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Tag: Greve Geral

  • A greve geral de 2017 e o dia seguinte da esquerda

    Santo André, ABC Paulista, 2001. Wanderley, um aluno gaúcho de 40 e poucos anos, matriculado na 5º série do Ensino Fundamental I, na modalidade Educação de Jovens e Adultos, comissão de fábrica da Lazzuril/SBC, contou-nos que um companheiro de fábrica estava afastado por meses em razão de uma infecção na pele da mão e do pênis porque o supervisor o obrigava a urinar no chão da fábrica enquanto ele manuseava a máquina. Motivo? Ganhar tempo na produção e evitar que o trabalhador “ficasse enrolando no banheiro fora do horário do almoço”. O universo do trabalho no Brasil é tão perverso e cruel que histórias como essa soam anacrônicas e inverossímeis quando se considera que ela ocorreu em 2001, no entanto, infelizmente, vários operários da Lazzuril confirmaram a veracidade do relato.

    O fato é que a partir dessa história, Wanderley mostrou aos colegas sindicalizados que a lógica das greves reside em algo que o operariado vive na pele, literalmente, há séculos: “tentar humanizar uma guerra perdida”. Porque em uma sociedade capitalista, senhoras e senhores, só os capitalistas são vitoriosos, de maneira que para a classe trabalhadora não há alternativa possível que não seja se organizar em sindicatos e exercer o legítimo direito à greve para que o operário não seja super explorado e impedido de ir ao banheiro quando precisar, não trabalhe mais que oito horas; para a mulher grávida não ter que trabalhar em condições insalubres e ter o direito garantido por lei de estar com seu filho depois do nascimento, para os trabalhadores terem férias remuneradas, décimo terceiro salário, assistência médica, escolas para seus filhos, condição de ter um lar e se alimentar – até para continuar vivo e poder ser um operário.

    Reinvindicações que estão longe de configurar, em qualquer país do planeta Terra, a implantação de um regime comunista de governo, como afirma a grande imprensa no Brasil. Aliás, se considerarmos as lutas do operariado inglês a partir da segunda metade do século XVIII e durante o século XIX inteiro, o surgimento dos sindicatos europeus, as premissas do Fordismo nos EUA, as lutas dos trabalhadores sob o regime da escravidão, a greve dos escravos do Visconde de Mauá que pararam o serviço da fábrica da Ponta D´Areia, em 1857, a greve dos tipógrafos no Rio de Janeiro, em 1858, a nossa grande greve geral em 1917 e as greves do sindicalismo do ABC paulista, a partir do final dos anos 1970, perceberemos que a luta da classe trabalhadora do tempo ido acabou nos garantindo direitos trabalhistas ao tempo em que ajustou as engrenagens de reprodução do próprio capitalismo.

    No entanto, aqui no Brasil, a nossa classe dominante, porque foi forjada no escravismo e agora também é rentista, parece não entender o que é capitalismo: arrancaram as condições mínimas de existência do trabalhador para que os patrões pudessem continuar extraindo valor de sua produção, que coisa espantosa, senhoras e senhores. Os nossos direitos trabalhistas que pensávamos relativamente consolidados, sobretudo na última década, com o fortalecimento do nosso Estado de Bem Estar Social e com o país conquistando índices econômicos e sociais nunca antes alcançados, foram brutalmente golpeados na última terça-feira de abril de 2017, quando 296 representantes das patronais votaram a favor da “Reforma trabalhista” que acaba com tudo que o movimento operário brasileiro conquistou com lágrimas, suor e muito sangue dos milhões de corpos e almas que a elite desse país escravizou e super explorou por séculos. Justamente por isso, esse golpe duro com a aprovação da reforma trabalhista acabou servindo de empuxo para a população protestar.

