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  • PL 529: O projeto de Doria para o fim de SP

    PL 529: O projeto de Doria para o fim de SP

    O governo Doria enviou para a Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei (PL) 529/2020, que altera diversas estruturas do governo, autarquias e tributos. O projeto envolve mudanças radicais para o Estado e foi mandado com pedido de urgência. As justificativas para as mudanças foram a crise do coronavírus (Covid-19) e as contas do governo.

    Em meio a pandemia o mundo viu milhares de vidas serem levadas pela doença e a maior parte das economias apresentarem resultados negativos. Mesmo se colocando em contraposição a forma de Bolsonaro conduzir a pandemia, João Doria apresenta um PL muito semelhante as propostas de enxugamento do Estado, na forma como o presidente tem feito.

    O PL foi apresentado para a Assembleia no último dia 13 e recebeu 623 emendas.  Uma entre as tantas propostas do texto original é a extinção de 10 empresas e fundações públicas, entre elas CDHU, Furp e EMTU. O projeto atinge também as universidades paulistas, limitando a capacidade de investimento da USP, Unicamp, Unesp e da fundação para financiamento de pesquisas, a Fapesp. Para os servidores públicos do Estado, o governador oferece aumento da contribuição obrigatória ao Iamspe e um Programa de Demissão Incentivada (PDI).

    Além de analisar pontos do projeto consultamos o deputado estadual Teonilio Barba (PT) e Otávio Barduzzi Rodrigues da Costa, advogado e professor, para entender o projeto e suas consequências. 

    Deputado Teonilio Barba(Foto: Divulgação)

    Para o deputado Barba, o PL é “um projeto de desmonte do Estado, como ele havia prometido na campanha”. Sobre os efeitos diretos, Barba estima que mais de 5 mil trabalhadores serão afetados pela extinção das empresas: “ele propõe um PDI, o governo indica quem vai em embora e é isso, com um bônus, mas não fala de valores. Se ele privatizasse no lugar de extinguir, e não estou defendendo a privatização, poderia propor que os trabalhadores fossem incorporados, mas não tem nada disso”.

    Já entende Costa o projeto como inconsequente “não se administra o Estado como uma instituição privada. Primeiro, a finalidade de uma empresa privada é dar lucro e a finalidade do Estado é cuidar da população. Está ideologia furada de que o Estado tem que dar lucro é contra a própria instituição do Estado”.

    O tamanho do PL 529

    O projeto, que no texto original conta com mais de 60 páginas, envolve diversas áreas do Estado. Segundo Barba, se fosse separado pelos objetos que contém e as áreas que afeta, caberiam, no PL 529/2020 , 15 projetos de lei. A justificativa do projeto é assinada por Henrique Meirelles (ex-ministro da fazenda no governo Temer), secretário da Fazenda e Planejamento, e Mauro Ricardo Machado Costa, secretário de Projetos, Orçamento e Gestão.

    A justificativa do governo é tentar contornar um rombo de cerca de 10 bilhões no caixa de São Paulo causado ela pandemia, mas o texto, mesmo sendo longo, apresenta poucas estimativas, estudos ou dados. Para Costa o tamanho do projeto é incomum “não há limites legais para um PL. Existem mais longos, do que este, mas não é usual. Vai dar trabalho mesmo e exigir um grande tempo, se for tratar de cada ponto individualmente”.

    As principais propostas são

    A)      “Extinção de entidades descentralizadas” que busca dar “descontinuidade e/ou transferência para outros órgãos e entidades da administração pública estadual ou, em casos específicos, à iniciativa privada” para 10 entidades (Fundação Parque Zoológico de São Paulo; Instituto Florestal; FURP; FOSP; CDHU; EMTU/SP; SUCEN; IMESC; DAESP e ITESP);

    B)       A alteração das contribuições dos servidores para o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE);

    C)       Venda de imóveis “da Fazenda Pública do Estado de São Paulo e de autarquias”;

    D)      Alterações na Carteiras dos Advogados e das Serventias;

    E)       Repasse para a conta do Tesouro estadual superávit financeiro de fundos de despesa, “autarquias, inclusive as de regime especial, e das fundações”;

    F)       Reduzir os benefícios fiscais do ICMS e IPVA;

    G)      Altera a “autorização para securitização de recebíveis tributários e não tributários”;

    H)      Programa de Demissão Incentivada (PDI) para servidores;

