Governos federal, estadual e municipal fingem que choram a morte de homens, mulheres e crianças sem-teto, na tragédia do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo do Paissandu, centro de São Paulo. Fingem que choram enquanto acabam com as políticas públicas destinadas a gerar moradias populares, enquanto destroem o Minha Casa, Minha Vida. Mas eles são piores do que isso… Agora, tentam esconder sua responsabilidade pela tragédia habitacional existente na maior e mais rica cidade do país, jogando a culpa nos movimentos de moradia.
Reportagem publicada na revista Veja, aquele panfleto golpista, tenta criminalizar todas as ocupações, mesmo sabendo que há diferenças gritantes entre elas. Os movimentos sérios que lutam por moradia, não apenas pressionam o poder público. Eles revitalizam prédios mortos, dotam-nos de condições mínimas de segurança, de higiene e conforto, porque esses imóveis tornam-se imediatamente depois de ocupados o lar de famílias sem-teto que estavam ao relento.
A Revista Veja tenta criminalizar uma simples vaquinha entre os moradores das ocupações sérias, feita e decidida coletivamente, por exemplo, para prover o prédio de extintores de incêndio. Ou alguém acha que é o poder público que coloca extintores de incêndios nas ocupações da Frente de Luta Por Moradia? Ou que instala os canos de água e esgoto e os conduítes de luz, inutilizados pelo abandono? Que contrata as caçambas para retirar toneladas e toneladas de entulhos e lixo acumulados ao longo de anos nos prédios mortos que só servem à especulação imobiliária? Ou que lavam as paredes com creolina e pintam-nas com cal, para combater as infestações por pulgas, carrapatos, escorpiões e aranhas?
Tudo isso custa dinheiro, e a revista Veja sabe disso. Quem custeia são os beneficiários imediatos das ocupações, que são os sem-teto, em um sistema de vaquinha decidido em assembléia.
Querer criminalizar a vaquinha é o cúmulo do absurdo. Não permitiremos que a mídia hegemônica, que já mantém preso um homem inocente, Lula, a quem ataca diariamente com calúnias, injúrias e difamações, faça outras vítimas entre os pobres moradores de ocupações.
Carta aberta da Frente de Luta por Moradia representando milhares de famílias que não tem onde morar e que ocupam agora diversos edifícios abandonados no centro da cidade.
São Paulo, 15 de outubro de 2017
Excelências do Executivo, Legislativo e Judiciário
Homens e Mulheres de bem SEM TETOS QUEREM: TERRAS E PRÉDIOS ABANDONADOS PARA CONSTRUIR, REFORMAR E MORAR.
Em meados de outubro centenas de famílias sem tetos, homens, mulheres, idosos, jovens e adolescentes, tomaram uma atitude extraordinária. Organizados pela FLM, em suas
comunidades, realizaram várias ocupações de terras e prédios. Propriedades estas fora da lei. Não cumprem sua função social. E ao mesmo tempo provocam danos aos cidadãos paulistanos. Os prédios acumulam esgotos em seus subsolos de onde emergem enxames de pernilongos,
baratas e servem de esconderijos de ratos. Em toda edificação se acumula lixo onde proliferam as pulgas, percevejos, muquiranas, fezes de pombos e seus piolhos. No teto as caixas d’água acumulam água nas lajes e empesteiam a cidade de Chikungunha e dengue. Nos terrenos abandonados acumulam lixo e servem de abrigo e criação de todas as pragas urbanas imaginadas e já apontadas nos prédios. Mas, também são espaços apropriados para a desova de cadáveres e de violência a mulheres e crianças. Quem mora próximo a esses terrenos
abandonados sabe muito bem dos infortúnios que causam à vizinhança. Não recolhem os impostos devidos. Mas, surrupiam recursos públicos, apropriando-se da valorização da região ocasionada pelas melhorias urbanas do entorno.
