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  • O agro é pop e o fogo é de mentira

    O agro é pop e o fogo é de mentira

    Fogo. O plano é claro. O Governo Federal quer o fim da maior parte dos biomas brasileiros. 58% é a porcentagem cortada para contratação de brigadistas, profissionais qualificados e treinados que trabalham com prevenção e controle de incêndios florestais. Parece um absurdo em um ano em que as queimadas bateram um recorde com mais de 12.000 focos de incêndio e a perda de mais de 2.500.000 hectares, mas não é. O corte genocida e brutal do governo das fake news, infelizmente, é de verdade.

    Pantanal. Os bichos
    Jaguatirica morta à beira da estrada tentando fugir do fogo

    Nesta semana, circulou um vídeo mostrando um grupo de brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) pondo fogo em matéria orgânica de forma controlada na região de Cáceres no Mato Grosso. Não demorou muito para que o vídeo circulasse em grupos de whatsapp e em redes sociais acusando os brigadistas de estarem pondo fogo no Pantanal ao invés de atuarem para a extinção das queimadas. Mais um ataque que põe em dúvida por meio das fake news a atuação de um órgão que está em constante ataque do Ministério do Meio Ambiente sob a mão ditatorial e equivocada do ministro Ricardo Salles.

    Corta-Fogo
    Técnica do Pinga-Fogo

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    Contrafogo. Quando o fogo apaga fogo

    Essa técnica para combater incêndios de grandes proporções em campo aberto chama-se contrafogo. Utilizada como prevenção de alastramento contínuo, criando uma linha de chamas que vai de encontro ao incêndio ou que abre um aceiro para criar uma linha sem material natural inflamável e que faz o fogo se extinguir.

    Em entrevista ao jornal Campo Grande News, o analista ambiental Alexandre Pereira, do Sistema Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo) do Ibama, explica que é utilizado um equipamento chamado “pinga-fogo” e é manuseado apenas por profissionais que tem conhecimento técnico e treinamento em combate aos incêndios, pelo Ibama, ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Corpo de Bombeiros.

    Há cerca de um mês, a chefe de assessoria de comunicação (Ascom) do ICMBio foi exonerada, dando lugar a outro militar – predileção de um governo adepto e saudoso de uma Ditadura ainda recente em nosso país.

    Agronegócio x brigadistas

    É importante entender o esforço desse governo em desmerecer o IBAMA e o ICMBio como forma de desarticular a batalha que vem sendo travada no Pantanal, no cerrado e na Amazônia. O agronegócio é peça-chave para o enriquecimento ilícito de fazendeiros e políticos que lucram com o fim desses biomas dando lugar ao pasto para cria e recria de gado.

    Pantaneiros
    Entre a fumaça e a poeira da estrada, o pantaneiro foge do fogo que consome a mata em uma área de fazenda

    Dessa forma, a grande jogada é diminuir a fiscalização assim como a informação para o público menos esclarecido e suscetível a mentiras divulgadas, como o vídeo fora do contexto, dos brigadistas, que viralizou de forma irresponsável.

    Veículo do ICMBio

    Recente também é a morte do brigadista Welington Fernando Peres Silva de apenas 41 anos que teve 80% de seu corpo queimado em uma ação em Goiás. Wellington morreu queimado por um fogo que, de acordo com o Governo Federal, não existe. Em um vídeo exibido pelo governo em um evento, Salles afirma que a Amazônia não está pegando fogo. Em uma das imagens aparece um mico-leão-dourado, espécie característica e exclusiva da Mata Atlântica. Mais mentiras. Mais fake news.

    O Agro não é Pop

    O AGRO não é pop, como narra a propaganda bizarra na emissora campeã de audiência no programa conhecido como o show da vida. O AGRO é implacável. O AGRO ama o fogo.

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    Para conhecer um pouco mais sobre o ICMBio.

    https://www.icmbio.gov.br/portal/

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    Texto e fotos: João Paulo Guimarães, para os Jornalistas Livres

    Veja também: https://jornalistaslivres.org/pantanal-em-chamas-arvores-solo-e-animais-dizimados/

  • Desinformação a favor do fogo: Pantanal em chamas

    Desinformação a favor do fogo: Pantanal em chamas

    Já se vão mais de 2.000 milhões de hectares no Pantanal Matogrossense. Os números da Transpantaneira, Amazônia, Rondônia, Pará e Goiás, se combinados, ultrapassam os 4 milhões de hectares facilmente. Pará, Amazônia e Pantanal somam 60% de todo o fogo no Brasil sendo o Pantanal o bioma mais afetado com 5.935 focos. Os números de focos de incêndio do Pará já superam os do ano passado com quase 30.000 focos, mas o Pantanal sofre mais por ser um território 36 vezes menor.

