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Tag: habitação

  • De dentro das ocupações

     


    Ocupações em série de imóveis abandonados revelam a força dos movimentos sociais na luta organizada pelo direito à moradia digna. Acompanhamos — de dentro — as ocupações da madrugada de 13 de abril, o Abril Vermelho.


    O planejamento da série de 18 ocupações que ocorreram na madrugada de 13 de abril, como parte do “Abril Vermelho”, começaram a ser preparadas há um ano. Cerca de 6 mil famílias participaram das ações em todas as regiões da cidade. As reuniões se intensificaram nos últimos meses e na noite de domingo (12/4) ganharam forma.

    Foto: Sérgio Silva

    Com a chegada da noite, as equipes de cada “alvo” se organizavam para compartilhar os últimos detalhes, repassar os pontos principais e renovar o ânimo para a saída. Foram momentos de movimentação intensa, semblantes sérios e muita atenção. “As ocupações do 13 de abril acontecem para exigir que os governos agilizem os programas de habitação e contra os cortes nos programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida”, explica o advogado Benedito Barbosa, o Dito, que participa do movimento por moradia.

    Os minutos que antecederam a saída para os alvos foram tensos. Organizadas em quatro filas, as pessoas se dividiram entre ônibus e carros, num andar rápido e silencioso. Antes de cada saída, Carmen Ferreira da Silva, dirigente da Frente de Luta por Moradia, cantava as palavras de ordem, respondidas em coro e em força:


    “Quem é a nossa liderança? Nós!
    Qual é o nosso objetivo? Ocupar!”

    Foto: Rodrigo Zaim / Rua Foto Coletivo

    Da organização ao alvo

    No caminho até o “alvo” ninguém conversa. O ar se torna tão denso que é difícil respirar. Concentração total. A atenção está voltada para o momento mais crítico: a entrada na nova ocupação. Assim que os ônibus param, senhoras, mulheres e homens entram de uma vez. Quanto mais rápida a entrada, mais eficiente será esse primeiro momento. É também uma das fases mais perigosas: não se tem certeza se existe alguém dentro do edifício abandonado.

    Foto: Maurício Lima para Jornalistas Livres

    Assim que os veículos se aproximam do local a ser ocupado, as pessoas se posicionam de maneira a desembarcar com agilidade. O objetivo é entrar o mais rápido possível no imóvel abandonado. Os movimentos que integram a Frente de Luta por Moradia ocupam imóveis que não cumprem com sua função social. Está estabelecido no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo que imóvel sem função social (que não pagam impostos há mais de cinco anos, que não têm uso mínimo, que estão abandonados) podem ser desapropriados e entregues às políticas de moradia. Estão amparados pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 182, § 2º, que expressa: A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

    Foto: Rodrigo Zaim / RUA Foto Coletivo
    Foto: Paulo Ermantino

    As primeiras 24 horas após a ocupação do edifício são as mais críticas. É o período mais provável de acontecerem confrontos, tanto com aqueles que se sintam donos do edifício quanto com a Polícia Militar. Mas quando a bandeira da FLM é erguida e o Poder Público percebe que se trata de um movimento de moradia organizado, a possibilidade de que ocorra violência diminui muito. Passadas as 24 horas, está estabelecida a ocupação e o processo passa a correr via Justiça.

    “Quando vêem a nossa bandeira ficam mais sossegados”, explica o eletricista Gilberto Pires, 32 anos, morador da ocupação do Cambridge e responsável pela linha de frente na ocupação da Conselheiro Furtado. “Quando mostramos a bandeira, as autoridades sabem que não vamos quebrar ou destruir nada e nem tomar conta do que é do próximo. Nosso objetivo é lutar pela moradia que os sem-teto têm direito.”

    Foto: Felipe Paiva / RUA Foto Coletivo

    Conselheiro Furtado, 648

    Uma das maiores ocupações da madrugada de 13 de abril aconteceu em um edifício da rua Conselheiro Furtado, no centro da cidade, e levou cerca de 200 sem-teto aos 10 andares do prédio.

    Na Conselheiro Furtado, depois de derrubar o muro que lacrava a entrada, foi preciso lidar com dois seguranças armados, que recuaram. Dezenas de ratos correram. A multidão ultrapassava o entulho e subia alcançando os andares mais altos. Tudo de maneira organizada e planejada para evitar acidentes ou violência. A princípio, os homens permaneceram embaixo, para conter a entrada. As mulheres subiram até um determinado andar em que se sabia ser seguro.

    Foto: Maurício Lima

    Uma equipe vasculhou o prédio para ter certeza de que não havia mais ninguém no lugar. Encontrou um homem corpulento que se identificou como “Sérgio” e disse que morava no último andar, onde teria uma tapeçaria. A coordenação do movimento de moradia garantiu que a área que ele vive e seus pertences não serão tocados. A área foi isolada pela linha de frente dos ocupantes. Depois, Sergio mudou sua versão para afirmar que seria dono do imóvel, que não estaria ocioso e, sim, aguardando por uma reforma. Veja a contradição neste vídeo e perceba como uma emissora de TV tenta criar outra verdade para a história.

