Manifestantes protestaram contra o PL 529, de Doria, que desmonta serviços públicos de São Paulo, deixa famílias desassistidas e ataca ciência e universidades
Por Guilherme Gandolfi e Lucas Martins
Contra o PL (Projeto de Lei) 529/2020, proposto pelo governo de João Doria, manifestantes fizeram um ato em frente a Alesp, em São Paulo. O projeto está em discussão na assembleia e já rendeu críticas de diversos parlamentares. O ato contou com centenas de manifestantes, que seguindo regras de proteção contra a covid19, se colocaram contra as propostas.
O PL, que foi enviado pelo governador em 13 de agosto, entre várias medidas coloca a extinção de pelo menos 10 empresas e autarquias do estado de São Paulo, entre elas Fundação Parque Zoológico de São Paulo, Instituto Florestal, FURP, CDHU, EMTU/SP e ITESP. Também propõe a retirada de dinheiro das três universidades paulistas, USP, Unicamp e UNESP. Milhares de empregos serão diretamente afetados.
Foto: Guilherme Gandolfi (@guifrodu) / AFITESP
O ato, organizado pelo Comitê de Luta Contra o PL (liderado pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo) contou com cerca de 80 entidades de diversos movimentos sociais, populares, estudantis e sindicatos. Também estavam organizados atos no interior, nas cidades de Presidente Prudente, Mirante do Paranapanema, Araraquara, Arara e Registro.
O diretor da associação de funcionários do ITESP (Instituto de Terras do Estado de São Paulo), Vinícius Paroni, explicou a importância do instituto “que é responsável pela política agrária e fundiária do estado, presta assistência técnica para mais de 9 mil famílias assentadas e comunidades assentadas”, um dos ameaçados por projeto de lei.
Foto: Guilherme Gandolfi (@guifrodu) / AFITESP
Por trás do protesto, que presencialmente nos portões da Alesp gritou contra o PL, também se manifestaram contra as propostas prefeitos de cidades do interior do Estado e ex-secretários de justiça do estado.
Fotos: Guilherme Gandolfi (@guifrodu) / AFITESP
Os manifestantes e organizações vão seguir pressionando os deputados para evitar os efeitos do PL. Doria quer que o projeto seja sancionado até o final desse mês e, assim, já entre no orçamento do ano que vem.
União
No ato estiveram dois candidatos pela prefeitura da capital, Guilherme Boulos (Psol) e Jilmar Tatto (PT). Mesmo sendo os principais candidatos progressistas da cidade, estiveram lado a lado, em momento simbólico da manifestação.
Ambos disputam um eleitorado similar, com muitos Petistas históricos tendo declarado votos na chapa do Psol. A disputa tem gerado discussões, de quadros dos dois partidos, sobre a união de partidos progressistas nas disputas pelas prefeituras. No RJ o PCdoB abdicou de sua candidatura para apoiar a candidata do PT, Benedita da Silva, na campanha pelo executivo municipal. Em Porto Alegre PT e PCdoB se uniram na candidatura de Manuela d´Ávila.
Em São Paulo as três principais candidaturas progressistas ainda estão divididas, com Boulos pelo Psol, Jilmar no PT e Orlando Silva no PCdoB.
PL
O PL, que tem mais de 60 páginas, foi justificado por conta da crise gerada pela crise do Coronavírus, segundo Doria. E até mesmo deputados aliados do governador têm reclamado de seu tamanho e complexidade. O texto teve mais de 600 emendas de deputados para alterá-lo.
No projeto coloca propostas de alteração das contribuições dos servidores para o Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (IAMSPE), venda de imóveis da Fazenda do Estado, alterações na Carteiras dos Advogados e das Serventias, reduzir os benefícios fiscais do ICMS e IPVA, alterar a “autorização para securitização de recebíveis tributários e não tributários”, um programa de Demissão Incentivada (PDI) para servidores, alterações de responsabilidade da atual Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (ARTESP), alterações nas formas de “transação de créditos de natureza tributária ou não tributária”, alterar os valores de emissão da Carteira Nacional de Habilitação e do Licenciamento de Veículos e diminuir a validade dos “créditos da Nota Fiscal Paulista, de 60 (sessenta) para 12 (doze) meses”.
Também coloca a concessão da “exploração de serviços ou de uso, total ou parcial” dos parques Villa Lobos, Parque Candido Portinari, Água Branca, Parque Estadual do Belém Manoel Pitta, Parque Chácara da Baronesa, Parque da Juventude e Parque Ecológico do Guarapiranga além do Complexo Olímpico da Água Branca e do Conjunto Desportivo Baby Barioni.
E possibilita aos PMs ativos a “trabalharem nos períodos de descanso da escala de trabalho” e que policiais reformados retornem “ao trabalho em atividades-meio” além de conferir para a SPPREV competência “para o processamento da folha de pagamento do Sistema de Proteção Social dos Militares do Estado até a conclusão do processo de estruturação da Caixa Beneficente da Polícia Militar”.
CORREÇÃO: estava afirmado que a candidatura de Manuela d’Ávila era em Florianópolis, mas é em Porto Alegre.
A mídia golpista festeja. FHC pede tolerância diante do capitão. Fernando Haddad e Guilherme Boulos aceitam o papel de vallets numa live pela “democracia”. Tudo isso porque Jair Bolsonaro baixou o tom ao sentir a água subindo acima do pescoço. Como se o problema do militar expulso do Exército fossem seus rompantes verbais.
Nada disso. Bolsonaro virou refém de seus crimes e de sua famiglia. A prisão de Fabricio Queiroz desferiu um golpe quase mortal nos planos do mito. Queiroz sabe de tudo e um pouco mais. Se abrir a boca, Bolsonaro “já era” de direito, como já é de fato.
À beira do precipício, Bolsonaro distribui afagos ao Judiciário e ao Legislativo. São tão sinceros quanto a negativa de assumir os croquis mostrando seus planos de explodir quartéis e uma adutora no Rio de Janeiro. Sua preocupação maior é barrar as investigações e o julgamento dele e sua famiglia no roubo de dinheiro público. Flavio Bolsonaro é um criminoso exposto à luz do sol. Basta examinar seus recursos quanto ao inquérito das rachadinhas. Seus advogados nunca discutem o mérito; apenas filigranas judiciais.
Para isso contam com a complacência pérfida da “Justiça”. O desembargador carioca que decidiu o voto a favor da postergação do inquérito das rachadinhas é velho amigo da nova advogada do filho que é igual ao pai. No Superior Tribunal de Justiça, o presidente em exercício está acostumado a “matar no peito” as denúncias contra o presidente genocida. 85% de suas decisões têm sido favoráveis ao clã de milicianos.
