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Tag: fascismo

  • Não foi mais um caso isolado

    Não foi mais um caso isolado

    Por Pedro Stilo

    Mais um caso de racismo institucional no Recife. Estávamos em um espaço de luta e ancestralidade, que é o Pátio de São Pedro, no evento Terça Negra, palco das nossas manifestações há mais de 20 anos, quando o Grupo Tático de Operações da Guarda Municipal chegou fazendo diversas abordagens truculentas, até encontrar um jovem negro, que estava com amigos não negros, que foram afastados para acontecer a abordagem. Ele foi logo estigmatizado e acusado com perguntas sobre onde estava a droga que estaria vendendo. O jovem respondeu que não tinha nenhuma droga e logo houve uma tentativa de imobilização.

    Começamos a intervir e tentar argumentar sobre o que estava acontecendo e uma companheira da comissão de Direito Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco (ALEPE) – a pedido da própria não iremos revelar o nome – tentou dialogar, pacificamente, para saber qual motivo da abordagem e tentativa de imobilização, de uma pessoa que não oferece riscos nem perigo. Os guardas nos informaram que precisavam de espaço para terminar a revista. Por volta de 10 minutos, uma viatura de reforço foi chamada e fomos informados que o jovem seria conduzido a uma delegacia pelo crime de RESISTÊNCIA.

    Isso gerou um tumulto na saída da guarnição e os guardas atiraram diversas vezes. Um grupo de pessoas dirigiu-se a central de flagrantes, para o acompanhamento do jovem. Ele foi acompanhado por advogados da Comissão de Direitos Humanos da ALEPE e foi constatado uma denúncia por consumo de drogas. As pessoas que acompanharam o rapaz desde do inicio da confusão testemunharam que ele não estava portando nenhuma droga quando foi abordado, afirmando que o tratamento dos representantes da Guarda Municipal foi, no mínimo, preconceituoso.

    O fato, noticiado também por outros coletivos de comunicadores do Recife, escancara a face racista e classista da Segurança Pública na cidade. O jovem assinou um TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), foi liberado e voltou com sua família para casa. No entanto, não foi liberado das acusações de posse de drogas, resistência e desacato. Nós que estivemos na delegacia presenciamos como é banal e preconceituosa a ação de uma Guarda Municipal, que persegue pretos e pretas na cidade. NÃO FOI UM FATO ISOLADO.

  • Ato reúne Judias e Judeus com Lula Pela Paz e Contra o Nazismo

    Ato reúne Judias e Judeus com Lula Pela Paz e Contra o Nazismo

    Na semana em que se celebra os 75 anos da libertação de Auschwitz, campo de concentração nazista na Polônia que matou mais de 1 milhão de pessoas, o ex-presidente Lula se reúne com um grupo de judias e judeus em um ato “pela paz e contra o nazismo” no Sindicato dos Químicos de São Paulo.

    Durante o evento, que reunirá intelectuais e personalidades da comunidade judaica nas áreas das ciências, das artes, da economia, haverá a entrega da “Carta de Judias e Judeus de apoio ao presidente Lula” que denuncia a perseguição sofrida pelo ex-presidente e reconhece sua importância para a construção de uma cultura de paz. A carta já conta com centenas de assinaturas e permanecerá aberta para novas adesões.

    Fernando Haddad, Gleisi Hofmann, Celso Amorim, Márcio Pochmann, Alexandre Padilha também confirmaram presença e darão seus depoimentos sobre a situação atual que enfrenta a política brasileira, após um ano do governo da extrema direita de Jair Bolsonaro que vem demonstrando posturas cada vez mais autoritárias em relação às políticas públicas, imprensa e adversários políticos.

    Recital de poesia e música ao vivo compõe a programação, que teve o apoio da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Pastoral dos Trabalhadores. O ato acontece no dia 30 de janeiro, quinta-feira, às 19 horas e tem duração em torno de uma hora e meia.
    Os Jornalistas Livres transmitirão ao vivo em suas páginas do Facebook e YouTube.

