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  • Mordaça: Globo demite colunista por criticar a PF

    Mordaça: Globo demite colunista por criticar a PF

    Depois de fazer duras críticas à Polícia Federal e ao governo de Michel Temer em sua coluna semanal em O Globo, o economista Paulo Nogueira Batista Jr. ouviu do departamento de RH do jornal que, devido à linha editorial seguida pelo autor, o jornal deixaria de publicar sua coluna. Na publicação ele denunciava outra perseguição do governo Michel Temer, dando nomes aos bois inclusive, que o destituiu de forma traiçoeira do cargo de Vice-Presidente do Banco de Desenvolvimento dos BRICS, o qual ajudou a fundar, e depois de servir ao Brasil por mais de 10 anos como representante junto ao FMI (Fundo Monetário Internacional).

    Quem revela essa história é um grupo de voluntários que criou um evento chamado “Precisamos Falar Sobre o Fascismo”, que acontece mensalmente no Rio de Janeiro, reunindo intelectuais e psicanalistas interessados na defesa dos direitos humanos e no combate ao discurso de intolerância e ódio.

    Premonitoriamente, a última edição do evento, ocorrida segunda-feira (11/12), foi intitulada “Mordaça”, e Paulo Nogueira Batista Jr. teve a oportunidade de se aprofundar no tema que abordou em sua coluna em O Globo sobre as perseguições políticas nas instituições públicas. No dia seguinte ele foi demitido.

     

     

    Leia a Nota de Solidariedade escrita pelo coletivo Precisamos Falara Sobre o Fascismo.
    Assista ao vídeo com a fala de Paulo Nogueira Batista Jr. no evento.
    Abaixo reproduzimos também a coluna do economista, restrita aos assinantes de O Globo, por entendermos se tratar de fato de interesse jornalístico.

     

     

    Nota de Solidariedade
    A Paulo Nogueira Batista Júnior

    Ao longo do ano de 2017 realizamos uma série de debates intitulado: Precisamos Falar Sobre o Fascismo.
    O projeto se originou da necessidade do enfrentamento a práticas e discursos que tinham a intolerância e o ódio e, consequentemente, a aniquilação à diferença como motor.

    Assim, vocalizamos pontos nodais que se acirraram e, em alguns momentos, atualizaram- se violentamente. A pretensão de erigir o modelo homem-branco, heterossexual e burguês nos fez falar de nossa história escravocrata e racista, do extermínio das etnias indígenas, dos que estão à margem do processo produtivo, dos relegados à indigência social e excluídos da lógica do capital, dos fora da normatividade sexual e de suas pretensas expressões degeneradas. Enfim, as diferenças foram convocadas à fala.

    No nosso último debate, enfrentamos as Mordaças de nossos dias.
    Estavam lá falas e corpos interditados pela lógica hegemônica vigente. Um de nossos convidados foi o economista Paulo Nogueira Batista Júnior, que viveu recentemente não um processo de demissão, mas uma cassação, em toda truculência que esta palavra significa . Sua destituição do cargo de Vice-Presidente do Banco de Desenvolvimento dos BRICS foi urdida por um governo que se alçou ao poder através de espúrias negociações, que são evidenciadas à luz do dia.

    Se fosse legítima sua demissão, já que demissões são possíveis, por que Paulo foi cerceado em seu direito de defesa? Por que lhe foi negado acesso e comunicação aos seus colegas e funcionários e até mesmo a sua sala e ao local em que trabalhava? Por que sua presença causava tanto mal-estar e inquietude?

    Antes de sua participação no debate, Paulo faz um relato direto e esclarecedor no jornal O Globo, onde mantinha coluna desde seus tempos como representante do Brasil junto ao FMI. Há nomes e sobrenomes em seu relato. Esta trama sórdida foi detalhada e aprofundada em sua fala no nosso debate.

    Mas não se rasga a mordaça. Ao contrário, afirma-se a palavra interditada em um retorno à violência do silêncio coagido.

    Paulo Nogueira Batista Júnior teve sua palavra cassada novamente pelo referido jornal, sem justificativas sustentáveis. Sua coluna não será mais publicada!
    Foi descartado, reduzido ao silêncio desejado.

    Sabemos que os bois sempre tem nome e Paulo não vai dizê-los sozinho.
    Sem medo ou mordaças, estamos com ele!

    Precisamos Falar, Resistir e agir sobre o Fascismo.


     

    Reprodução da Coluna de Paulo Nogueira Batista Jr em O Globo (08/12/2017)

    PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

    Barbárie

    Poucas coisas são mais importantes no Brasil hoje do que apurar o ocorrido na UFSC

    O estado de direito, as garantias individuais, o amplo direito à defesa, a proteção contra o abuso de autoridade, a presunção de inocência — tudo isso é como o ar que se respira, a água que se bebe. Só nos damos conta da sua importância vital quando nos são retirados.

