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Tag: Guarani-Kaiowá

  • Funai corta cestas básicas a índios do MS

    Funai corta cestas básicas a índios do MS

     

     

    O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Fundação Nacional do Índio (Funai) e à Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a continuidade da entrega de cestas de alimentos aos indígenas que vivem em terras ainda não demarcadas no sul do estado, na região de Dourados e Ponta Porã (MS). A Conab deverá quinzenalmente informar ao MPF dados referentes à entrega das cestas e famílias beneficiadas. A recomendação foi expedida em 27 de janeiro. O prazo para resposta é de 48h, contado a partir da data do recebimento. Caso não haja resposta, o MPF adotará as medidas administrativas e ações judiciais cabíveis contra Funai e Conab.

    As recomendações também foram enviadas para o Ministério da Justiça, solicitando que o órgão coordene a resposta às mesmas, e assuma seu papel de supervisão ministerial, previsto no decreto  nº 200, de 25/02/1967.

    “Funai se beneficia da própria torpeza”

    No início de 2020, obedecendo a um despacho da direção da Funai em Brasília, foi interrompida a distribuição de cestas de alimentos para as famílias indígenas residentes em terras não demarcadas em Mato Grosso do Sul. O documento alega não ser de responsabilidade da Funai a aquisição e distribuição de cestas às comunidades indígenas, nem existir orçamento para o deslocamento dos servidores que acompanham os caminhões da Conab na entrega dos alimentos.

    Uma decisão liminar da Justiça Federal, do final de 2017, em ação ajuizada pelo MPF, já havia determinado que o Estado de Mato Grosso do Sul se encarregasse de cadastrar e distribuir cestas de alimentos para as famílias indígenas de áreas regularizadas, enquanto a União deveria se responsabilizar pelas famílias em áreas de retomada e acampamentos não regularizados. A Funai alega que a responsabilidade descrita na liminar é da União, e não da autarquia, embora esta faça parte da União.

    Para o MPF, ao afirmar que as cestas de alimentos não podem ser entregues em áreas indígenas ainda não demarcadas, a Funai “estaria se beneficiando da própria torpeza”, uma vez que a não demarcação dessas terras indígenas foi ocasionada pela demora da própria autarquia em atuar dentro das suas funções legais. De fato, a Funai ainda não finalizou os procedimentos de identificação e delimitação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Em 2007, chegou a assinar junto ao MPF um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), onde se comprometia a agilizar a regularização das áreas reivindicadas pelos indígenas. Pouco avançou desde então.

    O MPF constatou, em uma inspeção na Conab na última semana de janeiro, que alguns produtos da cesta básica destinada aos indígenas têm apenas três meses de validade. O perecimento destes produtos pode caracterizar improbidade administrativa por parte dos gestores. As últimas ações de distribuição de cestas básicas nas comunidades indígenas de MS, e que não foram cumpridas, estavam programadas para os dias 21 a 23/01 e 28 a 30/01.

    Mato Grosso do Sul concentra a segunda maior população indígena do país, com cerca de 70 mil pessoas. A maior etnia, guarani-kaiowá e guarani-ñandeva, ocupa majoritariamente o sul do estado. Esta região concentra os maiores conflitos por terra, o que faz com que as comunidades vivam em acampamentos na beira das estradas e em áreas de retomadas dentro de fazendas, legalizadas por decisões judiciais.

    Clique aqui para ler a recomendação para a Funai e aqui para a recomendação para a Conab.

    Assessoria de Comunicação Social
    Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul
    (67) 3312-7265 / 7283

  • Casa de Reza Kaiowá é queimada em Dourados

    Casa de Reza Kaiowá é queimada em Dourados

    Na madrugada dessa segunda-feira, 8, foi incendiada a Casa de Reza, Ongusu, do Ñanderu Getúlio Juca e da Ñandesy Alda Silva, do povo Kaiowá, em Dourados, no Mato Grosso do Sul. O espaço sagrado era chamado de Gwyra Nhe’engatu Amba, na língua kaiowá. A casa de reza (ogapysy ou ongusu) é o lócus principal dos processos de transmissão de conhecimentos deste povo e abrigo de seus objetos de culto como o Yvyrai, Xiru e Mbaraka.

    O fogo queimou toda a estrutura de madeira coberta por capim sapé. Os moradores da aldeia não tinham ontem conhecimento sobre a origem do fogo. Eles perceberam as chamas no início da manhã e chamaram o Corpo de Bombeiros, que não conseguiu evitar a destruição do espaço, considerado sagrado pelos Guarani-Kaiowá. A comunidade está apreensiva porque a casa era o abrigo do
    Xiru, onde os anciãos rezam, cantam e dançam diante dele. O incêndio pode ter implicações que prejudicam as colheitas, o clima, alimentos e para a saúde deste povo. 