    I)         Alterações de responsabilidade da atual Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP);

    J)        Concessão da “exploração de serviços ou de uso, total ou parcial” dos parques “Villa Lobos, Parque Candido Portinari, Parque Fernando Costa – Água Branca, Parque Estadual do Belém Manoel Pitta, Parque Chácara da Baronesa, Parque da Juventude – Dom Paulo Evaristo Arns, Parque Ecológico do Guarapiranga e o Complexo Olímpico da Água Branca, Conjunto Desportivo Baby Barioni”;

    K)       Alterações nas formas de “transação de créditos de natureza tributária ou não tributária”;

    L)       Possibilitar aos PMs ativos a “trabalharem nos períodos de descanso da escala de trabalho” e que policiais reformados retornem “ao trabalho em atividades-meio”;

    M)     Atribuir à SPPREV competência “para o processamento da folha de pagamento do Sistema de Proteção Social dos Militares do Estado até a conclusão do processo de estruturação da Caixa Beneficente da Polícia Militar”;

    N)      Alterar os valores de emissão da Carteira Nacional de Habilitação e do Licenciamento de Veículos e

    O)      Diminuir a validade dos “créditos da Nota Fiscal Paulista, de 60 (sessenta) para 12 (doze) meses”.

    O deputado Barba aponta a contradição do projeto com o orçamento do governo

    “está aprovado na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2021 a renúncia fiscal de 23 bilhões. Ou seja, enquanto o governador dá para os empresários, ele quer neste projeto tirar a desoneração fiscal da compra de automóveis e produtos para pessoas com deficiência. Pessoas com deficiência que compram o carro adaptado não vão ter mais renúncia sobre o IPVA. João Doria é amigo dos empresários, temos que ter claro isso. Ele vai fazer tudo que beneficie os empresários”

    A votação

    No começo deste ano, a maioria dos deputados na Assembleia Legislativa já votou com Doria no projeto da reforma da previdência no Estado. Com protestos e forte resistência dos servidores públicos, a votação só foi possível graças à violência da PM, que barrou o acompanhamento da votação nas dependências da chamada Casa do Povo. Mesmo que a pandemia dificulte atos e manifestações, por conta dos protocolos de saúde, ainda são organizados alguns atos, como os dos professor que protestaram contra a volta às aulas presencias o ato contra o racismo e assassinato de George Floyd ou o breque dos apps.

    Para Costa o projeto

    “é uma aberração jurídica e deveria-se colocar cada ponto em legislação própria. O que for para legislação complementar deve ser arguido em legislação complementar. O que for arguido em legislação ordinária deve ser legislação ordinária e o que for para constituição Estadual que seja proposto por emenda constitucional estadual”

    Agora, as bancadas de oposição, junto com deputados que, mesmo sendo da base de Doria, são contrários ao PL 529/2020, tentam garantir que o debate das propostas e ganhar tempo para que haja mobilização da sociedade. É possível desmontá-lo, conta Barba, “nosso primeiro objetivo é obstruir o projeto. E vamos tentar fazer uma batalha igual à da reforma da previdência e à dos precatórios. Na dos precatórios perdemos por um voto. E a batalha da previdência perdemos por dois votos.  Estamos dialogando e buscando apoio”.

    Diversos deputados se manifestaram contrários ao projeto, seja por seu tamanho e complexidade para serem tratados dentro de um só PL ou pelos ataques aos serviços públicos e seus servidores. Mesmo deputados que se distanciam das posições defendidas pelos partidos progressistas se colocaram contra o projeto. É o caso da Janaina Paschoal (PSL) que se manifestou contra o fechamento do Oncocentro e do Imesc e da deputada Valeria Bolsonaro (PSL) que se coloca contra os artigos 14, 16 e 17 por considerar que eles  retiram “um grande volume de recursos de diversos Fundos Especiais de despesa, financiamento e investimento” e que “as universidades estaduais paulista e a Fundação de amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP terão um impacto grave nos recursos”.

    Mesmo assim a batalha não será fácil, “Doria tem uma condição de apoio que chega próximo de 50 deputados. Chegou em 57 votos na reforma da previdência, no primeiro turno, e 59, no segundo, em função do PSL ter dado no entorno de 11 ou 12 votos. A base aliada faz barulho, mas depois vota como ele manda, já que tem cargos no governo, e se não votar ele tira os cargos” conta o deputado petista.

    Saúde?