    O Brasil parece caminhar a passos largos para um estado de exceção, em que prevalecerá o arbítrio, a truculência, o desrespeito aos direitos humanos. A barbárie avança a olhos vistos. Nos últimos dias, tivemos um ataque à Universidade Federal de Minas Gerais — episódio que parece fazer parte de uma ofensiva contra as universidades públicas.

    Mais uma vez, assistimos ao abuso da prisão coercitiva do reitor e de professores da universidade, uma humilhação desnecessária e ilegal. Mais uma vez, integrantes do Poder Judiciário e da Polícia Federal se aliaram à mídia para fazer operação espalhafatosa e arbitrária de combate à corrupção. Soldados armados até os dentes, como se estivessem enfrentando perigosos inimigos, invadiram uma universidade para expor professores à execração pública.

    Ainda pior foi o que aconteceu há pouco tempo em Florianópolis, na Universidade Federal de Santa Catarina. Prenderam o reitor Luiz Carlos Cancellier, sob a acusação de que ele estava obstruindo investigações. A mídia se encarregou de jogar o seu nome na lama, como corrupto e responsável por desvio de imensas somas. Na prisão, foi submetido a humilhações. Depois de solto, foi proibido de entrar na universidade.

    O trabalho na universidade era sua vida. Poucos dias depois, o reitor Cancellier atirou-se do alto de um shopping em Florianópolis. No bolso, trazia o bilhete: “A minha morte foi decretada quando me baniram da Universidade!!!”. Poucas coisas são mais importantes no Brasil hoje do que apurar o ocorrido na Federal de Santa Catarina e punir os responsáveis pelo abuso de poder.

    O caso do reitor Cancellier me tocou particularmente, leitor. É que há algumas semelhanças com o que eu mesmo vivenciei. Também sofri recentemente um processo administrativo irregular e arbitrário que levou a meu afastamento da vice-presidência no Banco do Brics em Xangai. Dou nome aos bois. A iniciativa foi de alguns integrantes do governo brasileiro, nomeadamente do presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, acolitado por Marcello Estevão, um assessor irresponsável e bisonho do Ministro da Fazenda. Acusaram-me, sem base, de quebrar o código de conduta, em alguns artigos publicados nesta coluna. Acusaram-me, também sem qualquer base, de ter assediado moralmente um funcionário brasileiro, um certo Sergio Suchodolski, cuja demissão havia recomendado por desempenho pífio no período probatório.

    Depois, acusaram-me, sem provas, de obstruir investigações. Negaram-me o direito de defesa. Fui condenado em uma reunião de diretoria, que ocorreu pelas minhas costas, quando estava em viagem de trabalho. Meus funcionários foram instruídos a não fazer qualquer contato comigo. Fui proibido de entrar no banco, e minha sala foi lacrada.

    Mas, enfim, poderia ter sido pior. Estou vivo, com saúde, próximo à família, aos amigos e aos correligionários. E disposto a fazer minha parte, por pequena que possa ser, na luta contra a maré ascendente da barbárie.

    Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.


    vídeo com a fala de Paulo Nogueira Batista Jr. no evento Precisamos Falar Sobre o Fascismo

     https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/654143161376231/

     

    Os Jornalistas Livres tentaram por diversas vezes questionar o jornal sobre os motivos da demissão, mas a redação de O Globo informa que as questões devem ser feitas ao SAC da empresa.
    O SAC de O Globo não possui sistema de comunicação com não leitores.

    As perguntas enviadas seriam:

    1. Qual o motivo da demissão do colunista Paulo Nogueira Batista Jr., depois de mais de 10 anos de contribuição para o jornal “O Globo”?

    2. O governo Michel Temer e/ou a Polícia Federal intercederam pela demissão de Paulo Nogueira Batista Jr. do jornal “O Globo”?

    Caso a empresa responda, atualizaremos a matéria.

     

  • Coisa de branco, até quando?

    Coisa de branco, até quando?