    A Marinha do Brasil, o IBAMA, ICMBio e o corpo de bombeiros tentam conter os focos de incêndio que se concentram na Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) próxima do Sesc, na Transpantaneira e em Porto Jofre que fica na fronteira do Mato Grosso com o Mato Grosso do Sul e em Barão de Melgaço. Essas instituições, juntas, vêm tentando no dia a dia da batalha contra o fogo, articular de forma inteligente ações que reúna suas expertises, mas sempre batem de frente com o mesmo problema: o Governo Federal. Mais precisamente o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que já deixou clara sua posição de alinhamento com os interesses dos latifundiários e fazendeiros locais, responsáveis por praticamente toda a queimada e fogo que consome o Pantanal.

    O Governo Federal mente ao dizer que o fogo é natural, que existe um contingente de 2.000 homens e mais de 70 aeronaves no apoio ao combate.

    Na semana que passamos no Sesc Pantanal visitando o aeródromo do Sesc para acompanhamento de ações, apenas dois helicópteros faziam sobrevoo de reconhecimento nas áreas citadas. Um helicóptero esquilo e um Black Hawk que apresentou problemas elétricos e teve de ser levado para o Aeroporto de Cuiabá em Várzea Grande. O bimotor do Corpo de Bombeiros ainda fazia sobrevoos de observação dos focos sob controle. Apenas duas aeronaves. Não um contingente de 70 como o Governo Federal anuncia em seu site oficial.

    O Corpo de Bombeiros não pode dar informações oficiais por ordem federal e estadual, mas quando questionado em “off” não têm dúvidas quanto à origem das queimadas. É uma ação deliberada de abertura de pasto. Assim que o fogo sai do controle eles são chamados. E o fogo não pode ser controlado como o agronegócio acredita ser possível. Ele parece vivo. Pula de um lado da estrada para o outro lado dando continuidade à sua força.

    Seu Joacir Crovis do Nascimento é do Município de Barão do Melgaço, mora próximo ao Rio Pirigara e foi chamado para trabalhar em uma das fazendas que, de acordo com os bombeiros, foi a responsável pelo início do foco agressivo que se iniciou no dia anterior do lado esquerdo da estrada e pulou para o outro lado. Ele conversou conosco:

    Pantanal em chamas – por João Paulo Guimarães / Jornalistas Livres
    Pantanal em chamas – por João Paulo Guimarães / Jornalistas Livres

    “O Fogo parece que é vivo. Fica debaixo da terra dormindo, aí o pessoal taca gasolina, querosene pra abrir pasto e nem o aceiro resolve. Aí ele acorda e parece que tem raiva. Olha lá ele brigando.”

    Seu Crovis aponta para a beira da estrada a uns trinta metros de nós e podemos ver a “raiva” do fogo. Uma labareda aparece como a força de um lança-chamas. O vento dá vida ao que o homem começou de forma criminosa.

    É possível conseguir informação técnica sobre o Pantanal e as queimadas através do Ministério do Meio Ambiente e do Ministério da Defesa, mas lá, no foco de tudo, onde a crise realmente acontece, é impossível. O medo de falar é visível e nem chega a ser algo que se faça esforço para esconder.

    Pedimos para acompanhar uma equipe do ICMBio do Sesc Pantanal até o aeródromo e a resposta foi taxativa:

    “Amigo. Se alguém souber que a gente falou com vocês ou com qualquer outra agência ou jornal a gente perde o emprego na hora e o nosso coordenador também cai. Não era nem pra eu estar trocando ideia aqui. Me desculpa. Por mim eu falava, mas não posso. Eu já falei até demais.”

    Pantanal em chamas – por João Paulo Guimarães / Jornalistas Livres
    Pantanal em chamas – por João Paulo Guimarães / Jornalistas Livres

    A “Lei da Mordaça” é real. A exoneração do chefe de Assessoria de Comunicação (Ascom) do Ibama foi um aviso do Governo Federal. A exoneração da chefe da Ascom do ICMBio foi outro aviso aos servidores que colocam a vida em risco e que é um risco de morte de fato. Já aconteceu.

    Um brigadista veio a óbito após ter 80% de seu corpo queimado em uma mudança de direção do fogo que o pegou desprevenido. Welington Fernando Peres tinha 41 anos e morreu tentando salvar animais em Chapadão do Céu em Goiás.