    A justificativa para o projeto é a pandemia, mas se destacam as propostas que buscam extinguir órgãos de saúde. Furp, Oncocentro e Sucen são entidades do governo diretamente ligadas ao atendimento e à pesquisa em saúde e serão extintas com o PL 529. Também é colocado no projeto o Iamsp.

    Sobre o aumento da contribuição dos servidores ao Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual, o deputado Barba diz que “o Iamspe tem que ser sustentado em conjunto pelo governo do Estado e seus servidores. Mas o que Doria quer fazer? Quer aumentar essa alíquota para que o governo não tenha que colocar a sua parte. Mais uma vez é o Doria atacando os serviços públicos, mas nas costas dos servidores”. O instituto em questão

    A Furp, ou Fundação para o Remédio Popular “Chopin Tavares de Lima”, é um laboratório farmacêutico estadual responsável pela produção de remédios de baixo custo, criado em 1968. Hoje conta com duas unidades, em Guarulhos e Américo Brasiliense, e produz cerca de 38 medicamentos, segundo a empresa. Em 2019, o governo já tinha proposto sua extinção.

    Para Barba, o motivo de sua extinção é que

    “com certeza deve ter algum amigo dele no setor de fármaco que absorverá a produção desses remédios. É um dos setores mais ricos do mundo e do Brasil. Os custos de produção da Furp são muito baixos. Não só da Furp, mas de fármacos em geral. O que é caro? Os investimentos em pesquisa. Com certeza os amigos do João Doria estão comemorando”

    No texto do PL 529, a justificativa para o fim da Furp é que a “demanda por esses medicamentos pode ser suprida pelo mercado produtor privado”.

    A Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), criada em 1970, é responsável por controlar e acompanhar as endemias no estado. Entre as principais doenças que acompanha estão: Arboviroses, Doença de Chagas, Malária, Febre Maculosa, Febre Amarela, Esquistossomose, Leishmaniose Tegumentar Americana, Leishmaniose Visceral e relacionadas aos Animais Incômodos e Peçonhentos. Em 2019, Doria também havia tentado fechar a empresa e agora, no PL 529, a justificativa foi que a Secretaria Estadual de Saúde vai assumir as responsabilidades. “A Sucen é extremamente importante para o combate aos borrachudos na Baixada Santista, por exemplo. Nesse combate [aos borrachudos] você tem que ir nas nascentes dos rios, nas serras, e colocar os remédios nas nascentes. Além de que, é um momento de pandemia quando ele coloca isso”.

    A Fosp (Fundação Oncocentro de São Paulo) foi fundada em 1967 por professores da USP e adquiriu sua forma atual em 1986. Desde então, tem focado em pesquisar “ações médico-assistenciais em oncologia”, segundo o site da instituição. Para justificar seu fim o governo menciona que os hospitais universitários e o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo realizam as mesmas atividades.

    Universidades

    Nos artigos 14, 15, 16 e 17 do capítulo 5 estão colocados dispositivos que podem retirar o superávit (saldo positivo) das três universidades paulistas (USP, Unicamp e Unesp) e da Fapesp, que seleciona projetos de pesquisa nas universidades e oferece bolsas para sua elaboração. Juntas, as três instituições de ensino superior têm a maior produção em pesquisa do país.

    O artigo 14 estabelece que “o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial das autarquias, inclusive as de regime especial, e das fundações, será transferido ao final de cada exercício à Conta Única do Tesouro Estadual”. Já o artigo  16 coloca que “todos os fundos especiais de despesa e fundos especiais de financiamento e investimento poderão destinar as receitas arrecadadas” e o artigo 17 finaliza  estabelecendo que o “superávit financeiro apurado em balanço ao final de cada exercício dos fundos do Poder Executivo será transferido à Conta Única do Tesouro Estadual”.

    Ato de estudantes da Unesp em frente a Reitoria da Universidade , em 2019 (Foto: Lucas Martins / Jornalistas Livres)

    USP, Unicamp e Unesp são autarquias especiais que detêm autonomia financeira.  A cada ano, elas recebem uma cota estabelecida do que foi arrecadado com ICMS no Estado. Assim, podem planejar o manejo de recursos e realizar investimentos ou reservas. Para Costa “o superávit tem que ser discutido em LDO. É possível de se fazer, mas na LDO. Essas instituições tinham uma verba, mas de uma hora para outra quer se retirar [o superávit]. Eu entendo que seja direito adquirido e as instituições podem entrar com [pedido de] inconstitucionalidade”.