A operação em curso, porém, envolve mais coisa. Depois de fulminar a aposentadoria e os direitos trabalhistas, na surdina das “sessões virtuais”, o Senado há pouco aprovou a proposta de privatizar a água. Pra variar, o bolsoguedismo está pouco se lixando para os interesses do povo, desde que encha os bolsos do capital financeiro. Tentou passar a boiada da previdência privada. Não conseguiu (ainda). Mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura.
Furou. Em poucas palavras: se o monstrengo for sancionado, só terá direito a água e saneamento quem puder satisfazer a ganância dos tubarões. Como sempre, o bolsoguedismo vai na contramão do que ocorre no mundo civilizado. É o que nos informa o noticiário. “Nos últimos 15 anos, houve pelo menos 180 casos de reestatizações em 35 países, como Alemanha, Argentina, Hungria, Bolívia, Moçambique e França. Em contraposição, neste mesmo período, muitos poucos casos de privatizações de água ocorreram. Este fenômeno de reestatizações vem se mostrando como uma tendência mundial. O número de reestatizações nas cidades duplicou nos últimos cinco anos, o que demonstra a aceleração desta tendência.”
A essa altura, nem precisa se estender sobre o MEC. A cada dia, o terceiro ministro nomeado é pilhado em mentiras. O militar da reserva ( mais um) dizia que fez doutorado. Foi desmentido na lata pelo reitor da universidade argentina onde se gabava de ter conquistado o diploma. Sua tese de mestrado também subiu ao telhado pela denúncia de plágio escancarado. Pior: foi sob sua gestão no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) que aconteceu uma licitação de R$ 3 bilhões (já cancelada) para comprar computadores para as escolas públicas. Em algumas delas, por exemplo, cada aluno receberia cerca de…100 computadores por cabeça.
O novo ministro correu para editar o currículo. Emenda pior que o soneto. No currículo lattes, agora admite nas entrelinhas que não tem o diploma de doutor. Mas não fala nada sobre o fato de que foi reprovado em três bancas diferentes. Tampouco explica como um não-doutor pode ser pós-doutorado numa universidade alemã. Sobre a licitação bilionária, tudo é silêncio. Abafa o caso.
Não, não há saída enquanto Bolsonaro e sua gangue de milicianos permanecerem no poder. O Brasil continuará contabilizando milhares de mortos a cada dia, desempregados sem proteção e gente vivendo do nada e ainda menos. Só FHC mesmo para dizer que é preciso tolerar o militar genocida por mais dois anos.
A pandemia limita a resposta do povo. Entre se aglomerar em manifestações e resguardar a vida, a maioria defende seu direito de viver. Mais do que justo. Mas a hora de ajustar as contas está cada vez mais perto. Com ou sem pandemia.
*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.
O MTST (Movimento Trabalhadores Sem Teto) se propõe a mais uma ocupação de peso em São Paulo, mas desta vez sem lonas, buscando uma construção coletiva para a câmara municipal da maior cidade do país. A chapa, formada por três mulheres negras do movimento, é um dos maiores desafios lançados depois de o coordenador nacional do movimento, Guilherme Boulos, ter saído pelo PSOL para a presidência, em 2018.
Débora Pereira, Jussara Basso e Tuca (Valdirene Cardoso) formarão a chapa que vai ser lançada pelo PSOL. O anúncio de que pretendem concorrer aconteceu no Teatro Oficina, região central de São Paulo, no dia 11 de dezembro de 2019, e contou com a presença de Guilherme Boulos e Juliano Medeiros, presidente nacional do PSOL, entre outros.
As três candidatas coordenam ocupações em diferentes regiões da cidade e, com isso, buscam trazer experiências de cada um desses espaços das “periferias de São Paulo que são, quase, municípios diferentes” e que, distantes e diversos, compõem a cidade. Cada uma trilhou um caminho diferente, mas chegaram até o MTST buscando encontrar sua casa. Ao que parece encontraram mais do que isso, como espaço para falar e serem ouvidas “nesse movimento que empodera mulheres”.
Na cidade que tem hoje uma câmara municipal com 9 vereadoras entre 55 cadeiras, a chapa coletiva tem conceito similar à chapa coletiva estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo, (Alesp), a Bancada Ativista, formada hoje por vinte uma pessoas. A novidade da chapa proposta pelo MTST é que Débora, Jussara e Tuca são do movimento e buscam trazer “aquilo que a gente aprendeu dentro do MTST, todas as nossas lutas, é o que vamos procurar garantir para nosso povo. Não só o povo do MTST, como todo o povo comum, que luta. Todo o povo periférico, trabalhador”.
A câmara tem sido, desde o começo dos mandatos atuais, em 2016, um espaço de forte apoio para o prefeito Bruno Covas (PSDB), que no final de 2018 conseguiu aprovar a reforma da previdência no município e tem visto diversos projetos seus aprovados Dos 55 vereadores apenas nove são do PT e dois do PSOL.
Quem são
Débora Pereira durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
DÉBORA
“Meu primeiro contato com MTST foi em 2007. Em uma ocupação perto da casa dos meus pais, em uma região construída com mutirão. Meu pai foi ver como se organizava e depois de conhecer fiquei um tempo, mas depois me afastei. Já em 2012 eu resolvi entrar no movimento para fazer minha luta por moradia, na ocupação Novo Pinheirinho do Embu, que levou o nome por conta do massacre que aconteceu no despejo violento do Pinheirinho original, em São José dos Campos. Eu fui somente como acampada, na época eu trabalhava no E.C. Banespa como cozinheira e à noite eu fazia minha faculdade. Nessa ocupação, eu queria ser coordenadora, mas as condições não permitiram, porque tinha meu filho e as questões da faculdade. E algo me encantou muito nessa ocupação: eram as mulheres que tocavam, mulheres que cumpriam o papel da coordenação, mulheres que faziam assembleia. Eu fui com objetivo da moradia, mas fazíamos lutas diversas: lutávamos por vaga na creche para crianças da região, por melhoria de transporte e por melhoria de saúde. Isso me instigou, chamou minha atenção. Em todas as lutas que a gente foi, nessa ocupação, a gente saiu com alguma conquista, resultado. Isso me encantou no MTST. Eu queria muito, muito mesmo, entender direito o movimento. Em 2013 terminei minha faculdade e a gente foi ajudar uma galera em outra ocupação, na região do Campo Limpo, a ocupação Dona Deda. E decidi que queria ser coordenadora, nesse movimento que empodera mulheres. Antes de conhecer o MTST eu não falava, era travada. A gente vive numa sociedade que fala ‘lugar de voz, lugar de liderança, não é de mulher’ e nas rodas de conversa nas ocupações sempre o movimento empoderava isso. Hoje eu organizo a ocupação Marielle Vive, na zona norte. Essa ocupação é um grande orgulho, foi o povo que escolheu esse nome, já que a ocupação aconteceu pouco tempo depois da morte da Marielle e todo mundo estava muito revoltado. Escolhemos o nome porque Marielle seria o exemplo da luta para a gente. Uma mulher, mulher negra, que veio da periferia e lutava pela periferia. Que denunciava o genocídio, o massacre do povo negro. O povo todo clamou para que o nome fosse Marielle Vive, pra que a gente não deixasse cair no esquecimento a luta dela e que a ocupação fosse uma semente de Marielle.”