    O local era referência cultural da comunidade e já recebeu mitos eventos como o
    Encontro Nacional de Estudantes Indígenas, o Kunhangue Jeroky Guasu, além de
    receber diariamente crianças para serem batizadas, benzidas, fazerem tratamentos
    médicos tradicionais, além de orientação espiritual. O incêndio ocorreu na Aldeia Jaguapiru, Terra Indígena de Dourados. Estas casas são referência espiritual do povo indígena auto-denominado Kaiowá.

    Os Kaiowá são um dos povos que pertencem ao grupo mais abrangente de populações
    Guarani residentes no Brasil (composta também pelos Guarani Mbya e pelos Guarani
    Ñandeva).

    A forma tradicional dos kaiowá se organizarem socialmente é formando núcleos
    comunitários constituídos por um número variado de parentes e liderados por um
    casal de mais idade (ñanderu e ñandesy, que pode ser traduzido para o português
    como “nosso pai” e “nossa mãe”). Esta comunidade é formada por varias famílias extensas, sendo o senhor Getúlio e a senhora Alda dois de seus líderes religiosos tradicionais.

    A comunidade mora na Reserva Indígena de Dourados, que consiste num complexo multi-comunitário, abrigando centenas de outros núcleos familiares. A Reserva é composta por duas grandes aldeias (Jaguapiru e Bororó) e possui aproximadamente 17 mil habitantes. A área é reconhecida pelo Estado, mas num tamanho muito menor que o território
    tradicional, e em condições que tornam muito difícil a reprodução da cultura. A reserva foi criada pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1917, com 3.600 hectares inicialmente reservados aos indígenas da etnia kaiowá, que já ocupavam o
    local e suas imediações.

     

  • MASSACRE ANUNCIADO: Luto e sangue na Terra Indígena Guarani Kaiowá

    MASSACRE ANUNCIADO: Luto e sangue na Terra Indígena Guarani Kaiowá

    “Nós seguimos demarcando as terras indígenas com luto e sangue”. A sentença é de Valdelice Veron, líder Guarani e Kaiowá, em depoimento para os Jornalistas Livres da Terra Indígena Takwara, no Mato Grosso do Sul. Escondida na mata junto com outras lideranças para se proteger da violência dos fazendeiros, ela, a mãe e outras mulheres realizam as cerimônias fúnebres alusivas ao aniversário de morte do pai, Marcos Veron. Oito mandados de despejo com prazo para execução até o dia 24 de janeiro pesam sobre os indígenas do Mato Grosso do Sul, como uma decorrência da decisão da Advocacia Geral da União, assinada por Michel Temer. Até os restos mortais do “cacique dos caciques”, torturado e assassinado há exatamente 15 anos, estão ameaçados de despejo pelos fazendeiros, denuncia Valdelice.

    (Fotos: Pietra Dolamita para os Jornalistas Livres)

     

     

     

    No firmamento da terra, jaz o corpo do grande líder da aliança Guarani Kaiowá

    Em meio ao cerrado do Mato Grosso do Sul, na região de Dourados, as tempestades desfiguram repentinamente o céu límpido, de sol intenso. A chuva e os animais parecem prenunciar o perigo. Os canaviais, as matas ciliares e as plantações de soja escondem as lideranças indígenas juradas de morte. Na Terra Indígena Takwara, no município de Juti, onde sete etnias já vivem aterrorizadas pelos pistoleiros dos fazendeiros, o clima ficou mais tenso depois que o Governo Temer impôs medidas que

    Uma das raras fotos do cacique Marco Veron, Taperety em Kaiowá

    tornaram o já massacrado povo Guarani e Kaiowá ainda mais vulnerável aos ruralistas. Para expulsá-los de suas terras, os latifundiários atropelam e matam os indígenas em emboscadas, sequestram-nos e estupram suas mulheres e meninas. Por conta dos efeitos do chamado “Parecer Antidemarcação”, emitido em julho de 2017 pela Advocacia Geral da União e amplamente adotado pelo executivo, oito mandados de despejo pesam sobre o as terras retomadas no Mato Grosso do Sul. As liminares, com prazo de cumprimento até o dia 24 deste mês, repercutem na Terra Indígena de Takwara (no original, Taquara no laudo técnico): para efetuar a ação, a polícia precisará passar por duas áreas de retomada com pelo menos 12 mil indígenas, que não estão dispostos a entregar a terra de seus antepassados.

