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  • Um passeio pela Cúpula dos Povos

    Um passeio pela Cúpula dos Povos

    Por Marcelo Otero

    Dia 1

    Pouco a pouco, está sendo montada. A algumas quadras da sede da Faculdade de Ciências Sociais da UBA (Universidad de Buenos Aires), no bairro portenho de Constitución, nota-se que as pessoas na rua são mais numerosas que o habitual. Bandeiras, broches, bonés e camisas denotam as identidades presentes, que são vistas na feira que ocupa a rua de acesso e que se reafirma na entrada, onde são indicadas as salas em que se realizam os fóruns. É o primeiro dia da “contracúpula”, a Cúpula dos Povos, no marco da Semana de Ação global contra a OMC.

    Após a cerimônia de abertura da cúpula, onde o presidente argentino Mauricio Macri prometeu solucionar os problemas causados pelo neoliberalismo “com mais OMC”, isto é, com mais neoliberalismo, e em meio ao escândalo internacional causado pelo fechamento das fronteiras a ativistas, fiscais e participantes de organizações do mundo inteiro, inicia-se uma atividade que, por sua multiplicidade, bate de frente com o modelo dominante. Começam três dias de intensa discussão em fóruns, oficinas e seminários. Estudantes de ciências sociais se revezam com militantes de diversos países, discutem e trocam impressões entre mesas de venda de livros e stands de comidas típicas de diferentes regiões. Cartazes, palavras de ordem, pinturas e murais se unem às camadas sobrepostas de pôsteres da faculdade.

    A comissão de comunicação da Cúpula se dividiu em vários grupos para cobrir as atividades, mas é impossível estar em todos os cantos com tantas atividades. Vou de um fórum a outro, anoto coisas. No caminho converso com Carlos, do Emergentes, com Ignacio, da Rádio Mundo Real, com Pablo, do Grupo de Memoria Histórica do MoCaSE VC, Lucía, da GRAIN, e com Maga, do Movimiento Popular la Dignidad, que me ajudam a reconstruir os assuntos que dialogam em cada espaço. Espalham que Nora Cortiñas (das Madres de Plaza de Mayo) está na sala onde se discute livre comércio, a dívida e o poder corporativo. Chego e lá está, sorri para mim enquanto Adolfo Pérez Esquivel (Prêmio Nobel da Paz) destaca a necessidade de se avançar na definição de estratégias nas quais os povos sejam protagonistas, deixando de lado “a amargura e a angústia existencial” para lutar a partir da interculturalidade. Seguindo um pouco esse caminho, a cooperativa Abrapalabra, de Córdoba, viajou até Buenos Aires para fazer traduções simultâneas em inglês, alemão e francês para os que precisam, através de fones de ouvido sem fio. Três intérpretes falam ao mesmo tempo em seus microfones, transmitindo em outro idioma a ideia de que a guerra é uma atividade de mercado.

    No quarto andar, o fórum feminista transborda de mulheres e bandeiras. Os principais temas abordados são as políticas de cuidados e o papel das mulheres trabalhadoras na luta através dos sindicatos. Estão presentes membras da CTA (Central de Trabajadores de la Argentina), da CUT Brasil, da Bancaria e da ATE (Asociación de Trabajadores del Estado), assim como grupos de ativismo trans. Passo para o fórum de Bens Comuns. Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina estão representados ali. Companheiros e companheiras contam sobre a situação do Brasil antes e durante este governo, o avanço dos transgênicos sobre a terra, agravado na gestão de Temer, fazendo-se necessária mais mobilização diante do avanço do modelo do agronegócio. O Paraguai comenta o avanço das doenças ligadas ao monocultivo de soja. Os uruguaios falam sobre as diferentes percepções do governo atual, enquanto vivem o avanço de conflitos por parte das plantações de pinheiros e o anúncio de uma nova fábrica de celulose. Discute-se a crise global que o desenvolvimento capitalista implica (e também, em retrospectiva, variantes de governos socialistas), a partir de lógicas extrativistas. Contrapõe a isso o Sumaj Kawsay e as diferentes visões que combinam cosmovisões e leituras sobre uma nova forma de viver.