Jussara Basso durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
JUSSARA
“Entrei no movimento buscando minha moradia, em 2012, na ocupação Novo Pinheirinho de Embu das Artes. E identifiquei com as propostas políticas do MTST e estou até hoje. Acho que o que me seduziu a permanecer foi essa construção coletiva, essa ideia de você fazer parte de algo muito maior do que você mesmo.”
Tuca durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
TUCA
“Tenho 46 anos. Nasci em São Paulo. Sou de uma família de sete irmãos, comigo. Filhos de pais mineiros. Conheci o MTST em 2014 quando se instalou aqui em Itaquera a [ocupação] Copa do Povo. Em 2014 tivemos a conquista do terreno e lutamos ate hoje para a conquista da obra. Em 2 de junho de 2015 foi fundada a ocupação Dandara dos Palmares, no Jd Alto Alegre. Nisso fui até lá com companheiros e passamos a tocar aquela ocupação. Que já tem o empreendimento pronto, para ser entregue no próximo ano. Para 216 famílias.”
O que é a mandata do MTST?
Tuca: “Tudo aquilo que a gente aprendeu dentro do MTST, todas as nossas lutas, é o que vamos procurara garantir para nosso povo. Não só o povo do MTST, como todo o povo comum, que luta. Todo o povo periférico, trabalhador. É o que a gente pretende buscar, fazer a mudança, dentro da câmara. Ocupando a câmara enquanto mulheres. MTST ocupando. Mostrar o valor que nós mulheres temos, nós do MTST, nós que lutamos. Até onde podemos chegar e revolucionar em cima disso tudo. É um mandato coletivo de mulheres, pra isso mesmo. A câmara não foi feita para as pessoas ficarem lá. Se aposentarem lá dentro, ocupando a bancada, sem ao menos darem os nossos direitos. Chegou a hora de a gente chegar lá e fazer essa mudança, com o mandato coletivo de mulheres. Estamos lá para ocupar, não para ocupar por um espaço de tempo indeterminado, mas sim pra fazer a mudança e renovação.”
Jussara: “A principal ideia, principal bandeira, é a representatividade. A gente tem apenas nove mulheres vereadoras hoje na câmara. Nenhuma delas é negra. A principal experiência que surge de tudo isso é que nós três atuamos na construção coletiva. Na desconstrução dessa cultura de colocar a mulher em segundo plano na sociedade. A experiência de luta do MTST traz esse sentido do coletivo, da construção da unidade. Da solidariedade. O dialogar com a quebrada e saber o que rola e quais são as mazelas. Aquilo que dói na pele de quem mora do lado de cá. Isso é uma característica muito nova e principal. E retomar o trabalho de base, que foi abandonado por uma parte da esquerda, que é você estar nas bases, estar com as bases e, a partir disso, construir propostas de políticas que atendam reinvindicações que estão esquecidas. Você anda na quebrada e vê a falta de segurança e aqueles que deveriam garanti-la são os primeiros a oprimir, violentar e assassinar jovens. Você anda na quebrada e vê a falta de saneamento básico, de iluminação, de lazer, de cultura. Vê que a saúde pública está cada vez mais sucateada. Vê que as pessoas estão se virando como podem pra gerar renda para suas casas e que não existe uma política que realmente incentive isso. Tem muita coisa para fazer. Muita coisa. E ouvir as pessoas vai trazer elementos para a construção de políticas públicas muito efetivas e potentes. Eu acredito que, sinceramente, ocupar a câmara vem no sentido de ocupar a política com consciência. Consciência social – é isso que significa. Imagino que seja muito necessário que, no debate eleitoral de 2020, a gente traga muita qualidade a discussão sobre esse avanço neoliberal, que vem retirando direitos. E esse avanço de uma direita radical que persegue o pobre, o preto, o favelado, a mulher, o homossexual. A gente precisa ser a resistência dentro dos espaços institucionais. É um grande desafio, sem dúvida, mas acho que tudo que a gente construiu até aqui, enquanto MTST, vai ser uma ferramenta importante pra dentro da instituição.”
Débora: “O que as pessoas podem esperar é que haverá vereadoras que, de fato, vão representar os seus interesses. A gente sabe que a luta não vai ser fácil, mas estando lá dentro vamos dar voz ao povo da periferia, vamos pontuar as dificuldades e trazer melhorias para a periferia, porque na maioria das vezes grande partes dos políticos que estão lá, não estão para representar o interesse da maioria do povo da periferia. Estão lá para representar interesses individuais ou de uma minoria. Se a gente chegar lá, com certeza, na câmara vai ter voz da periferia. Vai ter voz dos sem teto. Vai ter voz das mulheres. Vai ter voz do povo negro.”
Projetos
Débora: “Existem questões que são diferentes e outras que são iguais. As questões da violência policial contra a periferia e de falta de creche são iguais. Mas, conversando entre nós três, percebemos que outras questões manifestam-se de forma diferente. Por exemplo. Na zona leste e norte temos um problema sobre algumas escolas que estão sendo fechadas por conta do argumento de não ter demanda e a gente que mora na região sabe que tem muita demanda. Muitas pessoas que tinham escola do lado de sua casa estão tendo que procurar escola em lugares mais distantes, por conta do fechamento. Outra coisa que é muito forte na zona norte é a questão da saúde, da falta de médicos ou cada dia um médico diferente, além de remédios faltando, da falta de saúde voltada para mulher ou conseguir consultas especializadas. A infraestrutura também é outra falta grave. Na sul, a Ju pode comentar melhor, a questão muito forte na luta da mobilidade e o trânsito para chegar ao centro. Não é que na Norte não exista essa luta, mas sem tanta força. E na Leste, pelo que já escutei da Tu, tem muito da questão da saúde e fechamento de escola. O legal de serem três regiões diferentes é que as lutas que têm em comum a gente pode pegar as experiências de uma região para a gente tentar aprender e nos fortalecer. Ver que a gente vive numa mesma cidade, com regiões diferentes e vários problemas diferentes.”
Tuca: “O contraponto agora é o olhar da periferia, trazendo as pautas da periferia pra cidade. Como a da saúde, educação, transporte e segurança. Esse é nosso ponto de vista, trazer as pautas periféricas enquanto MTST.”