    A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBCP) manifestou-se sobre o PL dizendo que “os fundos das Universidades, de seus Institutos de Pesquisa e da Fapesp não constituem superávit, mas sim reservas financeiras para manutenção e para financiamento de projetos”.

    Barba endossa esse entendimento: “Quando você elabora e formula uma pesquisa, ela não é feita em cinco dias. Não é pesquisa eleitoral. É investimento em novas descobertas e tratamentos. Se você separa um milhão de reais para fazer uma pesquisa, por exemplo, para descobrir formas de tratar o coronavírus, isso demora sete, oito meses… até um ano ou mais. Você não separa quinhentos mil e investe de uma vez. Vai sendo feito por etapas, conforme a pesquisa vai avançando. Ele [Doria] está dizendo que, no caso das universidades, o dinheiro que sobrar vai ser devolvido para o tesouro. Ele diz que não pode ter dinheiro nas universidades”.

    Efeitos do PL

    Milhares de pessoas sentirão os feitos do PL 529 no Estado de São Paulo. Todos que são atendidos pelos serviços oferecidos, direta ou indiretamente, terão suas vidas afetadas. Com as demissões de servidores o projeto pode causar um efeito contrário ao que propõe “isso pode significar ineficiência. Por exemplo, alguém do instituto florestal que entende muito sobre legislação ambiental. Aí se acaba com todo a estrutura de preservação ambiental do estado, esse funcionário vai ser colocado em que órgão? Ele tem que ser reabsorvido”, explica Costa.

    Com o fim do Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo), que trabalha com regularização fundiária e assistência técnica, poderá deixar nove mil famílias desassistidas, com impactos negativos sobre a garantia da segurança alimentar e a inclusão produtiva.

    A extinção da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) também deixará marcas. Criada em 1949, ela é responsável por desenvolver projetos de habitação popular e ajudar no planejamento urbano.  A justificativa para seu fim é que “com as Parcerias Público-Privadas na área da habitação, a CDHU perdeu espaço na operação direta de construção e financiamento habitacional”.

    Página de rede social do governador João Doria em que  anuncia entregas de casas da CDHU (Foto: Divulgação)
    Página de rede social do governador João Doria em que anuncia entregas de casas da CDHU (Foto: Divulgação)

    Outro efeito, segundo Costa, serão as possíveis ações que podem ser movidas contra o estado

    “mesmo se passar o PL, vão se seguir um sem número de ações de inconstitucionalidade que podem durar anos. O Doria pode conseguir agradar seus financiadores privatistas, mas depois os custos desses processos vão para o Estado, não para a iniciativa privada. No Brasil as privatizações são assim, privatizasse o lucro e o prejuízo é do Estado. Vai sobrar para o contribuinte”

  • O obeso com pneumonia

    O obeso com pneumonia

    Qual é o médico que cuidaria primeiro da obesidade de uma ou um paciente para depois cuidar da pneumonia? Cometesse tal doidice o “doutor”, certamente, se complicaria com o Conselho Regional de Medicina. Entre os economistas parece haver maior blindagem para desatinos.

    A dupla Jair Bolsonaro e Paulo Guedes acha que, em primeiro lugar, deve-se “emagrecer” o Estado brasileiro, cortar gastos, ajustar as contas, produzir superávit já em 2019. O desemprego, que é a pneumonia, será resolvido com a “dieta”, acreditam eles, seus parceiros do mercado financeiro e liberais em geral.

    “Então, meu diagnóstico é o seguinte: gasto público, gasto público, gasto público, reforma fiscal, reforma fiscal, reforma fiscal.” Disse Paulo Guedes, guru econômico do presidente eleito, ao jornal Valor Econômico em julho deste ano.

    Há exatos 903 dias, Henrique Meirelles assumia o Ministério da Fazendo prometendo controlar os gastos para melhorar as contas públicas, fazer a economia rapidamente voltar a crescer e reduzir o desemprego: “A prioridade hoje é o equilíbrio fiscal, isto é, a estabilização do crescimento da dívida pública.” Na realidade o que ocorreu é que a economia não deslanchou e o desemprego continuou elevadíssimo. E, consequentemente, a arrecadação de imposto também não subiu, fazendo com que os deficits fiscais, ao contrário do prometido, fossem muito altos. A dívida pública só fez crescer. Aconteceu tudo ao contrário do que Meirelles prometeu. Por que será diferente com Paulo Guedes?