    Escroto, consciente, ativo, legitimado, estrutural, septicêmico em todos os órgãos da nação, o racismo de William Waack não é só dele. Essa é a pior notícia. “Coisa de preto” é subtexto corrente na mente de grande parte de uma sociedade criada sob os parâmetros da Casa Grande. O diabólico plano que começou com tráfico, tortura e assassinato do povo negro e que durou quatrocentos anos, é mais nefasto e homicida do que os cinco ou seis anos do holocausto judeu e essa dor a humanidade respeita mais. Não estou dizendo que uma dor é menor do que a outra. Mas afirmo que o holocausto da escravidão negra continua até hoje e não comove nossa sociedade. Não importa, em geral, a quantidade de negros sem nome, sem sobrenome nobre que é assassinada diuturnamente nas favelas e periferias deste país. Ainda rola no imaginário brasileiro a ideia obsoleta de que “preto bom é o de alma branca”, é o sem voz, e há neste imaginário uma desvalorização da etnia negra como se houvesse para isso alguma defesa científica que apontasse no DNA de uma raça sua propensão à sub-humanidade.

    O que impressiona muito no vídeo do William é sua falta de conflito com o tema,

    seu conforto escancarado e muito bem acomodado dentro de sua convicção.

    Quando a Globo que, felizmente, com muita rapidez, prontamente se posicionou repudiando e afastando o jornalista, afirma que vai pedir esclarecimentos dos fatos dá vontade de ser uma mosquinha na cabeça deste profissional para ver qual será o melhor argumento nos bastidores dessa saída. A situação é indefensável. Não falou sem querer, não estava nervoso. Repito: trata-se de uma convicção. Absolutamente consciente e levemente temeroso de que sua fala pudesse comprometê-lo, ele, textualmente, quase evita falar abertamente: “Tá buzinando por quê? Ô seu merda do cacete! Deve ser um… Não vou nem falar quem. Eu sei quem é… Você sabe quem é né?”

    Mas não resistiu. Saiu.

    Pulou da boca. Pensa assim.

    Concorda com o racismo. É porta-voz dele.

    Estamos diante de um vazamento e por ele podemos supor quantas dessas atitudes não chegam a público e fazem a graça de muitos bastidores. Não seria leviano de minha parte afirmar que essa não é uma atitude isolada deste jornalista. Um detector de discriminação racial afinado talvez não tivesse dificuldade em encontrar na educação, dele e de sua família, a ideologia revelada no patético vídeo gravado em frente à Casa Branca. Ele estava nos Estados Unidos, ele falava português, ele estava em seu “camarim” e não imaginou que a máscara Waack estava sendo retirada antes do público deixar o teatro. Sou atriz, vivo no teatro, e sei que se o público por algum motivo avista o truque, a ponta da carta escondida sob o manto do mágico, não há outra saída para o artista se não se render à verdade. Já era. O público viu. Fodeu. É melhor admitir. Flagrantes são inegáveis. Qualquer tentativa de desqualificar a verdade flagrante é constrangedoramente impotente.

    O que está em jogo aqui é como deter o escravagismo moderno, esse que foi trazido através da linguagem das escrotíssimas expressões que destroem a autoestima do povo negro a cada minuto, e que vão mantendo a obra da escravidão na cabeça de jovens brancos, de crianças brancas, em pleno 2017. A semente do mal é reproduzida em todos os lugares, inclusive nos jornalismos, inclusive nas ficções.

    Sou jornalista também de formação,

    e sei da responsabilidade pública que temos com a informação,

    sei do poder de influência da palavra jornalística na formação de opiniões.

    Diante disso numa democracia, ter um jornalista que apresenta um jornal importante numa emissora que alcança milhões de espectadores diariamente, defendendo posturas racistas, expondo-se inclusive judicialmente a um processo, aponta para uma demissão sumária deste profissional. Não vejo outra saída. Para mim é tão grave quanto um médico que não atende um paciente preto e pobre na emergência. Para William Waack a vida do preto, o pensamento do preto, a atitude do preto, os direitos do preto são menores e tudo nele vale menos. Está entranhado em seu DNA cultural branco e dominador tal aberração intelectual.

    Sua ignorância é sofisticadamente tosca,

    uma vez que ocupa um cargo nobre na tele informação.

    E essa ignorância é tão sofisticada quanto perniciosa, representa um pensamento vigente que raramente tem coragem de mostrar a cara, de sair do armário. Mas é este pensamento que gera a atitude prática de fechar portas, e de provocar em nós, em nossas organizações civis e nas leis, a feliz estratégia dos sistemas de cotas. Quando Cazuza diz que a burguesia fede é a isso que ele se refere. Há uma hipocrisia católica, disfarçada de caridosa, ornada dos aparentes bons costumes, mas que chafurda na lama tóxica de seus preconceitos e na sua luta pela preservação das senzalas, dos quartos de despejos e da persistência variada das chibatas. Presídios, quartos de empregadas, entulhos das favelas e periferias, tudo têm como modelo os porões da escravidão.

    Eu teria vergonha de ensinar racismo aos meus filhos,

    William não tem.