    Com a votação transmitida em rede nacional, na última terça-feira, a população percebeu que parte da classe política desse país acusada com provas abundantes de corrupção ativa, junto com um setor do judiciário e toda grande imprensa precisou criar um crime de responsabilidade fiscal para efetivar o impeachment da Presidenta Dilma e, assim, implantar um programa de governo que foi derrotado nas eleições de 2014: reforma trabalhista, terceirização das atividades-fim, fim da CLT, fim do imposto sindical, congelamento por vinte anos dos investimentos estatais na educação e saúde, desmonte dos programas sociais e de infraestrutura, privatizações diversas. Não à toa, três dias depois, sexta-feira, 28 de abril de 2017, 48 milhões brasileiros e brasileiras foram às ruas contra as reformas desse governo que golpeou a Democracia brasileira.

    Apesar de a grande imprensa criminalizar a maior greve da história desse país e alguns estados, como Rio de Janeiro, cuja paisagem foi enevoada pelas bombas de gás lacrimogênio, São Paulo, onde estão presos 3 militantes do MTST, e Goiânia, onde um rapaz foi agredido com um cassetete e está na UTI, reprimirem com brutal violência policial o movimento, a greve geral de 28/04/2017 foi uma grande vitória nossa, da população. Primeiro porque 48 milhões de pessoas foram às ruas, do Amapá aos Pampas, passando por milhares de pequenas cidades do interior e do litoral do país, contra as políticas de austeridade de um governo sem legitimidade. Segundo porque esse número comprova o que alguns setores da esquerda já alertavam desde 2013: a centralidade do trabalho e do trabalhismo no processo de unificar politicamente os partidos do campo progressista (177 deputados votaram contra a reforma trabalhista), as centrais sindicais, movimentos sociais e boa parte da população – incluindo alguns setores que foram enganados pela grande imprensa e não perceberam as reais razões do impeachment contra a Presidenta Dilma. Terceiro porque a construção de consenso político na mais importante greve geral do país, desde o final dos anos oitenta, pode vir a ser o ponto de partida para o processo de reversão das políticas de austeridade que retiram os nossos direitos diariamente há um ano.

    Eis a maior vitória da greve geral de 28/04/2017: a população mostrou que está disposta a lutar contra a retirada de seus direitos por um governo ilegítimo e corrupto, que não foi eleito democraticamente. Mas a maior vitória é também o nosso maior desafio: ao longo desse último ano, faz parte da estratégia do golpismo o ataque diário e constante aos direitos da população e à democracia, desmobilizando a população de qualquer tentativa de reação. A imprensa tem anunciado que esse governo tem pressa em votar, nas próximas semanas, a reforma da previdência e a reforma política, que em razão do princípio da anualidade deve ser aprovada pelo senado até setembro de 2017, para que as regras vigorem nas eleições de 2018. Para além da perda dos direitos previdenciários, como perdemos também qualquer capacidade de previsibilidade depois do golpe parlamentar, o que pode estar em causa na votação da reforma política, senhoras e senhores, é a garantia de eleições diretas em 2018. A principal razão e mais óbvia é que essa greve geral deixou claro que senadores e deputados que aprovaram a política de austeridade adotada há um ano pelo golpismo sabem que não serão reeleitos. O governo Temer e sua base aliada têm 96% de rejeição. Considerando a margem de erro da pesquisa, provavelmente só as organizações Globo, a Folha de São Paulo, o Estadão e aqueles 296 deputados aprovam esse governo.

    Além disso, há tempos que os próceres do partido mais denunciado e pouquíssimo investigado na operação lava-jato, o PSDB, tem militado na causa do parlamentarismo misto: um Presidente praticamente figurativo coexistindo com um Primeiro-Ministro forte (eleito pelo Congresso Nacional e indicado pelo Presidente), o que acaba fortalecendo o Congresso Nacional à medida que ele pode destituir a qualquer tempo o Primeiro-Ministro sob pretexto até de “incompetência administrativa” caso ele/ela seja um obstáculo à balconização do Estado pelos interesses privados dos congressistas. Considerando o espetáculo vergonhoso da votação pela admissibilidade do Impeachment da Presidenta Dilma, em 17/04/2016, e as inúmeras denúncias de corrupção dos mesmos, seria interessante que os partidos de esquerdas, as centrais sindicais, os movimentos sociais e a população conseguissem avançar no consenso político em torno do trabalhismo na greve geral e convergissem em torno de um candidato comprometido com a democracia, com as eleições diretas, com a reversão das reformas do atual governo e com o desenvolvimento de uma cultura legislativa capaz de constituir maioria no congresso eleito em 2018.

