Jornalistas Livres

Tag: Greve Geral

  • Manifestações na Argentina e “isto aqui não é Brasil”: Qual a síntese possível?

    Manifestações na Argentina e “isto aqui não é Brasil”: Qual a síntese possível?

    Por Rosane Borges*, especial para os Jornalistas Livres

    Nas últimas semanas, um amigo argentino, que mora em Buenos Aires, Rodrigo Alvarez, me “achou” no Instagram. Imediatamente reiniciamos interlocução sobre literatura, política e cinema, temas que partilhamos mutuamente há pelo menos uma década. A intensificação dos colóquios coincidiu com a eclosão das manifestações contra as reformas trabalhista, fiscal e da Previdência, o chamado “pacote de ajustes”, proposto pelo governo de Mauricio Macri. O episódio, como era de se esperar, foi o tema principal das nossas conversas.

    Entre vídeos curtos e comentários enviados por Rodrigo, eu fiz menção à frase que teria sido enunciada pelos insurgentes: “Isto aqui não é o Brasil!” (expressão que me levou, machadianamente, a pensar com meus botões – a mim e à torcida do Flamengo, vide a enxurrada de posts e comentários nas redes sociais). Como é sempre fácil ser sábio no dia seguinte, comecei a desfiar um rosário de justificativas para o paralelo estabelecido: “é preciso lembrar que uma das tradições argentinas mais fundas é a máxima de que a rua manda na política”, falei entusiasmada. Continuei: “estamos examinando a expressão aqui no Brasil criticando grupos e pessoas que a reproduzem para atestar uma certa apatia nossa, o que não é verdade”, disparei mais à frente.

    Em meio ao rosário, Rodrigo, entre atônito e descrente, me interrompeu: “Mas, Rosa [como costuma me chamar], eu estava nas manifestações e em nenhum momento eu escutei frase desse gênero”. No que retruquei: mas a manifestação teve dimensão alargada, será que você não deixou escapar frações do levante pela sua incapacidade física de testemunhar todas as ações in loco”? Ele ponderou: “É possível, mas acho muito improvável. Acompanhei a cobertura da manifestação no Twitter e todas as palavras de ordem lá, no Twitter, tiveram reverberação” Provocativo, continuou: “acho estranho uma frase dessa chegar no Brasil e não ser captada por nenhum instrumento de comunicação local que deu visibilidade aos gestos e palavras das pessoas na rua”.

    A essa altura, a ponderação de Rodrigo me fez pensar (de novo, machadianamente!) mais do que a frase que aqui ressoou como palavra de ordem. Enquanto conversava com ele, abri diversas abas na Internet, até aonde o computador permitiu sem travar, à procura da ocorrência e nada encontrei como prova testemunhal.

    Um site, reconhecido por detectar fakenews, comentou: “Não encontramos nenhuma referência a essa frase nos jornais argentinos e tampouco nos jornais de outros países. Nem mesmo no Twitter essa frase aparece nas buscas em espanhol e, curiosamente, só aparece nas buscas em português!”

    “Isto aqui não é o Brasil”

    De fato, algo me inquietou na frase reputada aos manifestantes. Espalhando-se rapidamente nas redes sociais, tais como os incêndios florestais, ninguém parece saber de onde a informação adveio originalmente. Pareceu que a força das ruas em Buenos Aires tinha que ser traduzida livremente por parte da nossa imprensa como um recado para o Brasil. A pergunta que insiste, aparentemente ingênua, é: mas por que, do ponto de vista jornalístico, não perseguimos o poder das manifestações na Argentina (repito, que já se tornou uma tradição) ao invés de atribuir-lhes enunciado que serviriam de exemplo/lição para o nosso país?

    Ao invés de insistirmos na síntese “Isto aqui não é Brasil”, ganharíamos muito em perseguir o acontecimento na forma como se mostrou. O acontecimento é a própria lição. Carrega sentido próprio. A potência do acontecimento, bem ao modo do filósofo Gilles Deleuze, é a matéria-prima para a exploração jornalística. Insisto novamente: temos a História e os fatos cotidianos para estabelecer comparações, parâmetros, análises pontuais…

    Entender como a “rua manda na política” na Argentina poderia ser um portal de entrada para possíveis comparações com o estado da arte da política no Brasil. Fazer isso por meio de atalhos, carimbando uma manifestação com uma expressão que, pelo visto, não foi pronunciada, resulta em prejuízo informativo. Buscar compreender parcial e provisoriamente o fenômeno também não significa desconsiderar o poder das transformações sociais e políticas aqui no Brasil por meio das manifestações populares (exemplos temos vários), mas nos leva a pensar, por exemplo, como o clamor das ruas aqui nem sempre é ouvido pelos governantes com a rapidez que deveria.