     

    Judias e Judeus com Lula pela Paz e contra o Nazismo
    30/01 – 19 horas
    Sindicato dos Químicos de SP
    Rua Tamandaré, 348 – Liberdade

  • ALMA INQUIETA: ZÉLIA DUNCAN CONTRA O DRAGÃO DA MALDADE

    ALMA INQUIETA: ZÉLIA DUNCAN CONTRA O DRAGÃO DA MALDADE

    Zelia Duncan
    Zelia Duncan põe a cara para enfrentar o ódio e a intolerância

    A cantora, compositora e atriz Zélia Duncan expressou a alma e o grito da classe artística contra as bizarrices do Governo Bolsonaro na área da Cultura nesta última semana. Desde que publicou um vídeo em seu instagram recitando um poema em que fazia alusão ao mundo sem artistas (veja abaixo), a artista não parou mais de fazer das redes sociais palco para sua inquietude com os erros no setor pelo Governo. Com a chegada de Regina Duarte e os editais polêmicos de Alvim ainda no ar, fizemos um papo rápido com Zélia sobre os últimos dias. Pelo visto, Zélia não sairá do front. Ainda bem.

     

    Bruno Trezena: O seu conteúdo nas redes sociais com críticas ao Governo, principalmente na área da Cultura, tem viralizado. Na sua opinião, a que se deve essa repercussão?

    Zélia Duncan: Eu sinto que vinha alcançando mais gente, porque resolvi botar a cara na tela, da forma mais espontânea possível, do jeito que sou em casa. Mas aconteceu algo mais no dia em que resolvi dizer um poema meu ao final de uma sessão. Houve uma comoção que me surpreendeu, porque as pessoas embarcaram na minha proposta de imaginar os dias sem arte. Daquele dia pra cá, minha vida nas redes mudou e na rua também. Todo dia tem gente vindo falar comigo por conta das postagens e especificamente daquela.

    Bruno Trezena: A saída de Alvim da área da Cultura é o ponto final ou a sociedade precisa continuar atenta? A política de direcionamento ideológico proposta por ele, pelo visto, continua.

    Zelia Duncan: Alvim personificou o pensamento do Governo em relação à Cultura. Uma cultura fria, branca, mal humorada, ameaçadora. Ele apenas errou na dosagem para uso externo e pegou muito mal. Mas sabemos que o presidente já tinha visto e aprovado. A luta está começando e vamos ver o que Regina Duarte vai propor… Se vai propor, se vai durar, se vai ser conivente com o desmanche, ou vai ser grata à profissão que tem sido a sua vida.

    Bruno Trezena: Acha que o posicionamento crítico deve ser uma prioridade da classe artística?

    Zelia Duncan: Eu tento não apontar o dedo para os colegas. Tendo a achar que cada um dá o que tem e o que pode. Mas confesso que, num momento como esse, é no mínimo melancólico, que a classe não se expresse em peso, de forma unida. Eu tenho cada vez mais botado a cara na rua. Acho que é a única maneira de me sentir viva, quando luto de alguma maneira. E estou achando o jeito pra fazer isso numa posição de aprendizado e ação.

    Bruno Trezena: Acredita em dias melhores para nós?

    Zelia Duncan: Não sou otimista, mas também não sou derrotista não. Acho que dias melhores demorarão! Mas vão nos achar fortes e no front.

     

     

     

  • Elisa LUCINDA: Aos filhos da Liberdade

    Elisa LUCINDA: Aos filhos da Liberdade

    Estação Primeira de Mangueira: Filhos da Liberdade
    Estação Primeira de Mangueira: Filhos da Liberdade

    Quando soube do novo enredo da Mangueira, gostei de cara. Nutriu minha esperança. É muito poderosa a força narrativa da Sapucaí. A festa tem impressão espetacular, grifando bem a etimologia da espetaculosa palavra. O carnavalesco Leandro Vieira sabe certamente da força educacional política de uma escola e não vem medindo esforços para mirar no esclarecimento do povo brasileiro sobre as questões que dominam seu cotidiano e em usar a arte popular do rei momo pedagogicamente. Pelo que entendo do que li do enredo, Jesus Cristo volta ao mundo, o encontra extremamente intolerante, e o que é pior, em seu nome. Isso o desagrada. É realmente perigosa, escandalosa e abismal a diferença da vida e do pensamento entre Jesus Cristo e o que se tornou a igreja católica e as neopentecostais.

