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  • O show de Trump: renovação ou cancelamento?

    O show de Trump: renovação ou cancelamento?

    Nos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG

    A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.

    Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

    Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.

    A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma  eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.

    São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.

    Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

    Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário. 

    Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.

    Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota  interesse a todos os democratas do mundo.

    Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.

    O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.

    O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.

    Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

    Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].

    Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.

    Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.

    A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.

    Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

    O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.

    Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.

    Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.

    (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.


    [1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm

    [2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.

    [3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).

    [4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm

    [5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.

    [6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml

    [7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html

    [8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters

  • O primeiro efeito colateral da coronaVac

    O primeiro efeito colateral da coronaVac

    O dia 18 de junho de 2020, quando Fabrício Queiroz foi preso, deu início a novo momento na história do governo de Jair Bolsonaro. Queiroz é fio solto no esqueminha de corrupção de baixo clero que enriqueceu o clã Bolsonaro durante mais de 20 anos. É bomba relógio tiquetaqueando no colo do presidente da República.

    Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia

    Acuado, Bolsonaro mudou o comportamento.

    Até então, agia como jogador agressivo disposto sempre a dobrar a aposta. Ameaçava a nação dia sim e outro também com golpe de Estado. Depois da prisão de Queiroz, foi amansando. Aproximou-se do “centrão”, tentando construir base parlamentar capaz de lhe garantir alguma governabilidade. Deixou-se flagrar em fotos de congraçamento com Dias Tofolli, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, sinalizando o interesse em se reconciliar com os outros poderes da República.

    Ventilou-se a possibilidade de que Bolsonaro estava devidamente controlado pelas instituições, que havia sido domado pelo sistema. Em 14 de outubro, a “Revista Veja” publicou editorial com fotografia montada onde o presidente aparece construindo pontes, alegoria daquilo que seria a “drástica mudança de comportamento”. O periódico vaticinou: “O risco de uma ruptura institucional foi superado”.

    A confirmação dessa mudança no comportamento do presidente, aparentemente, veio com a tão esperada indicação do nome para preencher a vaga no STF deixada pela aposentadoria de Celso de Mello. Contrariando sua promessa de que chamaria alguém “terrivelmente evangélico”, Bolsonaro indicou, em 5 de outubro, o desembargador piauiense Kássio Nunes, com histórico garantista.

    Bolsonaro é bruto, homem precariamente letrado, sem verniz intelectual algum, com vocabulário pobre, mas está longe de ser burro.

    É impossível passar tantos anos no Congresso Nacional sem aprender algo sobre política. O presidente sabe muito bem que, em futuro próximo, um garantista no STF pode ser bastante útil. É que depois de passar a faixa presidencial ao seu sucessor, em algum momento, Bolsonaro responderá por seus crimes, sentará no banco dos réus.

    O STF é corte de apelação, é a última corte de apelação do sistema de justiça brasileiro.

    A base orgânica do bolsonarismo protestou, chiou. Alguns chegaram a chamar o presidente de traidor. Bolsonaristas choraram nas redes sociais como maridos mansos traídos.

    Bolsonarismo sem Bolsonaro. Bolsonaro sem Bolsonarismo. Até poucos dias atrás, o cenário era esse, era exatamente esse.

    “Bolsonarismo sem Bolsonaro. Bolsonaro sem Bolsonarismo”. Esse seria, inclusive, o titulo da coluna que eu escreveria nesta semana. A coluna caducou sem sequer ter nascido.

    É que nas crises, o tempo passa rápido, muito rápido.

    Em 21 de outubro, ficou claro que a moderação não significava vitória derradeira das instituições, mas, sim, recuo estratégico feito em momento de fragilidade política e insegurança jurídica.

    Bolsonaro não está domado. Talvez não será domado nem depois de morto.

    O presidente surpreendeu o país desautorizando o ministro da Saúde, que na véspera havia assinado acordo se comprometendo a adquirir 46 milhões de doses da CoronaVac, vacina desenvolvida pela pareceria firmada entre o governo de São Paulo, por meio do instituto Butantan, e a empresa chinesa Sinovac Biotech.

    Ao que tudo indica, a CoronoVac é a mais auspiciosa entre as vacinas contra covid-19 atualmente em fase de teste clínico.

    Havia possibilidade de se apropriar da paternidade da vacina, frustrando a tentativa de João Dória em colher dividendos eleitorais. No acordo assinado pelo ministro, a CoronaVac não era chamada de “vacina chinesa”, tampouco de “vacina do Dória”, ou mesmo de “vacina paulista”. Era “vacina do Brasil”.