    Reatualizar essa tradição (de que a rua manda na política) não corresponde afirmar que no país vizinho está tudo tranquilo e favorável: Macri tinha os votos para levar a reforma adiante. Ainda possui amplo apoio dos congressistas, o que o faz persistir no avanço das reformas. A distância que o separa da crise de 2001, que aconteceu também em dezembro, é telescópica. Lembremos: naquele ano o grito “fora todos” provocou uma cascata em que cinco presidentes diferentes governaram o país em duas semanas e a morte de 38 pessoas nas ruas. Sem falar no chamado corralito (retenção dos depósitos bancários). Nenhum desses elementos compõe o cenário atual.

    Mesmo com a repressão crescente aos manifestantes, a força das ruas na Argentina maculou em definitivo um pacote de medidas que se anunciava como o remédio para melhorar a vida de todos. As imagens violentas tiveram o papel pedagógico de mostrar ao mundo que medidas impopulares estão sendo rechaçadas pela população que faz da insurreição uma via inescapável para correção de rota.

    Sem sombra de dúvidas, as manifestações solicitam: ouçamos o que as ruas dizem e como se movimentam. Tentemos captar os germes desta insurreição que poderá, em muito, lançar luz no terreno arenoso da política brasileira.

     

    *Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

  • Os 100 anos da Greve Geral devem nos inspirar para a luta que vem aí!

    Os 100 anos da Greve Geral devem nos inspirar para a luta que vem aí!

    Por Bloco Fluvial do Peixe Seco, Coletivo Atos da Mooca e Fanfarra Clandestina, especial para os Jornalistas Livres

    Há 100 anos os direitos dos trabalhadores não estavam garantidos e regulamentados no Brasil, recém saído de quase 400 anos de escravidão. Era comum crianças de 10 anos trabalhando, jornadas de trabalho gigantescas, pagamento de salários de miséria frequentemente atrasados, mulheres recebendo menos do que os homens para a mesma jornada de trabalho e a ausência de fiscalização para proteger o trabalhador.

    Nesse contexto, as mulheres trabalhadoras de diversas tecelagens iniciaram paralisações nos bairros fabris da Mooca e do Brás, em São Paulo. As paralisações se espalharam a partir da organização de luta do movimento anarquista. A classe trabalhadora, não aceitando mais passivamente esse cenário, construiu através de organizações livres e autônomas, espalhadas pelos bairros operários, a histórica greve geral de 1917. Desafiaram o governo, a polícia e os empresários: VENCERAM! VENCEMOS!

    A greve garantiu a conquista de um primeiro conjunto de direitos trabalhistas, muito importante para toda a população até hoje. Foi um marco importante, no Brasil, de uma luta que atravessa os séculos pelo mundo.

    Agora, os direitos conquistados através de muita luta desde 1917 até hoje estão sob ataque, na forma de uma reforma trabalhista que nos levará a uma situação muito parecida com a de 100 anos atrás. E nós, como parte desse movimento agora já centenário, estamos nas ruas para defender as conquistas históricas e os nossos direitos.

    No próximo sábado, 15.07.17, convidamos a todas e todos para celebrar, relembrar e LUTAR conosco no cortejo de 100 anos da greve geral de 1917, uma homenagem à história de todas as pessoas que se ergueram em defesa de uma vida mais digna e pela construção da história dos trabalhadores e de outra sociedade.

    O cortejo acontecerá a partir das 14 horas, com concentração na estação Brás do Metrô/CPTM, na saída para o Largo da Concórdia. No trajeto, ao som do Bloco Fluvial do Peixe Seco e da Fanfarra Clandestina, passaremos em frente ao prédio da Tecelagem Mariangela, local onde o sapateiro José Martinez, de 21 anos, foi assassinado durante uma manifestação em 1917. Seguiremos então para o local onde morava Martinez (ponto inicial do cortejo fúnebre que levou seu corpo ao cemitério do Araçá em 1917) e partiremos rumo à praça da Sé. Ao longo do percurso, diversas intervenções artísticas serão realizadas pelos grupos Madeirite Rosa, Coletivo Território B e Companhia 3×4 + Boneca Operária Gigante de Mônica Estela e Claudia Silva. Ao término, na praça da Sé, será exibido o curta-metragem “Ressuscita-me: A luta vive”, do Coletivo Atos da Mooca.

