflito de gênero, chamado de feminicídio — casos nos quais a vítima morre apenas por ser mulher. Uma segunda pesquisa, realizada também pelo Ipea, mas divulgada em 2014, mostra que 26% dos brasileiros, mesmo concordando com as punições aplicadas aos agressores, acredita que as mulheres são culpadas pelas agressões sofridas por causa de suas roupas e de seu comportamento.

    Foto: Amanda Souza

    O Paraná, por sua vez, foi considerado o terceiro estado com o maior número de casos de violência contra a mulher. Os dados fazem parte do Mapa da Violência produzido pelo Instituto Sangari, divulgado em 2012, e mostram ainda que o estado possui cinco municípios com mais de 26 mil habitantes entre os 50 com mais casos de assassinatos de mulheres, sendo que Piraquara, região metropolitana da capital paranaense, ocupa o segundo lugar.

  • Padre e pastor lavam os pés da travesti que se crucificou

    Padre e pastor lavam os pés da travesti que se crucificou

     

    Em alusão à cerimônia sagrada de lavar os pés, em que Jesus purificou os apóstolos antes da Santa Ceia, líderes religiosos repetem o ato com a Viviany Belebone, que se crucificou na Parada do Orgulho LGBT de 2015

    O padre Júlio Lancelotti e o pastor evangélico da Igreja Batista José Barbosa Júnior lavaram os pés da travesti Viviany Belebone em sinal de humildade e como forma de pedir a ela desculpas pelas ameaças e ofensas que sofreu. Viviany se crucificou na Parada do orgulho LGBT de 2015, em ato que gerou polêmica por parte dos setores conservadores da sociedade.

    Sobre a atitude dos líderes religiosos, a transexual disse apenas: “Me sentindo abençoada”. A lavagem aconteceu na tarde deste sábado (27), em São Paulo.

     

     

  • Parada do orgulho LGBT de Guarulhos proibida

    Parada do orgulho LGBT de Guarulhos proibida

     

    Foi aprovada na quarta (11/06) na Câmara de Guarulhos com nove votos a favor, oito contrários e uma abstenção, a apreciação do Projeto de Lei da vereadora Dona Maria (PT), que proíbe a realização da Parada do orgulho LGBT “em vias e logradouros públicos” da cidade. A proibição estende-se a eventos similares que utilizem“carros de som, trios elétricos e artistas da noite que promulgam e defendam o comportamento homossexual” . A possível vitória dessa PL, quando voltar para votação do plenário, vai dar a Guarulhos o sórdido título de primeira cidade a institucionalizar a homo-lesbo-bi-transfobia no Brasil.

    O setorial LGBT do PT se apressou em pedir a cassação da vereadora Dona Maria que, em sua fanpage, se apresenta como “uma mulher de DEUS a serviço dos cidadãos e cidadãs abençoados”. Em nota ao partido e aos parlamentares petistas de Guarulhos, o setorial escreveu que “Não há espaço no PT para militantes que incitem a intolerância e que afrontem os direitos humanos. O Setorial LGBT do PT exige a retirada imediata do projeto e defende que vereadora seja submetida ao Conselho de Ética, recomendando sua expulsão.”

    Viviany Beleboni, a modelo e atriz transexual que realizou a performance desfilando crucificada na 19° Parada do Orgulho LGBT não poderia imaginar a repercussão e a reação imediata das bancadas católica e evangélica contra aquilo que classificaram como “Cristofobia”.


    “Cristofobia? Medo de Cristo? Isso não existe. Deus ama a todos, a todos… eu estava interpretando eu mesma e representando os GLBT que são vítimas de preconceito. É chocante porque a realidade que vivemos é chocante” diz Viviany.