    Uma cultura legislativa capaz de sensibilizar a população sobre os riscos que corremos nas eleições de 2018 e sobre a necessidade imperativa de votarmos em deputadas, deputados, senadoras e senadores comprometidos com um projeto de país democrático e com os direitos da população brasileira. Precisamos urgentemente transformar o acúmulo político com a vitória da maior greve geral, em 28/04/2017, em ações que esclareçam à população sobre o nexo necessário entre o Legislativo e o Executivo para governar um país. Precisamos articular a centralidade do trabalhismo com as demandas dos “batalhadores brasileiros”, nos termos de Jessé de Souza, e as demandas da interseccionalidade para acabarmos com a miséria, o racismo, a feminização e a racialização da pobreza. A eleição para presidente é importante, mas precisamos construir as nossas campanhas para o Legislativo desde já para garantirmos um congresso múltiplo, diverso, afinado com o Executivo e realmente representativo da sociedade brasileira: trabalhadores elegendo trabalhadores, mulheres elegendo mulheres, indígenas elegendo indígenas, negros elegendo negros, LGBTs elegendo LGBTs. Nesse momento: essa é a nossa maior tarefa.

  • O DIA EM QUE O  BLACK ATACOU A SENZALA

    O DIA EM QUE O  BLACK ATACOU A SENZALA

    Senzala é um restaurante-lanchonete localizado no Alto de Pinheiros. Foi criado em 1972 e, segundo o próprio histórico no site do estabelecimento, “foi criado para atender as necessidades dos moradores e empresários da região”. Qual necessidade? A de escarnecer do sofrimento do povo negro escravizado enquanto servem carne a uma elite branca e empresarial?!

    Hoje (28/04/2017), dia do maior movimento grevista da história do Brasil, a “chapa esquentou” para o lado deles. Os manifestantes estavam se dispersando quando avistaram aquela “iguaria do racismo genuinamente burguês”. Uma elite branca jantava no Senzala (que na verdade é ocupado, hoje, por aqueles que representam a Casa Grande) ignorando todas as reivindicações da Classe Trabalhadora que, do lado de fora, enfrentava o frio, o corte de pontos e a polícia, como sempre violenta (seria um tempero para aqueles que jantavam?),  na reafirmação de seus direitos. O mundo poderia cair lá fora desde que a “propriedade privada” estivesse segura!
    Mas o mundo que cai sobre nossas cabeças, com  a Reforma Trabalhista e Previdenciária, resvalou para dentro do comedouro das feras racistas na forma de paus e pedras. E o que os bravos guerreiros da moral e propriedade privada fizeram? Fugiram sem pagar! Façamos justiça: alguns com menos descaramento se esconderam nos banheiros.
    (Uma fonte disse que as pedras foram atacadas somente na placa, mas a narrativa do medo ainda assim nos parece verossímil).
    Os “culpados”, segundo a mídia, foram os Black Blocs. Não me atentando a nomes e identidades, percebo que a maior motivação destas pessoas foi a revolta diante de uma impune e descarada violência simbólica contra gerações e gerações de negros. Um povo que não veio da senzala, mas de reinos e tribos em que eram livres, do outro lado do Atlântico.
    E quem primeiro atacou a “Senzala”? Foram os escravocratas que nos atacaram com mais do que pedras: vieram com estupros, chibatas, assassinatos, extorsão de nossa força de trabalho, e uma desigualdade racial que não sai do país! A violência praticada que não limita aos fazendeiros autodesignados senhores de escravos, mas que serve como instrumento para descendentes que herdam os privilégios de pais, avós, bisavós… O genocídio negro comendo solto a carne negra e eles comem com a tranquilidade dos impunes.
    Talvez você, leitor, possa estar dialogando mentalmente comigo:
    – Como você é radical, Hermínio, eles só estavam num restaurante. Qual  mal há neles se o nome é de mau-gosto?
    Respondo: o mal banal!
    A banalidade do mal não é uma “categoria a parte” do Mal, mas uma teoria que explica de forma abrangente a sua manifestação na existência humana: o da incapacidade de julgamento, de raciocínio, de empatia. Aquele que não pensa pratica o mal; o reproduz; não pensa naquele que compartilha o mundo consigo. O contrário disso é a ação baseada num julgamento mental: O que estou fazendo, e porquê? Qual o significado de meu ato? Não exige nenhum tipo de formação especial: basta não ter a visão obstruída por qualquer forma de ideologia, como a noção de raça e racismo já é um grande começo.
    E já que me aproveito deste conceito de uma grande filósofa judia, como foi Hannah Arendt (1906 – 1975), deixo um questionamento:
    E se fosse criado um restaurante chamado Auschwitz, em Higienópolis? O que isso representaria para pessoas cujos antepassados foram transformados em cadáveres de forma inominável? Seria aceito?
    Se você acredita que é diferente, que nada tem a ver, a ideologia de superioridade de raça (Racismo!!!) ocupa uma posição perigosa em sua mente. Todos os povos devem ser respeitados. Mitigar a ofensa sobre a dignidade de uns e de outros não, é afirmar que uns são mais “humanos” que outros.
    Por questão de humanidade, não [nos] devoremos feito bestas!
  • A Greve Geral das 00h às 05h