    A líder sobrevivente do extermínio do povo Guarani e Kaiowá promete seguir a luta do pai assassinado

    Entre o luto e a luta, a guerreira Valdelice Veron, 37 anos, percorreu muitos quilômetros sob o sol quente pela mata para chegar de manhã cedo ao local onde o pai está enterrado. O dia de ontem (13/1) foi inteiramente dedicado às cerimônias ritualísticas que marcam todos os anos a morte do grande cacique Marcos Veron, torturado e assassinado há 15 anos, quando um sanguinário ataque dizimou homens, mulheres e crianças do território. De 11 a 15 deste mês haverá cantos e cerimônias em homenagem ao líder em cada terra retomada de Takwara, onde Valdelice é líder do grande conselho de articulação Guarani Kaiowá. Até hoje a memória e a história do cacique são cultuadas pela filha que, desde os oito anos de idade, assumiu a liderança e a proteção do seu povo. Os massacres se intensificaram em 1953, quando os Kaiowá foram expulsos da Terra Indígena pelos fazendeiros do Mato Grosso e pelo Governo Federal para ocupar, contra sua vontade, as reservas, “lugar para o abate, confinamento e morte do índio”, como ela mesma define. O pai foi morto em 2003 e, em seguida, o primeiro irmão, ainda adolescente, e os outros dois irmãos, Zeca e Sérgio Verón, em 2015 e 2016, todos jovens lideranças da luta pelo direito à terra. Uma de suas irmãs perdeu dois filhos de fome quando no processo de despejo.

    Aos 79 anos, a mãe de Valdelice, viúva do cacique assassinado, participa da cerimônia fúnebre

    É no leito da terra sagrada de infância, nessa terra de doces lembranças de família e de traumas profundos, que ocorre a cerimônia fúnebre. O pequeno cortejo tem à frente a mãe sobrevivente do extermínio, Nhandecy, ou mama Júlia Cavalheiros, 79 anos, e Pietra Dolamita, 38 anos uma índia Kauwá Apurinã que veio do Rio Grande do Sul para apoiar a amiga-irmã neste momento de ameaça e triste celebração.

    Pintada e vestida conforme a tradição, Valdelice entoa os cantos sagrados sob a percussão do chocalho Mbaraka e discursa sobre a luta de resistência pacífica do seu povo. Cumpre assim um ritual no qual política e espiritualidade se intersectam num único fundamento: a paz e a retomada da terra sagrada. Ao mesmo tempo que chora, canta e reza, Valdelice protesta contra a perseguição dos Guarani Kaiowá e do pai. “Até os restos mortais dele estão ameaçados de despejo”, protesta. Ao discursar no meio da desertidão do Cerrado, ela exige que os fazendeiros devolvam o corpo dos irmãos, sequestrado de seus túmulos.

    Pietra Dolamita, que é Kauwá Apurinã, veio do Rio Grande do Sul para apoiar a “amiga-irmã” neste momento de luta e de luto

    Poucas mulheres acompanham a cerimônia porque o perigo das ordens de desocupação nas terras vizinhas serem cumpridas a qualquer momento torna a expedição uma missão de altíssimo risco. Aos homens e mulheres líderes cabe apoiar os caciques Ládio Veron e Arauldo Veron na proteção de seu povo e ajudar o coletivo a tomar as decisões importantes. Por isso, os líderes são tão visados pelos fazendeiros e precisam “ficar invisíveis” nestes dias temerosos. Mas o dia 13 de janeiro é uma data sagrada que não pode passar sem os devidos rituais .

    Como faz todos os anos, a líder tinge o firmamento de madeira erguido sobre o túmulo do pai com o vermelho do Urucum, planta que simboliza o sangue da vida, assinalando ao mesmo tempo a sua ausência e a sua memória, que ela vive para preservar, junto aos 18 filhos que ele deixou, e outros tantos netos e bisnetos, muitos dos quais nem chegou a conhecer. Como faz também em todos os rituais, pendura no poste funeral um adereço indígena cujo significado não pode revelar. Pergunto se Taperendy é o nome do pai em Kaiowá inscrito no epitáfio da cruz e Valdelice responde que sim, mas faz questão de me corrigir com firme delicadeza: “Não é cruz, são firmamentos ancestrais que seguram a terra”. Pietra adverte que seria uma ofensa para a cultura Guarani chamar uma “Yvy Rojoasa Ropyta” de cruz, como na cultura jesuíta.