    Eu teria vergonha de ser racista em meu local de trabalho, William não tem. Eu teria vergonha de ser racista sendo brasileira e estando trabalhando em terras estrangeiras, William não tem. De usar a minha língua contra o povo que construiu a minha nação, William não tem. E por isso representa uma vergonha para o povo brasileiro. Sua declaração bate na cara dos negros que labutam para o sucesso da história desse país e da empresa que ele trabalha; sua declaração é um acinte, um achincalhe no talento de grandes atores negros que deram e dão sua arte à teledramaturgia brasileira contribuindo para um sucesso de público que atravessa décadas. Sua declaração atinge também em cheio a consciência de brancos a quem ele não representa, os constrange, os convoca a limpar a própria barra.

    Puni-lo com uma demissão me parece uma atitude equivalente ao crime.

    Condiz.

    Sua opinião provoca um grande estrago e põe o dedo numa chaga acesa. Se ele trabalha numa empresa que não apoia o racismo, o seu flagrante delito o torna naturalmente afastado da emissora. Se a Rede Globo não quer compactuar com uma atitude discriminatória não pode ter em seus quadros quem pensa diferente disso, uma vez que tal quesito está espargido em todos os conteúdos de sua programação. Neste momento, estou fazendo a campanha da ONU chamada Vidas Negras.

    Os números são alarmantes,

    perdemos grandes exércitos de meninos que saem da escola para o crime

    e, entre estes,

    milhares são assassinados sendo inocentes,

    só por serem negros.

    E só.

    Por valerem menos.

    Mas a tragédia só se realiza, só chega a virar sangue, a virar tiro de fuzil, só chega a matar depois de se consolidar na mente de muita gente, e muita gente que manda neste país. É este jogo que nós temos que desmontar. Quando se diz “coisa de preto” como sinônimo de inferior ou ruim, no fundo estamos produzindo um conteúdo que dará autorização para matar. William Waack não é o único a pensar assim, é isso que o vídeo veio nos revelar. É coisa de branco e aos bons brancos deve envergonhar. O assunto está bombando. A questão racial no novo filme de Daniela Thomas vai ser assunto nessa sexta no Pedro Bial. Não dá mais pra segurar.

    O mundo pede abolicionistas modernos e quer saber de que lado você está.

  • WILLIAM WAACK, MAIS UM RACISTA SUSTENTADO PELA REDE GLOBO

    WILLIAM WAACK, MAIS UM RACISTA SUSTENTADO PELA REDE GLOBO

    Por Hermínio Porto e Katia Passos, dos Jornalistas Livres

    Vamos iniciar com uma breve grosseria de 2014, do principal apresentador do Jornal da Globo, noticiário que é exibido no começo da madrugada. O senhor de 65 anos, que passou por diversos veículos da grande mídia, é pouco avesso a carisma e não faz questão de ser agradável. Durante a cobertura dos Jogos Olímpicos no Brasil, teve sua antipatia ressaltada pela jornalista Cristiane Dias, também da emissora. Com o “climão” construído por ele no ar, contra uma mulher, sua colega de trabalho, ao final da cena, para se redimir do fato, Waack deu um beijo no rosto da jornalista. Ridículo.

    Agora o ano é 2016 e mais uma bizarra cena é protagonizada por Waack. Durante a cobertura da campanha eleitoral nos Estados Unidos, Waack ouve uma buzina ao fundo e dispara o seguinte comentário “buzinando por que? ô seu merda do cacete??? Você é um, não vou nem falar, eu sei quem é…” E depois cochicha com o entrevistado Paulo Sotero: “Sabe quem é, né?! É preto”. Paulo Sotero, do Wilson Center, ri, como se fosse um comentário engraçado. Ambos são brancos. A Rede Globo certamente sabia, mas não imaginou que houvesse prova do racismo do jornalista. Mas, depois do vídeo ter sido por 1 ano ocultado, agora ele está disponível na internet.

    E durante esse 1 ano de ocultação dessa prova cabal de racismo, Waack foi a voz da emissora nas análises de política e economia. E um dos responsáveis por fomentar a narrativa das elites na promoção das reformas e retrocessos do país: destruição de direitos trabalhistas e previdenciários; enaltecimento de Sérgio Moro e ridicularização de lideranças políticas como por exemplo, Lula, tudo com forte protagonismo de Waack e sua turma da Globo. A presença do racista William satisfez a Globo num dos seus programas jornalísticos mais tendenciosos e assistidos do país. A Globo pagou Waack para isso. E pagou muito bem.