    O cortejo encerra um conjunto de atividades deste #JulhoCentenário, construido autonomamente ao longo dos últimos meses pelos coletivos Bloco Fluvial do Peixe Seco, Fanfarra Clandestina, Rosanegra Ação Direta e Futebol, União Lapa Foot Ball Club, Corote e Molotov, Biblioteca Terra Livre, Sangue nas Tetas e CMI.

    O filme: “A luta vive”

     

    SINOPSE:
    São Paulo, julho de 1917. Durante os prelúdios da primeira grande greve operária da cidade, trabalhadores que protestavam na porta de uma fábrica no Brás são atacados pela polícia, resultando na morte do jovem sapateiro espanhol José Martinez. O filme mostra de forma onírica o cortejo fúnebre de Martinez em uma erma rua operária. Em algum momento da procissão, o espectro de Martinez desperta e vaga por ruínas de vilas operárias até chegar, por uma fresta no tempo, ao ano de 2017.

    Em fevereiro de 2017, o Coletivo Atos da Mooca, formado por professores(as) de audiovisual, começou a construção de um novo filme, “Ressuscita-me: A Luta Vive”, inspirado também pelo cortejo de carnaval criado pelo Bloco Fluvial do Peixe Seco, que no ano de 2017 homenageou o Rio Cassandoca (hoje canalizado e escondido), assim como o centenário histórico da Greve, nas menções ao operário José Martinez e as operárias da Mooca e do Brás.

    Diante deste contexto, o Atos da Mooca iniciou seu processo coletivo, envolvendo professores, alunos, com gravações no Largo da Batata, Praça da Sé, Mooca, Brás e Vila Maria Zéila (histórica Vila Operária, construída no ano de 1917).

    Em sua investigação de linguagem, o coletivo propôs um recorte alegórico a propósito dos acontecimentos da greve, tendo como ênfase sobretudo o fatídico assassinato do operário anarquista espanhol José Martinez, pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. Este episódio de nossa história, propositalmente tão pouco lembrado, entretanto, é comemorado no brasão desta mesma polícia, cuja 10ª estrela do brasão alude à “Repressão à Greve Geral Operária de 1917”. Embora as fotos de época mostrem e privilegiem sobretudo a participação masculina na greve e no cortejo do operário Martinez, é fundamental a lembrança de que a greve fora principiada pelas operárias, fatigadas do assédio cotidiano sofrido no chão das fábricas. Assim, em “Ressuscita-me: A Luta Vive”, são as operárias que carregam o caixão de José Martinez. A captação do filme fora feita em suporte super8, e privilegiou a tomada única, isto é, obedecendo à própria sequência filmada, em que cada plano corresponde a um plano, de fato, no filme final, sem montagens posteriores. Nos termos de Vertov, a “montagem durante a rodagem”.

    O tratamento alegórico confere ao filme elipses temporais que perpassam, de forma poética e crítica, a luta trabalhadora. O personagem de José Martinez vagueia pelo tempo. Em 1917, as opressões contra a classe trabalhadora motivaram a união e a luta e assim conquistas fundamentais foram alcançadas ao longo do século XX, ao custo de muito suor e sangue operário. Em 2017, novas opressões contra a classe trabalhadora empreendidas sobretudo por um legislativo e executivo corruptos e favoráveis ao balcão de negócios tocados pelos patrões e por uma imprensa oportunista, sonegadora e descompromissada dos interesses populares, repercutem nas propostas da Reforma da Previdência e da Reforma Trabalhista. Coletivos organizados vão às praças e às ruas e manifestam-se terminantemente contra essas medidas. Cem anos depois, por uma fresta do tempo, Martinez está no Largo da Batata, encontrando xs trabalhadorxs que continuam sua luta.

    O filme estreou no último Festival Super Off, IV Festival Internacional do Cinema Super8 de São Paulo, e durante a exibição seu som foi executado ao vivo, uma vez também que o super8 utilizado no filme não permite o registro síncrono do som. No sábado, 15/07, o filme será novamente apresentado na Praça da Sé, desta vez no contexto das comemorações do Julho Centenário, em homenagem à histórica Greve. O som, desta vez, será executado ao vivo pelo Bloco Fluvial do Peixe Seco e pela Fanfarra Clandestina.