    Pantanal em chamas – por João Paulo Guimarães / Jornalistas Livres
    Pantanal em chamas – por João Paulo Guimarães / Jornalistas Livres

    Welington, assim como seus companheiros brigadistas, não podia falar com a imprensa. O Governo Federal decretou dessa forma.

    O que nós questionamos aqui é, quantos brigadistas, animais e casas precisaram pegar fogo para que o Governo admita que está jogando com a vida de seres humanos além de pôr em risco espécies endêmicas únicas da natureza e do bioma pantaneiro.

    Quando a administração de Salles vai admitir que entrou em campo para perder?

    Veja também: Pantanal em chamas: árvores, solo e animais dizimados

  • Investigação da PF descarta participação de brigadistas em incêndio em Alter do Chão, Pará

    Investigação da PF descarta participação de brigadistas em incêndio em Alter do Chão, Pará

    • Ocorrido em setembro do ano passado, as investigações foram conduzidas paralelamente pela Polícia Civil Paraense e pela Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal
    • Sem provas e sem perícia, a Polícia Civil deduziu que quatro brigadistas atearam fogo na região, para conseguir doações para a Brigada de Alter
    • Inquérito da PF concluiu não ser possível identificar a autoria do incêndio, e a análise das imagens de satélite mostram que o fogo não começou onde a polícia civil diz ter começado
    • Brigadistas seguem com restrição de liberdades

    Diferentemente do inquérito cheio de lacunas e sem elementos de perícia, conduzido pela Polícia Civil do Estado do Pará e que levou à absurda prisão de quatro brigadistas que dedicavam e arriscavam suas vidas para combater incêndios num dos mais conhecidos destinos da região Norte do país, as investigações conduzidas pela Polícia Federal concluiu não ser possível apontar culpados pelos incêndios que devastaram a região em setembro do ano passado.

    Após analisar imagens de satélite, a investigação sigilosa conduzida pela PF descobriu que os dois locais onde o fogo começou se encontram fora da região conhecida como Capadócia. Sem apresentar laudos periciais à época, a Polícia Civil paraense concluiu que os quatro brigadistas haviam ateado fogo nessa região, com o objetivo de arrecadar doações para a Brigada de Alter. As acusações foram feitas a partir em boatos e trechos descontextualizados de ligações telefônicas interceptadas pela polícia.

    Foto: Brigada de Alter

    “Considerando que foram feitos diversos estudos técnico-científicos e levantamentos e que apesar de todos os esforços empreendidos, nenhum resultou em uma definição significativamente clara de autoria, e que efetivamente não existe nenhum elemento que comprove a ação de algum dos investigados para a ocorrência do incêndio”, conclui o relatório da PF.

    Constrangidos e expostos ao julgamento público, os quatro brigadistas tiveram suas cabeças raspadas, e foram tratados pela polícia civil e  pela justiça do Pará como condenados, apesar de terem sido presos preventivamente. Na época, a prisão ocorreu na véspera de uma visita de Jair Bolsonaro à região; o presidente da república acabou usando politicamente a prisão dos brigadistas para dar respaldo à sua narrativa de que ONGs seriam responsáveis por desmatar e queimar a Amazônia. Bolsonaro também insinuou que o ator Leonardo DiCaprio seria um dos financiadores dessas ONGs, o que foi desmentido pela imprensa mundial.

    O pedido de prisão dos jovens foi feito pelo Juiz Alexandre Rizzi, cuja a família é dona de uma madeira no Pará. Apesar de terem sido soltos três dias após sua prisão, e apesar da conclusão do inquérito conduzido pela PF, os quatro brigadistas seguem com suas liberdades restringidas: usando tornozeleiras eletrônicas, com passaportes apreendidos e tendo que ficar em casa durante os período que não estiverem trabalhando, são vítimas do autoritarismo bolsonarismo que tomou conta do país, que persegue, e às vezes mata, ambientalistas e integrantes de movimentos sociais.

    ((o))eco apurou que edificações estão sendo feitas, atualmente, por residentes nos locais das queimadas.

    Foto: Brigada de Alter
  • Em nota, povo Borari repudia prisão de brigadistas voluntários em Alter do Chão

    Em nota, povo Borari repudia prisão de brigadistas voluntários em Alter do Chão

     

    Nota da associação Iwipuragã do povo Borari de Alter do Chão

    Vimos através deste manifestar nosso apoio aos companheiros da brigada de Alter do Chão que foram presos, acusados indevidamente de terem causado o fogo em nossas florestas. A brigada de Alter sempre atuou em defesa do nosso território, conhecemos a seriedade do trabalho e honestidade dos nossos brigadistas.