    Ao contrário da nota emitida pela rede, não existe Globo “visceralmente contra o racismo em todas as suas formas e manifestações”. E aqui podemos lembrar do caso de Nayara Justino, “globeleza” demitida após pressão de racistas da empresa.
    As atrizes negras que foram relegadas aos papéis de empregadas e escravas, outros que nem sequer existem em papéis relevantes, poucos jornalistas e atores em lugares de destaque, os “black face’s” do humorístico Zorra Total, para quase todos os locais da grade de programação da Globo que você olhar, verá o racismo reforçado que contraria a tal nota emitida para justificar o afastamento de Waack. O racismo da emissora está naqueles que são vistos, como Waack, e naquilo que é invisibilizado ou ridicularizado, como os negros.

    Talvez fosse menos pior, se a emissora tratasse o racismo do mesmo modo que trata de maneira explícita as denúncias contra políticos que não tem conexão com sua “linha editorial”. Agora a Globo teve que mostrar punição. Mas, uma emissora de televisão que emprega alguém sabidamente racista e lhe dá destacada função, também é racista. Maçãs podres não nascem de jabuticabeiras.

    E não somos nós que estamos dizendo que a Globo dá apoio moral a um racista. O final do texto da nota é bizarro: “William Waack é um dos mais respeitados profissionais brasileiros, com um extenso currículo de serviços ao jornalismo. A Globo, a partir de amanhã, iniciará conversas com ele para decidir como se desenrolarão os próximos passos”. Não há sequer uma citação de demissão.

    O jornalista é o exemplo de uma ideologia que está consolidada no cotidiano, no imaginário, no vocabulário e nas relações de trabalho no Brasil, com o agravante de que ele tem espaço na rede televisiva de maior audiência no país, que deveria ter a obrigação de combater qualquer forma de preconceito, abuso ou violência. Mas não, o interesse da rede é meramente mercadológico, e se hoje abordam vez ou outra questões raciais, o fazem como uma forma de parecerem politicamente corretos. Mas as milhares de negras e negros que sofrem o racismo estrutural e diário, a Globo não engana. Com esse fato de Waack, acreditamos que muitos outros poderão acordar.

    Como uma TV que tem em seu quadro alguém que diz que o que é “ruim” é “coisa de preto”, o que se esquece cai num “buraco negro” e o que não pode ser desvendado com facilidade está dentro de “caixa preta”, entre tantas outras expressões que ferem muitas negras e negros pode ter a ousadia de dizer que não é racista?

    O racismo só pode ser coisa de branco racista. Este texto sim, é coisa de preto, e quem assina é uma preta e um preto!

     

  • Pasadena vazou outra vez

    Pasadena vazou outra vez

    Com base em informações ainda não tornadas públicas pelo, Tribunal de Contas da União, a Folha de São Paulo divulgou hoje, 29/08, que auditores do tribunal teriam isentado o Conselho de Administração da Petrobras de ter cometido qualquer “ato de gestão irregular” no episódio da compra da refinaria de Pasadena.

    O relatório técnico, no entanto, ainda não é público. Somente está disponível para os ministros que, na sessão Ordinária de Plenário de amanhã (30/08, às 14:30hs), apreciarão a matéria. O ministro relator, Vital do Rêgo, assim como os ministros participantes da sessão, pode acompanhar ou divergir do relatório técnico.

    Refinaria de Mentiras

    Ao pesquisar sobre os termos “Pasadena” e Dilma”, no próprio site da Folha, encontramos 605 resultados em 2014. Desnecessário dizer que a maioria das matérias levantavam suspeitas de corrupção na compra da refinaria. Os editoriais do jornal, nesse período, tiveram títulos como: “Refinaria de mentiras” e “Sombras na Petrobras”.

    A Petrobras de Dilma

    A colunista da Folha, Eliane Cantanhêde, na matéria “A Petrobras de Dilma”, repetia a falsa comparação de que “A Petrobras simplesmente pagou US$ 360 milhões por 50% dessa refinaria, que fora comprada um ano antes por US$ 42,5 milhões.” (FSP 20/03/2014) Eliane Cantanhêde é ex-Folha. Hoje, empresta ela seu talento para contar “histórias” à Globonews.