    Não é uma cruz, é um firmamento de sustentação da terra, onde se inscreve o nome indígena do líder assassinado, que significa “Caminho iluminado”

    Guarani e Kaiowá são dois povos diferentes que se uniram matrimonialmente na luta para retomar a Terra Indígena Takwara, que abrange 9.700 hectares, conforme o laudo oficial. Mas por direito a área seria maior, segundo Valdelice, formada em história indígena e estudante de Mestrado profissional em Sustentabilidade junto a Povos e Terras Tradicionais, pela UNB. Takwara é uma das 42 áreas reocupadas que os Guarani Kaiowás chamam de “terras retomadas”.

    Os despejos violentos começaram a partir de 1919, quando o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) criou as oito reservas, justamente com o objetivo de  obrigar os indígenas a evadirem de seus territórios tradicionais. Valdelice simboliza a materialização dessa união interétnica estratégica, a partir do casamento com um índio Guarani. Além dessas duas etnias, outras cinco, num total de sete que habitam o Mato Grosso, também estão ameaçadas pela decisão da AGU: os Terena, Guató, Ofaiyé, Kinikinaua e Kadiwéu. “As liminares terão um efeito dominó devastador”, alerta Pietra.

    Como os Guarani e Kaiowá foram os últimos a migrar para as reservas indígenas, são os mais perseguidos pela força de resistência dos seus clãs, feridos pelo sistema de matriarcado, explica Pietra, que é formada em Direito, especialista em Direito do Trabalho e Direito Público e fez mestrado em Educação pelo Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Sul, com a dissertação “Shanenawa, o povo do pássaro azul: as possibilidades de uma educação ambiental profunda” e agora realiza mestrado na Universidade Federal de Pelotas, com um estudo na área de antropologia da violência , chamado Mulheres Terra, Vida, Justiça e Demarcação: A luta das mulheres Kaiowá em Takwara/MS. “Os clãs começaram a retornar para a terra de seus antepassados nos anos 80, e a cada retorno são expulsos com muita violência”. Há mais de duas décadas essa aliança ancestral produziu inúmeros movimentos de retomada da terra roubada, num combate destemido de vida e de morte. Apesar da vida desgraçada pelos governos e ruralistas, os Guarani e Kaiowá acreditam que a Terra do Sol vai um dia pôr fim à sua dor. Do firmamento, sorri a esperança póstuma de Taperendy, que significa “caminho iluminado”. Antes de Jacinto Honório da Silva Filho ser condenado como mandante do crime que calou fundo na alma da comunidade, o neto do latifundiário já investe seu ódio contra os indígenas. Mas novas lideranças também se erguem na luta pela resistência. A luta continua e isso é o ciclo da vida.

    Entoando cânticos tradicionais, as líderes indígenas homenageiam Marcos Veron, cujos restos mortais também estão ameaçados de despejo

    Através da amiga Pietra Dolamita, que pesquisa, como Valdelice, a violência antropológica contra as mulheres Kaiowá, converso com a líder por telefone. Foi estudando que a filha do cacique Veron despertou o interesse pela verdadeira história de seus antepassados e do seu próprio nome. “Descobri que nosso sobrenome veio de um argentino que escravizava os índios e eles iam sendo registrados com o sobrenome dele”. Num depoimento gravado no celular, emocionada e trêmula, mas também convicta e corajosa, Valdelice conta a história de seu pai, de sua família e de seu povo. E afirma: “Nós estamos demarcando as nossas terras com o nosso próprio sangue”.

    As duas amigas conversam atentas aos sinais das plantas, dos bichos e do céu, pois os fazendeiros estão paramentados até com câmeras de drone para localizar a líder. Diante de qualquer suspeita, elas se embrenham na mata, onde o jagunço do fazendeiro não entra. “O mato tem uma coisa que não deixa o branco entrar”, diz Pietra. Ao anoitecer, antes de retornarem ao seu esconderijo com as outras mulheres, conversamos as três por telefone e Valdelice me dá o seguinte depoimento, que transcrevo na íntegra:

    Valdelice Veron vive o luto do pai temendo novos massacres

    “Hoje, 13 de janeiro de 2018, nós da família do cacique Marcos Verón, juntamente com as lideranças indígenas, estamos reunidos na Terra Indígena Takwara, município de Juti, Mato Grosso do Sul, no Brasil, para lembrar a história de luta, de resistência do cacique.

    A nossa Terra Indígena tradicional é Takwara. Sempre vamos voltar nela. Tem um grande significado porque é uma terra sagrada. É onde nós temos a memória, onde nós temos a história. Por isso nós voltamos a retornar nossas terras indígenas aqui no Estado do Mato Grosso do Sul, porque aqui no Brasil nós não somos ouvidos.