     

    Link para o evento: www.facebook.com/events/1175122145949060?__mref=mb

    Equipe Atos da Mooca e colaboradores afetivos do projeto: Renato Coelho, Caio Lazaneo, Ivan Ferrer Maia, Ricardo Matsuzawa, Felipe Bonfim, Thomaz Pedro, Alexandre Marino, Felipe Merker Castellani, Carolina Berger, Francis Vogner Dos Reis, Sheila Schvarzman, Carlos Camargo, Juan Manuel Tellategui, Joviniano Borges da Cunha, Anderson Gonçalves, Jennifer Glass, Bruno Botas, Grazi Ferracciolli, Deco Zido, Rodolfo Valente, Vitor Kisil Miskalo, Ludmila Daher, Guilherme Soares, Priscyla Bettim, Nivaldo Ferraz, Mariana Poli, Cecília Lazaneo, Veronica Monachini, Vanessa Carina, Tami Hirata, Felipe Moraes, Gustavo Carvalho, Willian Young, Valéria de Oliveira Mota, Thales Barbalho, Samuel Kassapian, Jorge Cassapiam, Fátima Cassapiam, Gladis Cassapiam Barbosa, Laura Cassapiam, Leticia Tomé, Renata Furlan, Guilherme Gila, Gabriel Fonseca, Mariana Prado, Catherine Nikole da Cruz, Stefani Raquel Angelo Formes, Carlos Grabrieal Pegoraro Paiva, Laysla Ribeiro Brigatto, Lucas Sanches dos Anjos, Thais Leister Barcellos, Gabriela Lourenzeto Guarda, Fabiola Rizzo Sanches, Bruno Henrique Bragante, Carol Tomasulo, Camila Luz, Tamires de Moraes Hirato, Vanessa Karina de Oliveira, Veronica Monachini, Julia Bianda Consolaro, Bruna Brito, Thiago Domingues Rollo, Cesar Dinola, Sara Borges, Matheus Mendes, Raquel Borges, Mariela Cantú e Bruno De Angelis.

  • Luta contra as reformas de Temer contagia todo o Brasil

    Luta contra as reformas de Temer contagia todo o Brasil

    Por Patrícia Cornils, especial para os Jornalistas Livres

     

    Este é um país em movimento. Ainda que as categorias ligadas ao transporte na em São Paulo (ferroviários, metroviários, motoristas de ônibus) tenham decidido não entrar em greve nesta sexta-feira, dia 30 de junho, em outros estados houve paralisações: o metrô de Belo Horizonte não funcionou, ônibus e metrô de Brasília também não, Salvador parou, rodoviários fizeram greve em Belém do Pará. Sindicatos e federações de bancários de praticamente todo o país, de acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), aderiram à greve geral. O Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região estima em 30 mil o número de trabalhadores parados em 212 locais, sendo 12 centros administrativos e 200 agências. Os petroleiros também aderiram à greve geral. Além de terminais e plataformas, pararam dez refinarias. A greve nas refinarias, iniciada hoje, não tem data para acabar. É uma resistência à intenção da Petrobras de reduzir de 15% a 25% o número de trabalhadores na área de refino.

     

    A greve foi maior que a de 28 de abril? Não. Naquele momento as centrais sindicais foram unânimes no apoio à paralisação, o que não aconteceu desta vez. A União Geral dos Trabalhadores (UGT), por exemplo, decidiu fazer mobilizações de protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência, mas não aderiu à greve. “As centrais, já na preparação desse movimento, disseram: vamos parar o Brasil com diferentes atividades e não necessariamente com uma greve geral como a do dia 28”, constata o economista Marcio Pochmann em entrevista à Rádio Brasil Atual. As explicações para isso são várias. Categorias como os motoristas de São Paulo receberam severas multas por conta da paralisação do dia 28 de abril, repara Pochmann.