    A refinaria sem refinamento de Dilma

    Vinícius Torres Freire, também colunista do jornal, no artigo “A refinaria sem refinamento de Dilma” fazia coro: “Dilma presidia o conselho de administração da Petrobras em fevereiro de 2006, quando ela e outros autorizaram a empresa a comprar refinaria nos EUA (US$ 360 milhões por 50% de um negócio que um ano antes saíra por US$ 42,5 milhões)”. (FSP, 21/03/2014)

    O verdadeiro mensalão

    Barbara Gancia, com o título “O verdadeiro Mensalão”, escreveu: “Não é de hoje que a tal compra da refinaria de Pasadena surge na boca de empresários como sendo emblemática dos desmandos do PT. Ela é o verdadeiro mensalão. Ali é que eles veem a amostra de desmontagem de quadros técnicos e cargos de carreira para o aparelhamento de que tanto falam. Estão ali as grandes somas, sem aliados para repartir. Um contrato fajuto, um ativo multiplicado 100 vezes… E tudo isso tendo à disposição o maior financiador do país e uma das maiores empresas do mundo, que tinha recém descoberto a maior bacia de petróleo… Faz-me rir, mensalão, troco de pinga!”(FSP 21/03/2014)

    Procurador diz que prejuízo da Petrobras nos EUA ‘não foi só um mau negócio’

    Matéria de Dimmi Amora trazia o procurador do Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União), Marinus Marsico. “Não foi só um mau negócio, o que pode acontecer em qualquer empresa. Era algo completamente evitável e por isso pedimos que se apure as responsabilidades de quem fez esse negócio e que eles sejam condenados por gestão temerária, sejam multados e tenham que devolver os recursos desperdiçados”, disse o procurador. (“Procurador diz que prejuízo da Petrobras nos EUA ‘não foi só um mau negócio’”, FSP 27/02/2013)

    A correção de Cerqueira Leite

    O físico e membro do Conselho Editorial do jornal, Rogério Cezar Cerqueira Leite, jogou uma agulha no palheiro de notícias incorretas: “Após quase um mês de confusões, a presidente da Petrobras, Graça Foster, explica que o valor pago pela Astra foi de US$ 248 milhões, que somados a investimentos alcançariam US$ 390 milhões.” (FSP 29/04) Em outras palavras, na ponta do valor pago pela Petrobras, as afirmações de Cantanhêde e Torres Freire estavam erradas em mais de US$ 100 milhões. A Petrobras não pagou os US$ 360 milhões que os colunistas afirmaram. Eles também estavam errados nos valores pagos e investidos pela Astra na refinaria.

    A correção de Gabrielli

    José Sérgio Gabrielli de Azevedo, ex-presidente da Petrobras, em matéria na Folha, “Pasadena: mitos e verdades”, corrigiu o valor que a Astra pagou pela refinaria: “Vamos aos mitos: o primeiro refere-se ao fato de que o antigo proprietário de Pasadena, o grupo Astra, pagou US$ 42,5 milhões pela refinaria e depois revendeu à Petrobras por US$ 1,25 bilhão.”

    Prossegue Gabrielli: “A verdade é que a Astra desembolsou US$ 360 milhões antes de revender por US$ 554 milhões, sendo US$ 259 milhões pagos pela Petrobras em 2006, como afirmou a presidente da empresa, Graça Foster, e US$ 295 milhões posteriormente à disputa judicial, já em junho de 2012, mas considerando as condições de mercado de 2006. O crescimento da demanda de derivados nos EUA, sobretudo de 2004 a 2007, levou a um aumento progressivo no preço das refinarias, contudo, o valor de Pasadena foi inferior à média das transações em 2006.” (FSP 20/04/2014)

    Quem perde com informações falsas?

    Cantanhêde e Torres Freire, e toda imprensa, levaram as pessoas a crer que a corrupção era evidente na compra da refinaria de Pasadena. As correções nos valores pouco efeito tiveram no ano eleitoral de 2014. Mesmo assim Dilma ganhou. Mas o país…

    Por fim

    Depois de ampla exploração política, será que o caso da refinari de Pasadena terminará amanhã? Ou um pedido de vista buscará continuar o sangramento de Dilma e do PT? Como a Folha de São Paulo noticiará? Fará 605 matérias se corrigindo, se o caso terminar sem acusação de “ato de gestão irregular”? E o que farão Veja, Globo, Istoé, Estado, etc.?

  • Temer, cada vez mais, o menor dos problemas

    Temer, cada vez mais, o menor dos problemas

    Curioso que quanto mais o tempo passa mais claro fica que Temer é um pobre coitado do ponto de vista moral e ético. Uma pessoa infame, corrupta, sem carisma e que não cessa de envergonhar o país por onde quer que passe. Suas viagens internacionais se tornaram verdadeiros périplos de humilhação e falta de bom senso e não há um lugar em que ele e seu séquito não se deparem com manifestações contra seu governo e contra sua pessoa.

    Ficará na história como exemplo de até onde o mau caratismo,

    o cinismo e a covardia podem levar o país quando assumem o poder.

    Um político que passou a vida arrastando as asas em torno dos poderosos sem nunca atingir protagonismo significativo e, claramente, um capacho de gravata que vira as costas para a maioria dos brasileiros para atender sem hesitação sua classe social de privilegiados que o sustenta, torce por ele e o mantém.