Jussara: “Existe uma diversidade nas periferias de São Paulo que são, quase, municípios diferentes. Não dá pra você pautar a periferia de São Paulo, sem singularidade. É muito diferente. As pautas de reivindicações basicamente são as mesmas. Mas as pautas prioritárias dessas regiões diferem. Se pegamos o extremo sul, já mais pro Jd Ângela, é muito forte o debate sobre a mobilidade urbana, lá tem um afunilamento do trânsito local, na estrada do M’Boi Mirim que liga, inclusive, as cidades da região metropolitana (Embu, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra) ao município de São Paulo e a região central. Por outro lado, é uma região extremamente populosa, com a necessidade de transporte público muito grande o que causa problemas gravíssimos. São debates muito antigos, como a duplicação da M’Boi e as remoções necessárias para essa duplicação, já que famílias inteiras vão perder suas casas e precisam ser indenizadas. Outro debate antigo, como o Metrô JD Angela, e as remoções necessárias para a ampliação necessária da linha Lilás do Metrô. E se você for para a zona leste o debate é muito grande sobre os fechamentos dos cursos noturnos das escolas. Houve uma mobilização muito grande dos estudantes, nesse sentido. Lá também é crescente a discussão sobre saúde pública, sendo uma região superpopulosa. Já na região norte você tem outras caraterísticas de debate, que também traz as suas prioridades mais locais. As companheiras vão poder trazer elementos que eu não tenho acúmulo suficiente. Mas você percebe que existe essa diversidade e mesmo aqui na sul, onde moro, você tem três extremos (Grajaú, Jd Angela e Macedônia, que está no limite da cidade, o que traz mais carências porque o poder público não alcança os limites municipais). A cidade de São Paulo tem uma diversidade de debates e necessidades muito grande e de prioridades. A gente precisa trazer essa pluralidade para dentro do institucional. Os vereadores, os políticos de carreira, essas pessoas que estão sentadas há décadas na cadeira do poder público, elegem a sua região, seu curral eleitoral, e ali eles fazem políticas de acordo com seu eleitorado, mas sem atender toda a população local. E só se pautam no período eleitoral, depois esquecem. Outra questão é o orçamento que vem das emendas parlamentares e muitas vezes é destinada para um grupo específico e não atende a população. Precisamos, realmente, democratizar a política. Para além da candidatura do companheiro Guilherme Boulos, ano passado, essa nova candidatura, esse novo período eleitoral traz pra nós a possibilidade de trazer pra pessoas, claramente, o que é o cargo, quais são as competências do cargo.”
Como vai ser a pauta da moradia e a relação com o MTST?
Tuca: “Isso vai depender de nós mesmos, MTST, enquanto ocupação lá dentro da câmara. Tudo vai depender de nós. A influência vai ser muito forte e positiva. Vai fortalecer mais ainda os movimentos sociais, não só o MTST. Estaremos lá por todos.”
Débora: “No nosso programa político uma das pautas principais vai ser a questão da moradia. A gente está vivendo uma situação em que não existem mais políticas habitacionais. O foco na nossa mandata vai ser a questão de moradia”
Jussara: “O município lançou agora uma proposta de COHAB faixa 1, que vai seguir os mesmos métodos do programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), no sentido de produzir habitação no município. Uma grande questão é pautar as leis de zoneamento, como temos áreas municipais que podem se tornar ZEIS [Zonas Especiais de Interesse Social], que podem atender a moradia popular. Existem famílias cadastradas há mais de trinta anos e nunca foram atendidas. Você precisa produzir habitação de acordo com o déficit. Também a questão do número de imóveis na cidade que permanecem vazios e precisam ser discutidos – de que forma a gente consegue estabelecer políticas públicas de combate à especulação imobiliária para que tenha casa para quem precisa de casa? A população de baixa renda precisa acessar os espaços centrais da cidade. Entrar na discussão do direito à cidade é de extrema importância. O exemplo do que aconteceu em Paraisópolis, aquilo que aconteceu com aqueles jovens, está ligado a essa ausência de acesso. Um transporte caro que as pessoas não conseguem acessar a cultura, o lazer, que estão mais presentes na região central. Assim procuram da forma que podem morar, se divertir, estudar, trabalhar. Essa mandata não pode e não vai ser um mecanismo exclusivo do MTST, mas sim um mecanismo de discussão de todas as políticas necessárias para atender todas as pessoas que precisam de políticas sociais. É de fundamental importância que a gente tenha interlocução com diversos movimentos, com diversos personagens que atuam no sentido de trazer mais direitos para as pessoas.”
As futuras candidatas durante ato no Teatro Oficina Foto de Lucas Martins / Jornalistas Livres
Boulos, ao lado de líder do DCE e ver. Afrânio Boppré. Foto Carol Morgan e Leonardo Gatti
A Universidade pública federal foi, na noite de quarta-feira (19), em Florianópolis, território de resistência e ocupação das esquerdas, como nos tempos das grandes reações à ditadura militar. Aula magna promovida pelo Diretório Central dos Estudantes da UFSC mobilizou mais de 2.000 pessoas para ouvir o líder do Movimento de Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-candidato a presidente da República pelo PSoL, Guilherme Boulos, falar sobre as estratégias de resistência contra a destruição da previdência pública e dos direitos sociais. Boulos defendeu a unidade e a maturidade da esquerda para “enfrentar um inimigo maior que quer destruir nossa perspectiva de futuro”. Bolsonaristas mobilizados por Luciano Hang foram postos pra correr pela esmagadora maioria.
Do lado de fora, mais de 1.500 pessoas acompanhavam a aula magna
Depois de lotar o auditório e o hall da reitoria da UFSC, o público ocupou o espaço externo, na Praça da Cidadania, em frente à administração, transformando em ratinhos constrangidos pouco mais de uma dúzia de militantes do MBL e estudantes de extrema direita, convocados pelo bolsonarista Luciano Hang. Dono da rede de Lojas Havan, Hang atacou a universidade por permitir a palestra de Boulos, que chamou de “invasor de propriedades”. O empresário biliardário é famoso por ter sido indiciado em processos judiciais de sonegação de impostos, apropriação indébita de descontos do INSS, evasão de divisas, fraude em documentos federais, violação dos direitos trabalhistas e, durante o período eleitoral, constrangimento e assédio político aos empregados.
Recebido pelo público com o bordão do Povo Sem Medo, “Aqui está, o povo sem medo, sem medo de lutar”, Boulos defendeu a universidade como espaço público de debate do pensamento crítico em oposição à tentativa de mordaça e perseguição do Projeto Escola sem Partido. Na capital de Santa Catarina, reduto do bolsonarismo, mas também a cidade onde obteve a votação mais expressiva do país nas eleições presidenciais, Boulos proclamou a união das esquerdas contra o desmonte da previdência pública, a fúria de privatização e a entrega das riquezas nacionais ao capital estrangeiro. Ao protestar contra o assassinato de Marielle Franco e a prisão política de Luiz Ignácio Lula da Silva, foi encorajado por um coro uníssono de “Lula Livre”. Os ecos do lado de fora, onde pelo menos 1.500 pessoas acompanhavam a aula por um telão, chegaram ao auditório e levaram o palestrante ao encontro desse público. Na Praça da Cidadania, Boulos falou em forma de jogral com a multidão: “Universidade deve ser espaço democrático, instância pública de debate. Ninguém vai impedir que a gente fale, que a gente debata, lute. Vamos em frente, resistir, até a vitória!”.