    Serviços de transporte e movimentos por moradia foram os responsáveis pelos primeiros movimentos da greve geral deste 28 de abril contra. Enquanto o aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, amanhecia com voos cancelados, em Congonhas aeroviários faziam piquete no saguão do aeroporto paulistano.
    Em São Paulo, os ônibus e trens do metrô e da CPTM foram recolhidos aos pátios por volta da meia-noite e ali permanecerão por 24 horas.

    Em piquete realizado no pátio do metrô no Jabaquara, zona sul de São Paulo, o coordenador-geral do Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Wagner Fajardo, assegurou que a adesão da categoria era total logo na primeira hora da manhã.

    Na Ladeira da Memória, a Frente de Luta por Moradia, filiada à Central de Movimentos Populares, deu início às atividades do movimento na capital paulista com um acampamento cultural em um terreno adjacente. O acampamento estabelecido na região central de São Paulo é feito em conjunto com artistas e trará atividades culturais.

    A repressão policial também não tardou. No Viaduto Maria Paula, cerca de 150 manifestantes tentaram ocupar o Edifício Alberto, 181, mas foram reprimidos pela Polícia Militar com gás de pimenta e balas de borracha.
    Quando o Jornalista Livre Terremoto chegou ao local a avenida estava desde a Rua Santo Amaro até o início da Brigadeiro Luís Antonio. Segundo o repórter, moradores do entorno gritavam “Fora PM” e “PM Fascista”.
    No asfalto ficaram os vestígios de cartuchos, vidros quebrados e sacos de lixo usados em uma aparente tentativa de bloqueio. Os manifestantes se dispersaram com a chegada da polícia e não havia informações referentes a feridos ou detidos.

    Em Guarulhos, por volta das 3h da manhã, a Frente Povo Sem Medo bloqueou a principal via de acesso ao Aeroporto de Cumbica, o que tem potencial de afetar tanto o transporte de passageiros quanto o transporte de carga e dar visibilidade internacional à greve geral desta sexta-feira. Poucos minutos depois, a PM chegou ao local e usou bombas para dispersar o trancaço.
    Também na Grande São Paulo, os funcionários da Viação Urubupungá, concessionária de linhas de ônibus em Osasco, também cruzaram os braços. Os condutores de ônibus de São Bernardo do Campo também aderiram à greve geral.
    Em Avaré, no interior de São Paulo, militantes do MTST interromperam a rodovia SP-255 em protesto contra as reformas trabalhista e previdenciária.
    Em São Mateus, no Espírito Santo, os petroleiros também aderiram à greve nesta madrugada.