    Entendemos que estas acusações fazem parte de uma estratégia para desmoralizar e criminalizar as ONGs e movimentos sociais de forma caluniosa, áudios fragmentados, circulados fora do contexto, replicam um método já conhecido de influenciar a opinião pública, na tentativa de tornar fato acusações que ainda não foram comprovadas.

    Mas vamos aos fatos reais, nosso território vem sofrendo enorme pressão de especulação imobiliária que atropela os direitos dos povos originários e os planos de sustentabilidade para região, as ONGs e os movimentos sociais bem como moradores locais com formação técnica vem somando forças, na resistência. E neste momento são vítimas de uma grande armação.

    O povo Borari reforça o apoio e a crença na inocência da Brigada de Alter, e seguimos confiantes de que o caso seja esclarecido o quanto antes e a inocência dos brigadistas confirmada.

    O povo Borari de Alter do Chão

    Saiba mais sobre os interesses financeiros existentes em Alter do Chão.

    Saiba mais sobre a atuação da ONG Saúde e Alegria

  • Justiça Brasileira: Somos Fogo!

    Justiça Brasileira: Somos Fogo!

     

     

    Desde tempos imemoriais, algumas cenas não mudam. Passados 200 mil anos desde o alvorecer da humanidade, as histórias se repetem.

    Há o tacape assassino, a guilhotina, a máquina de triturar ossos da Inquisição e, hoje, neste trajeto maléfico, a toga.

    É fácil entender que existe um tabuleiro nefasto no jogo do poder. E há perigo quando panelas batem, buzinas tocam e pobres se juntam inocentemente aos movimentos de ódio das classes médias frustradas.

    Hoje, muitos desses estão comemorando a condenação, em um processo recheado de falhas, do presidente Lula, um retirante nordestino que ousou lutar por dignidade para os mais humildes.

    Volto ao pensamento inicial. O fogo primeiro não foi repartido entre todos da aldeia. Foi usado como peça de força coercitiva.

    Revolucionários eram aqueles que sabiam compartilhá-lo.

    O que persiste, até os dias atuais, é essa tensão entre os estúpidos gananciosos e os solidários que se atrevem a dividir os progressos humanos.

    Ledo engano do proletário que, vestido de boçal verde e amarelo, encontrará, amanhã, no centro de produção, o promotor das fuzarcas do pato.

    O primeiro retornará como otário, ameaçado pelo trabalho intermitente e pela extinção de seus direitos previdenciários.

    O outro, lá da sala da chefia, vai rir sarcasticamente, satisfeito pelo plano bem executado.

    No corredor, ambos sorrirão. O primeiro como trouxa. O segundo como beneficiário da ignorância do subalterno.

    O primeiro, esfolado desde sempre, é bem capaz de imaginar que o patrão é bondoso, pois lhe oferecerá uma sala para trabalhar até mais tarde, e assim cumprir as metas da produção.

    O segundo, privilegiado de sempre, certamente festejará a mais-valia, o valor roubado que lhe permitirá gozar de luxuosas férias na cafona Miami.

    O trabalhador iludido vai acreditar na meritocracia e considerar que o burguês lhe faz um bem ao negar-lhe o próprio direito.

    E pensa como é bom não ter que enfrentar a PM; afinal, o Datena disse que isso é coisa de bandido.

    Pensará como é bom que seus filhos, negros, pobres, periféricos, refugiados, do mato, poderão aprender sobre mérito, competitividade e sacrifício.

    Até imaginará que saúde e educação devem ser mesmo pagos, pois “vagabundo não merece esmola do Estado”.

    Pessoa poetou: quem quiser passar além do Bojador, tem que passar além da dor. Talvez seja este o sentido de toda essa tragédia nacional.

    Talvez as pessoas precisam sofrer para valorizar o que é justo, reto e correto.

    Porque a dor pode ensinar, como ensinou ao menino retirante que engraxava sapatos. E que só virou presidente para acabar com a aflição de seus iguais.

    Não falei. E não vou mais falar sobre o jogo de hoje. Porque esta disputa perdemos.

    Falemos da livre interpretação da tradição ioruba, aquela da vida e de um dos elementos da natureza, o fogo. Ele é o símbolo de Xangô, o orixá.