O Judiciário, se servisse à Justiça, já teria requisitado essas propriedades, conforme a lei, e os disponibilizando para a construção de moradias populares e/ou equipamentos públicos e sociais. Entretanto, o Judiciário brasileiro não se presta a fazer Justiça, mas serve para acobertar o mal feito dos ricos. Esta semana o STF – Supremo Tribunal Federal inocentou um Senador envolvido com o tráfico de drogas. Um helicóptero de um amigo dele foi apreendido nas imediações de sua fazenda com 450 quilos de cocaína, parte já tinha sido distribuída no interior de São Paulo. Foi apanhado, também, recebendo mala de dinheiro e em diálogo com outro malfeitor revela que poderia matar delator e combinando obstruir a Justiça. Mas, os juízes do
Supremo o livraram da prisão e devolveram seu mandato de senador.
O povo pergunta: Quantas malas de dinheiro comprou essa decisão do Supremo? Não é possível esperar Justiça desse Judiciário.
Os sem tetos, por absoluta falta de opção e de possibilidade de ter uma casa para morar e pautados por seus direitos fundamentais conferidos pela civilização moderna e pela escritura sagrada, lutam por seus direitos. Os sem tetos encontram-se em situação desesperadora e juridicamente se encontram em estado de necessidade. O desemprego os ataca de modo impiedoso. Segundo o IPEA, são 21 por cento de desempregados entre os mais pobres. Para os jovens são perto de 40 por cento. As pessoas acima de 40 anos têm dificuldade para arranjar trabalho. São mais de um milhão de almas desempregadas e sem alento para viver na cidade de São Paulo.
Os sem tetos, além da violência do desemprego, não conseguem trabalho com salário digno. São empregos informais, temporários, bicos e de baixa remuneração. Enquanto os sem tetos são castigados pelo desemprego e pelos baixos salários os custos de suas necessidades não
param de subir. Por mais precário que seja uma habitação, barraco, um cômodo ou dois em locais insalubres, o preço chega perto de mil reais. Consumindo quase a totalidade de sua renda.
O gás de cozinha passou de R$ 57,00 para quase R$ 100 em 4 meses. O aumento da gasolina e do óleo diesel também influem no preço do consumo dos sem tetos. Um trabalhador rural para encher o tanque do trator, 57 litros de óleo diesel, tem que vender 180 litros de leite, ou 500 ovos, ou 7 sacos de milho. Estes aumentos após o golpe do Temer afetam os trabalhadores da roça e o preço das necessidades dos sem tetos nas cidades. A energia elétrica subiu 51,7% nos últimos quatro meses.
Enquanto os preços de nossas necessidades sobem nossos rendimentos continuam caindo. Bem, nós sem tetos somos cozinhados no caldeirão do egoísmo do governo atual e da classe dirigente. Nós, sem tetos vamos até o poder público pleitear nossa moradia, nosso direito. E o que nos falam que não tem dinheiro para fazer casas populares. Mas, observamos que dinheiro não falta para eles. No Judiciário encontramos desembargadores recebendo de cem até quatrocentos mil reais mensais. Juízes recebendo de cinquenta a quinhentos mil mensais. Todos do Judiciário pegando R$ 4.377,00 de auxílio moradia.
O Banco Itaú teve sua dívida de imposto não recolhido de 23 bilhões de reais perdoada. Entre os diversos exemplos de perdão de dívida com o poder público de infratores ricos. Transferidos para os agiotas financeiros são mais de 500 bilhões anuais. Nos subterrâneos do Congresso Nacional são malas de dinheiro destinados aos apoiadores do governo golpista Temer. Mas, recursos públicos para assegurar o direito de morar de homens, mulheres e crianças não tem. Deste modo, nós sem tetos resolvemos guiar nosso destino pelas nossas mãos e pela nossa inteligência e ocupamos esses prédios e terras abandonadas de São Paulo.
Vamos aqui organizar nossa vida e fazer nossas casas.
Pleiteamos, então, que estes imóveis sejam requisitados pelo poder público e disponibilizados para as famílias sem teto, fazerem suas casas e aqui proteger os filhos e viver em paz. É uma marcha justa para o futuro de nossas famílias.
Ainda no levante de luta das ocupações realizadas na madrugada desta segunda (31), os integrantes do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), junto com a Frente de Luta por Moradia (FLM), ocupam e resistem num grande terreno abandonado há pelo menos 15 anos, localizado na Vila Antonieta, Zona leste de SP.