    Talvez essa tenha sido mesmo a intenção original, pois é difícil imaginar que o ministro da Saúde assinaria acordo de tamanha importância sem que o presidente conhecesse o conteúdo da minuta.

    Houve pressão dos EUA?

    O Brasil, um dos países mais afetados pela pandemia em todo mundo, sendo imunizado pela vacina desenvolvida na China seria, sem dúvida alguma, dura derrota diplomática para os EUA.

    Por enquanto não dá para saber.

    Fato mesmo é que Bolsonaro recuou no recuo e se reconectou ao bolsonarismo. Ocupou as redes sociais para jogar suspeição sobre a comunidade científica e sobre a imprensa, agindo como o crítico anti-sistêmico que denuncia conspirações globalistas.

    Esse é o Bolsonaro bolsonarista em sua manifestação mais genuína!

    A crítica anti-sistêmica, a desconfiança, o ceticismo em relação às principais instituições nascidas na modernidade (imprensa de massa, universidade, comunidade científica e organismos internacionais como ONU e OMS) são matéria-prima do bolsonarismo, bebidas diretamente nos textos que Olavo de Carvalho vem escrevendo desde a década de 1990.

    Se a segurança e a eficiência da CoronaVac forem confirmadas pela Anvisa, a Justiça obrigará o governo federal a oferecer as doses no sistema nacional de imunização. Duvido que o presidente fará grandes esforços para impedir isso. Repito: ele não é burro.

    Ficará berrando no twitter, tumultuando o processo, agitando sua malta de lunáticos, destilando ceticismos e desconfianças, performando o crítico, dizendo-se defensor da liberdade contra a tirania dos governadores de Estado.

    Liberdade x tirania. Bolsonaro, a seu modo, encena a narrativa política que funda a civilização ocidental.

    Seja como for, a imunização nacional contra a covid-19 já está comprometida.

    Vacinação é, antes de tudo, um acordo coletivo baseado na confiança. Bolsonaro enlameou o acordo. Essa é sua vocação: jogar lama nos acordos estabelecidos.

    Não há acordo possível com Bolsonaro. Tolos são os que ainda tentam.

    Bolsonaro jamais será um presidente de direita normal, como outros tantos que já existiram na história da democracia liberal, disposto a governar por dentro das instituições.

    Fato mesmo é que a CoronaVac, vacina, que ainda nem existe, já apresentou seu primeiro efeito colateral: reaproximou Bolsonaro e bolsonarismo.

  • “Só ouço barulho”. O código Trump: conspiração e a desinformação em chave atualista

    “Só ouço barulho”. O código Trump: conspiração e a desinformação em chave atualista

    Na noite da quinta-feira dia 15 de outubro ocorreram simultânea e separadamente debates com os dois candidatos à presidência dos EUA, Donald Trump e Joe Biden, com eleitores em emissoras de televisão concorrentes. Esse duplo espetáculo político-midiático foi a solução encontrada frente ao cancelamento do debate direto entre os dois candidatos, devido à recusa de Trump em participar em formato remoto após ter contraído o coronavírus.

    Mateus Pereira, Walderez Ramalho, Valdei Araujo, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG*

    Cada candidato respondeu a perguntas feitas pelo público e pelos jornalistas responsáveis por conduzir a entrevista. Biden falou em estúdio da rede ABC na Filadélfia, intermediado pelo jornalista George Stephanopoulos, enquanto Trump foi sabatinado no estúdio da NBC em Miami, com a mediação da jornalista Savannah Guthrie.

    Essa separação entre os candidatos em dois debates distintos e simultâneos acentuou o contraste nas estratégias e abordagens que cada um deles adota na disputa pela preferência do eleitorado. Além de ser um símbolo da divisão atual que tem corroído por dentro diversas democracias ao redor do mundo.

    Essa diferença foi amplamente destacada pela imprensa estadunidense e global. No evento estrelado por Biden, o debate foi marcado pela parcimônia e discussão mais moderada. Tanto o candidato democrata quanto o moderador realizaram poucas interrupções. Mesmo quando confrontado com questões mais difíceis, Biden manteve o tom de voz mais baixo e, geralmente, esperava o seu interlocutor concluir a pergunta. Quando criticado por suas falas e posições, Biden contra-argumentou sem adotar uma postura agressiva. Chegou inclusive a reconhecer e lamentar algumas posturas adotadas no passado – por exemplo, a sua participação na aprovação da “Lei de Crimes” de 1994, que muitos apontam como um dos fatores para a ampliação do encarceramento em massa da população negra daquele país.