     

    A União Geral dos Trabalhadores, à qual o Sindicato dos Motoristas de São Paulo é filiada, decidiu não convocar greve. “Não tivemos capacidade de conscientizar os trabalhadores da dimensão da reforma trabalhista. Estamos estarrecidos com o fato de que 513 deputados a aprovaram, um texto que passou de sete itens para 117 itens e que pretende, cirurgicamente, acabar com os sindicatos no Brasil, permite que patrões escolham interlocutores para negociar com a empresa, permite o trabalho de mulheres em condições insalubres, permite a realização de acordos individuais”, diz Ricardo Patah, presidente da UGT. Isso quer dizer que não se repetirá mobilização como a de 28 de abril no Brasil? Também não. A própria UGT avalia a possibilidade de chamar nova greve geral em julho/agosto, desta vez contra a reforma da Previdência. “Contra esta o povo vai para a rua e vai fazer o governo recuar”, acredita ele.

     

    A reforma trabalhista, objeto de curto prazo da greve de hoje, é “muito mais perversa do que a reforma da Previdência” mas também é “menos conhecida”, explica Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, também à Rádio Brasil Atual. “As pessoas têm uma menor compreensão do impacto que a reforma trabalhista terá sobre a vida dos brasileiros e das brasileiras”. Independente disso, o que se viu, hoje, é resultado de um movimento que, acredita ele, não vai arrefecer. Os movimentos envolvem cada vez mais gente, constata ele, “cada um fazendo na base, no seu sindicato, na sua cidade, na sua categoria, o movimento que os próprios trabalhadores definiram, uns paralisando atividades, outros fazendo passeatas, marchas, manifestações, atos”, explica. “Este é um ganho que pouco se vê, mas cada vez mais categorias e pessoas são incorporadas ao debate sobre as reformas. Há diferentes iniciativas e o que se observa é que de fato o movimento atinge pequenas, médias e grandes cidades, e algumas capitais com uma paralisação mais intensa”, diz.

     

    Para Ganz, a resistência agora é importante para que o país não perca nem direitos nem os instrumentos para sustentar seu desenvolvimento, como as empresas públicas, os recursos naturais, as indústrias nacionais. “Há tanta coisa sendo destruída nesse processo e esses movimentos precisam dar conta de entender o que está acontecendo e construir um posicionamento para que a trajetória de nosso país seja alterada em direção a uma estratégia de desenvolvimento com justiça, igualdade, distribuição de renda e bem estar”. As centrais e movimentos vão conseguir construir esta posição conjunta? Ainda não sabemos. Mas a dinâmica do governo contribui para que isso aconteça, de uma forma perversa, como se pode constatar pela fala de Guilherme Boulos, coordenador da Frente Povo Sem Medo, também à Rede Brasil Atual. “Nós temos um Congresso Nacional que legisla de costas para a sociedade brasileira, 70% da população rejeita a reforma trabalhista e eles estão levando adiante; 89% da população quer diretas, e eles estão barrando. Estão criando cada vez mais um perigoso abismo do Congresso Nacional e também do governo para o resto da sociedade brasileira. Você para, os caras continuam; faz luta, os caras continuam; para o Brasil, os caras continuam; vai chegando um ponto em que o povo perde a paciência e só resta a desobediência civil. É isso que essa turma está plantando no Brasil.”

     

    Todos os estados e o DF têm protestos contra reformas do governo Temer”, é a manchete do portal G1 neste momento, às 17h35 da tarde. Na cobertura minuto-a-minuto da Central Única dos Trabalhadores pode-se ver como o dia foi em todo o país. Os Jornalistas Livres cobriram durante todo o dia as manifestações e lutas dos trabahadores. Helicópteros já sobrevoam as proximidades da Avenida Paulista, onde há um ato das frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular. Planta-se algo neste país. O que brotará, veremos nos próximos meses.

  • Greve Geral: USP na luta contra as reformas

    Greve Geral: USP na luta contra as reformas

    (Clique nas fotos para vê-las em tamanho grande)

     

    Na manhã de hoje (30) estudantes e funcionários da USP realizaram ato contra as reformas trabalhista e previdenciária.

    A concentração começou por volta das seis e meia e, pouco depois, os manifestantes fecharam o acesso pelo Portão 1 da USP.

    Agentes da CET colocaram cones para desviar o transito da rua Alvarenga e da avenida Afrânio Peixoto; viaturas da PM também estavam no local e a Força Tática se posicionou ao lado da guarita do P1.

    Por volta das oito horas, os manifestantes saíram em marcha pela rua Alvarenga, fazendo um breve ato na estação Butantã do metrô, onde foram distribuídos panfletos sobre a greve geral.

