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  • A ‘facada’ de Trump e o esquecimento da cloroquina

    A ‘facada’ de Trump e o esquecimento da cloroquina

    A notícia de que Donald Trump e sua esposa, Melania, testaram positivo para o coronavírus caiu como uma bomba na política estadunidense e global. Além das implicações práticas que esse acontecimento traz para as eleições americanas em novembro, a divulgação dessa notícia/evento e suas repercussões são um bom exemplo da condição atualista de nosso tempo.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo, Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana*

    Foi o próprio Trump quem deu a informação, por meio de sua conta no Twitter, na madrugada da última sexta-feira, 2 de outubro. Após subestimar, durante meses, a gravidade da pandemia, o atual presidente americano recebeu o diagnóstico de COVID-19, precisou ser internado e permanecer sob cuidados médicos, depois de apresentar sintomas sérios da doença. Portanto, Trump agora sente, na própria pele, a capacidade de contaminação do vírus que ele tanto subestimou. Só nos EUA, quase 7,5 milhões de pessoas foram atingidas, e mais de 200 mil morreram. De imediato, a imprensa conservadora tratou a questão como o ataque de um inimigo invisível. Certamente, para aqueles que desde o começo se recusaram a percebê-lo.

    A notícia da infecção do candidato republicano é mais um ingrediente no caldeirão agitado e cheio de incertezas das eleições presidenciais americanas. Desde o momento em que Trump veio a público informar sobre o seu diagnóstico, muitos se perguntaram se era realmente verdade, ou se seria mais uma fake news do agitador, para mais uma vez conturbar as eleições e alimentar a guerra cultural. Talvez nunca tenhamos uma resposta satisfatória para o fato, porque, paradoxalmente, apesar de sermos parte de um tempo que promete a total transparência e exposição, a verdade ainda é capaz de se esconder.

    Nossas dúvidas são mesmo justificáveis, considerando o histórico de mentiras e desinformação do presidente estadunidense. Como mostra a pesquisa feita pela Cornell University, Trump foi a principal fonte para a difusão de desinformação a respeito da pandemia de COVID-19. A pesquisa demonstra que dos 38 milhões de artigos analisados sobre a pandemia, 1,1 milhão continham desinformação, e destes, 38% citavam algo que Trump teria afirmado.[1]

    Ainda que os principais veículos de notícias tenham confirmado o diagnóstico positivo de Trump para o coronavírus, não tem sido possível dissipar a densa nuvem de confusão e incerteza que rodeia esse acontecimento.

    Argumentamos em livro recente, Almanaque da Covid-19 [2] que uma das características do atualismo é a explosão de notícias em fluxo contínuo, no qual o valor de verdade da informação se confunde com o seu valor de novidade, ou seja, sua atualização. A expansão dos canais de notícia 24 horas e das novas plataformas digitais se alimentam justamente dessa pulsão atualista pela atualização constante. Confirma o nosso argumento o tweet de Trump a respeito da sua contaminação pelo coronavírus: diversas empresas jornalísticas dos EUA disponibilizaram na internet serviços de “atualizações ao vivo” dedicadas somente a esse fato, misturando nessas plataformas informações verificadas, opiniões e especulações sobre o estado clínico do atual presidente e suas repercussões para o processo eleitoral americano.

    Sob a estrutura atualista surge a crença de que estar atualizado com as notícias é o mesmo que estar certo. No entanto, ao diluir as fronteiras entre fato e opinião, e pelo próprio fluxo acelerado de produção e circulação da informação – consequência da concorrência feroz por ser mais rápido do que os outros – o resultado é acentuar o ambiente de dúvidas e incerteza, visto que essa estrutura dificilmente contribui para a criação de referências estáveis por meio das quais possamos nos orientar no mundo.

    Um sintoma claro desse ambiente atualista é a grande confusão com relação ao real estado clínico do presidente. Inicialmente, a equipe médica de Trump afirmou em entrevista coletiva, no último sábado, dia 3, que o presidente se encontrava em bom estado de saúde, sem dificuldades para respirar ou caminhar, sem a necessidade de suporte de oxigênio, embora sem apresentar alguma previsão de alta.[3]

    O próprio Trump gravou um pequeno vídeo, com a clara intenção de despertar a empatia do público, dizendo que estava se sentido bem e disposto a “fazer a América grande de novo”, e que retornará às atividades de campanha em breve.[4] Acrescentou que lutará contra o vírus em nome das milhões de pessoas infectadas nos EUA e no mundo, e afirmou: “Nós vamos derrotar esse coronavírus, ou como quer que queiram chamar isso”. O candidato ainda caracterizou os medicamentos que tem tomado para enfrentar a doença como “milagrosos” – dentre os quais não se encontra a cloroquina, substância xodó da extrema-direita.