    Nada mais diferente do que se viu na sabatina com Donald Trump. Um detalhe curioso foi que a transmissão teve início com a mediadora Savannah Guthrie relatando à equipe da NBC que ela estava com alguma falha técnica em seu ponto de ouvido: “Só ouço barulho”: essa foi a primeira frase que o público ouviu quando o espetáculo começou. Parecia um prenúncio do que ocorreria ao longo dos 60 minutos restantes da atração.

    De fato, em comparação com o evento com Joe Biden, o debate com Donald Trump foi muito mais cacofônico e caótico, o volume da fala muito mais alto e o tom mais agressivo e disposto ao confronto e à polêmica. Ao longo do evento houve constantes interrupções, tanto da parte de Trump quanto de Guthrie – que não se escusou em pressionar o candidato republicano todas as vezes que tentava fugir de uma questão ou desviar o assunto, um estratagema que ele empregou à exaustão.

    Um dos momentos mais comentados foi quando Guthrie pressionou Trump sobre as teorias conspiratórias que o elegeram como herói na luta contra a pedofilia (QAnon), e de que Joe Biden teria arquitetado o “falso” assassinato de Osama Bin Laden – mentira que o próprio presidente dos EUA difundiu por meio de sua conta no Twitter.

    Nesta coluna, faremos uma análise mais detida do embate entre Trump e Guthrie a respeito desses temas. As falas demonstram como Trump intensifica a agitação e a confusão por meio de estratégias retóricas muito bem calculadas. Cada frase empregada desempenha uma função, e visa ativar/atualizar em partes do eleitorado determinados afetos e visões de mundo.

    Para Trump, a confusão e a agitação são métodos de mobilização poderosos. Interrupções, tom de voz alto e agitado, frases desconexas e que se contradizem entre si podem parecer apenas sinais de uma mente fraca e perdida. Mas convém não subestimar a capacidade de se conectar com seu público de um “showman” que logrou se tornar o presidente da nação mais poderosa do planeta. Convém também avaliar os recursos retóricos empregados pelo candidato-agitador com referência à condição atualista que caracteriza o nosso presente.

    ***

    Savannah Guthrie – Tudo bem, enquanto estamos denunciando, deixe-me perguntar sobre o QAnon. É essa teoria de que os democratas são uma rede satânica de pedofilia e que você é o salvador. Você pode agora, de uma vez por todas, afirmar que isso definitivamente não é verdade, e…

    Donald Trump – Então, eu sei [um fala em cima do outro]

    SG- Rejeitar o QAnon…

    DT- Sim.

    SG- Em sua inteireza?

    DT- Eu não sei nada sobre QAnon

    (Ao interromper continuamente a fala de seu interlocutor é produzida uma quebra do fluxo comunicativo. O diálogo se transforma em uma cacofonia de alto volume e velocidade – falas quebradas e sobrepostas, onde um tenta falar por cima do outro, o que intensifica a sensação de conflito, em vez de um debate entre ideias e posições. Esse tipo de situação dificulta a compreensão do conteúdo das falas em si; no entanto, ao criar esse ambiente conflitivo, Trump reforça a mensagem de que ele está sob ataque constante da “grande mídia”, ao mesmo tempo que tenta transmitir uma ideia de força e virilidade, alguém que não se intimida perante o inimigo mas, ao contrário, está sempre pronto para o contra-ataque.)

    SG- Eu acabei de te dizer [o que é QAnon]

    DT- Eu sei muito pouco. Você me disse, mas o que você me diz não significa necessariamente que seja verdade. Eu odeio ter que dizer isso.

    (Trump continuamente reforça a desconfiança do público com a grande mídia, utilizando-se de uma estratégia negacionista que alimenta um ceticismo irresponsável; mais como gesto emocional do que como resultado de análise crítica fundamentada. Embora Guthrie tenha apenas descrito um fato conhecido por muitos – a existência da teoria conspiratória QAnon –, Trump se recusa a aceitar como fato, dizendo que se trataria apenas da palavra e opinião da jornalista. No “código Trump” de desinformação, a grande imprensa é um bloco monolítico totalmente corrompido e a serviço dos democratas (e da esquerda radical), isso inclusive justificaria a existência de um suposto outro lado, como a Fox News, que seria tão parcial quanto às demais, mas sua parcialidade estaria justificada como reação à mídia hegemônica. É no interior desse quadro que o negacionismo como estratégia de desinformação adquire sentido e eficácia.)