    Chocante.

    Ele não era intolerante nem preconceituoso. Sabemos que Cristo não era branco nem pregava riqueza! Ao contrário, vivia entre pobres, hippies e putas, e não estava em seus planos ver um fiel aos seus princípios um dia dizer: “Agora encontrei Jesus e já tenho dois carros”. Tanto que, desde que chegou ao Vaticano , o valente papa Francisco atua seriamente na desconstrução de toda pompa de tal império da fé e de tudo mais que afasta a igreja dos verdadeiros fundamentos cristãos. Não é tarefa fácil. Tudo está muito torto.

    E o mundo está confuso. O Brasil numa maré de azar sem tamanho. Avançam as forças conservadoras numa miscelânea de ignorância radical e pregação de ideologias que não se assumem como ideologias, mentiras vestidas de verdades, e tudo isso leva nossa comunicação à beira do caos. Que confusão é essa?

    Mata-se indígena em nome do desenvolvimento, nudez é crime mesmo sendo o nosso figurino original, condena-se a sexualidade como se fosse pecado, enquanto as igrejas cometem há séculos a desfaçatez de terem templos espalhados pelo nosso país com categorias separatistas e nomeados como igrejas dos escravos ou dos pretos e ninguém repara? Destroem terreiros, atacam babalorixás e ialorixás, e tudo em nome da fé, do bem, da família. Fé em quem? Bem de quem? E de que família? Nessa febre insana que inclui moralistas, terra-planistas em pleno século XXI, temos um presidente desmatador do Brasil que imita o presidente americano que ama armas e guerras e de cuja performance o mundo tem vergonha, e ainda uma ministra da Secretaria especial da mulher que é contra o feminismo, que faz do seu gabinete uma sucursal de sua igreja, e que, agora, inventou de propor a não-vida sexual entre adolescentes e jovens.

    Socorro, “… o mundo está ao contrário e ninguém reparou?” Realmente Jesus vai ter muito com que se espantar com “isso daí”. E o enredo vai fazer muita gente refletir a partir da Sapucaí.

    Estamos todos atordoados. A cada porrada, uma ação judicial, a cada inconstitucionalidade uma reação imediata dos direitos humanos, uma busca desesperada da sociedade que ainda pode usar a Constituição como um escudo contra as barbaridades que estão levando nosso país ao seu pior lugar de evolução diante de todos os avanços que havíamos conseguido nas últimas décadas. Uma merda geral. As milícias no poder, o Ministro da justiça afundado na falta de ética, comprometendo a imagem geral dos juízes, e um governo despreparado para compreender a complexidade do Brasil de agora, que ainda tem coragem de afirmar, esquizofrenicamente, que a economia vai bem, quando nenhuma economia pode ir bem chafurdada na desigualdade, nas injustiças sociais, na violação dos Direitos Humanos no extermínio das populações indígena e negra. É como dizer: “A economia daquela casa vai muito bem, só estão todos desempregados, não têm como se sustentar, as crianças da casa não tem boa alimentação, educação e saúde pública de qualidade, o pai é preto e pobre, por isso pode ser assassinado a qualquer momento, um dos filhos é gay, lésbica ou trans e por isso pode ser assassinado a qualquer momento, a mãe sofre violência doméstica, por isso pode ser assassinada a qualquer momento. Mas a economia daquela casa vai muito bem”. Não sou economista mas sei que se trata de uma ciência que se relaciona com outros fatores definidores. Nossa economia vai mal, meus senhores. Milhões de desempregados circulam desesperados na espiral da falta de perspectivas. Se eu fosse nossa querida e competente Flavia Oliveira, teria mais argumentos aqui. Mas o pouco que sei diz que isso não está certo, que vamos mal sim.