Entre os organizadores da aula magna, dirigentes do PSoL, do DCE Luís Travassos e da universidade, havia muito temor pela segurança do palestrante e do público. Bolsonaristas chegaram a criar um evento na página do Facebook do movimento fascista Endireita UFSC para chamar um ato de repúdio contra a presença de Boulos na universidade. Contudo, em vez de intimidar, os ataques só conseguiram aumentar a mobilização dos estudantes, que começaram a ocupar o espaço às 17 horas, duas horas antes do início marcado, para evitar a invasão dos pró-governistas. Partidos de oposição como PT , PCB, PCdoB e PCO mobilizaram seus coletivos, assim como outras agremiações e entidades populares em defesa da democracia, da universidade e dos direitos humanos, a exemplo do Floripa Contra o Estado de Exceção, Movimento Negro Unificado, Movimento das Ocupações Urbanas e 8M Santa Catarina e Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
A campanha Lula Livre teve uma presença marcante no cenário do evento, com faixas cartazes, venda de camisetas, bandanas e palavras de ordem endossadas pelo palestrante que defendeu a pluralidade política no espaço da universidade. “Onde querem fazer o debate sobre as diferentes posições sobre os rumos da sociedade? No quartel?”, provocou o sociólogo. “Gostaríamos que em vez de dizerem que vão jogar pedra e ovo, tivessem a coragem de sentar aqui nessa mesa para debater com a gente o futuro do Brasil. Não debatem porque não têm projeto. Nem o chefe deles vai ao debate. Fugiu dele a eleição inteira!”. Por isso, acrescentou, “é fundamental manter esse evento depois das ameaças daqueles que só fazem gesto de arminha, mas não têm disposição de debater o futuro do Brasil”.
Quanto mais a cobra do fascismo rodopia, mais ela provoca o grito das multidões. Em efeito contrário, as ameaças acabaram provocando um “momento emblemático de união e resistência das esquerdas, que deve ter continuidade em 22 de março, dia de e mobilização contra a Reforma da Previdência e construção da greve nacional”, como propôs o sociólogo. O clima de grande tensão e até a expectativa de incidentes graves e agressão física se extinguiu com o carisma do guerreiro e a sede de esperança da plateia sob a lua cheia. Sem violência, como mostram os vídeos, mas com firmeza, a própria militância de esquerda enquadrou e controlou os militantes de direita do Instituto Imperial Catarinense, Liberalismo Radical, Endireita UFSC e Direita Santa Catarina, que tentavam sabotar o evento, com barulho de apitos, cornetas e palavras de ordem provocativas. Alguns deles reivindicavam a posse dos símbolos nacionais e a bandeira do Brasil, quando foram questionados sobre a posição submissa e entreguista do presidente do Brasil nas relações com Trump, nos Estados Unidos, denunciando esse falso patriotismo. Uma bandeira de Bolsonaro foi consumida pelas chamas. Numa resposta vigorosa aos ataques dirigidos do presidente contra o movimento estudantil nomeando-o inimigo do governo, Boulos referendou a importância da juventude na luta contra a ditadura militar e, agora, no combate ao projeto fascista e entreguista. Luís Travassos, o líder estudantil, torturado e assassinado pela Ditadura Militar, homenageado no nome do DCE, foi referendado pelo vereador Afrânio Boppré como símbolo da força e da organização estudantil nacional, que tomou fôlego em Florianópolis.
Gravação ao vivo da Aula Magna publicada pelo DCE Luís Travassos
Com uma crítica construtiva à esquerda que foge ao divisionismo cultuado por membros do seu próprio partido, Boulos apontou como falhas da esquerda que conquistou o poder nos últimos anos o afastamento das periferias e das bases. Afirmou que Bolsonaro é fruto da desesperança, da desilusão, fruto do medo. “Para construir outro caminho, temos que ser capazes de nos reencantar para encantar as pessoas. Capazes de construir sonhos coletivamente e de nos organizar”. Como desafio, o ativista político propôs que as esquerdas fortaleçam a unidade considerando que as diferenças entre si são menores do que as ameaças de futuro impostas pelo governo Bolsonaro.
Defesa de Boulos e da previdência pública une esquerda em Florianópolis. Foto: Carol Morgan e Leonardo Gatti
O que está em jogo no país com os projetos de Bolsonaro é a perspectiva de futuro, acredita Boulos. A começar pela reforma da previdência, que quer fazer com que todos nós não tenhamos perspectiva nenhuma de se aposentar, temos que morrer trabalhando. Mas não é só a reforma da previdência: “É um ideário de sociedade que coloca o privilégio acima dos direitos, que colocar o cada um por si como princípio de organização social acima da solidariedade. É isso que eles querem fazer com a previdência como é isso que querem fazer com a universidade. Um ministro que diz que universidade e para elite intelectual. Se eles acham que a porta que se abriu, abriu demais, nós achamos é que abriu pouco. Tem que ser escancarada. Tem que ter mais negras, mais favelados “.
Sobre as perspectivas de um governo tirano e imbatível, o líder popular apontou esperança em meio à tragédia. “Há pouco mais de quatro meses Bolsonaro foi eleito como se fosse uma derrota irreversível. Não demorou 60 dias para aqueles que se diziam ser o novo, mostrassem práticas vergonhosas de corrupção e as táticas mais velhas da política brasileira. Não demorou 60 dias para que as pessoas percebessem o despreparo, o quando colocaram um bando de trapalhões na Presidência da República”. E prosseguiu: “Não demorou 60 dias para aqueles que garantiriam a segurança pública e que acabariam com a violência se mostrassem um bando de milicianos, associados ao que tem de pior no Rio de Janeiro, que são as milícias que mataram Marielle Franco e que exploram milhões de moradores de comunidades carentes por extorsão. Essas milícias hoje estão bem próximas do Planalto, se é que não estão alojadas lá”.