    O grupo recém-eleito tem como prioridade aprovar a Reforma da Previdência ainda este ano. Será que cortar benefícios, a toque de caixa, reduzirá a população desocupada, hoje em 12,5 milhões de pessoas? Diminuirá a taxa de subutilização da força de trabalho, estimada pelo IBGE em 27,3 milhões de pessoas? É imperativo que uma reforma das regras da Previdência Social seja feita com ampla discussão. E, sem dúvida, tal reforma não aliviará, no curto prazo, o sofrimento do desemprego.

    Paulo Guedes adora uma privatização: vamos diminuir a dívida pública em centenas de bilhões de reais, tem afirmado. Cabe a pergunta: as privatizações aumentam ou escasseiam a oferta de empregos? As empresas que compram estatais têm como primeira medida demitir, reduzir custos. Onde estavam esses economistas nas privatizações de Fernando Henrique Cardoso do PSDB?

    Escrevi em outra matéria, em 24/09/2018, que:

    “The Economist, a revista inglesa que completou 175 anos neste mês, tem a enorme qualidade de expor sua ideologia liberal sem meias palavras e sem tentar fingir isenção ou neutralidade como faz a maior parte dos meios comunicação. Mesmo discordando é preciso reconhecer.

    Em um longo ensaio, na edição de aniversário, seus editores reconhecem as falhas e as promessas não cumpridas pela política que advogam. Vão além, temendo a escalada autoritária mundial, para propor a “reinvenção do liberalismo para o século XXI”.

    A falta de regulação no mercado financeiro e a falta de atenção às pessoas e às localidades prejudicadas pelo comércio globalizado, aliadas à promessa não cumprida de progresso para todos, aos mercados manipulados pela concentração de poder de algumas empresas e às mudanças climáticas são alguns dos componentes do pano de fundo que conforma o desencanto dos eleitores que se deixam levar pelo canto dos candidatos autoritários.”

    É preciso relembrar que a crise das hipotecas nos Estados Unidos, iniciada em 2007, só não levou a desgraças semelhantes àquelas da Grande Depressão de 1929, por que o governo inundou o mercado de dólares. Deixou quebrar a Lehman Borthers, viu a gravidade da quebradeira que se seguiria e optou por injetar recursos em bancos, em seguradoras, nas grandes financiadoras de imóveis, até na General Motors. Eles sabem muito bem que no meio da recessão não é hora de se fazer ‘austericídio’s (a morte pela austeridade) como querem o presidente eleito e seu economista preferido.

    Paulo Guedes quer aprofundar o teto de gastos. Na idade média também se usava sanguessugas na esperança de que a remoção do sangue curaria o paciente. Retirar recursos da economia, cortar gastos, avisar trabalhadores que seus empregos e direitos trabalhistas correm riscos e alertar os investidores que o Estado muito pouco investirá são os sanguessugas do liberalismo.

    E os economistas de plantão recusam-se a acordar desse prolongado delírio.

     

    Nota

    1 A pretensa “obesidade” do Estado também é discutível, mas isso fica para outra hora.

  • Aécio fez Joe$ley pagar compra de jornal

    Aécio fez Joe$ley pagar compra de jornal

    BELO HORIZONTE – Não há como negar, boleto para pagamento do IPTU obtido pelos Jornalistas Livres comprova que realmente a J&F, a holding de Joesley Batista, pagou a compra do jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte, por R$ 17 milhões, a pedido do senador Aécio Neves. Isso é mais uma prova de que o senador Romero Jucá, do MDB, sabia mesmo muito bem do que dizia quando se referiu ao colega mineiro como o “primeiro a ser comido”, durante diálogo telefônico com o ex-presidente do PSDB e ex-senador Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro.

     

    Falou-se muito dos R$ 2 milhões pedidos por Aécio ao dono da JBS “para pagar advogado”, conforme delatou o empresário, mas só agora fala-se com mais vigor sobre os R$ 17 milhões usados na compra do “predinho” do jornal, como chegou a ser dito pelo próprio Joesley. Se faltava algo para comprovar a destinação dos R$ 17 milhões aos negócios do senador mineiro, aí está a guia de pagamento do IPTU do tal prédio da Rua Padre Rolim, 652, um filé mignon imobiliário bem na região hospitalar da capital mineira. Curiosamente, este é o único bem de Joesley em Minas, onde não possui qualquer negócio.