    A marcha seguiu pela Av. Vital Brasil até o cruzamento com a Av. Francisco Morato, onde bloquearam o acesso às pontes Eusébio Matoso, Bernardo Goldfarb e marginal do rio Pinheiros, assim como ocorreu na greve geral do dia 28 de abril deste ano.

    Como os ônibus não puderam seguir pelas vias, os passageiros seguiram a pé pela ponte Bernardo Goldfarb.

    Às dez horas, os manifestantes desocuparam as vias e retornaram ao campus da USP, encerrando o ato pacífico, sem ocorrências.

    O ato foi organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores da USP – Sintusp – e pelo Diretório Central dos Estudantes da USP – DCE Livre Alexandre Vannucchi Leme, com a presença de organizações do movimento estudantil.

  • Na Greve Geral, meu pai, Policial Militar, chorou

    “Diferente das outras manifestações, eu não participei da passeata da Greve Geral. Não que eu não quisesse, mas minha mãe pediu pra que eu não fosse e eu respeitei.

    Meu pai é policial, faz parte da Tropa de Choque. Eu estava assistindo quando ele chegou em casa. Passava das 02h da manhã.

    Meu pai chegou quieto e sentou do meu lado. Eu estranhei mas continuei vendo TV. Quando ele saiu, vi minha mãe voltando com ele pro sofá e ele chorando desesperado. Eu não sabia o que estava acontecendo e comecei a perguntar se ele estava machucado. Ninguém me respondia e eu entrei em pânico também, comecei a chorar e minha mãe teve que “cuidar” de mim e do meu pai.

    Ele não conseguiu nos contar nada no momento. Ficamos acordados até quase cinco horas da manhã e ele começou a falar. Ele nunca gostou de participar de manifestações, sempre achou desnecessárias e nunca ficou do lado dos manifestantes. “Um bando de vagabundos”, já ouvi diversas vezes em casa.

    No dia da Greve Geral ele não queria trabalhar porque concorda que o governo está retirando nossos direitos. Um dia antes ele me contou que estava se sentindo um “idiota”. Ele não ficou na manifestação do Largo da Batata, ele estava posicionado no caminho por onde o ato passaria. Ele ficou na frente, como escudo, protegendo os demais policiais que arremessavam bombas e balas de borracha. Ele me contou, depois de muito chorar, que teve um surto durante o “trabalho” que realizava. Ele não queria estar ali. Ele concordava com os manifestantes. Ele não bateu diretamente em ninguém mas sabe que a presença dele ali fez a operação da polícia funcionar.

    Eu nunca vi meu pai chorar e talvez tenha sido por isso que eu entrei em desespero junto com ele quando ele chegou em casa.

    Até agora não consegui digerir essa história e tá um clima estranho em casa. Parece que a profissão do meu pai, que ninguém nunca ousou questionar, agora não serve mais pra ele. E ele não quer mais servir pra ela.”

  • A GENTE NÃO AGUENTA MAIS

    A GENTE NÃO AGUENTA MAIS

    16 de março de 2017

    Passada a força do povo nas ruas, demonstrada no belo 15 de março, os movimentos sociais e sindicais passaram a anunciar que uma greve geral seria a próxima empreitada do povo mais pobre do país, no enfrentamento à perda de direitos. A parti daí, para mim, foram mais de 30 dias de máxima ansiedade até a madrugada do dia 28 de abril chegar.

    Madrugada de 28 de abril de 2017

    Eu não tinha ideia do que poderia acontecer. E de fato, evitei pensar sobre isso. Muito feliz com o 15 de março, mas com a memória daquele 17 de abril de 2016, onde, em Brasília, mesmo trabalhando como Jornalista Livre, com dor no peito, entristeci e chorei.

    Ali, a intuição não precisava ser muito aguçada para sentir que estávamos descendo por um caminho áspero, rochoso e sangrento. E, infelizmente, não deu outra. Então, apreensiva, optei por deixar de lado qualquer pensamento sobre o 28 de abril.

    Mas depois de anos de reportagem, confesso: tive medo de ir às ruas para a cobertura das primeiras ações de greve na madrugada do 28. Mas, imediatamente, meu temor desapareceu quando ouvi a frase: “não tema e reflita sobre o futuro de suas filhas e de tudo aquilo em que você acredita: a democracia, os direitos humanos e o poder que o povo brasileiro tem de transformar o sofrimento, em uma única voz aguerrida que clama contra os retrocessos que sofremos na atual conjuntura política”, foi a Carmem Silva, coordenadora da Frente de Luta por Moradia que meu deu forças pra enfrentar o meu medo.