    Na nova ordem da informação, a cloroquina sai de cena sem que Trump e seus apoiadores façam qualquer autocrítica aos seus discursos anteriores. Assim, ela foi relegada ao museu dos bagulhos, para usarmos uma expressão da tradução brasileira do romance que serviu de base para o filme Blade Runner. No romance, bagulho é explicado como um tipo de lixo futurista, que ganha vida própria e entulha o mundo conhecido tornando-o inabitável para os humanos. Hoje, replicantes são as fake news e estamos todos em busca de bons caçadores.

    Nessa situação, a cloroquina guarda também alguma semelhança com a ideia de obsolência programada, tal como é definida pela Wikipédia, a saber: “Obsolescência programada é a decisão do produtor de propositadamente desenvolver, fabricar, distribuir e vender um produto para consumo de forma que se torne obsoleto ou não funcional especificamente para forçar o consumidor a comprar a nova geração do produto.” No caso, o vendedor é o presidente da maior democracia do mundo.

    No livro Espaços da Recordação, Aleida Assmann, desenvolve uma interessante relação entre o arquivo e o lixo a partir da ideia de que, em nosso tempo, o que não é guardado é descartado. A esse respeito ela cita o trabalho do artista russo-americano Ilya Kabakow que criou um pequeno museu de “bagulhos” e “lixo”, onde encontramos objetos esquecidos e rejeitados. Parece ser o destino da cloroquina, que afetou, das mais diversas formas, a vida de inúmeras pessoas? Talvez. Mas, só depois que algumas “autoridades” mundiais conseguiram “descartar” a superprodução do medicamento. Sabemos que, em um grande país do sul do mundo, o exército nacional tem um estoque para 18 anos, considerando a produção dos anos anteriores, utilizada para o combate contra a malária.[1]

    Mas, no mesmo sábado, dia 3, surgiu uma notícia divergente sobre a saúde do presidente estadunidense. Desta vez, o chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows, disse a repórteres que Trump não estava em um caminho claro de recuperação da COVID-19, e que, nas últimas 24 horas, alguns de seus sinais vitais eram “muito preocupantes”.[5] Além disso, o jornal The New York Times divulgou a informação, coletada a partir de duas fontes próximas ao presidente americano, que Trump teve problemas para respirar durante a última sexta-feira, levando os médicos a darem a ele oxigênio suplementar e, por esse motivo, levaram-no para o hospital militar Walter Reed, em Maryland, onde o presidente encontrava-se internado.[6]

    No fim da tarde de segunda-feira, dia 5, Trump recebeu alta hospitalar e deixou o hospital Walter Reed. A partir de agora, o presidente dos EUA seguirá com o tratamento na Casa Branca. Chegando na residência oficial, Trump posou para os fotógrafos e tirou a máscara. Mas o médico oficial da Casa Branca, Sean Conley, declarou que a saúde de Trump ainda não está totalmente controlada. 

    Diante de informações tão confusas e discrepantes, como podemos nos situar com relação à infecção de Trump pelo vírus a partir de uma base de referência minimamente estável e segura? Frente a esse quadro, somos empurrados a continuar acompanhando o fluxo de notícias a respeito de como o atual presidente americano efetivamente está, pois essa questão é decisiva para o modo como o processo eleitoral americano irá transcorrer daqui em diante.

    Aliás, os impactos do diagnóstico de Trump para a campanha eleitoral é tema de muitas dúvidas e especulações entre os analistas estadunidenses e brasileiros, pois uma das bases fundamentais de sua campanha era, justamente, a realização de comícios com a presença física de seus apoiadores – inclusive, Trump se gabou desse fato durante o último debate presidencial, sugerindo que Joe Biden não fazia o mesmo porque “ninguém quer ouvi-lo”. Nesse sentido, a contaminação do atual presidente pelo vírus traz certamente grandes impactos para a sua campanha, pois afeta a sua agenda de comícios e o força a se ausentar durante o período de quarentena.