    Nossos governantes que era pra fazer respeitar nossa Constituição Federal, que é a nossa lei que está escrita, eles não respeitam, eles rasgam, queimam a Constituição Federal e matam nós quando nós lutamos por nossa terra. Nós somos perseguidos pelos latifundiários e mortos pelos pistoleiros dos fazendeiros aqui no Mato Grosso do Sul.

    Apesar de termos já o cacique Marcos Veron e 289 líderes  indígenas assassinados no Mato Grosso, entre eles Kurissiope, a matriarca indígena da Terra. Eles atiraram nela à queima-roupa, uma matriarca de 80 anos, na terra de Makurissiambá, no Mato Grosso do Sul. Outro também foi morto e cercado pelos pistoleiros. E assim nós seguimos demarcando nossa Terra Indígena com luto e sangue. Nós estamos demarcando as terras indígenas com nosso próprio sangue.

    Hoje quando a gente lembra o cacique Marcos Veron foi um pai, foi um avô, foi um genro, um sogro, um amigo, um companheiro. Ele foi um guerreiro Kaiowá para nós. Por isso vão passar várias gerações e nós vamos lembrar dele. Vamos lembrar dele, esse guerreiro que ele é. Todos nós, os 18 filhos e filhas, netos e bisnetas ele vai se lembrar dele e da resistência e vamos lembrar da bandeira dele que é Terra, Vida, Justiça e demarcação.

    No dia 13 de janeiro de 2003, fomos cercados pelos pistoleiros na nossa T.I. Takwara, quando a minha família, as mulheres, crianças foram espancadas estupradas, mulheres e meninas foram violentadas. Nosso cacique foi torturado e morto. Estamos lembrando nossa forma de resistência com muita força e coragem. Lembrando a luta dele fazendo esses ritos de canto e dança com Mbaraka. Nossa forma de luta Kaiowá é pacífica. Isso é o que estamos fazendo hoje 13 de janeiro de 2018, ainda com muita tristeza.

    Eu agradeço vocês que são poucas jornalistas, que faz o papel falar, que leva a nossa luta, a nossa tristeza, para as pessoas saber que nós ainda estamos aqui, ainda estamos de pé, ainda estamos vivas. Agradeço a todos vocês.

    Terra Indígena de Takwara sofreu o primeiro despejo em 1953. O povo foi arrancado da terra e jogado nas reservas indígenas criada pelo Serviço de Proteção ao Índio e pelo governo. Nós, índios Kaiowá, nunca aceitamos a reserva porque significa área de abate, de confinamento, área de morte.

    Esse fazendeiro sem coração que torturou e matou nossa cacique Marcos Veron, de nome indígena Taperendy, que significa caminho iluminado, não vai ficar impune. Na terra, toda a divindade sabe, o que aconteceu com o povo indígena Kaiowá aqui no Mato Grosso do Sul”.

    DECISÃO DE TEMER/AGU DETONA BOMBA DOS DESPEJOS

    “Na prática, o parecer da AGU paralisou as demarcações de vez”, afirma em nota o Instituto Socioambiental (ISA). Mas a tese do marco temporal faz pior do que isso. Como uma estratégia do governo Temer e da bancada ruralista capaz de deflagrar a desocupação das áreas retomadas e favorecer ordens de despejo violentas a prerrogativa da Terra Raposo da Serra tende a produzir um drástico retrocesso, se não houver ampla reação nacional e internacional

    Com seu poder de influência sobre a Justiça Federal, a Advocacia Geral da União (AGU), que deveria ser o principal órgão de defesa do cumprimento do direito à terra dos indígenas brasileiras, acabou criando um mecanismo desencadeador de ordens de despejo e de reintegração de posse contra os povos indígenas. A ameaça de novos massacres provocada pela decisão pode ser sentida por todas as etnias de terras retomadas do Mato Grosso do Sul, sobretudo na região de Dourados, conforme posição oficial do Conselho Missionário Indígena. Isso porque o estado concentra o mais acentuado passivo de regularização fundiária dos territórios tradicionais no país.

    Publicado em julho pela advogada-geral, Grace Mendonça, e adotado pelo presidente Temer para todos os órgãos federais, o parecer 01/2017 teria, conforme as lideranças indígenas, a função de manter o quadro de não-reconhecimento dos direitos ao território como está. O dispositivo obriga toda a administração pública, inclusive a Fundação Nacional do Índio (Funai), a obedecer as condições estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para a Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (Roraima). “Na prática, o parecer paralisou as demarcações de vez”, afirma em nota o Instituto Socioambiental (ISA). Mas a tese do marco temporal faz pior do que isso: como uma estratégia do governo Temer e da bancada ruralista capaz de deflagrar a desocupação das áreas retomadas e favorecer ordens de despejo violentas, ela tende a produzir um drástico retrocesso, se não houver ampla reação nacional e internacional.