Ali, vimos um panorama diferente das outras ocupações que aconteceram na cidade. O local já estava sendo habitado por cerca de dez usuários de crack que moram em barracas improvisadas, feitas de saco plástico e materiais recolhidos no lixo. Mas, esses dependentes químicos também querem uma nova vida. Eles serão incorporados pela ocupação.
Meses antes dos movimentos decidirem que o terreno da Rua Refinaria Presidente Bernardes seria ocupado, dezenas de conversas foram realizadas com os usuários que habitam o local. Muitos deles, pediam socorro. Outros diziam que o maior sonho de suas vidas, sem dúvida, seria conseguir abandonar “a pedra”. E realmente, essa era uma grande pedra no meio do caminho da vida deles.
Com diálogo, acolhimento e, sobretudo, com respeito a história de cada um, as lideranças do movimento, foram aos poucos sendo compreendidas e aceitas. Dali, foi um passo para que os casos mais graves concordassem em serem levados à uma igreja do bairro e à casa de vizinhos do terreno, e lá passassem a receber alimentos, banho, conversas e voltassem a sentir o valor da dignidade.
Maria Nayara, 25 anos, uma das usuárias que foi acolhida temporariamente na casa de uma vizinha ao terreno, diz que está achando tudo isso maravilhoso. “É uma obra boa, é uma moradia. Eu entrei no crack porque quis, mas eu soube me equilibrar, tanto que estou aqui para mudar de vida, já dei o primeiro passo e não desejo isso só para mim, como para todos.” declarou ela, quando conversávamos sobre o que representava aquela ação da FLM para sua vida.
Veja Nayara no vídeo live, trecho de 5min:
Enquanto conversávamos com Sr. Miltinho, dentro de seu barraco improvisado, as “paredes” e o “teto” pareciam “ter vida”: éramos vigiados por baratas, besouros, ratos e insetos de várias espécies. Imaginem as piores condições possíveis. Era isso.
Miltinho tem 64 anos, vive no terreno há quinze, trabalhou a vida toda como lixeiro, mas é viciado em crack. Ele já tem uma história de resistência no local. Diversas vezes, a PM invadiu o terreno, o reprimiu, mas ele resistiu e nunca fui embora. Assim como Nayara, ele acredita que a luta fará com que sua vida melhore. “É o sonho de uma casa! Não tenho vergonha de falar que eu choro, peço a Deus para sair disso. Eu creio que minha vida vai mudar em tudo.”
Ali temos muitas outras histórias fortes, de luta. A D. Feliciana, integrante da Frente de Luta por Moradia, uma verdadeira representante do Brasil profundo, com seus 78 anos e seus 8 filhos criados, um deles preso no CDP de Osvaldo Cruz, nos disse com firmeza que acha injusto o povo pobre não ter casa. “Os políticos brasileiros só pensam neles. A gente paga aluguel caro. Quando pagamos uma coisa, faltam outras dez.” finalizou
Dona Feliciana, foto Paulo Ermantino.
Veja a entrevista com Dona. Feliciana:
Marcelo, 32 anos, é piauiense, tem 15 irmãos, a maioria já mora em SP. Todos eles têm um desejo em comum: ter um lar próprio. Junto com outros integrantes do movimento, ajudou a bandeira da FLM a ser erguida no local. Ele trabalha como ajudante geral numa gessaria e atende a elite paulistana, realidade muito distante da sua. Ele acorda todos os dias às 4 da madrugada e atravessa a cidade para trabalhar, sofre para pagar um valor de aluguel que não faz nenhuma diferença no bolso dos ricos. Ele mora num barraco, ali mesmo na Vila Antonieta. Veja o Vídeo:
E um dos momentos mais emocionantes de uma ocupação é sem dúvida, quando a flâmula do movimento é fincada no terreno. A bandeira “demarca” o local como sendo de propriedade dos ocupantes. Ali, vimos crianças, idosos e gente que representa o verdadeiro povo brasileiro ajudando a erguer um sonho. O olho do povo brilhava, o coração agora estava aquecido mesmo na madrugada fria da segunda-feira. Fazia 15 graus, mas a sensação era de 10. O mato alto, o lixo do terreno, o breu, nada atrapalhava aquelas guerreiras e guerreiros. Sim, a maioria eram mulheres que são mães, pais, tias, madrinhas, avós e todo mundo tinha um sorriso no rosto.