     


    A explosão religiosa em “defesa de Cristo” constitui-se em mais um fato em uma sequência de ataques que tem como objetivo minar direitos, anular conquistas e impedir novos avanços na luta pelos direitos civis de populações socialmente vulneráveis. E a justificativa é sempre a mesma: defender uma “família” que elegeram como a natural e cristã — descendentes de Adão e Eva, imagem fiel do modelo Maria, José e Jesus Cristo. É o que o Projeto de Lei 6583/13, o chamado Estatuto da Família quer definir.

    Em 26 de março a frente parlamentar formada por católicos, evangélicos e bancada da bala, com apoio de aproximadamente 80 deputados apresentou um projeto de decreto legislativo com o objetivo de derrubar uma resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação de LGBT que prevê a adoção do chamado “nome social” em escolas e em concursos públicos.

    Dia 11, sob pressão dos fundamentalistas católicos e evangélicos, o projeto original do Plano Municipal de Educação de São Paulo, que previa o combate à discriminação por identidade de gênero e orientação sexual, foi derrotado e um outro, aprovado, de onde foram excluídas todas as referências a gênero e orientação, com a exclusão também de expressões como ‘diversidade’, ‘transexual’ e ‘travesti’

    Além da PL de Dona Maria, outros projetos já foram apresentados nos dias subsequentes da parada.

    O líder do PSD na Câmara Federal, o evangélico Rogério Rosso, apresentou em 08/06 um PL que quer tornar crime hediondo o ‘ultraje ao culto’ com pena de até oito anos de prisão para quem praticá-lo: “A intenção desse projeto de lei é proteger a crença e objetos de culto religiosos dos cidadãos brasileiros, pois o que vem ocorrendo nos últimos anos em manifestações, principalmente LGBTs, é o que podemos chamar de “Cristofobia”, com a prática de atos obscenos e degradantes que externam preconceito contra os católicos e evangélicos”, escreveu o deputado no projeto de lei.

    O presidente da Câmara dos deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), prometeu colocar em regime de urgência a votação do PL da “Cristofobia”. Cunha é um dos 40 acusados de envolvimento na operação Lava Jato e também autor do vergonhoso projeto para a instituição do “Dia do Orgulho Heterossexual” no Brasil.

    Outro PL foi apresentado no dia 10 pela vereadora Pastora Luciana da bancada evangélica do Partido Progressista de Manaus, que propõe que “atitudes discriminatórias contra a religião cristã” sejam punidas na capital amazonense.

    Também no dia 10, parlamentares católicos e evangélicos protestaram não só contra a Parada do Orgulho LGBT, mas também contra a Marchas das Vadias e Marcha da Maconha. Gritando com cartazes com supostas cenas desses eventos, rodearam o evangélico-mór Eduado Cunha, e de mãos dadas rezaram o Pai Nosso, ofendendo o laico das instituições republicanas brasileiras.

    Em nota, o Cardeal Arcebispo Dom Odilo Scherer se uniu aos evangélicos contra a tal “Cristofobia”:

    “Nós, Bispos Católicos das Dioceses do Estado de São Paulo, reunidos na 78ª Assembleia do Regional Sul I da CNBB, diante dos acontecimentos da recente “parada gay 2015”, ocorrida na cidade de São Paulo, com claras manifestações de desrespeito à consciência religiosa de nosso povo e ao símbolo maior da fé cristã, Jesus crucificado”

    As bancadas católica e evangélica são compostas por 78 representantes e superam bancadas importantes da Câmara como a sindical ou a feminina, com 51 integrantes cada uma. Com o Congresso mais conservador desde 1964, o PL da “Cristofobia” tem grandes chances de ser aprovado.

    ‘Cristofobia’ assim como ‘Ideologia de Gênero’ são expressões usadas por fundamentalistas religiosos para desqualificar manifestações e lutas por direitos civis. É uma cruel ironia que não contém aquilo que eles dizem defender: o amor cristão.

    O futuro da democracia no Brasil está ameaçado. O Estado laico está sob ataque furioso de uma nova ofensiva conservadora de viés neo-fascista que se torna perigosa quando os protagonistas são políticos teocráticos.

    É hora de unirmos forças!