    Acontece contudo que, com esse espírito aprendido durante a ditadura, juntamente com uma parte da ala vendida do PMDB durante o período de exceção, ele chegou ao comando do país realizando imensos estragos e prometendo terra arrasada. É o representante egrégio de um golpe bem sucedido que colocou a teste as instituições brasileiras e o estado democrático de direito, que mais uma vez, cedeu aos ventos do arbítrio, do ocaso e comprovou a ambivalência do não estado de direito, da democracia paradoxal e da incapacidade de reação das forças progressistas à altura da elite predatória que existe no Brasil.

    Como uma vez observou Mino Carta:

    trata-se da elite mais predatória do mundo.

    Bem, hoje testemunhamos uma blindagem impressionante dos 3 poderes, fazendo seus acertos para manter Temer e as reformas de pé, enquanto não houver alternativa acertada entre os mesmos grupos quadrilheiros que conduziram e mantém Michel Temer na presidência. Há nisso tudo um roupagem calamitosa que nos ensinou que instituições como um Superior Tribunal Eleitoral, Câmara dos Deputados, as respectivas Comissão de Constituição e Justiça, Comissão e Conselho de Ética e Decoro, turmas do STF fazem parte de um imenso teatro que encena um faz de conta de democracia para, no final, serem facilmente manipulados por um presidente sem eleitores, determinado a transformar o país num deserto de direitos em que poucos se locupletam e muitos assistem. Testemunhas da própria desgraça.

    Pouco a pouco a calamidade pela qual o país passa vai ganhando contornos de uma novela global, hipnotizando seus telespectadores que aguardam a decisão dos autores sobre seu desfecho final. Muitos estão voltando para o sofá aguardando os últimos capítulos, para verter algumas lágrimas com as cenas patéticas e previsíveis que todos esperam numa novela.

    – O TSE vai julgar a chapa Dilma-Temer! Suspense!

    Uhh! Quase. 4X3 para os quadrilheiros.

    – Aécio Neves foi preso. Será solto? Sim, como todos previam, mas não deixa de ser emocionante um acusado conhecido voltar à tribuna do senado para proferir verdades e lições de moral naqueles que o acusaram e bajular os que o libertaram.

    – Eduardo Cunha prepara sua delação. Agora vai! Não foi dessa vez. O Deputado que vendeu sua prisão a um custo altíssimo para os brasileiros, e que a justiça brasileira parece manter na cadeia apenas para legitimar a prisão passada e futura dos petistas, prepara-se para negociar agora sua liberdade, após vender seus dias na cadeia a peso de ouro.

    Bastam alguns meses de prisão com mesada administrada por sua esposa em liberdade, depois delação premiada e, enfim, liberdade! Uau, quanto suspense na novela da atual crise ética e moral brasileira.

    Os personagens do descalabro estão todos aí, daqui a pouco todos em liberdade gozando dos mesmos privilégios, porque a novela vai acabar e os atores voltam para suas casas e os brasileiros realizam que, afinal, era tudo ficção.

    Mas quanta emoção! Capítulos empolgantes! Cenas inesquecíveis!

    O padrão Globo vigora e define os modos de ver, ouvir e dizer no país não apenas pelo seu jornalismo de última categoria, mas por impor subjetivamente um padrão de interpretação e leitura da realidade novelesco em que tudo termina com o show anual do Roberto Carlos e todos de branco em uníssono cantando que hoje é um novo dia, de um novo tempo no qual se mantém rigorosamente com as velhas repetições e práticas de violência e mando, tal como a música infantil que se repete, infinita e rigorosamente há décadas, nos finais de ano. Lançada em 1971, no auge da ditadura civil-militar, ainda se ouve o bordão da emissora: A festa é sua, a festa é nossa é de quem quiser. Ame-o ou deixe-o.

    Terminada a jornada de trabalho sem direito a férias, 13o. e dignidade, num horizonte em que a aposentadoria se tornaria um sonho longínquo para muitos, só resta correr para o sofá e ver as estripulias e traquinagens verossímeis que as elites brasileiras encenam, para nosso entretenimento e descanso, após horas de uma jornada exaustiva de trabalho num Brasil que nunca foi dos brasileiros.

    É claro então que Temer não está sozinho, seu cai não cai alimenta uma rede imensa de privilégios e as autoriza como se fosse normal e corriqueiro que ele, para sobreviver, desse início à distribuição de bilhões para emendas parlamentares loteando o orçamento para os parlamentares indignos que se dispõem a apoiá-lo para, em troca, de alimentar seus currais eleitorais. (

    Um círculo vicioso blindado se retroalimenta.