    Prova disso, é que a AGU também está anexando o parecer aos processos judiciais em que está arrolada como parte interessada, conforme nota do Instituto Sócio-ambiental, que está articulado com o movimento indígena #Resistência2018 para tentar revogar o parecer. “O resultado provável serão decisões judiciais desfavoráveis às comunidades indígenas. Assim, o governo Temer consolida o pior desempenho nas demarcações desde a redemocratização do país”, denuncia a entidade.

    O Marco Temporal restringe os direitos territoriais dos povos determinando que só podem ter reconhecidas as terras que estavam sob sua posse na data em que a Constituição Federal foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. Explica o artigo publicado pelo CIMI: “Existe uma crise humanitária na Reserva de Dourados se arrastando há pelo menos duas décadas. Os 16 mil indígenas Guarani Kaiowá e Terena vivem confinados em três mil hectares e buscam terras para desafogar’ a situação”.

    Sem a sua participação ou concordância, os indígenas foram levados para a Reserva no decorrer do final da primeira metade do século XX, como política de colonização de “terras devolutas” do então estado do Mato Grosso. Portanto, em 5 de outubro de 1988, esses povos já não estavam nas terras tradicionais de onde foram retirados à base de força e violência, explica o documento. “Dessa maneira, a cada retomada ou ocupação de terra fora da Reserva, eles sofrem ações de reintegração de posse que desde o ano passado têm como principal argumento deferidor a tese do marco temporal”, diz ainda.

    Em entrevista a jornalistas de Brasília, Sônia Guajajara, uma das coordenadoras da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), afirmou que se trata de medida do Poder Executivo como um todo, justamente o que tem como papel efetuar a política de demarcações: “Como a retomada de terra é a alternativa dos povos para garantir o território tradicional, esse parecer é o combustível necessário para abastecer a usina de reintegrações de posse, com destaque para as decisões de primeira instância”.

    Leia mais a respeito na página do ISA: https://goo.gl/FroFPU

     

     

  • Parlamento Europeu condena situação dos Guaranis-Kaiowá do MS

    Parlamento Europeu condena situação dos Guaranis-Kaiowá do MS

    Parlamento Europeu considera ” que estão em curso algumas iniciativas para a reforma, interpretação e aplicação da Constituição Federal do Brasil e que estas eventuais alterações poderão pôr em risco os direitos dos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal do Brasil “

    No dia 23 de novembro, os grupos parlamentares europeus aprovaram por maioria a moção apresentada pelo grupo Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde GUE/NGL sobre a situação dos Guaranis-Kaiowá no estado brasileiro de Mato Grosso do Sul. Confira abaixo a tradução das propostas feitas deputada europeia, francesa, do grupo GUE/NGL, Marie-Christine Vergiat.

    A proposta apresentada na terça-feira 22 de novembro de 2016, levantava 17 pontos ao Parlamento Europeu. Entre eles, os assassinatos dos líderes indígenas, Simião Vilharva e Clodiodi de Souza em junho de 2016; a criminalização, agressão e hostilidade contra defensores de direitos humanos além da invasão, com tiros, pela policia militar da escola Florestan Fernandes e as detenções, sem mandato, de 2 militantes. Também condena o corte em 40% do orçamento da FUNAI.

    A proposta condenava entre outros pontos, o golpe institucional que destituiu a presidente eleita Dilma Rousseff e instituiu o governo ilegítimo de Michel Temer. O grupo GUE/NGL se apresentava preocupada com indicação dos deputados Alceu Moreira e Luiz Carlos Heinze, no dia 9 de novembro 2016 à presidência da CPI FUNAI e INCRA, considerando que ambos foram denunciados pela Aty Guassu (Grande Assembleia Guarani) e pelo conselho do povo Terena. Os deputados, próximos das bancadas ruralistas, foram registrados em Vicente Dutra (RS) fazendo declarações incitanto a violência contra essas organizações indígenas.