    DT- Eu não sei nada sobre isso. Eu sei que eles [QAnon] são totalmente contra a pedofilia. Eles lutam muito. Mas não sei nada sobre isso [Não fica claro se está referindo ao QAnon ou aos democratas pedófilos]. Se você gostaria que eu…

    (Na mesma frase diz não saber nada sobre o QAnon e que “eles são totalmente contra a pedofilia”, que “lutam muito”. A coerência interna da sua posição (se ele sabe ou não sabe sobre a teoria) importa pouco do ponto de vista do seu objetivo, que é de ativar sua base de apoio. Afinal, enquanto presidente dos EUA, é factualmente impossível que ele não saiba nada sobre o QAnon. Mas, ao ligar a teoria com uma suposta luta anti-pedofilia, Trump é capaz de, ao mesmo tempo, acenar à sua base de eleitores que acredita na teoria conspiratória, e também para o público em geral que abomina a prática da pedofilia. A função da teoria QAnon consiste exatamente em atribuir essa prática aos democratas, ao passo que Trump figura nessa narrativa como um grande salvador e defensor das crianças e um herói vingador contra os abusadores. Na verdade a comunicação – se é que podemos usar esse conceito – só se efetiva quando a mensagem de Trump atinge as bolhas de desinformação que reproduzem continuamente memes e narrativas conspiratórias. É nesse ambiente que a mensagem de Trump realmente é ativada. Para nós que estamos fora dessas bolhas, tudo soa apenas como barulho, loucura ou má-fé. Trump alimenta a teoria conspiratória sem arcar com os custos de uma afirmação direta e clara.)

    SG- Eles acreditam que é um culto satânico dirigido pelo estado profundo.

    DT- Estude o assunto. Eu vou te dizer o que eu sei. Eu sei sobre o Antifa, e sei sobre a esquerda radical, e sei como eles são violentos e cruéis. E eu sei como eles estão incendiando cidades administradas por democratas, não dirigidas por republicanos.

    (Aqui Trump promove um desvio de foco trazendo à tona os grupos antifascistas e da “esquerda radical”, tema com o qual se sente mais à vontade e que é diariamente coberto pela imprensa que o apoia. Assim, sugere que a jornalista evita abordar o tópico por não fazer uma cobertura imparcial. Novamente a lógica do “doisladismo”, como se a realidade dependesse apenas de sua preferência política, sem qualquer possibilidade de confiança no outro lado acerca inclusive dos mais elementares aspectos da realidade, como as vantagens do uso de máscaras, por exemplo. Desse modo, Trump está atualizando uma narrativa que já circula amplamente no país. Sob esse ponto de vista, importa pouco se os grupos referidos pelo candidato-agitador realmente realizam as ações que ele lhes atribui.)

    SG- O senador republicano Ben Sasse disse que “QAnon é louco e os verdadeiros líderes chamam de teorias da conspiração, teorias da conspiração.”

    DT- Ele pode estar certo.

    SG- Por que não dizer apenas que é loucura e que não é verdade?

    DT- Posso ser honesto? Ele pode estar certo. Eu simplesmente não sei sobre QAnon.

    SG- Você sabe!

    DT- Eu não sei! Não, não sei! Eu não sei! Você me contou tudo sobre isso.

    (Quando confrontado novamente pela jornalista, Trump volta a negar que conheça algo sobre o QAnon. Repete a mesma frase três vezes: “Eu não sei”. Falas repetitivas são um dos recursos retóricos mais utilizados por Trump.[1] Obviamente, trata-se de uma negação falsa, e a jornalista sabe disso. Sendo o presidente dos EUA, como ele pode não saber sobre a teoria que o celebra como salvador? Para sua base mais fiel, esse tipo de movimento pode ser entendido apenas como resiliência e resistência a ceder às armadilhas da mídia adversária.) 

    SG- Ok, eu tenho mais uma desse tipo.

    DT- … deixe-me dizer a você. O que eu ouvi sobre isso é que eles são fortemente contra a pedofilia. E eu concordo com isso. Quer dizer, eu concordo com isso…

    SG- OK.

    DT- … e eu concordo fortemente com isso.

    SG- Mas não há uma seita pedófila satânica sendo dirigida por…

    DT- Eu não faço ideia. Eu não sei nada sobre eles.