     

    O imóvel, usado como sede do Hoje em Dia durante décadas, está em nome de nada menos do que a J&F Investimentos S/A, a holding da empresa JBS que, por sinal, teve o ministro Henrique Meirelles no comando de seu conselho de administração entre 2012 até pouco antes de assumir o atual cargo. Ali ele recebia R$ 40 milhões por ano e uma de suas raras funções seria irrigar as campanhas eleitorais dos apaniguados de Joesley. E quando se pesquisa na Prefeitura de Belo Horizonte para saber quem são os titulares da J&F, eis que aparece o nome de Joesley Mendonça Batista abaixo de Antônio da Silva Barreto Júnior como ‘contatos’

     

    Um prédio polêmico

     

    Após a confissão de Joesley sobre suas relações com Aécio, há um ano, o prédio de cinco andares começou a dar o que falar. Desocupado desde que o jornal mudou de endereço nas mãos de novo dono no início de 2016 e sem alguém que se apresentasse como seu proprietário, chegou a ser ocupado, na marra, em 1º junho de 2017 por jornalistas, gráficos, pessoal da administração e movimentos sociais. Demitidos pelo atual dono sem receber seus direitos e até mesmo salários, os jornalistas viram na ocupação do prédio um bom motivo para chamar atenção sobre o drama que viviam. Conseguiram.

     

    Em junho do ano passado o “predinho” foi ocupado por ex-funcionários do jornal Hoje em Dia e Joesley Batista acabou reconhecendo a sua posse – Foto de Isis Medeiros

    A ocupação colocou os holofotes sobre o prédio. Logo a J&F se apresentou como dona do pedaço e colocou o imóvel à venda por R$ 17,5 milhões. Só que surgiu nova pedra no caminho da holding de Joesley: a Justiça do Trabalho bloqueou a venda do imóvel até que se resolva o pagamento de todos aqueles que buscam seus direitos. E assim continua, e, enquanto aguarda uma solução, um terreno ao lado, também de Joesley, foi arrendado para estacionamento de veículos.

     

    Pelo boleto do IPTU nota-se que a J&F vem pagando religiosamente as 11 parcelas de R$ 5.686,06, que vão totalizar R$ 34.116,36. Reza a lenda que o prédio é um pau que nasceu torto desde que foi construído pelo jornal Diário do Comércio, o primeiro dono, e não teria habite-se, principalmente depois que um bispo da igreja Universal resolveu construir mais um andar para instalar a nova redação sem a contratação de um arquiteto ou engenheiro.

     

    Trajetória sinistra

     

    Também o jornal tem uma trajetória sinistra desde que foi criado pelo então governador Newton Cardoso, há 30 anos, para ser o “maior de Minas”. Mas pouco depois acabou vendido para a TV Record/Igreja Universal, num pacote em que incluía a emissora mineira de TV da rede Record. Nas mãos dos bispos de Edir Macedo chegou a ter 64 mil exemplares impressos. Depois, decadente e acumulando um prejuízo de R$ 38 milhões em 2012, a TV Record/Igreja Universal trataram de se livrar do abacaxi em 2013. Logo apareceram apressados interessados.

     

    Há cinco anos o empresário mineiro Rogério de Aguiar Ferreira, então dono da Axial Medicina Diagnóstica, irrompeu pela redação anunciando a compra do jornal. Saiu carregando o apelido de “Boneco de Olinda”, devido à sua estatura avantajada. Na semana seguinte correu para São Paulo a fim de acabar de fechar o negócio com os bispos da Universal. Deu com os burros n’água naquela terça-feira. À boca pequena correu a versão de que não teria levado a mala recheada com dinheiro vivo, uma exigência do bispado.

     

    Era tudo o que a dupla Aécio/Andrea Neves queriam. Imediatamente entraram em ação rumo a algum pomar onde encontrassem laranjas. Semanas depois era a vez de Marco Aurélio Jarjour Carneiro, do Grupo Bel, irromper pela redação do jornal para anunciar a sua compra no dia 18 de setembro de 2013. Parte do dinheiro da aquisição teria vindo da desapropriação de parte de um terreno da antena de rádio dos Carneiros no alto do bairro Novo São Lucas, porta de entrada da favela do Cafezal, com valor superfaturado. R$ 10 milhões, o que motivou uma ação do governo de Minas em tramitação na 5ª Vara da Fazenda, processo 1700189-54.2013.8.13.0024 do Tribunal de Justiça de MG contra a Rádio Del Rery Ltda., de Jarjour Carneiro. Outro dinheiro que entrou no negócio foram R$ 2 milhões da construtora Andrade Gutierrez, a título de publicidade que nunca foi vista.