Garrafas de café, pães, água e comidas caseiras faziam parte do colaborativismo. Uma cobertura de lona foi erguida para que crianças e idosos pudessem se proteger da baixa temperatura. Ali, eles descansaram em colchonetes, para aguardar o amanhecer e iniciarem a limpeza e organização geral do local.
Todas essas histórias podem estar muito longe de você, podem parecer tristes, mas são exemplos de luta e de uma força que nos pareceu muito natural. Nem eles sabem explicar de onde vem tanta garra. Eles têm um poder de estimular a luta entre eles e entre todos que estejam próximos e pronto.
Veja mais sobre a outras ocupações na nossa página do youtube, na Playlist OcupaSemTeto_2016 .
Reintegração de posse em edifício na rua José Bonifácio acontece nesta madrugada e famílias não têm para onde ir
por Paula Morais com fotos de Lincon K. e Márcia Zoet para os Jornalistas Livres
Caixas e sacos plásticos guardavam os utensílios dos que ainda permaneciam na ocupação na rua José Bonifácio, na tarde desta quarta-feira, 24. A poucas horas da reintegração de posse, estabelecida pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), que acontecerá na madrugada de hoje, um depósito para guardarem os objetos e móveis foi o único espaço concedido para as 150 famílias cadastradas pela Frente de Luta por Moradia (FLM).
Foto: Lincon K.
“Separei o que dá para levar para o depósito, mas depois do que acontecer hoje, não tenho para onde ir. Não sei como fica a minha situação. Vamos ficar no meio da rua”, disse Antônio Silva, 44 anos, conhecido como Marquinho. Casado e com uma filha de 14 anos, o pernambucano, da cidade Caruaru, chegou em São Paulo, em 1996, para trabalhar como segurança em uma rede de cinema.
No entanto, foi em 2008 que mudou-se de vez para a capital paulista com o intuito de proporcionar melhores condições para a filha.
Foto: Márcia Zoet
“Se eu fosse sozinho, não me importaria em dormir em cima de um papelão, mas com ela não dá para ser assim. Tenho vontade de pagar aluguel, mas aí falta dinheiro para proporcionar um curso para ela, por exemplo”, falou Silva, que também é cantor e compositor de samba.
Enquanto embrulhava os pacotes para levar até o primeiro andar, por meio das escadas sem iluminação, uma vez que a energia tinha sido cortada, Silva cantava uma de suas músicas e sonhava em gravar um CD. “Tenho esse sonho, mas essa não é a prioridade. Quero deixar é um teto para minha filha”. Por conta das idas para ocupações e comunidades, a filha de Silva mudou de escola por cinco vezes, desde 2008, e está um ano atrasada nos estudos.
Colocar o filho mais novo, de quatro anos, em tempo integral na escola é também a preocupação da cabeleireira Jéssica Marques, 25 anos. Mãe solteira de cinco crianças, Jéssica está há um mês no imóvel que, de acordo com o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, não cumpre função social. Ou seja, um espaço que não paga imposto há mais de cinco anos, que não têm uso mínimo e que está abandonado. Por conta disso, pode ser desapropriado e entregue às políticas de moradia.
Foto: Márcia Zoet
Jéssica morava em uma casa de aluguel em São Miguel. No entanto, devido a falta de dinheiro, a cabeleireira e os filhos ficaram em situação de rua. “Ocupei uma casa com cinco cômodos, ainda em São Miguel, mas, cheguei cinco minutos após a audiência, então, eu perdi tudo. Ficamos sem dinheiro e sem nada. É porque eu fui levar todos eles para à escola e não deu tempo de chegar no Fórum no final das contas”, contou.
Antes da ocupação, a família morou em um espaço também com pessoas que estavam em situação de rua. “Mas era diferente daqui porque lá era mais perigoso. Tinha gente com faca na cintura e aqui é só família. Minha maior preocupação era com meu filho mais velho, de 11 anos. Ele está crescendo e eu não queria que visse cenas de violência e briga como já aconteceu”.