    Mas, como falamos em nossa última coluna [7], Trump é um exímio surfista em nosso tempo atualista. Apesar de ver seu plano de campanha colapsado, em função do coronavírus, esse fato dá a ele uma superexposição na mídia, ao passo que a campanha de Biden e seu nome tendem a perder bastante espaço na cobertura dessas eleições. Isso permite, ao atual presidente, a chance de chegar ao dia da eleição como o assunto principal do país, em uma pauta que não é diretamente negativa, em especial, entre seus apoiadores e potenciais simpatizantes.

    Se por um lado, pode-se cobrar de Trump a prestação de contas por sua conduta de menosprezo à gravidade do vírus, por outro, o seu diagnóstico pode motivar a sua base de apoiadores a comparecer às urnas e a engaja-los, ainda mais, na tarefa de convencer alguns eleitores indecisos. Isso pode ser decisivo em um processo eleitoral tão caótico e acirrado, como o dos EUA. Votos que podem ajudar Trump a questionar uma eventual vitória apertada de Biden, produzindo uma crise sem precedentes e com impactos no Brasil, inclusive. Afinal, ele tem ameaçado dar um golpe caso perca de forma apertada. E é justamente disso que se trata.

    Guardadas as devidas proporções, podemos traçar uma relação entre o diagnóstico de Trump, isto é, o acontecimento dele ter se contaminado pela COVID-19 a menos de um mês da eleição e o episódio da facada de Jair Bolsonaro, durante a campanha de 2018, no Brasil. Além de ter provocado a empatia em parte importante do eleitorado brasileiro, que o viu como uma vítima, aquele fato colocou Bolsonaro no centro das atenções da mídia por muito tempo. Essa superexposição midiática o fez ser mais conhecido entre o eleitorado nacional, e foi um fato decisivo para a sua vitória na última eleição – como afirmou o cientista político Jairo Nicolau em entrevista recente.[8]

    Há, certamente, diferenças importantes entre o episódio da facada de Bolsonaro e a infecção de Trump pelo novo coronavírus. A começar pelo fato de Trump já ser o atual presidente do país. Mas a questão é que, em nosso mundo atualista, estar constantemente exposto na mídia pode ser definidor. Assim, a própria confusão a respeito de seu estado clínico, como dissemos acima, contribui para a sua superexposição, pois na configuração atualista, a produção constante de notícias (verdadeiras ou simuladas) é o que importa. E mesmo dentro de um hospital, e em tratamento, o presidente americano conseguiu alcançar esse objetivo.

    Em pouco tempo saberemos as consequências, pois ao contrário do que a condição atualista pode querer nos iludir, as ações têm consequências. O problema é que a “névoa”  produzida pela desinformação, simbolizada aqui pela exposição da cloroquina no “museu dos bagulhos”, tem como um de seus objetivos nos impedir de perceber as consequências de determinadas ações – mesmo que seja muito difícil imaginar hoje a extensão de tais consequências, dada as especificidades do atual desenvolvimento técnico, em especial, em tempos de revolução digital. Como destaca o filósofo Günther Anders, nós somos cada vez mais incapazes de imaginar o que estamos de fato produzindo em termos de técnica e governo. As vidas perdidas, tanto nos EUA como no Brasil, durante essa pandemia, são uma prova disso, infelizmente. A democracia está em risco em muitos lugares, inclusive no Império Norte-Americano! E para terminar: os familiares das vítimas da ilusão da cloroquina jamais esquecerão esse crime!

     (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição.


    [1] https://www.youtube.com/watch?v=bYz-D0mefxI

    [2] https://www.amazon.com.br/Almanaque-COVID-19-esquecer-hist%C3%B3ria-presidente-ebook/dp/B08BX1CX55/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=almanaque+da+covid&qid=1601822251&sr=8-1

    [3] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/10/03/donald-trump-covid-19-coronavirus-medicos-eua.htm

    [4] https://www.youtube.com/watch?v=0n4D8QyRmsQ

    [5] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/10/03/trump-saude-covid-19.htm

    [6] https://www.nytimes.com/2020/10/03/us/politics/trump-covid-updates.html

    [7] https://jornalistaslivres.org/o-primeiro-debate-presidencial-nos-eua-e-a-crise-da-democracia/

    [8] https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-27/jairo-nicolau-bolsonaro-e-uma-lideranca-inequivoca-e-um-lula-da-direita.html


    [1] https://extra.globo.com/noticias/brasil/exercito-brasileiro-tem-estoque-de-cloroquina-para-18-anos-rv1-1-24500378.html

  • AS CICATRIZES QUE A FACADA NÃO DEIXOU

    AS CICATRIZES QUE A FACADA NÃO DEIXOU

    RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia (UFBA), com ilustração de Jean Galvão

     

    Até a semana passada, a corrida eleitoral girava ao redor de uma questão capital: Lula, mesmo preso, irá conseguir transferir votos para Haddad?