    Porém, brilha uma luz no fim do túnel:

    O que insanos conservadores não perceberam é que não adianta uma determinação para que jovens não façam amor, agora uma ordem. Quem vai obedecer? É tarde demais. Ninguém vai querer parar de transar e quem ainda nunca, não vai querer mudar a regra do jogo logo na sua vez. Nos 35 anos que nos separam do fim da ditadura, desenvolvemos uma profunda revolução amorosa começada mundialmente em 1968, encabeçada por jovens exigindo a liberdade de sua sexualidade, na base do “faça amor, não faça guerra”. Desde então nossos jovens estão transando em casa, na casa dos seus namorados e namoradas, e os pais sabem, orientam, ensinam prevenções sem hipocrisia e com responsabilidade. Esta é a luz: a nova gente.

    Sou de uma geração que nasceu na ditadura e viu, e participou da luta pela restituição da liberdade e da democracia. Uma dura luta contra a censura e pela liberdade de expressão. Vi meu pai queimando livros no meio da noite no fundo do quintal. Temia ser descoberto como homem de pensamento livre, como amante da liberdade e igualdade para todos. Eu sou filha de quem lutou pela liberdade. Herdeira desta bandeira. Ter vivido essa história fez com que nós também lutássemos para que nossos filhos tivessem garantida a liberdade que um dia nos faltou .Vinte anos de ditadura fizeram muito mal ao país, creiam-me! Gênios, intelectuais, estudantes, artistas, professores, pensadores, pesquisadores, jornalistas, pessoas cujo único crime foi lutar pela liberdade, foram torturados e mortos. A ditadura insistia em ser chamada de revolução quando na verdade foi um duro golpe militar. Nesse tempo todos nos tornamos guardiões dessa liberdade e lutamos diuturnamente para preservá-la. Imagine o que farão então os que nunca viveram sem ela? Quem nasceu com esse grito –gozo da liberdade de expressão– solto não vai querer saber de outro rumo pra esta prosa e não vai se entregar assim .

    Greta Thumberg, esta menina ativista sueca que está puxando a orelha dos adultos pela bagunça climática no mundo, não é um caso isolado. Os jovens estão estudando sustentabilidade em todos os sentidos. Estão atentos à contemporaneidade, à diversidade de gênero e enquanto negros e indígenas estão se tornando antropólogos, sociólogos, filósofos, e estão de olho nas contradições do país que caminha trôpego sobre profunda desigualdade. Sabem que dessa injustiça não poderá brotar a paz.

    São os filhos da liberdade e não a entregarão com facilidade, nem imaginam o mundo onde não possam circular livres e expressarem sua opinião quando quiserem, à hora que quiserem e sobre o que quiserem. Não conhecem outro regime. Não estava nos seus planos. Os filhos da liberdade nasceram com o DNA de sua preservação. Seus pais lutaram pelas minorias e acharam maneiras alternativas para lhes prometer um mundo melhor. Lutaram por suas crenças, ervas e opiniões. Não será uma luta fácil, mas confio na força de quem nasceu numa casa onde a repressão deu lugar à uma educação sincera, verdadeira, informal e respeitosa.

    Claro que também há os “jovens de direita” (ó triste encontro de duas palavras tão antônimas), mas ainda assim eu acredito que, como diz o poeta Manoel de Barros, “A liberdade é como água, caça jeito”, acha um modo de escoar. Não vão nos levar tudo na mão grande, haverá luta. Há luta! E os filhos da liberdade não vão negociá-la nem medir esforços para honrá-la. O carnavalesco da Mangueira é um filho desta grandiosa prole. Na esteira destas batalhas para assegurar nossos direitos veio o direito ao nosso pensamento livre, o direito à homoafetividade e à transexualidade sem condenação, veio o anticoncepcional que fez com que pudéssemos decidir e programar gestações, veio a mulher no mercado no trabalho, veio o homem se reconfigurando e se despoluindo de seu machismo tóxico.