    Na oficina “As armas que assassinam palestinxs…” fala-se a respeito do tema dos tratados que a gestão macrista está assinando com o Estado de Israel para a compra (e capacitação) de armamentos e instrumentos repressivos. Também é mencionada a compra de mísseis de Israel pela Grã-Bretanha para serem instalados nas Malvinas. Estas questões são contextualizadas na “era Trump”.

    O seminário sobre livre comércio e megaempresas debate principalmente a novidade da fusão dos gigantes corporativos Bayer e Monsanto, o que aprofunda a tendência à unificação de mercados. Com este contexto, uma companheira do CONAMURI aponta a consequência nos territórios onde são aplicados os produtos dessas empresas: doenças, má-formação fetal, um verdadeiro genocídio, nas palavras da companheira, que tem um forte impacto no mundo rural com sua correlação nas cidades, onde os alimentos produzidos desta maneira são consumidos. O seminário se divide em 4 oficinas que terminam em uma plenária. Os eixos são Soberania alimentar e Direitos Humanos, Livre Comércio e Agricultura, Biotecnologia relacionada com as megafusões e, finalmente, Impacto do agronegócio e experiência da Agricultura Camponesa.

    No fórum de propostas e desafios rumo à ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) apresenta-se o exemplo do Haiti, que durante a colonização de seu território lançou um alerta ao resto das ilhas da região para advertir sobre o perigo da invasão europeia. Sobre esse exemplo histórico destaca-se a diferença entre internacionalismo como prática solidária da assistência internacional e como mecanismo de submissão. Uma companheira colombiana da Marcha Patriótica aponta que boa parte das políticas que foram geradas e sustentam o conflito armado neste país têm sua origem nas definições da OMC para a América Latina.

    O fórum pela soberania educativa conta diversas experiências educativas latino-americanas. Foram apresentados espaços de encontro como redes entre as diferentes organizações. Ainda assim, analisou-se criticamente os avanços da virtualidade nas salas, assim como o papel da naturalização de entidades financeiras que concedem bolsas de estudos nas escolas. Também se discutiu sobre a avaliação e a formação docente. No fórum de saúde, criticou-se a exclusividade no mercado dos medicamentos, pelo fato de serem bens associados à vida. A saúde não interessa ao modelo neoliberal, só os benefícios do poder, alega-se. O Brasil investe mais em medicamentos que no orçamento da saúde, por isso não se investe em prevenção nem em políticas de saúde pública. A Colômbia compartilha experiências de implementação dos acordos de livre comércio que impossibilitaram a produção de medicamentos locais, e tudo o que é vendido vem de fora. As políticas de livre mercado na saúde são caracterizadas como genocídio, devido à dependência, na Argentina, dos produtores de medicamentos. O país vizinho tem estrutura e possibilidades de produzir de maneira gratuita 100% dos medicamentos para 6 milhões de pessoas com doenças crônicas.

    Quando terminaram os fóruns, iniciou o “conversódromo”, uma cerimônia presidida por Kantuta y Wari que, baseada na cosmovisão andina, aliviaram nosso espírito e nos permitiram refletir com tranquilidade sobre os desafios que estão por vir.

    Ás 19h começou a assembleia feminista. Em torno de 300 mulheres ocuparam o asfalto da rua Santiago del Estero. Discutiu-se a importância da solidariedade internacional, nos casos do Ni Una Menos e da greve de mulheres de 8 de março. “Dos feminismos”, e não “do” feminismo. Discussão para a próxima greve de mulheres no próximo 8 de março. A OMC está discutindo uma linha de “livre comércio inclusivo”, um novo argumento “compreensivo” que busca ocultar as violentas faces do modelo neoliberal impostas aos povos.

    O encerramento acontece com pessoas conversando, com uma assembleia dxs trabalhadorxs não docentes da faculdade (em greve no dia de hoje) e com a desmontagem da feira. Termina assim o primeiro dia de intensa atividade na construção de um futuro diferente.