    Foto: Rodrigo Zaim / RUA Foto Coletivo

    No entanto, documentos mostrados pelo movimento dos sem teto atestam que o imóvel foi desapropriado pela Prefeitura de São Paulo em 1983. De fato, em nenhum dos andares havia indícios de qualquer tipo de atividade.

    Muitas das pessoas que entraram no edifício da Conselheiro Furtado estão em busca de moradia digna, inclusive um grupo grande de refugiados latinos e africanos. Outra parte importante vive em ocupações e participou da ação para dar suporte aos novos moradores. Não se faz ocupação de espaços abandonados sem a força de todos. A auxiliar de cirurgião buco-maxilo Maiara Gomes Ferreira, 21 anos, vive na ocupação do Hotel Cambridge — já regularizada — e está na nova ocupação para ajudar a irmã. “Estou nessa luta pela minha irmã, para que ela consiga o espaço dela”, conta. “A sociedade acha que somos moradores de rua, que aqui só tem drogado. Mas somos trabalhadores. Queremos moradia digna. É o sonho de todo mundo.” Ela explica que quando a comunidade ao redor da ocupação percebe que os novos moradores estão recuperando o prédio, limpando o ambiente e arrumando o que está danificado, a região toda ganha.

    Foto: Rodrigo Zaim / RUA Foto Coletivo

    “Participar do movimento de moradia significa estar ao lado de pessoas vencedoras e lutadoras. Ninguém faz essa luta se não tiver coragem e força.”

    Horas depois da entrada no imóvel da Conselheiro Furtado, a calma foi tomando o ambiente. É um “momento mágico”, segundo Danilo, um dos organizadores. Quando as pessoas se distribuem pelos ambientes e ficam tranquilas. Quando a perspectiva de moradia digna começa a se concretizar.

    Foto: Taba Benedicto

    “O Judiciário tem que garantir o cumprimento da Constituição Federal, especialmente a função social da propriedade, o Plano Diretor e o Estatuto da Cidade”, explica o advogado Benedito Barbosa. “Chega do povo morar nas franjas da cidade. Que o direito à moradia seja garantido junto com o direito à cidade.”

    Até o fechamento desta reportagem, a ocorrência mais grave se deu na Ocupação Jabaquara, com a prisão dos repórteres da rede #JornalistasLivres, que acompanhavam a ocupação. Das 18 ocupações, apenas duas não se consolidaram.

  • Brás, José Bonifácio e rua do Ouvidor. #AbrilVermelho começa vitorioso

    Brás, José Bonifácio e rua do Ouvidor. #AbrilVermelho começa vitorioso

     

    É 12 de abril de 2015, 18h45

    Enquanto boa parte da cidade de São Paulo se ocupava com o final das manifestações conservadoras, os #JornalistasLivres se preparavam para acompanhar as ações do #AbrilVermelho, da Frente de Luta por Moradia (FLM).

    Jomarina Abreu, 58 anos (15 de FLM) organizava quem iria para cada “alvo”. Ela tem 3 filhos, muitas ocupações, pelo menos quatro consolidadas.

    Nossa equipe se dirigiu a uma ocupação no centro, onde parte das famílias que participavam do #AbrilVermelho se encontravam.

    Entre eles, Fulano (que preferiu não se identificar), 32 anos, 2 filhos que vivem com a mãe, em São Luís do Maranhão: “Vejo eles sempre que possível”. Sua atual mulher estava ali, aguardando a ação.

    Fulano não era da FLM, esta foi sua primeira ocupação.

    Jomarina, tia Jô, como é conhecida, é quem organizou a reunião de acao. As famílias saíram da ocupação em grupos de 5, no máximo, para não chamar a atenção da PM e Guarda-Civil, que fazem ronda na região.

    R.U.A Foto Coletivo

    O primeiro alvo foi no Brás. Quem nos levou foi Júnior, de 26 anos (4 de FLM). Pai de 2 filhos, trabalha como vendedor. “Vim de Natal com 10 anos. Minha mãe mandou chamar e eu vim.” Ele sente saudades da tranquilidade da terra natal, mas faz a ressalva “falo do ritmo de vida. Gosto de trabalhar, não sou vagabundo”.

    A respeito dos prédios que seriam ocupados logo mais, Júnior esclareceu: “Na verdade são prédios que praticamente são do Estado já. Estão devendo milhões em IPTU. E tem juiz que mesmo assim dá liminar… Mas graças a Deus a Tia Jô consegue quebrar quase todas”.

    A ação ocorre em menos de 5 minutos. As famílias chegaram, entraram e fecharam o local. O repórter dos #JornalistasLivres entrou junto, atento à presença de seguranças, se estavam armados, enfim, se o local estava tranquilo para a estadia das famílias.

    Ao sair, a rua estava vazia. Em menos de 5 minutos a ação encontrava-se consolidada.

    O próximo alvo ficava na rua José Bonifácio.

    Foto: Paulo Ermantino

    Um grupo grande de famílias se preparava para entrar no prédio, que fica ao lado da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo.