     

    Dono também da Rádio 98, concorrente da Jovem Pan em BH, entre outros negócios, Carneiro colocou o filho Flávio Jaques Carneiro, um amigão de Aécio, na presidência do jornal, e trouxe para comandar a redação o jornalista Ricardo Galuppo, um mineiro radicado em São Paulo.

     

    A função de Galuppo era, principalmente, azeitar o jornal para ser usado na campanha de Aécio Neves à presidência. E azeitou. Principalmente na acirrada disputa do segundo turno, quando o jornal se esmerou em publicar, com exclusividade, sensacionais manchetes a favor da candidatura do tucano, baseadas em estranhas pesquisas eleitorais do desconhecido instituto de pesquisas Veritá, de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Manchetes e números que eram largamente expostos nos horários de propaganda eleitoral gratuita de rádio e TV. Cuidou o jornal também de deturpar e mentir sobre Igor Rousseff, um pacato irmão da então presidente Dilma Rousseff, morador na também pacata Passa Tempo, no interior de Minas, informações que foram exploradas por Aécio nos debates de TV entre os dois candidatos.

     

    O episódio rendeu, inclusive, uma denúncia de ‘crime eleitoral’ contra Aécio Neves no Ministério Público Federal, onde recebeu o número de expediante 1.22000.002391/2016-50. Atualmente a denúncia está sob sigilo, após ser absorvida por Rodrigo Janot, que ordenou investigação a respeito e mandou o caso até mesmo para a Lava Jato.

     

    Na época, Jarjour Carneiro dizia aos mais chegados: “Estamos com um dinheiro aí, vamos ver até onde poderemos ir”. E, realmente, foi até onde pôde. Se Aécio tivesse sido eleito à Presidência da República estaria nadando de braçadas no paraíso, mas, com a derrota do senador, deu com as portas abertas do inferno. Acabou vendendo o jornal por apenas R$ 1 mil, isso mesmo, sem o prédio, logicamente, para o então prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, marido da deputada Raquel Muniz (PSC), que ficou conhecida negativamente pelo seu “Sim, sim, sim” após elogiar a honestidade do maridão e votar pelo impeachment da presidente Dilma. Na manhã seguinte, Ruy Muniz era preso pela Polícia Federal por corrupção.

     

    Muniz ficou com o jornal e seus credores, enquanto o prédio, o patinho feio que ninguém queria assumir, voltou para os braços daquele que patrocinou a sua compra a pedido de Aécio Neves: Joesley Mendonça Batista.

     

     

  • Brasil: a construção interrompida, de novo!

    Brasil: a construção interrompida, de novo!

    por César Locatelli e Gustavo Aranda

    Você não ouvirá um economista que repete a mesma ladainha do FMI, do Banco Mundial ou dos economistas ortodoxos e seus pares da mídia. Tampouco o identificará com radicalismos raivosos ou destemperados. Os conceitos progressistas firmes, mas transmitidos com notável diplomacia, de Paulo Nogueira Batista Jr., o permitiram ter colunas em jornais conservadores brasileiros por mais de uma década. Em tempos de um Brasil menos cindido, era ouvido por ambos os lados da luta política.

    Sua longa trajetória passa pelo período em que o Brasil esteve atolado em dívidas contraídas na ditadura. Foi quando conviveu com a equipe de Dilson Funaro, ministro da Fazenda que implantou o Plano Cruzado e decretou a moratória da dívida externa brasileira, em 1987.

    Ele vivencia, no papel de diretor do Brasil no FMI e delegado do Brasil no G20 nos anos recentes, o Brasil sem dívidas com nações ou bancos internacionais, com alto volume de reservas internacionais e credor de instituições como o próprio FMI. Posteriormente, desloca-se para a China para Novo Banco de Desenvolvimento, popularmente chamado de Banco dos BRICS.