REFORMA VAI FALIR A PREVIDÊNCIA PÚBLICA
Com a aula magna, Guilherme Boulos, começou por Florianópolis uma turnê em 17 cidades brasileiras para organizar a luta contra Bolsonaro e a Reforma da Previdência. De Florianópolis, ele segue hoje (20/3) para Curitiba, amanhã para Porto Alegre, e na sequência para Brasília, Belém, Macapá, Fortaleza, Teresina, Recife, as cidades paulistas de São Roque, Campinas, São Carlos e Franca, Belo Horizonte, Juiz de Fora, Niterói e Rio de Janeiro. Boulos qualificou o projeto da Reforma da Previdência como criminoso e covarde. “Eles querem com a proposta da reforma destruir a previdência pública e jogar o dinheiro de quem puder poupar para os bancos privados. Como destroem a previdência? Tornando a aposentadoria quase impossível, determinando 40 anos de contribuição num país onde a maioria está na informalidade, 60 anos de idade num país onde a expectativa de vida não chega aos 60 em várias periferias”. Na sua avaliação, o projeto inviabiliza a previdência pública pois quem tiver condições vai para a previdência privada e dar o dinheiro pro Bradesco, pro Itaú e pro Santander. Quem não tiver, vai ganhar R$ 400,00 depois dos 60 anos. “E dizem que isso é que vai salvar a Previdência? Isso é o que vai falir de verdade, pensem bem. Hoje 2/3 da previdência é financiado por contribuição do empresário e do trabalhador em folha de pagamento. Se o trabalhador deixa de contribuir para a capitalização, esse dinheiro que ia pro INSS vai pra previdência privada. Aí que a previdência pública vai falir porque não vai ter como sustentá-la”, afirma.”Ah mas a previdência privada é uma opção”, pondera. “Opção coisa nenhuma. Na previdência pública a empresa tem que contribuir, na privada não paga nada. Se isso acontecer, acham que o empregado vai contratar trabalhador que opte pelo INSS? Claro que não! Será uma condição para contratar. É uma jogada pra dar dinheiro pra banco e acabar com a perspectiva de futuro”.
O que está em jogo, enfatiza o guerreiro, é a nossa geração, as próximas gerações. “O que está em jogo são as conquistas mais básicas de uma sociedade civilizada. É não ter Idoso com receita de remédio pedindo esmola na sinaleira. O que está em jogo é que a universidade seja um direito. O que está em jogo é que uma briga de trânsito não vire um bangue-bangue. Se queremos igualdade e solidariedade, ou privilégio, privatização e cada um por si. Esse é o momento da decisão”.
Antes de proferir a palestra na UFSC, Boulos participou às 16 horas da sessão na Câmara de Vereadores em homenagem à Marielle Franco, constantemente evocada por gritos de “Marielle, presente!” e “Marielle perguntou, eu também vou perguntar: quantas mães têm que morrer pra essa guerra acabar”. Foi uma aula magna curta e antológica, com o impacto das palestras dos anos 70 e início dos 80, quando multidões se apinhavam nos auditórios da UFSC para buscar na voz de grandes líderes, de esquerda como Luís Carlos Prestes, uma saída para o inferno da ditadura. Eles são uma tragédia, mas tudo isso mostra mais cedo do que muitos imaginavam, o que previu Pepe Mujica quando veio ao Brasil falar sobre o Golpe de 2016: “Nenhuma vitória é definitiva e nenhuma derrota é definitiva”.
Ontem foi celebrado um ato no Largo São Francisco, região central de São Paulo, em homenagem e apoio ao deputado Jean Willys (PSOL-RJ) que depois de sofrer seguidas ameaças decidiu abandonar o mandato e sair do país.
Jean lutou, durante dois mandatos, na Câmara dos Deputados pelos direitos LGBTs e de todas as minorias oprimidas. Sua vida pública foi marcada por campanhas de difamação e mentiras. Sua atuação incomodava fanáticos apoiadores de Jair Bolsonaro que, além de inventarem mentiras absurdas sobre ele, ameaçaram de morte sua mãe e seus irmãos. Um dos episódios marcantes da trajetória de Willys pelo congresso foi o cuspe em Jair Messias Bolsonaro durante a votação do Impeachment da presidenta Dilma, após o deputado Bolsonaro homenagear o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra. Fernando Haddad, Manuela D’Ávila, Guilherme Boulos, Criolo, a deputada estadual ,Erica Malunguinho, o deputado estadual, Carlos Giannazi, Eduardo Suplicy, Ivan Valente, o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, e centenas de militantes e políticos estavam lá juntos para lutar pela democracia e por Jean.
O ato ocorreu no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, que fica no largo. Ao longo da noite várias falas foram realizadas pelos que estavam presentes, seja para relembrar momentos e vitórias de Jean como deputado ou para lamentar e ponderar sobre a decisão que ele foi obrigado a tomar.
Veja abaixo falas de alguns dos presentes.
Manuela D’Avila (ex-cadidata à vice-presidência do Brasil pelo PT)
“Trago um recado de Jean: ele disse que nunca, mesmo diante de tanto medo e de tanta adversidade que fizeram com que ele tomasse essa decisão, ele nunca teve tanta esperança pela onda de solidariedade que ele recebeu. Pediu que eu dissesse a vocês que mesmo doído, ele está bem.” “Eu acho que o exilio do Jean, diz muito sobre o que o Brasil vive, sobre o que viveu nos últimos anos e também sobre o que nós podemos viver nos próximos dias, nos próximos meses, no próximo período.”
“Nós precisamos dizer que a onda de fake News e as redes de ódio são responsáveis pelo exilio de Jean. “
“A mera existência de um homem gay político, gera ódio. A verdade. O homem gay, político, poderoso, subvertendo as estruturas de poder. Isso gera ódio. Por isso é fake News e ódio. E são muitos os anos que Jean sofre com isso. São muitos os anos. E não é por acaso. É porque ele é porta voz de um conjunto de ideias que causam medo. A mudança. A transformação. O tirar o poder das mãos dos mesmos que tem sempre o poder: os homens brancos heterossexuais.”
“Nós queremos uma democracia viva. Com o direito a debater todas as coisas e não queremos ser odiados. E nem sermos absolutamente destruídos porque defendemos o que quer que seja.”
“É preciso falar: o fascismo, o ódio, a desumanização. A ideia de que o outro é o inimigo, o inimigo único a ser combatido. Que façam com que venham aqui, que vão aos enterros, que vão aos hospitais, tentarem fazer escrachos com os que lutam pela democracia. O fascismo no Brasil se constrói a partir do ódio, das fake News financiadas por dinheiro sujo na internet. “
“Nós temos a obrigação de acolhermos as decisões das nossas companheiras e dos nossos companheiros sobre a melhor forma de resguardarem as suas vidas e a sua sanidade mental. “
Fernando Haddad (ex-cadidato à presidência do Brasil pelo PT)
“Primeiro dizer pra vocês todos que eu estou, desde sempre, mas a partir de hoje com mais vontade, eu estou disponível, eu estou disposto, eu estou animado, para reconstruir as condições para o Jean voltar para o Brasil amanhã, se ele quiser.”
Guilherme Boulos (ex-cadidato à presidência do Brasil pelo PSoL)
“Estao construindo esse ambiente, tão semeando o ódio, tão estimulando a violência, e a responsabilidade política das ameaças ao Jean, inclusive pela forma como reagiu, essa responsabilidade é do Bolsonaro e do seu governo e é ele que deve ser cobrado.”