    (Ele diz não saber nada sobre QAnon. Mas diz saber que eles são contra a pedofilia. E que ele “concorda fortemente com isso”, isto é, ele diz defender a luta contra a pedofilia. Mas se recusa a se comprometer com a conspiração em seu conjunto, pois “não sei nada sobre eles”. Ao dizer que ele não sabe sobre o QAnon, Trump não está recusando a validade da teoria conspiratória, de algum modo o clima conspiratório é até reforçado. O tema do culto satânico propagado pela teoria QAnon não pode ser afirmado, mas ele deixa uma dúvida no ar sobre a sua existência (“Eu não faço ideia”). Essa centelha, mesmo que mínima, já é o suficiente para quem defende e acredita na conspiração, e também acende a desconfiança entre o público mais amplo, que abomina a existência da pedofilia.)

    SG- Você não sabe disso? OK.

    DT- Não, eu não sei disso.

    SG- Você, apenas esta semana…

    DT- E nem você sabe disso.

    (Novamente Trump denuncia a falta de credibilidade e imparcialidade da jornalista. Ele não sabe nada sobre o QAnon, mas ela também não sabe. Aqui, Trump está jogando com a armadilha criada por teorias conspiratórias, pois a jornalista não poderia apresentar uma prova de que a tal seita satânica dos democratas efetivamente não existe. O ônus da prova é transferido de quem afirma a existência para aqueles que estão empenhados em negá-la. Assim, por mais surreal que pareça, uma questão factual se transforma em questão de falsa opinião, de achismo. Eu acho que existe! Mas não tendo provas, só convicções… Você que não acredita em mim, mesmo não tendo provas, tem apenas outra opinião. Após essa operação, o absurdo é naturalizado e pode, então, ser vivido como realidade, como parece ser um dos traços principais das atuais guerras culturais de atualização em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. O princípio básico de que cabe a quem acusa apresentar as provas é cancelado e com ele qualquer possibilidade de justiça.)

    (Essa tentativa de corroer a credibilidade da jornalista é crucial para o código Trump. Reforça a mensagem de que ele está em uma situação de confronto com um inimigo com quem o diálogo não é possível. No limite, ninguém sabe sobre o QAnon; portanto, qualquer tentativa da jornalista de confrontá-lo terá pouca efetividade na base trumpista e é visto apenas como um uso político para beneficiar seu adversário.)

    SG- OK. Ainda esta semana, você retuitou…

    DT- Por que você não está me perguntando sobre o Antifa? Por que você não está me perguntando sobre a esquerda radical?

    SG- Porque você só, porque você já falou voluntariamente…

    DT- Por que não está fazendo perguntas a Joe Biden sobre, por que ele não condena a Antifa? Por que ele diz que não existe?

    SG- Porque é você que está aqui na minha frente.

    DT- Antifa, não, com licença. Isso é tão fofo… Antifa existe. Eles são cruéis, eles são violentos. Eles matam pessoas e estão incendiando nossas cidades. E eles são da esquerda radical.

    (Essa passagem complementa a anterior. Além de não saber nada sobre o QAnon, a jornalista se recusaria a falar de coisas que “ele sabe”: sobre os grupos Antifa e a “esquerda radical”. Deixa no ar a sugestão que a jornalista é comprada, está de má-fé por não querer condenar aquilo que ele considera condenável. Assim, a grande imprensa se associa à “esquerda radical” e ao “Estado profundo”. Importa reconhecer que por mais que essa narrativa do QAnon não tenha nenhum embasamento em fatos, ela tem grande efetividade entre o público mais amplo, que tem boas razões para duvidar da imparcialidade da grande mídia.)

    SG- Ainda esta semana, você retuitou, para seus 87 milhões de seguidores, uma teoria da conspiração que afirma que Joe Biden tramou para assassinar seis integrantes dos comandos especiais da marinha para encobrir a falsa morte de Bin Laden. Por que você mandaria uma mentira dessas para seus seguidores?

    DT- Eu não sei nada sobre isso, posso [falam em cima do outro]

    SG- Você retuitou…

    DT- Isso foi um retuíte. Essa foi uma opinião de alguém…

    SG- Mas…

    DT- …. e isso foi um retuíte. Vou colocar isso aí. As pessoas podem decidir por si mesmas. Eu não me posiciono.