    Sua dissonância com a volta às políticas ortodoxas e o retorno do país à subserviência às ordens de Washington, possivelmente, lhe custaram as colunas de jornais e o cargo no banco. Paulo Nogueira Batista, entretanto, não se incomoda de ser a voz discordante: “Em certos momentos, eu fui o único dos 24 diretores executivos do FMI que discordou do programa de austeridade grego —que era um massacre para a Grécia. Acredito que o tempo deu razão aos que, como eu, criticaram desde o começo”.

    De volta ao Brasil, Paulo Nogueira Batista Júnior conversou longamente com os Jornalistas Livres. Um papo que abrirá os horizontes de todos nós que queremos entender a economia pós-crise de 2008, o papel do FMI, a agenda dos grandes interesses econômicos, a criação do G20 e dos BRICS, guinada e a interrupção da construção de soberania brasileira que estava em curso. Aproveite.

     

     

     

  • A suavidade retórica do Banco Central

    A suavidade retórica do Banco Central

     

    “Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.” A economia brasileira haverá de crescer um dia, independentemente dos erros de Levi e Meirelles. Teremos de ouvir, então, que voltamos ao caminho certo como resultado da austeridade, das reformas, do fim da “farra” com o dinheiro público.

    A verdade, no entanto, é que a crise política, que vinha se formando desde a eleição de Lula em 2002, passando pelo ilegítimo “domínio do fato”, pela campanha midiática transformada em manifestações de rua de 2013, culminando com a rejeição do resultado das eleições de 2015, cobrou alto preço econômico dos brasileiros, especialmente daqueles em maior vulnerabilidade.

    Verdade, também, é que as políticas econômicas, desde o início de 2015, só fizeram aprofundar a recessão e o desemprego, seu efeito mais perverso. Seguimos pelo caminho mais penoso. Mesmo tendo como contraexemplo mais recente as políticas adotadas pelos Estados Unidos, na crise financeira iniciada em 2008.

    Os EUA verteram tanto dinheiro na economia quanto julgavam necessário para escapar da pior, e potencialmente mais danosa, crise econômica desde 1929. Sofreram, derraparam, mas escaparam. O desemprego estado-unidense bateu 10 % em um único mês, outubro de 2009, enquanto o nosso, que bateu 13,7% no primeiro trimestre desse ano, está acima de 10% desde o início de 2016.

    É nesse quadro desalentador que o Banco Central reduz a taxa básica de juros da economia brasileira para 7,5% e vem nos informar, na ata de seu Comitê de Política Monetária (Copom) de outubro, que “o conjunto dos indicadores de atividade econômica divulgados desde a última reunião do Copom mostra sinais compatíveis com a recuperação gradual da economia brasileira”.

    Há uma oposição importante entre as duas afirmações. Ou bem a economia está se recuperando e não precisamos de cortes alucinados de juros para tentar animá-la, ou estamos derrapando sem sair do lugar há quase três anos e precisamos, desesperadamente, empurrar potenciais investidores para que saiam da sombra e água fresca dos juros e invistam na economia real.

    O Banco Central iniciou o mês de outubro do ano passado com uma taxa Selic em 14,25% ao ano. A taxa é hoje quase a metade da taxa de um ano atrás. Isso indica que “recuperação gradual” não é a denominação correta do paradeiro que estamos vivenciado. Se estivéssemos nos recuperando de modo satisfatório os cortes nos juros não seriam nem tão fortes e nem tão frequentes.

    Se bem procurarmos, encontraremos que “o Copom entende que a conjuntura econômica prescreve política monetária estimulativa, ou seja, com taxas de juros abaixo da taxa estrutural”. Mas o que isso quer dizer? Bem, significa que a conjuntura econômica está dizendo, com todas as letras, que a economia brasileira está mal das pernas, que precisa de estímulo e que o único recurso que o governo quer usar é baixar os juros.

    A ata afirma, ainda, que nas últimas reuniões do Copom, “debateram-se os dados mais suaves de atividade referentes ao mês de agosto, mas também a possibilidade de uma retomada mais forte à frente’. “Dados mais suaves” deve ser, possivelmente, o modo elegante de afirmar que nossa economia está patinando. O dicionário Houaiss ensina que suavidade é “efeito doce e muito agradável ou aprazível aos sentidos; doçura, maciez, delicadeza”.

    Gostaria de ver os integrantes do Copom dizerem aos 13 milhões de desempregados brasileiros que os dados da atividade econômica de agosto foram “mais suaves”, mas que estamos no caminho certo.