    Foto: Jardiel Carvalho / R.U.A Foto Coletivo

    A PM que ali estava resolve que a melhor forma de tratar a situação é com bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo. Uma delas atingiu Sônia, uma senhora de 62 anos (5 de FLM) que estava ali “porque meu filho precisa”.

    A PM, descobriríamos logo, não seria o maior empecilho. Dois seguranças armados aguardavam a entrada das famílias. A especulação imobiliária não brinca em serviço.

    Os seguranças saíram pelos fundos, após negociação com as lideranças. Cada ação conta com coordenador(es) para estas situações.

    Foto: Sérgio Silva

    Do lado de fora boa parte das famílias que foram para o local aguardavam o desenrolar das negociações entre o advogado da FLM e a Polícia Militar. O repórter e fotógrafos foram rapidamente parados “para averiguação”. Mas o sistema da PM está fora do ar.

    Denise, 28 anos (4 de FLM), comentou: “Falei para você que não era sempre como lá no Brás?!”. De fato, ela falou. Denise nunca tinha vivido uma situação com bombas.

    Foto: Paulo Ermantino

    Passava da 1h quando a PM finalmente desistiu e foi embora. Foi também o momento em que os moradores aproveitaram para ocupar um segundo prédio, na Rua José Bonifácio com a rua do Ouvidor, menos de 5 metros da SSP.

    Foto: Paulo Ermantino

    A entrada ali foi mais tranquila. Como no Brás, em 5 minutos o prédio estava ocupado, a ação consolidada. As famílias comemoravam com o grito de guerra: “Quem não luta… TÁ MORTO!”.


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  • Ocupação José Bonifácio e Rua do Ouvidor

    Ocupação José Bonifácio e Rua do Ouvidor

     

    O olhar das mulheres que participaram das ações de ocupação de imóveis abandonados

    “Antes ou pagava o aluguel, ou comia.”

    Joélia, casada, 4 filhos — Nascida no Ceará, reside em São Paulo há 12 anos, na Ocupação São Francisco.

    Foto: Sato do Brasil

    “Depois que vim morar numa ocupação, diminuiu o custo do aluguel, que antes pagava muito caro. Agora, com a taxa colaborativa, consigo comprar comida e vestir meus filhos. Antes ou pagava o aluguel, ou comia. Sou trabalhadora assalariada e com o pouco que ganho não dava pra sustentar a família. Se estou na luta hoje é pelo futuro dos meus filhos.”


    “Graças ao movimento, hoje, voltei a ter esperança”

     

    Nilda de Souza — 66 anos, enfermeira, mora em São Paulo há 16 anos, atualmente sem residência — 1ª Ocupação J. Bonifácio.

    Foto: Sato do Brasil

    “A situação que me encontro é degradante. Graças ao movimento, hoje, voltei a ter esperança. Depois de trabalhar como enfermeira durante toda a vida, não consegui me aposentar por problemas de saúde. Sem nenhum tipo de renda fixa, não tenho como pagar aluguel, comer, ter os mínimos direitos à saúde e a moradia, fui resgatada das ruas pelo movimento Frente de Luta por Moradia (FLM).”


    “A maioria trabalha e ninguém tem condições de pagar um aluguel e ao mesmo tempo sobreviver”

    Glaucia — 34 anos — no movimento há vários anos — Ocupação Cambridge.
    Trabalhadora e ex-sindicalista dos Operadores de Telemarketing.

    Foto: Sato do Brasil

    “Entre nós, a grande maioria trabalha e ninguém tem condições de pagar um aluguel e ao mesmo tempo sobreviver. Resido no Cambridge há dois anos e depois disso muita coisa mudou na minha vida. E hoje estamos aqui lutando pelas pessoas que ainda não tem moradia. Aqui é uma união, um ajuda o outro, a gente conquista o espaço para outros morarem.”


    “Hoje eu estou aqui lutando para conseguir uma moradia pro meu filho e pro meu neto, que moram na favela”

    Ruana — 67 anos — No movimento há 3 anos — Ocupação Antigo INSS.

    Foto: Sato do Brasil

    “Aluguel é muito caro e eu ganho salário mínimo. Não dá pra viver uma vida estabilizada. Hoje eu estou aqui lutando para conseguir uma moradia pro meu filho e pro meu neto que moram na favela. Meu sonho é conseguir minha moradia própria, com dignidade, e sei que com o movimento isso será possível. Me sinto mal de ver os manifestantes indo pra Paulista em ato contra a Dilma, sendo que ela é a única que ainda olha por nós.”


    “Minha vida mudou muito após a ocupação, principalmente por poder ter moradia com um custo acessível, dignidade, o que reflete em estrutura familiar.”

    Miriam — 32 anos — Uma filha — No movimento há dois anos e seis meses — Ocupação Ipiranga/São João.

    Foto: Sato do Brasil

    “Minha vida mudou muito após a ocupação, principalmente por poder ter moradia com um custo acessível, dignidade, o que reflete em estrutura familiar. Hoje consigo fazer uma faculdade e dar um estudo melhor pra minha filha. Espero que gente vença mais uma luta e que façamos valer nossos direitos, a cada dia, construindo um futuro melhor para nossos filhos.”


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