    O protagonismo estava lá em Curitiba, na sede da Polícia Federal.

    A situação mudou no dia 6 de setembro, quando, em Juiz de Fora, Minas Gerais (praticamente Rio de Janeiro), um sujeito de ideias confusas e, ao que tudo indica, agindo sozinho e sem nenhuma articulação, enfiou uma faca na barriga de Jair Bolsonaro, candidato do PSL à Presidência da República.

    Bolsonaro, que até então contava com tempo muito pequeno de propaganda eleitoral na televisão, passou a estar sob os holofotes da mídia. O protagonismo foi, então, dividido, passando a ser encenado também em São Paulo, na porta do Hospital Albert Einstein.

    Surgiu, então, outra questão capital: o atentado é capaz de impulsionar Jair Bolsonaro?

    Acredito que, hoje, em 12 de setembro, quando estou escrevendo este texto, seja possível responder essa pergunta com mais segurança. Pra isso, são fundamentais os dados das pesquisas feitas pelo Ibope e pelo Datafolha.

    É este o meu esforço neste ensaio: utilizar os dados disponíveis para avaliar o cenário eleitoral. Se o resultado da eleição será ou não respeitado, se teremos mais golpe, se a crise irá terminar com a posse do governo eleito, são outras questões, relevantes demais e que pedem uma reflexão específica. Cada problema no seu tempo.

    Aqui, falo apenas das eleições, fazendo de conta que estamos em um ambiente democrático.

    Primeiro, algumas considerações sobre as pesquisas eleitorais: Numa sociedade de massa, pesquisa eleitoral é ativo político e exerce uma dupla função: identifica e reforça as tendências eleitorais.

    Como política é rio que corre para o mar, aparecer na frente nas pesquisas eleitorais significa ser visto como potencial vencedor, o que atrai ainda mais votos. As pessoas gostam de terem votado no vencedor. Ninguém gosta de perder.

    Por isso, em época eleição surgem pesquisas de tudo quanto é lado, feitas por todo tipo de instituto, alguns desconhecidos e com credibilidade questionável. Para reflexão que estou desenvolvendo neste texto, parto do princípio de que apenas os dados apresentados pelo Datafolha e pelo Ibope são dignos de confiança.

    Digo isso porque na série histórica esses institutos acertaram muito mais do que erraram. Ou em outras palavras: se formos pesquisar os dados apresentados pelo Datafolha e pelo Ibope nas pesquisas realizadas nas vésperas das eleições passadas, veremos que as projeções foram, quase sempre, confirmadas pelos resultados das urnas.

    Dito isso, vamos em frente.

    A pesquisa Datafolha foi divulgada na segunda-feira, 10 de setembro. A pesquisa Ibope foi divulgada na terça-feira, dia 11. A essa altura da corrida eleitoral, precisamos estar mais atentos às tendências do que aos dados estatísticos em si. Os dois institutos identificam as mesmas tendências:

    1) A facada não teve impacto eleitoral relevante, já que Bolsonaro se manteve relativamente estável e continua sendo rejeitado por mais de 40% do eleitorado, o que, na prática, o inviabiliza para o segundo turno. Bolsonaro é o adversário dos sonhos. Todos querem disputar o segundo turno com ele.

    2) Geraldo Alckmin está estacionado, o que sugere duas coisas: nos tempos das mídias digitais a TV já não é mais tão importante assim para o convencimento eleitoral; o PSDB foi engolido pelo golpe que financiou.

    3) Marina Silva despenca, o que me surpreende. Achei que ela fosse conseguir crescer com a tentativa de se apresentar como centro do espectro político.

    4) Haddad, que no momento em que os institutos foram a campo ainda não era oficialmente o candidato do PT, mais que dobrou suas intenções de voto. Haddad está em clara tendência de crescimento. Este é o dado mais relevante das pesquisas.

    5) Ciro Gomes cresce e já aparece sozinho na segunda colocação.

    Existem diferenças entre os dados estatísticos apresentados pelos dois institutos. Não são diferenças grandes, mas que devem ser destacadas.