  • OS POVOS GRITARAM EM ALTO E BOM SOM: “FORA OMC!”

    OS POVOS GRITARAM EM ALTO E BOM SOM: “FORA OMC!”

    Por Cobertura Colaborativa Fuera OMC

    Sob um sol escaldante de domingo, na capital argentina, diversas delegações internacionais, movimentos indígenas, campesinos, territoriais, anti-extrativistas e feministas de todo o mundo foram chegando para somar forças ao protesto contra a conferência ministerial liberalizante da OMC.

    Como exercício para o que será uma semana intensa de atividades, debates e marchas, realizou-se no domingo (10) o Festival Fuera OMC. E assim, enquanto a 11ª Conferência Interministerial da OMC era inaugurada a poucas quadras, no Centro Cultural Néstor Kirchner com pouquíssima representação da sociedade civil, nas ruas os povos voltaram a se encontrar.

    Daniel Devita abriu o palco com seu rap Fuera OMC. Em seguida, a Frente de Artistas de Cienfuegos apresentou uma performance contra as grandes marcas multinacionais. Diego Valdecantos, Marisa Vázquez, Las Taradas, entre outros artistas de diversas nacionalidades deram sequência ao espetáculo, em uma fusão de estilos, unificando o repúdio à Organização Mundial do Comércio, que prioriza os interesses do capital em detrimento das necessidades do povo.

    Através de um comunicado, a Confluência Fora OMC, organização plural que desde o início do ano vem construindo a proposta da Cumbre de los Pueblos (Cúpula dos Povos) contra a OMC, afirmou que

    “a luta contra a OMC é global e possui uma rica história de mobilizações e articulações, já que a instituição representa os interesses das empresas transnacionais e não os direitos nem as necessidades do povo”.

    Os organizadores da chamada “contra-cúpula” acreditam que este é o momento de avançar na criação de alternativas sociais, políticas, econômicas, feministas e ambientalistas que ponham fim à impunidade corporativa, deem prioridade aos direitos humanos e garantam a harmonia com o meio ambiente.

    Com a chegada do primeiro ar fresco do entardecer, duas mulheres, duas mães lutadoras tomaram a palavra: Isabel Huala, mãe de Facundo Jones Huala, preso político mapuche, e Nora Cortiñas, da organização Mães da Praça de Maio – Linha fundadora. Isabel disse aos presentes que seu “filho está detido e não é casual que neste contexto ele esteja preso, nem que estejam matando nosso povo e pessoas como Santiago [Maldonado]”, em referência ao militante morto em agosto deste ano após ser reprimido pelas forças do Estado em um protesto da causa mapuche. “Somos contra o capitalismo, somos contra seu mal chamado progresso”, disse, e sob aplausos desafiou: “Agora é o momento de defender a mãe terra e dizer ‘basta’!”.

    Depois foi a vez de Nora Cortiñas, sempre presente nas lutas do povo, manifestar-se: “Estamos vivendo hoje uma perseguição política muito dura: estamos perdendo o estado de direito”. Nora denunciou que “todos os dias há detenções arbitrárias, sem julgamento, nem processo”. Em relação à chegada da OMC à Argentina, repudiou a decisão autoritária do governo local de cancelar as credenciais e deportar membros de ONGs que participariam do evento oficial e do evento paralelo. “Não foi permitida a entrada de 64 pessoas do exterior que vinham a este ato, e isso não costumava acontecer na Argentina. Estão nos convocando para uma luta mais forte nas ruas”.

    O ato contou também com a presença da cantora argentina Malena D’Alessio, que já havia participado da Jornada “Não à Alca”, em 2005. Malena disse que “está onde tem que estar” e que “há um acordo para que os povos estejam despolitizados, anestesiados e desconectados”. Destacou a importância de que “haja novas formas de comunicação, como a arte, neste caso, que possam interpelar os povos”.

    Na manhã de ontem (11) começou a primeira jornada de fóruns para compartilhar vivências e experiências de luta, alternativas econômicas e criar um futuro em que os povos conquistem soberania. As mesas de discussão acontecem em Buenos Aires até o dia 13.