    Em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, motorista da Viação Vitória também confirmaram adesão à greve.
    Em São Luís do Maranhão, jovens ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE) realizaram ato transmitido ao vivo pela internet.

  • Mais um olho alvejado: PM atira em idoso em Brasília

    Na manhã desta sexta-feira, 28, na rodovia DF-140 em Brasília, próximo à divisa com o estado de Goiás, moradores foram covardemente atacados pela Tropa de Choque da PM (Patamo/DF). Um senhor foi alvejado no olho por uma bala de borracha, diante da barricada, quando resistia ao avanço da Tropa sobre o protesto da Greve Geral. (Assista o vídeo a seguir. Imagens fortes).

    Sangrando muito, foi socorrido pelos Bombeiros em uma óbvia desigualdade de forças. “A gente está pedindo paz, segurança”, fala um morador. “A gente paga o salário de vocês e vocês vêm aqui e machucam o cidadão!”, protestou. A região é muito carente.

    As trabalhadoras e trabalhadores queimavam pneus para fechar a rodovia em ambos os lados. A interdição durou mais de 4 horas. Ailton, um dos manifestantes, contou à repórter Juliana Castro que foi se manifestar por causa da situação de carência de serviços básicos na região onde vive. “Aproveitamos essa greve geral para pedir mais segurança, só essa semana foram quatro homicídios aqui na região”, explica Ailton.

    Poucos minutos depois depois, chegaram duas viaturas da PM Rural e tentaram negociar a saída dos moradores, mas estes se mantiveram irredutíveis

    Por volta de 10h da manhã, com uma fila de veículos que já chegava a quase 5 km de cada lado, a Tropa de Choque foi chamada e ao menos 6 viaturas chegaram ao local. Os policiais, imediatamente, correram para a frente da barreira e abriram fogo contra a população.

    Bombas de gás lacrimogênio e tiros de balas de borracha disparados, obrigaram todos a correr. No entanto, um senhor, Edmilson, que tentava pedir para que os policiais parassem de atirar, foi atingido no olho direito e caiu no chão.

    Mesmo assim os policiais continuaram atirando e só pararam quando alguns moradores se aproximaram gritando, pedindo para que parassem de atirar para socorrer o senhor.

    A ação desproporcional da PM revoltou os moradores. Um deles, gritava ao lado do corpo atingido do companheiro que a manifestação também é por eles (policiais).

    Veja a ação na íntegra:

  • Greve geral: Nada será como antes

    Greve geral: Nada será como antes

    Cerca de 40 milhões de trabalhadores de braços cruzados; atos e manifestações em todos os estados do país e no Distrito Federal; transporte público, bancos e fábricas paradas; lojas fechadas; apoio das igrejas católica, evangélicas e de diversas entidades da sociedade civil. O Brasil viveu ontem a maior greve geral de sua história.

    Num fato inédito, viram-se as principais centrais sindicais se unirem no chamamento à paralisação –unidade que foi uma das chaves a explicar o sucesso do movimento. Tão importante quanto isso foi a mobilização espontânea de coletivos formados em áreas onde o sindicalismo não alcança. Inúmeros relatos dão conta de atos e manifestações organizadas diretamente a partir da base, com destaque para regiões no Norte e Nordeste do país.

    Eis os fatos que a grande mídia tenta abolir em seus veículos. Sua narrativa mentirosa seguiu o mesmo tom adotado antes da greve. Tais veículos esconderam o quanto puderam a realização do movimento. A manipulação desconheceu limites. Discípulos de Joseph Goebbels, o chefe da propaganda nazista, embriagaram-se na ilusão de que uma mentira repetida mil vezes acaba virando verdade.