    Nosso grande quilombo misto somado aos que vieram depois de nós não é nada pequeno. Ou seja, estamos todos, os da tribo imensa da liberdade, dispostos a não perdê-la de modo algum. Confiemos nos frutos da liberdade e aí veremos que os filhos dela jamais fogem à luta.

    Elisa Lucinda, verão de 2020

     

     

     

    Leia outras colunas de Elisa Lucinda:

     

    ELISA LUCINDA: A mão que balança o berço

    ELISA LUCINDA – “SÓ DE SACANAGEM, VOU EXPLICAR: LULA É INOCENTE, LIMPO”

    ELISA LUCINDA: QUERO A HISTÓRIA DO MEU NOME

    ELISA LUCINDA: CERCADINHO DE PALAVRAS

    ELISA LUCINDA: QUERO MINHA POESIA

  • Editorial: Pela liberdade de expressão e em apoio ao Porta dos Fundos #FascistasNãoPassarão

    Editorial: Pela liberdade de expressão e em apoio ao Porta dos Fundos #FascistasNãoPassarão

    Desde nossa fundação, em 2015, os Jornalistas Livres temos a liberdade de expressão, o jornalismo comprometido com os fatos e a preocupação com os direitos humanos como nossos pilares principais. Nesse sentido, o gravíssimo atentado a bomba realizado contra a produtora do canal humorístico Porta dos Fundos merece nosso mais profundo repúdio. Cobramos empenho das autoridades para sua rápida e competente investigação, de modo a identificar e submeter à lei os verdadeiros responsáveis. É irrestrita nossa solidariedade com os produtores de conteúdo e com as demais pessoas que trabalham no edifício atingido. Atos como esse não podem, de forma alguma, serem minimizados no atual contexto de ascensão do fascismo, vigente no Brasil.

    Não se enganem, é disso que trata: FASCISMO. O atentado foi realizado com o claro objetivo de intimidar o grupo de humoristas e censurar determinados conteúdos. O fascismo sempre se pautou pela censura às ideias e expressões contrárias às suas. O atentado foi fundamentalista e homofóbico. O fascismo cristão de extrema direita sempre teve os LGBTQ+ como seus alvos preferenciais.

    O atentado foi violento e covarde. A bomba caseira poderia ter matado o segurança de plantão, como se vê nas imagens que começam a ser divulgadas. O fascismo sempre foi violento, covarde e se impõe pela manipulação do medo.

    Há a hipótese de o atentado ter sido perpetrado por um grupo integralista (fascista) fantasiado com máscaras e camisas verdes e que, inclusive, divulgou um vídeo vangloriando-se de seu crime. Entretanto isso não é um fato já determinado. Como covardes históricos que são, os integralistas (arremedos de Mussolinis) podem apenas estar usando um ato praticado por outros para se projetar no cenário político de 2020. Por isso, como organização jornalística responsável, nos recusamos a publicar o vídeo e aguardamos as conclusões das investigações policiais e jornalísticas que devem se pautar pela seriedade e isenção política.

    Com o fascismo não se dialoga e muito menos se brinca. O fascismo se combate! Porque hoje os atacados são os humoristas do Porta dos Fundos e a causa LGBTQ+. Amanhã pode ser qualquer outra ou outro que ouse tentar interromper a marcha mortífera e insana dos liberticidas.

  • 2019, O ANO I DO FASCISMO À BRASILEIRA

    2019, O ANO I DO FASCISMO À BRASILEIRA

     

    ARTIGO

    RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia 

     

    O ano político de 2019 terminou em 25 de dezembro, quando o presidente Jair Bolsonaro sancionou o pacote anticrime, a menina dos olhos de Sérgio Moro. Com o “pacote anticrime”, Moro esperava capitalizar para si a agenda da segurança pública, o grande filão politico de Jair Bolsonaro.