    (Inicialmente, Trump tenta repetir o estratagema da negação – “Eu não sei nada sobre isso”. Mas na sequência, ele adota um outro recurso, o de rejeitar a responsabilidade de sua própria ação – ter espalhado a mentira envolvendo Joe Biden e o assassinato de Osama Bin Laden. O termo técnico para essa figura retórica é “paralipse” ou “preterição”: quando o orador afirma que não diz algo, mas diz. No caso, ele tenta transferir a terceiros a responsabilidade pela autoria da mentira, dizendo que ele apenas “retuitou” a mensagem. Ao mesmo tempo, ele transfere ao público a responsabilidade de checar a veracidade da mensagem, pois caberia a cada um decidir sobre o tema – apesar de ele ser o presidente dos EUA e ter à disposição a polícia e os serviços de inteligência… De sua parte, afirma, “eu não me posiciono”, ou seja, não quer assumir a responsabilidade pela mentira propagada por ele mesmo.)

    SG- Eu não entendo, você é o presidente. Você não é como o tio louco de alguém que pode simplesmente…

    DT- Não não. Não não.

    SG- … retuitar qualquer coisa.

    DT- Isso foi um retuíte. E eu faço muitos retuítes. E, francamente, porque a mídia é tão falsa, e tão corrupta, se eu não tivesse mídia social… Eu não chamo de Twitter, chamo de mídia social. Eu não seria capaz de espalhar minha mensagem. E a mensagem é…

    (Ao ser chamado pela jornalista a assumir a responsabilidade de seus próprios atos, Trump contra-ataca dizendo que não se pode confiar nas instituições, especialmente a imprensa profissional. Ele retuíta a informação (falsa) porque, segundo sua narrativa, seria necessário combater a mídia corrupta e esquerdista. O resultado é a intensificação do barulho, da agitação e da confusão. A premissa aqui é condizente com a ordem ultra-individualista: é preciso contar e confiar na liberdade de cada um para julgar e avaliar as narrativas em disputa. Assim, Trump alimenta e é alimentado pelo atualismo e desinformação político-midiática, em especial, por ser um dos arquitetos de uma realidade que se atualiza em função da própria atualidade sem a necessidade de prestar conta com o dia anterior. Uma realidade atravessada pela ilusão da reprodução automática, onde o valor de novidade e o achismo se confundem com o valor de verdade e o conhecimento fundamentado.)

    SG- Bem, a mensagem é falsa.

    DT- … e você sabe qual é a mensagem? A mensagem é muito simples. Estamos construindo nosso país, mais forte e melhor do que nunca.

    SG- Vamos parar.

    DT- E é isso que está acontecendo. E todo mundo sabe disso.

    (Enfim, Trump foi realmente massacrado pela jornalista? Em nossa opinião, nesse episódio, o código Trump foi efetivamente transmitido para a sua base. Aqueles que não compartilham do código têm a sensação de que Trump foi derrotado no debate. Mas a armadilha está no fato de que quanto mais Trump é pressionado pela mediadora e chamado a assumir a responsabilidade de suas próprias falas, mais se acentua a sensação entre sua base (e potenciais eleitores) de que ele é vítima de perseguição. A agitação e confusão é uma estratégia coerente para reforçar a mensagem. Em vez de prestar contas com o público pela propagação de teorias falsas e conspiratórias, Trump reforça essas teorias constantemente mobilizando seus códigos. Ainda assim, tudo indica que a maioria dos eleitores propensos a votar no confuso e complexo sistema eleitoral americano estão exaustos e dispostos a não renovar mais uma temporada do show de Trump. Ainda assim, não há como esconder a ansiedade e o medo e uma nova virada como a de 2016. Quando fechamos essa coluna novas rodadas de pesquisa mostram uma leve recuperação de Trump e volta-se a falar de interferência russa na promoção de propaganda falsa. Como as últimas eleições aqui e lá demonstraram, hoje pode-se perder ou ganhar um pleito em 24 horas.)


     (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.


    [1] MONTGOMERY, Martin. Post-truth politics? Authenticity, populism and the electoral discourses of Donald Trump. Journal of Language and Politics, v. 16, n. 4, p. 619-639, 2017.