    No Ibope, a situação de Bolsonaro é melhor: ele ganha algo entre 03 e 05% com a facada e é mais competitivo no segundo turno, contra todos os outros candidatos. Já no Datafolha, a situação de Bolsonaro é muito delicada: ele não cresce praticamente nada com a facada e perde de todos os outros candidatos no segundo turno.

    A diferença talvez se explique pelo momento em que os institutos foram a campo. O Ibope estava fazendo sua pesquisa entre os dias 6 e 7 de setembro, no auge da repercussão do atentado.

    Já o Datafolha estava em campo nos dias 9 e 10, quando Bolsonaro começava a dividir o noticiário com a unção de Haddad e com a morte do funkeiro carioca MR Catra. Penso que os dados do Datafolha revelam melhor a realidade da situação eleitoral de Bolsonaro do que os do Ibope.

    Bom, diante disso, com um olho nos dados e o outro nas tendências, apresento as minhas interpretações:

    A facada não beneficiou a candidatura de Bolsonaro. É que em uma eleição, os índices de rejeição são mais reveladores do que os índices de intenção.

    A intenção é volátil, pertence ao futuro, é algo que muda ao sabor das circunstâncias. Já a rejeição pertence ao passado, é dado consolidado. A rejeição até muda, mas leva tempo. Estamos a um mês das eleições e Bolsonaro é rejeitado por mais de 40% do eleitorado. Uma rejeição desse tamanho não muda do dia pra noite, nem mesmo com uma facada.

    Por que a imagem da vítima não colou no Bolsonaro?

    Primeiro, porque Bolsonaro é personagem amplamente conhecido no Brasil há, pelo menos, dois anos. Sua representação como um homem violento e autoritário já está consolidada no imaginário popular. Sem dúvida, ele cresce eleitoralmente com essa representação, principalmente entre eleitores homens, brancos e proprietários. Mas também perde, sendo rejeitado por mulheres e pobres.

    Mulheres e pobres são a maioria do eleitorado. Como alguém pode ser eleito presidente da República sendo rejeitado pela maioria do eleitorado?

    Além de tudo, o marketing da campanha foi inábil ao explorar o evento. Bolsonaro ainda corria risco de morte e Flávio Bolsonaro (candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro) já cantava a vitória no primeiro turno.

    A campanha abusou das fotos e vídeos no leito, o que alimentou a desconfiança de que tudo não passou de uma jogada de marketing.

    Quando era o momento de encenar a vítima, a campanha divulgou foto de Bolsonaro fazendo seu tradicional gesto da arma, o que reforça a representação do homem violento.

    Enfim, tudo indica que a facada não vai impulsionar Jair Bolsonaro. Ele não perde, mas também não ganha. Tudo continua como antes.

    Por outro lado, chama a atenção o crescimento de Ciro Gomes, que vem sendo alavancado por um eleitorado progressista que está assustado com a possibilidade de Bolsonaro ser eleito presidente da República. Como ainda existem dúvidas em relação ao potencial eleitoral de Fernando Haddad, a candidatura de Ciro Gomes está vendendo a ideia de que é a única capaz impedir a vitória do Bolsonaro.

    O combustível do crescimento de Ciro Gomes, na verdade, é o veto a Bolsonaro. Bolsonaro, hoje, é o principal ativo político de Ciro Gomes, que mobilizando uma espécie de retórica do medo está tentando refundar o campo progressista brasileiro.

    Por enquanto, a estratégia parece estar dando certo. A ver se esse crescimento vai se confirmar como tendência.

    Haddad cresce e tudo indica que crescerá mais. Se o ativo político de Ciro Gomes é Bolsonaro, o ativo político de Haddad é Lula. Creio que o leitor e leitora irão concordar que Lula é o ativo político mais valioso da história do Brasil. Acho muito difícil, mas muito difícil mesmo, que Haddad não herde, pelo menos, algo entre 50 e 70% dos votos que seriam de Lula, o que fatalmente o colocaria no segundo turno, talvez até mesmo na frente de Bolsonaro. A ver se essa tendência se confirma nas próximas pesquisas.

    Com essa disputa entre Haddad e Ciro, Marina perde espaço. Hoje, com os dados disponíveis, ela é a primeira derrotada das eleições. Eu ficaria muito surpreso se isso mudasse.

    Do outro lado da trincheira ideológica, Alckmin tenta desesperadamente recuperar o eleitorado de direita que foi abocanhado por Bolsonaro. Pra isso, o crescimento de Haddad será o seu trunfo.