    A Resolução aprovada na quinta-feira, 24 de novembro, ressalta vários pontos; relembrando, em primeiro lugar, os assassinatos de Simeão Vilharva e Clodiodi de Souza em junho de 2016. A resolução destaca que nos últimos 14 anos, 400 indígenas e 14 líderes indígenas foram assassinados segundo a Secretaria Especial da Saúde Indígena (SESAI) e pelo Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS) até 2015. A resolução também observa que a falta de prestação de cuidados de saúde, principalmente com tema da subnutrição, além de educação e serviços sociais tem fortes repercussões na taxa de suicídio de jovens e mortalidade infantil : nos últimos “15 anos, pelo menos 750 pessoas, na sua maioria jovens, cometeram suicídio e mais de 600 crianças com menos de 5 anos de idade morreram, na maior parte dos casos por doenças tratáveis e facilmente evitáveis”; considerando estudos recentes da FIAN Brasil e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

    Considerando os elementos acima, o Parlamento Europeu resolve que :

    1.  Reconhece a parceria de longa data entre a UE e o Brasil, baseada na confiança mútua e no respeito de princípios e valores democráticos; felicita o Governo brasileiro pelos progressos realizados em domínios como o papel construtivo da FUNAI, uma série de decisões do Supremo Tribunal Federal para evitar despejos, diversos esforços visando a prestação de serviços diferenciados nos domínios da saúde e da educação, os importantes progressos em matéria de demarcação de terras na região da Amazônia, a organização da primeira Conferência Nacional de Política Indigenista e a criação do Conselho Nacional de Política Indigenista;

    2.  Condena veementemente os atos de violência perpetrados contra as comunidades indígenas do Brasil; deplora a situação que a população Guarani-Kaiowá enfrenta em termos de pobreza e direitos humanos em Mato Grosso do Sul;

    3.  Apela às autoridades brasileiras para que tomem medidas imediatas para proteger a segurança dos povos indígenas e garantir a realização de inquéritos independentes sobre os assassinatos e os ataques de que os povos indígenas têm sido vítimas por tentarem defender os seus direitos humanos e territoriais, de modo a que os responsáveis sejam levados a tribunal;

    4.  Recorda às autoridades brasileiras a responsabilidade que lhes incumbe de manter e aplicar integralmente à população Guarani-Kaiowá as disposições da Constituição brasileira relativas à proteção dos direitos individuais e aos direitos das minorias e dos grupos étnicos indefesos;

    5.  Recorda às autoridades brasileiras a sua obrigação de respeitar o direito internacional no domínio dos direitos humanos no que diz respeito às populações indígenas, tal como estabelecido, em especial, pela Constituição Federal Brasileira e a Lei 6.001/73 sobre «o Estatuto do Índio;

    6.  Reconhece o papel do Supremo Tribunal Federal do Brasil na prossecução da proteção dos direitos originais e constitucionais dos povos indígenas e convida o Conselho Nacional a desenvolver mecanismos e medidas que protejam melhor as necessidades das populações vulneráveis;

    7.  Apela às autoridades brasileiras para que implementem integralmente as recomendações formuladas pela Relatora Especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas na sequência da sua missão ao Brasil em março de 2016;

    8.  Apela às autoridades brasileiras para que desenvolvam um plano de trabalho visando dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos Guarani-Kaiowá e criar as condições técnicas operacionais para o efeito, tendo em conta que muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais;

    9.  Recomenda que as autoridades brasileiras assegurem um orçamento suficiente para as atividades da FUNAI e a reforcem dotando-a dos recursos necessários para prestar os serviços essenciais de que dependem os povos indígenas;

    10.  Manifesta a sua preocupação em relação à proposta de alteração da Constituição 215/2000 (PEC 215), à qual os povos indígenas brasileiro se opõem ferozmente, visto que, se for aprovada, irá ameaçar os seus direitos à terra, permitindo que interesses opostos aos dos índios, relacionados com a indústria madeireira, a agroindústria, a exploração mineira e o setor da energia, bloqueiem o reconhecimento dos novos territórios indígenas; está firmemente convicto de que as empresas deveriam prestar contas por qualquer dano ambiental e por quaisquer violações dos direitos humanos por que sejam responsáveis e que a UE e os Estados-Membros deveriam consagrar esta condição como princípio fundamental, tornando-o uma disposição vinculativa em todas as políticas comerciais;

    11.  Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos Governos e Parlamentos dos EstadosMembros, ao Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, ao Presidente e ao Governo do Brasil, ao Presidente do Congresso Nacional do Brasil, aos Co-presidentes da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana e ao Fórum Permanente das Nações Unidas para questões relacionadas com os povos indígenas.

    Proposta 22/11

    http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=MOTION&reference=B8-2016-1274&language=FR

    Resolução 24/11

    http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=TA&reference=P8-TA-2016-0445&language=PT&ring=P8-RC-2016-1260

    Vídeo:

    Por iniciativa, do GUE/NGL, Marie-Christine Vergiat.