  • A ‘facada’ de Trump e o esquecimento da cloroquina

    A ‘facada’ de Trump e o esquecimento da cloroquina

    A notícia de que Donald Trump e sua esposa, Melania, testaram positivo para o coronavírus caiu como uma bomba na política estadunidense e global. Além das implicações práticas que esse acontecimento traz para as eleições americanas em novembro, a divulgação dessa notícia/evento e suas repercussões são um bom exemplo da condição atualista de nosso tempo.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo, Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana*

    Foi o próprio Trump quem deu a informação, por meio de sua conta no Twitter, na madrugada da última sexta-feira, 2 de outubro. Após subestimar, durante meses, a gravidade da pandemia, o atual presidente americano recebeu o diagnóstico de COVID-19, precisou ser internado e permanecer sob cuidados médicos, depois de apresentar sintomas sérios da doença. Portanto, Trump agora sente, na própria pele, a capacidade de contaminação do vírus que ele tanto subestimou. Só nos EUA, quase 7,5 milhões de pessoas foram atingidas, e mais de 200 mil morreram. De imediato, a imprensa conservadora tratou a questão como o ataque de um inimigo invisível. Certamente, para aqueles que desde o começo se recusaram a percebê-lo.

    A notícia da infecção do candidato republicano é mais um ingrediente no caldeirão agitado e cheio de incertezas das eleições presidenciais americanas. Desde o momento em que Trump veio a público informar sobre o seu diagnóstico, muitos se perguntaram se era realmente verdade, ou se seria mais uma fake news do agitador, para mais uma vez conturbar as eleições e alimentar a guerra cultural. Talvez nunca tenhamos uma resposta satisfatória para o fato, porque, paradoxalmente, apesar de sermos parte de um tempo que promete a total transparência e exposição, a verdade ainda é capaz de se esconder.

    Nossas dúvidas são mesmo justificáveis, considerando o histórico de mentiras e desinformação do presidente estadunidense. Como mostra a pesquisa feita pela Cornell University, Trump foi a principal fonte para a difusão de desinformação a respeito da pandemia de COVID-19. A pesquisa demonstra que dos 38 milhões de artigos analisados sobre a pandemia, 1,1 milhão continham desinformação, e destes, 38% citavam algo que Trump teria afirmado.[1]

    Ainda que os principais veículos de notícias tenham confirmado o diagnóstico positivo de Trump para o coronavírus, não tem sido possível dissipar a densa nuvem de confusão e incerteza que rodeia esse acontecimento.

    Argumentamos em livro recente, Almanaque da Covid-19 [2] que uma das características do atualismo é a explosão de notícias em fluxo contínuo, no qual o valor de verdade da informação se confunde com o seu valor de novidade, ou seja, sua atualização. A expansão dos canais de notícia 24 horas e das novas plataformas digitais se alimentam justamente dessa pulsão atualista pela atualização constante. Confirma o nosso argumento o tweet de Trump a respeito da sua contaminação pelo coronavírus: diversas empresas jornalísticas dos EUA disponibilizaram na internet serviços de “atualizações ao vivo” dedicadas somente a esse fato, misturando nessas plataformas informações verificadas, opiniões e especulações sobre o estado clínico do atual presidente e suas repercussões para o processo eleitoral americano.

    Sob a estrutura atualista surge a crença de que estar atualizado com as notícias é o mesmo que estar certo. No entanto, ao diluir as fronteiras entre fato e opinião, e pelo próprio fluxo acelerado de produção e circulação da informação – consequência da concorrência feroz por ser mais rápido do que os outros – o resultado é acentuar o ambiente de dúvidas e incerteza, visto que essa estrutura dificilmente contribui para a criação de referências estáveis por meio das quais possamos nos orientar no mundo.

    Um sintoma claro desse ambiente atualista é a grande confusão com relação ao real estado clínico do presidente. Inicialmente, a equipe médica de Trump afirmou em entrevista coletiva, no último sábado, dia 3, que o presidente se encontrava em bom estado de saúde, sem dificuldades para respirar ou caminhar, sem a necessidade de suporte de oxigênio, embora sem apresentar alguma previsão de alta.[3]

    O próprio Trump gravou um pequeno vídeo, com a clara intenção de despertar a empatia do público, dizendo que estava se sentido bem e disposto a “fazer a América grande de novo”, e que retornará às atividades de campanha em breve.[4] Acrescentou que lutará contra o vírus em nome das milhões de pessoas infectadas nos EUA e no mundo, e afirmou: “Nós vamos derrotar esse coronavírus, ou como quer que queiram chamar isso”. O candidato ainda caracterizou os medicamentos que tem tomado para enfrentar a doença como “milagrosos” – dentre os quais não se encontra a cloroquina, substância xodó da extrema-direita.