    Então, naquela madrugada, eu, Adolfo Várzea e Sato do Brasil fomos acompanhar a primeira ação em SP em apoio à greve geral. A FLM e a Central de Movimentos Populares ocuparam um terreno vazio no Centro de São Paulo, quase no quintal da Prefeitura. No momento da entrada no local, me dei conta que eu que passava ali quase todo os dias, mas nunca tinha dado nenhuma atenção ao espaço. Vi nos rostos dos sem-teto a demonstração de luta por inclusão numa verdadeira cidade linda. A Ocupação Abril Vermelho na Ladeira da Memória — Casa Aberta Praça de Todos nasceu. O Estado esqueceu seu dever, mas ainda bem que existem Carmens, Fernandes, Márcias, Joanas, Josés, Fabrícios e tantos outros que passaram ali e enxergaram uma área para a cultura e o lazer, num local histórico no centro da cidade, por onde milhares de outros trabalhadores correm por medo de assaltos.

    Horas antes, o Sato do Brasil, tinha acabado de voltar de uma cobertura da Conferência indígena em Brasília e num dos escritos, desabafou lindamente: “Eu não aguento mais. Em 2 dias, vi bombas sendo arremessadas contra os índios em frente ao Congresso. Crianças, idosos, mulheres, homens. Povo que sempre esteve aqui. Eu não aguento mais. Eu vi lideranças indígenas sendo escorraçadas do Senado, escoltadas pela cavalaria e tropa de choque, como se fossem animais para o abate.”

    De fato, eu também não aguento mais. Mas todos os dias, me sinto na missão de continuar a ser voluntariamente jornalista livre. E, essa greve geral serviu para recarregar as baterias.

    Manhá, tarde e noite de 28 de abril de 2017

    Durante o dia, percorri diversos outros pontos de ações da greve, mas nada foi mais emblemático, bonito e revigorante do que a caminhada até à casa de Temer. Eram mais de 70 mil pessoas, uma grande massa que se uniu contra as reforma trabalhista e o fim da aposentadoria pública. Em vários momentos da reportagem, eu parei, só para ver aquela a caminhada, ouvir os gritos de ordem e olhar detalhadamente para quem estava lá.

    Vi até minha família passar. Me emocionei. Vi senhoras e senhores que não vejo há tempos em manifestações levantarem cartazes, vi crianças levantarem cartazes, vi os secundaristas que ocuparam as escolas em 2015 cantarem suas canções contra a reforma da previdência. Parecia tudo uma voz só. Todos eles encheram meu coração de alegria.

    Na chegada à casa de Temer, como sempre, muito policiamento.

    A rua que dava acesso aos portões da mansão estava completamente cercada. O povo que se debruçava na grade tentava conversar carinhosamente com os policiais que estavam na parte de dentro do cerco, chamando em vão, a categoria para se juntar aos protestos contra o presidente. Foi bom ver que bom sentir que o povo, mesmo golpeado, tem ainda muito amor no coração.

    Mais cedo, Sato havia cobrindo um dos inúmeros “trancaços” de rua da cidade e desabafou : “Eu não aguento mais. Eu vi homens e mulheres fortes e de luta serem perseguidos como caça pelas ruas do centro de SP por mais de meia hora, encurraladas por gás e balas de borracha atiradas a esmo em direção às suas cabeças. Eu vi crianças de colo chorando e senhoras sentadas no meio fio, desorientadas sem poder respirar direito. Eu não aguento mais.”

    Depois do diálogo do povo com os policiais na frente da casa de Temer, a mesma cena da manhã, descrita no desabafo de Sato, recomeçou.

    Vejo três caveirões entrando na rua onde eu estava. E eles também me viram. Um deles, em velocidade consideravelmente alta, foi literalmente jogado em cima de mim e quase me atropelou. Eu, já equipada para uma verdadeira guerra, com capacete e máscara de gás corri, escapei.

    A rua estava irrespirável. O barulho horripilante dos estouros de uma sequência de bombas e balas de borracha desferidas contra manifestantes e um grupo de jovens do movimento anarquista, tomaram conta da rua.