    Haddad está para Alckmin assim como Bolsonaro está para Ciro: um fantasma capaz de seduzir o eleitor pelo medo. Alckmin vai tentar convencer o eleitorado de direita que Bolsonaro, por sua rejeição, não será capaz de derrotar o PT. Vamos ver se vai colar. O jogo continua sendo protagonizado pelo bolsonarismo e pelo lulismo, com suas sombras tentando crescer utilizando a retórica do medo.

    A facada não deixou cicatrizes. O impacto da peixeira de Adélio foi grande mesmo no intestino grosso de Bolsonaro. Na corrida eleitoral, não passou de um arranhãozinho.

     

  • EDITORIAL: É preciso apurar com rigor o ocorrido com o candidato Jair Messias Bolsonaro

    EDITORIAL: É preciso apurar com rigor o ocorrido com o candidato Jair Messias Bolsonaro

    Imediatamente após o ataque, Jair Bolsonaro colocou a mão sobre o local que teria sido atingido pelo instrumento perfuro-cortante. Mas nenhuma mancha de sangue foi vista em milhares de imagens (vídeos e fotos), registradas no local e no próprio instante da agressão.

    O filho de Bolsonaro, Flávio, candidato a senador, disse que o pai foi atingido superficialmente. Posteriormente, via Twitter, Flávio disse que o ferimento teria sido grave e pedia orações. O candidato encontra-se internado na Santa Casa de Juiz de Fora.

    O suposto agressor de Bolsonaro, Adélio Bispo de Oliveira, na delegacia da PF de Juiz de Fora (MG)

    O homem identificado como seu agressor, Adélio Bispo de Oliveira, tem 40 anos e é de Montes Claros, no norte de Minas. Apesar da comoção generalizada que seu ato gerou, ele foi levado para a delegacia da Polícia Federal de Juiz de Fora e ali fotografado, sem que se visse nele qualquer marca de agressões ou maus tratos.

    Na página de Adélio Bispo de Oliveira, dentro da rede social do Facebook, o suposto autor do atentado aparece como “curtidor” de perfis tão díspares quanto República de Curitiba, Israel My Israel, Apoio Policial, Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE, Ação Nacionalista, O Outro Lado da Coreia do Norte, Anonymous Rio, Midia Ninja, TVT, Ponte jornalismo, PCdoB, Consulado dos EUA, Rachel Sheherazade, Rede Sustentabilidade-Rede, Instituto Militar de Engenharia, Cap PM André Silva Rosa – ROTA, Apoiamos a Brigada Militar, além dos Jornalistas Livres, entre outros. Quem acompanha as redes sociais sabe que essa variedade inconsistente é típica de páginas mantidas por robôs.

    É dramático o quadro político no Brasil. Mais do que nunca, é preciso que todos os democratas coloquem-se de sobreaviso. É imperioso investigar a fundo essa ocorrência. Lembramo-nos da famigerada “bolinha de papel”, um atentado fake que teria sido desfechado contra o candidato José Serra, durante a campanha eleitoral de 2010. Na ocasião, o Jornal Nacional divulgou reportagem onde endossava a versão da agressão com “objeto contundente”. A reportagem terminava com um Serra arcado, interpretando o papel de pessoa fragilizada em luta contra a tal “barbárie política”. Mas as redes sociais e um trabalho investigativo a cargo do SBT mostraram que o tal “objeto contundente” não passava de uma bolinha de papel, que mal fez cócegas na calvície do candidato tucano.

    Importante não esquecer, contudo, que a política no Brasil vem de fato passando por um forte processo de escalada da violência. A execução de Marielle e Anderson, os tiros desferidos contra a caravana de Lula no sul do Brasil, os feridos a bala no acampamento LulaLivre próximo à sede da PF em Curitiba e muitos outros fatos não permitem subestimar os ódios e interesses políticos escusos.

    A Democracia exige o respeito entre as forças políticas em disputa. Exige transparência e honestidade. A cidadania não pode permitir que a violência e as narrativas turvas complexifiquem ainda mais o quadro político já tão crispado por injustiças e ressentimentos, como o que estamos vivendo. Menos ainda, pode permitir que essas narrativas sirvam de pretexto para cassar o direito constitucional de a população brasileira escolher seus governantes. A Constituição precisa ser respeitada.

    Bolsonaro, no momento em que era socorrido após o ataque

     

    Veja abaixo em câmera lenta o momento do ataque:

    https://www.youtube.com/watch?v=0DWIfleIiuw&feature=youtu.be