    Na véspera, a maior rede de TV do Brasil (mas não dos brasileiros) simplesmente riscou de seu noticiário que a greve ia acontecer. Nem um pio. No dia seguinte, porém, foi obrigada a colocar em campo quase todos os seus jornalistas para uma greve que, segundo eles, não ia acontecer… A mudança fala por si só. Retratou o reconhecimento covarde de que, apesar da torcida em contrário dos poderosos, a greve era uma realidade que nem o clã biliardário dirigente do grupo podia ignorar.

    A narrativa do grande capital, difundida pelos que lhe prestam serviços e obediência, cobriu-se do mesmo tom falacioso diante do êxito da greve geral. Neste sábado, 29, os grandes jornais ainda se contorcem para reduzir o movimento a uma paralisação localizada e inexpressiva, coisa de minorias. O contraste com os fatos é tão brutal que provavelmente nem peixes aceitem ser embrulhados por papel desta categoria.

    O governo golpista recitou o mesmo script. Não surpreende: tudo farinha do mesmo saco. Durante a greve, Temer e a camarilha de ladrões que (des) governa o país escalou ministros de segunda linha para dar curso à verborragia de falsificações. Osmar Serraglio, isso mesmo, aquele pilhado em tratativas destinadas a extorquir propinas de frigoríficos, foi aos rádios, TVs e jornais para pregar o “fracasso da greve”. O sujeito, pasmem, é ministro da Justiça. Nada melhor para retratar o tipo de criatura que tomou o poder de assalto –poucas vezes a expressão teve tanto ar de verdade.

    Já o chefe desta gente, Michel Temer, recolheu-se no conforto palaciano. Cogitou fazer um pronunciamento à nação para festejar o suposto revés do movimento. Desistiu, e todos sabem as razões. Preferiu uma nota da qual é difícil se lembrar o começo, o meio e o fim. Não sem motivo. Com 4% de popularidade, rejeitado por 92% da população, odiado pelo povo, esnobado pelo papa e pendurado em acusações de ter comandado o roubo US$ 40 milhões durante a campanha eleitoral, Temer agiu com a mesma autoridade de meliantes que olham para um lado, gritam pega ladrão e saem correndo para o outro com a bufunfa alheia na carteira.

    O prefeito Dória não perdeu a chance de exercitar sua vigarice com medo dos trabalhadores. Chegou ao gabinete de helicóptero. Lobista que fez fortuna à base de expedientes com empresários, sócios e órgãos públicos como a Embratur, Dória teve o desplante, bem ao seu feitio, de chamar o povo de vagabundo. Forçou servidores a dormirem no emprego. E obrigou um deles a uma humilhação sem precedentes: a de dizer que era a favor de greve, menos em dia de trabalho.

    Fosse apenas assim, teríamos o cenário de um país governado por gente incapaz e desorientada. Mas não se trata disso. Na falta da força de ideias, a gendarmeria fantoche novamente recorreu à ideia da força. E dá-lhe polícia. Os golpistas convocaram milhares de fardados para atacar sem dó o movimento legítimo do povo contra as reformas que rasgam a CLT e praticamente exigem atestado de óbito de quem quer usufruir as já magras aposentadorias.

    Fatos, fotos e imagens comprovam: os confrontos cantados em prosa e verso pela mídia oficial tiveram origem na repressão brutal aos grevistas. Os feridos passam de dezenas. Ao menos um trabalhador perdeu o olho; mulheres grávidas deram à luz ao não resistir ao impacto das bombas de gás e efeito (i) moral; manifestantes foram atropelados quando tentavam fugir das bombas.

    Houve prisões em várias cidades. O espetáculo de violência protagonizado pela polícia encontrou seu ápice no cerco montado em volta da casa do presidente golpista. Centenas de soldados lançaram bombas e atiraram balas de borracha em trabalhadores e jovens que só queriam defender o direito a um presente digno, a um futuro melhor.

    Mas o povo não recuou, mesmo diante de tamanha disparidade de condições de luta. O recado está dado. Os trabalhadores, estudantes, a juventude e a população mais pobre não vão aceitar calados abrir mão de direitos duramente conquistados. Existe tempo para anular a famigerada reforma trabalhista, aprovada só em primeira votação. Há tempo de impedir as mudanças reacionárias na aposentadoria.