    Eu não consegui entrar ao vivo para mostrar em tempo real as cenas, então, filmei alguns desses momentos e comecei a passar muito mal. Tentei me proteger dos tiros, das bombas e de qualquer outro tipo de agressão, mas estava impossível continuar ali. Vomitei muito. Um segurança das mansões luxuosas do entorno, viu e me socorreu na sua moto.

    Sobre esse momento, Sato também escreveu: “Eu vi milhares correndo entre árvores, escorregando, caindo, levantando, mulheres sendo amparadas, senhores e senhoras com idade de meus pais andando tão rápido quanto suas pernas puderam deixar, lágrimas por raiva e por gás, desespero por não encontrar a saída, o barulho das bombas ecoando nas garagens cheias de ferraris, luzes nas calçadas se acendendo denunciando mais um corpo atingido, meus pés estavam em frangalhos, fumaça explodindo nos meus e nos teus olhos, alguém desistindo e sendo ajudado a não desistir, pais puxando seus filhos pelos braços, gritos, abraços, choro, respiro. Eu não aguento mais. Eu vi no céu e no chão, no espírito e na rua, o descompasso de quem reina machucando os seus. Traidores e impostores acuando e perseguindo qualquer um que se levantasse contra o escárnio e a injustiça.”

    Vimos dor e cansaço. E sabemos que há um poder muito maior do que a vontade daqueles policiais em machucar o povo. Por trás daqueles escudos, há oprimidos. Há trabalhadores que também estão perdendo tudo, todos os dias e que em muitos desses dias, nem sabem se voltarão para casa, para suas famílias. Eles saem de seus batalhões alimentados pelo mandos de ódio de seus chefes de Segurança Pública e com a obrigação de serem cruéis custe o que custar, inclusive, colocando em risco suas próprias vidas.

    Quando olho dentro daquela fresta transparente dos escudos consigo ver algo muito além de um homem, ou uma mulher cruel que “quer” me tirar minha visão acertando o olho com uma bala de borracha. longe de mim querer aqui justificar o que sofremos na mão de uma polícia despreparada. Mas eu não posso deixar de dizer que vejo um oprimido fruto da degradação do Estado e penso que esses policiais também possuem graves sofrimentos particulares. É um caminho tortuoso.

    “O ato estava em festa, uma comemoração ao sucesso da greve geral. Entrevistávamos o senador Lindberg Farias, próximo ao caminhão de som, quando uma bomba foi atirada em nossa direção. Andamos rápido em direção a Praça Panamericana e vimos muitos manifestantes sendo perseguidos pela polícia. Não dá pra imaginar isso nos atos organizados pelo MBL. Vivemos um terrorismo de Estado. Vivemos um momento de Ditadura Militar. Sinto revolta.” Desabafou o jornalista Livre Adolfo Garroux

    Durante nossas coberturas, no momento em que a repressão policial começa, nosso peito arranha, as pernas endurecem e os músculos não obedecem mais. E, quando ainda ao longe os ruídos de bombas chegavam aos ouvidos, ainda assim, resolvemos continuar nas ruas e nas praças, com câmera, lápis, sonhos e abraços.

    JLs Katia e Sato na concentração do ato, no Largo da Batata

    Pelas redes sociais, provocamos os silenciosos, a iluminar os indecisos, a narrar as noites insanas, a sorrir com os lutadores, a caminhar com irmãos irmãs, sempre na direção de um dia mais ensolarado.

    Ao chegar em casa, assisti o vídeo do encerramento do ato do Rio de Janeiro. Assisti umas cinco vezes para acreditar que um policial havia atirado contra o palco. Fiz um print da tela. E a cena é impressionante.

    Bomba lançada pela PM-RJ em palco

    Relembrei muitos momentos nos quais escapei e agradeci aos deuses pelo fato do cinegrafista que registrara aquela cena ter se safado sem ferimentos. Eu não aguento mais. Nós não aguentamos mais. Mas não podemos cansar. Não podemos deixar a mídia tradicional mostrar apenas vidraças de bancos quebradas. A linda greve geral ultrapassou os limites da importância para além disso, o povo peitou patrão, se uniu e cruzou os braços, e termos enfrentada tamanha repressão policial desproporcional não desanima. Por isso, amanhã, nos chamem, nos convidem, e nos acompanhem. Porque temos que reconstruir o país.