“A decisão do Jean é um grito, um grito de basta, de que não dá mais. E é importante a gente ouvir esse grito e transformar esse grito em disposição de luta, em unidade, em mobilização, para que a gente possa começar a virar esse jogo. Virar esse jogo para construir um Brasil onde alguém como Jean Wyllys seja valorizado e seja respeitado. Para construir um Brasil onde todas as formas de amor sejam valorizadas e sejam respeitadas. Para construir um Brasil onde o lucro não esteja acima da vida.“
Monica Benício (ex-mulher de Marielle Franco e militante do PSoL)
“Eu tenho um desacordo quando as pessoas dizem que o Jean teve que abandonar o seu mandato. Eu acho que ele foi obrigado a abandonar o seu mandato por essas pessoas.”
Ivan Valente (deputado federal pelo PSoL-SP)
“Bolsonaro na cadeia já, e não é só pelas transações tenebrosas, não é só pelos depósitos do Queiros, é porque a ligação direta com as milícias no Rio de Janeiro, lá no Escritório do Crime, em Rio das Pedras, e no globo de hoje esta muito claro, nos discursos de Bolsonaro em Brasília e do Flavio, na homenagem que ele faz, que nós podemos ter uma grande surpresa, Monica, fechando o circuito. Talvez a mão assassina que atirou em Marielle passe exatamente por ai, nesse que esta ai clandestino agora, neste que está foragido e que é homenageado. Miliciano homenageado. Nós não vamos permitir isso. Nós vamos dizer: Bolsonaro é ligado as milícias. Fora Bolsonaro”
Entrevista exclusiva a Nícolas Horácio/EstopimColetivo
“O povo brasileiro não é como Bolsonaro. Dos 55% de votos que ele teve, seguramente, o núcleo duro dele é de 15 a 20 milhões de votos. Esse é o eleitorado que abraça as teses de violência pra resolver o problema da segurança, de preconceito, de racismo, de desqualificação da mulher, de desprezo pela democracia, pela liberdade de expressão, a visão pró norte-americana e esse abraço de urso ao neoliberalismo de mercado, que é, na verdade, entregar o país ao capital financeiro, na nossa opinião, evidentemente. Acho que nós temos que fazer essa disputa também com o eleitorado dele. O eleitorado não vai ficar com ele” (José Dirceu)
Ele esteve no centro do poder no governo Lula e foi cogitado para a sucessão presidencial depois de chefiar a Casa Civil, um dos mais estratégicos ministérios do país. Condenado a mais de 30 anos de prisão, teve a trajetória política interrompida e, no estilo Graciliano Ramos, escreveu um livro de memórias no período do cárcere. Fundador do PT, ex-militante do PCB e da luta armada, José Dirceu responde os processos em liberdade como um dos mais polêmicos personagens da política brasileira na atualidade. Por fora do tabuleiro político, continua atuando como um importante intelectual para a militância do PT, através de sua força e influência.
Em Florianópolis desde o dia 15 de novembro, foi recepcionado pela amiga e ex-ministra Ideli Salvatti, conversou com lideranças de outros partidos da esquerda, como PSOL e PCdoB, com militantes da juventude do PT e dos partidos aliados. Na segunda-feira (19/11), realizou sessão de autógrafos do livro “Zé Dirceu – Memórias Volume 1”, no qual narra momentos importantes da história brasileira e deixa seu ponto de vista sobre a conquista do poder pelo Partido dos Trabalhadores, o legado dos seus dois governos e a análise do processo intervencionista que culminou com a violação da democracia.
Em entrevista ao Estopim Coletivo, de Florianópolis, Dirceu conta detalhes do livro que será lançado em pelo menos 25 capitais brasileiras e indica como o PT, agora na oposição, deve se comportar nos próximos anos.
A Entrevista
No lançamento do seu livro em Brasília, você disse que o PT está em uma defensiva e precisa de estratégia política. Qual deve ser essa estratégia? E qual a sua participação nela?
Zé Dirceu: Minha participação vai ser como filiado. Eu não pretendo, nem devo voltar para a direção do PT e muito menos participar diretamente do partido.
Eu quero andar pelo Brasil, lançar meu livro, fazer palestras e participar de seminários. Quero estar com os movimentos, com a CUT, o MST, os partidos aliados. Eu tenho diálogo com PCdoB, com PSB e quero estar com a juventude. Eu tenho priorizado esses três eixos.
Quando eu digo que estamos em uma defensiva, não é só o PT.
Essa coalizão que elegeu Bolsonaro não é só uma coalizão religiosa, com os setores militares e partidos. Ela tem uma cabeça que é o capital financeiro internacional e tem uma política que é pró Estados Unidos.
É uma coalizão que pretende fazer grandes mudanças no Brasil, basta olhar a pauta dele. Começa pela política externa, que ele vai virar totalmente, não só a nossa política externa, como a dos tucanos também. Por isso que pelo menos alguns tucanos estão contra.
Nós temos força, mas nós viemos sofrendo derrotas desde 2013.
Você se refere às grandes manifestações de 2013?
Zé Dirceu: Sim, porque eram manifestações contra o aumento das tarifas em São Paulo e foram capturadas, com papel muito forte da Rede Globo e dos setores que financiaram aquela mobilização, para um movimento contra o governo da Dilma, o PT e que com a Lava Jato fez uma escalada de criminalização do PT e do próprio Lula, levando ao impeachment da Dilma e a prisão do Lula, que culmina com a eleição do Bolsonaro.
Nesse sentido, nós temos que reconhecer a derrota, ao mesmo conhecer as nossas forças e a necessidade de repensar o que vamos fazer nos próximos anos.
Temos algumas tarefas óbvias: a liberdade do Lula; a oposição a pautas como Escola sem Partido que, na verdade, é escola com partido, o deles.
Por outro lado, o governo vai anunciar uma série de medidas, nós temos que apontar alternativas. Não podemos apenas ficar contra. Se ele vai fazer uma Reforma Tributária, temos que apresentar nossa visão e para a Reforma na Previdência, a mesma coisa.
Você vem articulando essas conversas nos estados?
Zé Dirceu: Não. Eu não articulo. Eu Tenho relações, porque desde 1965 eu sou militante político e eu participei dos principais eventos do país a partir de 1979.
Participei da clandestinidade, da luta armada, participei da geração de 1968, fui do PCB, depois, fui um dos fundadores do PT, então tenho muitas relações.
Procuro, sou procurado e converso, exponho a minha opinião e tentando ajudar nesse sentido, nessa linha.
Mas exerce influência, certo?
Zé Dirceu: É. Influência eu exerço, mas não significa que eu vá participar de direções do PT, disputar mandatos ou participar de governos. Eu nem posso, porque estou inelegível.
Aqui em Santa Catarina você fez algumas conversas com militantes de outros partidos. Sentiu possibilidade de unificação da esquerda aqui? Há caminhos pra isso?