    O Congresso Nacional desidratou o texto original de Moro, que tinha claros contornos fascistoides. O excludente de ilicitude, por exemplo, foi derrubado pelos parlamentares. Bolsonaro vetou outros 22 pontos, além de ter empurrado goela abaixo de Moro o ‘juiz de garantias’, visando o controle da “legalidade das investigações criminais”. Moro queria que a “investigação criminal” ficasse sob controle exclusivo do Ministério Público e da Polícia Federal, sem nenhuma fiscalização externa.

    Moro é fascista com verniz de civilidade, com gestos controlados, vocabulário polido e apoiado pela mídia hegemônica. Bolsonaro é aloprado, fedorento, feio. Moro é mais perigoso que Bolsonaro.

    O texto sancionado foi o resultado de uma aliança conjuntural entre o presidente e o Congresso Nacional, que teve o objetivo de enfraquecer Sérgio Moro, hoje a liderança mais forte em atuação no jogo político brasileiro. Na altura em que escrevo este texto (madrugada do dia 26 de dezembro), a hastag #bolsonarotraidor está entre os trend topics do Twitter.

    Em sua conta pessoal no twitter, Moro diz que não é o “projeto dos sonhos, mas vamos em frente”. A mensagem é clara: Moro é o sonho, o anjo fundador de um país sem corrupção e sem violência. Bolsonaro é o traidor que se juntou à velha política para bloquear o futuro.

    Assim, Moro compromete Bolsonaro junto a uma opinião pública assustada e desejosa do endurecimento do aparato repressor do Estado. Na corrida pelo controle do projeto fascista, Moro termina o ano meio corpo na frente de Bolsonaro.

    Em janeiro, a situação era outra, mas nem tanto.

    Bolsonaro subia a rampa do Planalto para ser empossado na Presidência da República como o símbolo da energia disruptiva liberada em junho de 2013. No vocabulário da engenharia, “disruptiva” é a energia inesperada liberada por um sistema mecânico cujo funcionamento é anormal, defeituoso.

    A disruptividade já começou a se manifestar nas eleições de 2014. Basta lembrarmos do fenômeno Marina Silva: 1,20 minutos de propaganda na TV, campanha eleitoral impulsionada pelas redes sociais e impressionantes 21,32% dos votos. Em vários aspectos, Marina Silva antecipou o fenômeno que levaria Bolsonaro ao Palácio do Planalto: a insatisfação com o establishment político da IV República, constituído pela trinca partidária formada por PT, PMDB e PSDB.

    Mas Bolsonaro não herdou sozinho o capital político de 2013. Sérgio Moro, desde a corrida presidencial, era o pior tipo de aliado que alguém pode ter: aquele que é mais forte, mais poderoso. Sem nunca ter participado de eleições ou ter ocupado cargo na política institucional, Moro representa melhor que Bolsonaro a tão glorificada imagem da “nova política”.

    Bolsonaro, naquele que talvez tenha sido seu grande erro estratégico, nomeou Moro para o superministério da Justiça e da Segurança Pública, dando numa bandeja de prata ao seu principal adversário o controle daquelas que talvez sejam as grandes agendas políticas brasileiras nesses tempos de crise: justiça e segurança pública. Melhor seria ter deixado Moro em Curitiba, como cão de guarda de Lula.

    Não foram poucos os embates entre Moro e Bolsonaro: controle do COAF, direção da Polícia Federal e, agora, os vetos no pacote anticrime.

    Nos primeiros rounds dessa disputa, Moro levou a melhor. Bolsonaro era o aloprado, mal educado e Moro era o avalista, o homem premiado na imprensa internacional e incensado pela mídia brasileira. Em junho, com o início dos vazamentos dos chats privados dos operadores da Lava-Jato feitos pelo site Intercept Brasil, veio o revés. Moro começava a viver os dias mais difíceis de sua curta e meteórica vida pública.

    Agora estava comprovado aquilo que muitos já sabiam: no processo que resultou na condenação de Lula, Moro agiu como o coordenador da acusação, foi parcial e violentou a Constituição e a Lei Orgânica da magistratura.