    Obrigada Senhor Presidente, o povo Guarani-Kaiowá é um dos símbolos da luta dos povos indígenas. Há dezenas de anos que lutam contra a espoliação de suas terras ancestrais e pagam caro por isso. A demarcação do seu território reconhecido em 1988 continua não sendo uma realidade. As terras amazônicas despertam o apetite de vários: deflorestação, invasão e ocupação das terras para o benefício das empresas agroalimentares, energéticas, florestais, mineradoras, de criação intensiva de gado e imensas barragens já destruíram um terço da floresta amazônica. Por serem um escudo de defesa contra as mudanças climáticas, são as primeiras vítimas via o frenesi com agro-combustíveis (biocombustíveis).

    A UE é uma parceira comercial do Brasil, a sua primeira aliás, e tem por isso responsabilidades. Ela não pode fechar os olhos e não enxergar os custos humanos e meio ambientais das politicas que ela fomenta e dos produtos que ela importa. Ela tampouco pode se livrar da sua responsabilidade com as multinacionais europeias. É tempo de agir!

  • O Martírio dos índios Guarani Kaiowá segundo Vincent Carelli

    O Martírio dos índios Guarani Kaiowá segundo Vincent Carelli

    Entre as transversais do desmatamento e na apropriação de terras indígenas, o documentarista Vincent Carelli trouxe para 40º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, um longo documentário que escancara a chaga nacional dos conflitos do agronegócio e sua voracidade com as terras tradicionais dos índios Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. São duas horas e quarenta minutos de cortes e recortes, tal lâmina de punhal a ferir nossa carne e mente, um desvelamento do negócio sujo da agro-riqueza em campos semelhantes aos de concentração. O orgulho todo verde se tinge de vermelho ao longo do filme, seja entre congressistas, seja entre fazendeiros e políticos de Mato Grosso do Sul.


    Vincent é homem obstinado e amplo em sua atitude artística com as imagens dos povos indígenas, formando ao longo das últimas décadas, uma série de índios cineastas nas várias terras que percorreu. Exemplo de como uma câmera na mão pode tanto quanto mil arcos e flechas, é Kamikiá Kisêdjê, do Parque Indígena do Xingu, entre outros formados nas oficinas do projeto Vídeo nas Aldeias, criadas por Vincent, levando em sua maturidade, imagens das comunidades tradicionais às várias partes do mundo.

    Martírio é filme duro, de trovões e raios, cantos e rezas. É prece que não cala e revolta.

    Veja a entrevista exclusiva de Vincent Carelli para os Jornalistas Livres, na estréia do filme da 40º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

     

     

     

  • Terra em transe e o destino dos mortos

    Terra em transe e o destino dos mortos

    “Quando andei em terras sem mato grosso, sem ouro, o que encontrei foi morte, foi choro, foi falta de rima. Criança cheia de água no olho, terra lisa de árvore, gente escondida no mato pintadas de preto na cara, vermelho forte no peito e arco em punho.

    dourados Gente com medo e alerta. Gente bonita. Mulheres velhas, bem velhas, dançando como fadas, na solidão grande dos campos de cana e numa solidão de árvores. Tudo seria triste não fosse índio. Tudo seria fraco não fosse palavra e solo. Aqui é morte que encontro na busca da terra sem males.

    Sinto um vazio de mim brasileiro no horizonte, uma ausência de pátria, um país não cidadão. Já não sei qual é a fronteira da razão quando crianças choram de medo diante de fazendeiro e policial, nem entendo lavoura no solo cheio de casas no meio de gente .

    Em bando me recebem, índios guarani-kaiowás, cantando, em apelo, em beira de covas, corpos desaparecidos na relva, pés no chão batendo forte, pegando suave nas mãos.

    Penoso entender o afeto entre a dor de tantos. Aqui solidão é palavra grande e funda , com cabaça entre os dedos. Na terra nua, limpa e desinfetada do agronegócio, surge o índio, impávidos cocares e límpidos chocalhos como armas do espírito, movimentos secretos na hora da defesa, aos quatro cantos cardeais.

    dourados

    Som de tratores e caminhonetes se misturam a gritos e estalidos de tiros. Em poesia pobre a imprensa local versa a dor da aldeia.

    Suporta-se com paciência a cólica alheia, como bem escreveu Nelson Rodrigues em 68 citando Machado de Assis.

    Bicas incorrem dentro da alma no Mato Grosso do Sul, lágrima é água salgada.

    dourados

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    dourados dourados

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    Confira a matéria realizada por Marcelo Zelic, enviado especial ao Mato Grosso do Sul.