    A luta apenas começou. O caminho é o mesmo da greve geral: unidade na ação contra os golpistas. Nisso, a imprensa independente ocupa um papel fundamental. Não é à toa que as notícias sobre a greve conquistaram o primeiro lugar no Twitter mundial durante várias horas da sexta-feira.

    É um trabalho que não se restringe às centenas de trabalhadores e jovens que compõem esta rede de informação verdadeira. Conta, como contou no dia da greve, com a colaboração de gente anônima que envia fotos, vídeos, notícias e mensagens de áudio mostrando o que de fato acontece – não a pós-verdade (mentiras, em bom português) difundidas pela mídia oficial. Os Jornalistas Livres congratulam e agradecem a todos que se juntam nesse esforço para resgatar a verdade.

    De tudo isso, emerge uma certeza: nada será como antes depois deste 28 de abril histórico.

  • Na mídia oficial, a verdade entrou em greve

    10h45, na TV. Fala o apresentador: “Aos poucos, tudo vai se normalizando em São Paulo. O transporte já está funcionando. Vamos saber ao vivo como está a situação nas estações de trem”.

    Repórter: “Vamos falar com um passageiro”.

    Passageiro: “Poxa, vi na televisão e ouvi no rádio que já tinha trem e vim prá cá. Cheguei há meia hora e tá tudo parado.”

    Volta rápido para o apresentador com sorriso amarelo: “Bem, o transporte tá voltando aos poucos…”, nem aí para as imagens ao fundo mostrando trilhos absolutamente vazios, sem nenhum vestígio de vagões. Algo como descrever uma chuva torrencial num dia que todos veem ensolarado.

    Situações parecidas, dignas de pastelão, povoaram a grande mídia durante toda a manhã. Num esforço patético, âncoras histéricos anunciavam de minuto em minuto o esvaziamento da greve, quando as imagens e a frustração dos (poucos) candidatos a passageiros provavam o contrário. A paralisação não arrefecia. Mas dane-se a verdade.

    Os “comentaristas”, esses então fizeram um pacto com o ridículo. “Essa greve foi um tiro no pé. Uma minoria radicalizada tentando impedir as pessoas de trabalhar”, ouviu-se na rádio CBN. Pouco importa se o movimento se alastrou por 25 estados mais o Distrito Federal, informação facilmente verificada mesmo nos portais ligados aos conglomerados nos quais trabalham os tais “comentaristas”.
    “Ah, mas a greve foi só dos transportes, por isso ninguém foi trabalhar”. O mantra foi martelado sem cessar pelos porta-vozes da liquidação dos direitos do povo. Primeira questão: alguém já viu uma greve geral exitosa no mundo ou na história em que os transportes não ocupem um papel vital? Segunda: como explicar o que ocorreu no ABC, onde os operários fizeram questão de ir até a porta das montadoras para decidir em assembleias não entrar nas fábricas?

    Uma das maiores provas do sucesso retumbante da greve geral foi o número diminuto, quase inexistente, de conflitos entre os próprios trabalhadores. Sabe-se muito bem: quando movimentos não contam com a adesão da maioria, multiplicam-se confrontos, muitas vezes sangrentos, entre piquetes e os que se recusam a aderir. Hoje isso praticamente inexistiu. Na falta disso, as TVs  – Globo principalmente – reprisaram um conflito localizado no aeroporto Santos Dumont para vender a imagem de um movimento sustentado na violência.

    Violência houve, e está havendo. Sua origem é a ação covarde, como habitual, das forças de repressão. Mais uma vez, muitos trabalhadores indefesos sofreram com bombas, cacetadas e humilhações. Dezenas foram presos por exercer o direito democrático de se manifestar. Tais imagens não tiveram destaque na mídia oficial, embora apareçam às centenas nos veículos da mídia independente. Basta consultar as páginas dos Jornalistas Livres.