Lançamento e palavra de resistência em Florianópolis
Zé Dirceu: Eu acredito que há sim, na base. Temos que começar pelas lutas concretas em cada cidade, em cada estado, pelas agendas que estão colocadas.
Acho que a Reforma da Previdência é uma questão fundamental, a Escola sem Partido é outra, a defesa da liberdade de manifestação, esses ataques ao MST, ao MTST, ao João Pedro Stédile e ao Guilherme Boulos, nós não podemos aceitar.
A agenda da anulação da condenação do Lula é importante e nós devemos construir uma agenda a partir dos sindicatos e da juventude, da luta das mulheres.
Nós devemos construir uma agenda de oposição, porque temos legitimidade e fomos para oposição por decisão do eleitorado. Nós temos 47 milhões de brasileiros e brasileiras para representar e, no caso do PT, um mínimo de 30 milhões, que foi a votação do Haddad no 1° turno em aliança com PCdoB e com o PROS.
Então, nós temos obrigação de exercer essa oposição, essa fiscalização, apresentando propostas e alternativas e temos que resolver nossos problemas, como a debilidade na área das redes.
Quais redes? As redes sociais?
Zé Dirceu: Isso. Elas são importantes desde 2008, na eleição de Obama, depois na eleição do Trump, que gerou uma crise internacional, e quando chega a eleição aqui nós não estamos preparados?! Alguma coisa tá errada.
Mesma coisa a nossa presença nos bairros, na luta do dia a dia do povo trabalhador no bairro. Temos que analisar e tomar medidas com relação a isso.
Você acha que faltou ser mais presente nas redes sociais para ganhar o público?
Zé Dirceu: Sem dúvida nenhuma. A rede social é um potencializador e quando você tá ausente também lá no bairro, o potencial aumenta, porque você não tem como contraditar e responder. Se você não responde nas redes, não responde nas casas, na igreja, na lotérica, no açougue, no cabeleireiro, no supermercado.
Depois que nós saímos na rua com o Vira Voto, nós crescemos muito. Porque é sempre importante o contato pessoal, o diálogo, o olho no olho, o debate, a reunião, a experiência de vida em comum. Eu aposto muito também na juventude nesse sentido. Acho que ela pode e dever ter um papel importante.
Você disse recentemente que o PT perdeu a eleição ideologicamente. O povo brasileiro é como o Bolsonaro?
Zé Dirceu: O povo, não é como Bolsonaro. Dos 55% de votos que ele teve, seguramente, o núcleo duro dele é 15 a 20 milhões de votos. Esse é o eleitorado que abraça as teses de violência pra resolver o problema da segurança, de preconceito, de racismo, de desqualificação da mulher, de desprezo pela democracia, pela liberdade de expressão, a visão pró norte-americana e esse abraço de urso ao neoliberalismo de mercado, que é, na verdade, entregar o país ao capital financeiro, na nossa opinião, evidentemente.
Acho que nós temos que fazer essa disputa também com o eleitorado dele. O eleitorado não vai ficar com ele. Essa questão dos médicos cubanos, que é uma coisa totalmente estúpida que ele fez, porque os médicos nunca se envolveram em política no Brasil, nunca participaram de nenhuma atividade que não fosse trabalho médico, ele não pensou nos 30 milhões de brasileiros, brasileiras, as famílias, as mães, os idosos, as crianças que são atendidos por esses médicos.
Essa história de que os médicos cubanos foram nomeados no lugar dos brasileiros, todo mundo sabe que não é verdade, porque os médicos não querem ir para essas cidades.
Dois terços [dos recursos] vão para o governo, mas os filhos deles estudam em escolas públicas até o ensino universitário. Eles têm hospitais públicos fantásticos. Em Cuba tem atendimento, o país não tem violência. O país tem segurança e um bem estar básico.
As dificuldades e a escassez ocorrem em parte por causa do bloqueio e por uma série de questões que os cubanos estão procurando resolver agora.
Poucos sabem que os cubanos estão fazendo uma Constituinte, agora, que se discute em todos os bairros, fábricas, escritórios, lojas, no campo. Milhões e milhões de cubanos estão discutindo a Constituição do país. Poucos sabem disso.
O que o Brasil vai descobrir no seu livro? O que há de novo nele, por exemplo, em relação ao seu processo?
Zé Dirceu: Eu procuro contar a história do Brasil, contando a minha história e da minha geração, que lutou contra a ditadura e foi pra clandestinidade, participou de ações armadas de resistência.
Depois as vitórias do MDB, o que foram os governos militares, particularmente, o governo Geisel e, depois, o que foi o surgimento da luta contra a carestia, das pastorais, das comunidades eclesiásticas de base, do sindicalismo autêntico, do PT, da CUT.
O livro passa pelas Diretas, o Collor e o impeachment dele e conta a trajetória das eleições até o Lula ser presidente. Eu procuro sempre mostrar como o Brasil era no cinema, no teatro, na música, como eram os meios de comunicação.
Existe algum fato na sua biografia que ninguém sabia ainda?
Zé Dirceu: Tem fatos que eu relato pela primeira vez, como o dia em que eu pedi demissão e eu conto como foi a reunião. Chorei naquele momento e explico o que significava aquilo para mim. Foi uma reunião com Lula feita para concretizar minha demissão.
O depoimento do Carlos Cachoeira, que mostra toda a operação Valdomiro Diniz, CPI dos correios, mensalão, hotel Naoum, foram tudo escutas telefônicas dirigidas contra o PT negociadas com a direção da Veja, o Policarpo Jr. com o Cachoeira, com os Arapongas, com escutas ilegais para montar fatos políticos negativos pra fazer matérias contra os adversários deles.
Veja passou impune. A CPI não teve condições de convocar o Roberto Civita. O Policarpo Jr. nunca respondeu perante a justiça sobre isso.
Contando o que vivi, busco contar a história do Brasil, tentando tirar lições disso. Conto, por exemplo, como foi possível lutar e derrotar uma ditadura e de onde surgiu a luta.
Nós vamos enfrentar esse problema agora. Como lutar? De que forma lutar? Com quem lutar? Eu procuro, na verdade, transmitir para as novas gerações a minha experiência, com erros, acertos e a experiência do PT, da esquerda, inclusive recontando a experiência do Brasil com relação à esquerda, o papel do PCB.
Os tenentes, qual foi o papel dos tenentes? O que foram as Forças Armadas da República até a Constituição de 1988? Elas sempre foram uma força determinante na disputa política brasileira.
A revolução de 1930 foi uma revolução militar e civil. Toda a luta dos tenentes, a Coluna Prestes também é, 1935 é, 1932 é, 1937 é, 1946 é.
Em 1950 e 1955 eles tentam dar o golpe. Em 1961, eles tentam dar o golpe e a resistência popular armada impede e, em 1964 eles dão, governam o país até 1985 e voltam agora a exercer um papel moderador no país.