Dessa vez, eles também não terão para onde ir e, mesmo sem ter dinheiro para comprar uma barraca para acampar — alternativa dos familiares remanescentes — a preocupação para depois da reintegração de Jéssica é como vai arrumar as crianças para levar à escola. “Sou vaidosa, mas eu dou um jeito de tomar banho em algum lugar. O problema são meus filhos”, disse.
Foto: Lincon K.
Resistência
Algumas pessoas, no entanto, preferem não ficar até a hora da reintegração de posse devido ao medo. “Consegui uma casa de R$ 200 com meu marido e preferimos não ficar. Acreditamos no movimento e sabemos que resistir é preciso, mas é minha primeira ocupação e vejo nos noticiários que a polícia age com violência. Tenho um filho de um ano e tenho medo que algum mal aconteça”, disse Daniele Cristina, 29 anos.
A jornalista e corretora de móveis M.R., que não quis ser identificada, apoia a causa do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) e participa da segunda ocupação, desde que voltou de Brasília para a capital paulista, em 2009. “Não sei como será a reintegração e se será ou não pacífica. Mas o movimento alega os direitos de pessoas vulneráveis protegidas por lei como idosos, pessoas com deficiência e crianças que não estão sendo respeitadas”, falou.
Fotos: Márcia Zoet
O reconhecimento dessas pessoas foi realizado somente na terça-feira, 23, duas semanas após o aviso de reintegração de posse do TRE. “Fomos na Secretaria dos Direitos Humanos para buscar apoio para essas pessoas que estão aqui dentro e, por conta disso, que eles vieram fazer esse reconhecimento”, disse M.R.
Ainda nesta tarde os ocupantes foram à uma reunião com um dos juízes para suspender o pedido de reintegração. O processo, por outro lado, está na 21ª Vara Federal e a justiça estadual não pode intervir. A suspensão aconteceria por meio de um pedido do Presidente do Supremo Federal, Ricardo Lewandowski que, no entanto, está em uma viagem à Suiça.
Centenas de pessoas e movimentos estão se reunindo quase que diariamente — inclusive neste momento — por uma causa urgente: organizar, em menos de três meses, uma grande mobilização social contrária à PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da redução da maioridade penal, antes da sua votação em plenário na Câmara dos Deputados.
Enquanto os trabalhos contra a redução ganham dimensões nacionais, o silêncio da imprensa tradicional diante dos movimentos passa uma falsa sensação de consenso. O próximo sábado (9) já está se configurando como um grande dia de ações e mobilizações por todo Brasil — parte da grade de programação será disponibilizada nesse evento, onde tudo está sendo organizado de forma colaborativa.
A demanda pela redução da maioridade penal está baseada no sentimento de medo. Mas pesquisas demonstram que encarcerar adolescentes em conflito com a lei como se fossem adultos, não diminui em nada a violência. Ao contrário: quanto mais pessoas são presas no sistema carcerário brasileiro, menos chances de conviverem como sujeitos de direitos na sociedade.
É um erro também argumentar que crimes hediondos são praticados por adolescentes. Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), menos de 1% dos homicídios foram cometidos por jovens com menos de 18 anos. A rede Jornalistas Livres acredita que a luta para enfrentar a violência depende de garantir o acesso a direitos fundamentais como educação, saúde, alimentação, moradia e vida digna, previstos na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Artistas contra a redução
Para se ter uma ideia do alcance dessas mobilizações, em São Paulo o cartunista Laerte disponibilizou para a campanha o uso irrestrito de quatro de suas tiras feitas sobre a redução da maioridade, que serão impressas em formato de lambe-lambe e coladas pela cidade. A ideia é que o próprio artista participe das intervenções.
O mote também será o tema da penúltima etapa do ZAP! Slam — uma competição de spoken word (poesia falada), comum nos EUA e Europa –, organizado pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos com apoio da Escola SP de Teatro, que disponibilizará a sua sede para o encontro, na Praça Roosevelt, às 16h.
A algumas estações de metrô de distância, outra aguardada programação acontecerá na Ocupação Mauá, símbolo da luta por moradia na Capital e do importante papel que esses movimentos têm na questão da redução da maioridade penal. Confirmados já estão os shows do rapper vanguardista Rico Dalasam e do DJ WC Beats, com suas batidas de MPC cheias de flow. Vale ficar atento à programação, pois novas atrações devem colar no local.