    Foi aquele que fez de “fogo, trovões e raios”, instrumentos para lutar por misericórdia, justiça e lealdade. Xangô nos ensinou a tomar o fogo deles.

    Agora, vale lembrar aqueles que, de posse do artefato combustível, enganaram os “doutos” da época e se tornaram referência da necessária rebeldia.

    Falo de Lima Barreto, o escritor; de Carolina de Jesus, a escritora; e de Luiz Gama, advogado, um dos maiores abolicionistas do Brasil.

    Cada qual usou o fogo que tinha para superar as dificuldades. Foi a fome o preconceito, no caso de Barreto; foi a fome, no caso de Carolina; foi a escravidão, no caso de Gama.

    Nesta guerra do fogo, todos eles obtiveram êxito.

    Se a lágrima brota, não é por tristeza. Se a mão treme, não é por medo. Se o coração palpita, não é por dor.

    Se me sinto só, enquanto a pena risca o papel, não é por solidão. Se a poesia se esvaiu não é por falta de amor.

    Se me tiram quase tudo, me sobra, porém, o fogo. É aquele que queima a madeira e move a locomotiva. É aquele que aquece a alma e oferece luz sobre o caminho.

    Portanto, não serão três magistrados, suspeitos da toga, que vão decidir nossas vidas.

    Pois para cada juiz, sim, escravocrata e burguês, sempre existirá um dos nossos, inspirado por Xangô; que tocará o coração dos injustiçados e constituirá sabedoria para o contra-ataque.

    Então, fiquem todos alertas e saibam: o nosso fogo não se apagou. Ele foi recolhido para reabastecer-se de combustível.

    Reanima-se a alma. Logo mais, estamos reconstituídos! Vontade de lutar!

  • Quando as palavras queimam

    Quando as palavras queimam

    Por aqui, a cidade chora. Chora forte. Inunda. No bairro da Luz, o Museu da Língua Portuguesa arde. Enquanto escrevo, vejo pela rede o fogo cada vez mais alto. O teto do Museu, uma construção histórica do século XIX, que faz parte da Estação da Luz, já não existe mais. A maior parte de seus 4.333 metros quadrados distribuídos em 3 andares está sendo duramente atingida.

    Um museu onde a tecnologia fala muito, transforma a palavra em interações diversas, não se serviu dela para impedir que essa tragédia acontecesse. Se as palavras voam, hoje as palavras queimam. Grande Galeria, Palavras Cruzadas, Linha do Tempo, Beco das Palavras, História da Estação da Luz, Mapa dos Falares, Praça da Língua. Tantos depoimentos, histórias, expressões, causos, poesia, história. Uma língua que perde um pouco do seu brilho a cada labareda que sobe. Estamos em silêncio.

    Mais de 100 anos da história da nossa Língua está sendo perdida a cada minuto que passa. Enquanto escrevo algumas frases perdidas de uma tristeza que me comove enquanto afundo os dedos no teclado, as chamas sobem ainda fortes e desafiadoras. Mais triste ainda é que a cidade inunda, verdadeiramente. O choro que deságua para fora causa vários pontos de alagamento. São Paulo sob a água e o Museu ainda ardendo.

    Imagino a tristeza de José Miguel Wisnik, Arthur Nestrovski, Daniela Thomas, Bia Lessa, Maria Bethânia, Alvaro Faleiros, André Cortez, Júlia Peregrino, Felipe Tassara, Paulo Klein, Alexandre Roit, Ataliba Castilho, Eduardo Calbucci, Cacá Machado e outros tanto que trabalharam por entre seus painéis, monitores, projeções, interações, ideias. Por onde começar a lembrança?

    Se o poeta é um fingidor, não existe como fingir essa tristeza. Ah, Cora Coralina, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Oswald de Andrade, Jorge Amado, Rubem Braga, Cazuza, João Cabral de Melo Neto, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Arnaldo Antunes, Waly Salomão, que bom seria se alguma das modernas e interativas salas do Museu da Língua Portuguesa ainda se salvasse para que os ecos de todos os seus discursos, poemas, escritos, conversas, cochichos, páginas e páginas, memórias, chegassem levemente aos nossos ouvidos quando as chamas se reduzirem a pó, e acordássemos inspirando prosa e expirando poesia.

    PS. Acabo de saber que um bombeiro do próprio Museu faleceu. Faleceu cumprindo a sua sina de salvaguarda da vida alheia. A tênue linha dos limites ultrapassados. Que as palavras que faltam sempre nesse momento possam acarinhar sua família.