    Enquanto muitos torcem pela queda de Temer, ele e seu séquito se aproveitam precisamente dessa situação para cometer abusos autorizados e rombos inexoráveis no orçamento da união, com o único objetivo de se manter como distribuidor mor das riquezas nacionais para apaniguados. Do alto ele grita: Estou morrendo, tenho o direito de tentar sobreviver custe o que custar ou custe a quem custar, no caso, nós.

    As inúmeras manifestações que ocorreram desde o início do golpe são vigorosas, contundentes e fundamentais mas ainda, infelizmente, não chegaram aos milhões de atingidos pelos retrocessos que caminham a toque de caixa.

    Se olharmos de muito perto veremos, para além das encenações dos 3 poderes, nosso próprio espelho e, se nos aproximarmos mais ainda, veremos o retrato dos muitos que sonharam pela democracia, deram a vida por ela e que a cada perda de direitos empreendida são cobertos por um uma véu que encobre sua memória.

    Numa obra extraordinária de Oscar Muñoz, um dos artistas colombianos mais importantes da atualidade, ele apresenta uma série de espelhos que o visitante olha e, a princípio, não compreende. Se, curioso, o visitante se aproxima a ponto de o calor da respiração embaçar o espelho. Nesse embaçamento veremos, no fundo, a imagem de um desaparecido colombiano. Por detrás de nossa própria imagem há sempre alguém cuja memória deve ser preservada e que reencontramos, surpreendentemente no ar que respiramos, nos mantém vivos e ainda exala de nossos pulmões.

    Hora de desligar a TV e olhar no espelho.

  • Sobre formas e a nova cara do Jornal Nacional

    Sobre formas e a nova cara do Jornal Nacional

    Durante o trabalho noturno de leituras e correção de trabalhos de alunos(as), rendo-me à assistência do JN, agora com nova roupagem. Em meus interesses sobre a forma das coisas, comecei a observar detidamente o cenário, a bancada. E confesso que tive dificuldade em permanecer atenta por uma questão de ótica: o exagero dos (d)efeitos visuais, como bem lembrou Valmir Costa, as luzes que se assemelham aos holofotes de grandes eventos e, assim, vão nos anestesiando com seus efeitos alucinógenos. Letreiro de motel de beira de estrada perde feio. Mas como forma não é mero detalhe, dá pra intuir que essa mudança (mais uma num lapso de tempo relativamente curto) sinaliza para algo de fundo, para a decadência do jornalismo global que tenta nos engabelar por meio de uma duvidosa plasticidade e beleza visual (o termo global aqui tem sentido duplo: planetário e da Rede Globo. Refiro-me, claro, a esse modelo de negócio que se desmancha).

    Vem de longa data a relação forma X conteúdo, todos(as) sabemos. Vistos de maneira dicotômica, quase sempre o segundo levou vantagem sobre a primeira no que diz respeito à produção de sentidos. No entanto, temos uma longa discussão teórica, eu mesma a enfrentei no doutorado, sobre a importância da forma na produção de sentidos. O pensador Mouillaud, já teria afirmado o quanto a hierarquização entre forma e conteúdo não é produtiva: o termo conteúdo remete à metáfora de uma caixa ou de um escrínio nos quais um objeto está, de fato, “contido”. Para esses analistas, a própria língua era apenas um envelope do sentido, do qual era necessário extrair as “categorias”, assim como se separa a amêndoa do caroço. (…). À primeira vista, a embalagem e o objeto podem ser separados sem que o objeto perca sua identidade; entretanto, um perfume continuaria a ser um perfume sem seu frasco? O presente permanece um presente sem as fitas e as graças que os envolvem? A prece é prece sem seu gestual? (MOUILLAUD, 1996: 29).

    Renata Vasconcellos, Roberto Irineu Marinho e William Bonner na inauguração do novo estúdio do Jornal Nacional (Foto: João Cotta/Globo)

    Considerando, então, que forma e conteúdo são indissociáveis, a nova identidade visual deve ser percebida e analisada como um forte indício de que as matérias, os textos também já foram solapados, rebaixados a uma categoria estética e política que de jornalismo não tem nada. A cobertura política da política disso nos dá testemunho. Prospectemos, portanto, novas formas, formatos de notícia. Decididamente, o JN é triste retórica que atrasa o país. Descendo ladeira abaixo, quer nos levar a todos para o precipício.
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    *Rosane Borges, 42 anos, é jornalista, professora universitária e autora de diversos livros, entre eles “Esboços de um tempo presente” (2016), “Mídia e racismo” (2012) e “Espelho infiel: o negro no jornalismo brasileiro” (2004).

    Foto: Divulgação/ Globo