    Os vazamentos criaram algum constrangimento para Sérgio Moro, alterando momentaneamente a hierarquia estabelecida entre o Ministério da Justiça e o Palácio do Planalto. Agora, era Moro quem precisava de apoio e Bolsonaro soube se aproveitar muito bem do momento de fragilidade de seu adversário: demorou a se posicionar, assumiu o controle da narrativa ao levar Moro pelo braço a um jogo de futebol. Moro, homem de gabinete e não versado nas performances de palanque, foi obrigado a aceitar a posição de coadjuvante. Por alguns meses, Bolsonaro parecia ter se tornado maior que Moro.

    Bolsonaro, então, dobrou a aposta, atacando com frequência e sem nenhum pudor as instituições estabelecidas: críticas públicas ao Congresso Nacional, ao STF, ameaça de AI 5, conflitos com sua própria base aliada que resultaram no rompimento com o PSL, partido pelo qual disputou as eleições de 2018.

    Os menos atentos acreditam que essas crises significam a fragilidade do governo. A verdade, entretanto, é outra: Bolsonaro é o resultado do caos institucional. Em um cenário de normalidade, Bolsonaro ainda seria deputado de baixo clero, representando os interesses corporativos dos pensionistas das Forças Armadas. Para o bolsonarismo, a crise não é fragilidade. É alimento vital.

    Ao atacar publicamente as instituições, Bolsonaro tenta colar nelas a pecha da “velha política”, excitando, assim, sua base social orgânica. Ainda não sabemos com clareza o tamanho exato dessa base. As eleições municipais do ano que vem dirão algo a respeito disso.

    Enquanto isso, Moro ficou na defensiva, esperando para saber o tamanho do estrago da vaza-jato. Limitou-se a negar o conteúdo dos vazamentos e agir como leal defensor dos interesses da família Bolsonaro. A PF não incomodou Fabrício Queiroz, não investigou Flávio Bolsonaro. Moro ainda tentou federalizar o caso Marielle Franco, num gesto de afago ao clã presidencial.

    Os últimos dois meses do ano mostraram, para a felicidade de Sérgio Moro, que a bomba prometida pelo Intercept Brasil não passou de um estalinho, ou traque-de-massa, como se diz aqui na Bahia. Em pesquisa recente, o Data Folha mostrou que Moro é mais popular que Bolsonaro, contando com o apoio de 53% da população.

    Mas como nem só de opinião pública é feita a política, a Vaza-Jato enfraqueceu Moro no plano da institucionalidade. Liderado por Gilmar Mendes, o STF revisou o entendimento sobre a prisão em segunda instância, o que acabou beneficiando Lula, que foi solto no início de novembro.

    Nesses quase dois meses de liberdade, Lula está investindo na organização de uma frente ampla que envolveria o PT, as esquerdas em geral e aquilo que podemos chamar de modo um tanto impreciso de “centro democrático”. O grande capital político de Lula é a memória de seus governos, marcados pela ampliação do consumo e pelo desenvolvimento econômico.

    O ano acaba, então, mais ou menos assim: o fascismo à brasileira está sendo disputado na unha por Moro e Bolsonaro. Ambos se apresentam como lideranças revolucionárias que querem romper com o passado recente e construir um futuro melhor, saneado de toda a corrupção política e moral. Moro termina 2019 tal como começou: mais forte que Bolsonaro.

    As esquerdas, por sua vez, não foram capazes de criar sua versão de 2013, de fabricar sua própria liderança disruptiva. As esquerdas não têm um outsider para chamar de seu e, por isso, Lula ainda é sua grande liderança, talvez a única.

    Moro e Bolsonaro apontam para o futuro, disputam o controle de uma promessa utópica.

    Lula é a experiência testada e aprovada, um momento feliz do passado recente, dos anos de ouro do regime político forjado na redemocratização.

    Promessa X Memória. Nesses termos que se dará a disputa política em 2020. Hoje, qualquer previsão não passaria de aposta, e torcida.