No B_arco Centro Cultural, em Pinheiros, ocorrerá uma grande projeção do filme De Menor, de Caru Alves de Souza — filha da cineasta Tata Amaral. O longa-metragem — premiado como o melhor de 2013, no Festival do Rio — retrata a experiência de uma jovem advogada defensora pública de adolescentes em conflito com a lei ao se deparar com o seu próprio irmão caçula apontado como réu na Vara da Infância e Juventude de Santos. Após a exibição ocorrerá uma roda de debates.
Também vindo da zona oeste, o pessoal do coletivo casadalapa e mais alguns artistas parceiros se reunirão no Vale do Anhangabaú e pintarão uma grande bandeira, de 12 m x 12 m, de repúdio à medida. Depois de finalizada, ela será pendurada em várias pontes da cidade, ação que será registrada em vídeo.
Fotos de João Claudio de Sena também farão parte das intervenções do sábado em SP.
Já na Serralheria Espaço Cultural ocorrerá um show do cantor e compositor Siba. Paralelamente, será inaugurada a nova fachada do local, assinada pelo grafiteiro Lobot, também com temática da redução.
E não vai parar por aí. “Até agora, por cima, já é possível citar o apoio e adesão ao movimento de picos como o Movimento dos Artistas de Rua, Laboratório Experimental, Condomínio Cultural, FLM (Frente de Luta por Moradia), Cooperativa Paulista de Teatro, toda uma rede de saraus como Sarau do Binho, Sarau Suburbano, Sarau do Burro, Liga do Funk, Nação Hip Hop, coletivos como o Poetas Ambulantes, Alvorada Vermelha, Frente 3 de Fevereiro, Contra Filé, Coletivo Nova Pasta, além da UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), UNE (União Nacional dos Estudantes), UEE (União Estadual dos Estudantes), UJS (União da Juventude Socialista), JPT (Juventude do Partido dos Trabalhadores), Casa Fora do Eixo, Matilha Cultural, Instituto Choque Cultural, A Batata Precisa de Você, Casa Amarela, LucasBambozzi, Rochelle Costi, Organismo Parque Augusta, entre muitos outros que ainda estão definindo como será a sua participação. Quem se identificar já pode usar ahashtag #viradapenal”, explica Sato, da Casadalapa e Jornalistas Livres, um dos articuladores dos trabalhos. “O sábado será um início vigoroso e forte de uma campanha que ainda vai se fortalecer muito e, quem sabe, se tornar grandiosa a ponto de mudar os rumos da discussão!”, conclui.
Saímos da ocupação em que estávamos para ir até o alvo. Primeiro os homens, depois as mulheres. Chegamos diante do edifício e a “linha de frente” grudou no portão e começou a chacoalhar a grade que impedia o acesso. No momento em que a trava foi arrebentada, apareceram dois seguranças na janela do terceiro andar apontando as armas para a entrada. Gelamos.
– “Tem criança aqui, atira não!” — um passo pra frente;
– “Tem mulher e senhoras aqui, porra” — mais um passo pra frente;
– “Não vai querer ter essa na sua ficha né?” — último passo e já grudaram no portão novamente, até que finalmente foi liberada a entrada.
Entramos todos ao mesmo tempo, seguidos por bombas de gás lacrimogênio lançadas pela Polícia Militar. Começamos a subir as escadas em meio à fumaça sufocante, agarrando-nos uns aos outros, entre mulheres, senhoras, homens e crianças. Tenso.
Os seguranças armados ainda estavam no edifício.
Enquanto os homens organizavam a barreira para conter a entrada dos policiais, subimos até o andar que concentrava as mulheres e crianças — a pressão do risco e a dúvida da intervenção militar deixava o ambiente cada vez mais pesado.
Descemos até o térreo. O ambiente contrastava com a tensão dos homens na proteção das entradas. Era iluminado. A sensação era de segurança e estbilidade. Na cozinha foi possível até tomar um cafezinho.
De repente, o aviso: “Cadê a imprensa? Vamos para outra ocupação que conseguimos entrar!”
Corremos rua acima e entramos, ali, na segunda ocupação que acompanhamos. Existia um espírito de “já ganhamos!”.