    Na nova ordem da informação, a cloroquina sai de cena sem que Trump e seus apoiadores façam qualquer autocrítica aos seus discursos anteriores. Assim, ela foi relegada ao museu dos bagulhos, para usarmos uma expressão da tradução brasileira do romance que serviu de base para o filme Blade Runner. No romance, bagulho é explicado como um tipo de lixo futurista, que ganha vida própria e entulha o mundo conhecido tornando-o inabitável para os humanos. Hoje, replicantes são as fake news e estamos todos em busca de bons caçadores.

    Nessa situação, a cloroquina guarda também alguma semelhança com a ideia de obsolência programada, tal como é definida pela Wikipédia, a saber: “Obsolescência programada é a decisão do produtor de propositadamente desenvolver, fabricar, distribuir e vender um produto para consumo de forma que se torne obsoleto ou não funcional especificamente para forçar o consumidor a comprar a nova geração do produto.” No caso, o vendedor é o presidente da maior democracia do mundo.

    No livro Espaços da Recordação, Aleida Assmann, desenvolve uma interessante relação entre o arquivo e o lixo a partir da ideia de que, em nosso tempo, o que não é guardado é descartado. A esse respeito ela cita o trabalho do artista russo-americano Ilya Kabakow que criou um pequeno museu de “bagulhos” e “lixo”, onde encontramos objetos esquecidos e rejeitados. Parece ser o destino da cloroquina, que afetou, das mais diversas formas, a vida de inúmeras pessoas? Talvez. Mas, só depois que algumas “autoridades” mundiais conseguiram “descartar” a superprodução do medicamento. Sabemos que, em um grande país do sul do mundo, o exército nacional tem um estoque para 18 anos, considerando a produção dos anos anteriores, utilizada para o combate contra a malária.[1]

    Mas, no mesmo sábado, dia 3, surgiu uma notícia divergente sobre a saúde do presidente estadunidense. Desta vez, o chefe de gabinete da Casa Branca, Mark Meadows, disse a repórteres que Trump não estava em um caminho claro de recuperação da COVID-19, e que, nas últimas 24 horas, alguns de seus sinais vitais eram “muito preocupantes”.[5] Além disso, o jornal The New York Times divulgou a informação, coletada a partir de duas fontes próximas ao presidente americano, que Trump teve problemas para respirar durante a última sexta-feira, levando os médicos a darem a ele oxigênio suplementar e, por esse motivo, levaram-no para o hospital militar Walter Reed, em Maryland, onde o presidente encontrava-se internado.[6]

    No fim da tarde de segunda-feira, dia 5, Trump recebeu alta hospitalar e deixou o hospital Walter Reed. A partir de agora, o presidente dos EUA seguirá com o tratamento na Casa Branca. Chegando na residência oficial, Trump posou para os fotógrafos e tirou a máscara. Mas o médico oficial da Casa Branca, Sean Conley, declarou que a saúde de Trump ainda não está totalmente controlada. 

    Diante de informações tão confusas e discrepantes, como podemos nos situar com relação à infecção de Trump pelo vírus a partir de uma base de referência minimamente estável e segura? Frente a esse quadro, somos empurrados a continuar acompanhando o fluxo de notícias a respeito de como o atual presidente americano efetivamente está, pois essa questão é decisiva para o modo como o processo eleitoral americano irá transcorrer daqui em diante.

    Aliás, os impactos do diagnóstico de Trump para a campanha eleitoral é tema de muitas dúvidas e especulações entre os analistas estadunidenses e brasileiros, pois uma das bases fundamentais de sua campanha era, justamente, a realização de comícios com a presença física de seus apoiadores – inclusive, Trump se gabou desse fato durante o último debate presidencial, sugerindo que Joe Biden não fazia o mesmo porque “ninguém quer ouvi-lo”. Nesse sentido, a contaminação do atual presidente pelo vírus traz certamente grandes impactos para a sua campanha, pois afeta a sua agenda de comícios e o força a se ausentar durante o período de quarentena.

    Mas, como falamos em nossa última coluna [7], Trump é um exímio surfista em nosso tempo atualista. Apesar de ver seu plano de campanha colapsado, em função do coronavírus, esse fato dá a ele uma superexposição na mídia, ao passo que a campanha de Biden e seu nome tendem a perder bastante espaço na cobertura dessas eleições. Isso permite, ao atual presidente, a chance de chegar ao dia da eleição como o assunto principal do país, em uma pauta que não é diretamente negativa, em especial, entre seus apoiadores e potenciais simpatizantes.

    Se por um lado, pode-se cobrar de Trump a prestação de contas por sua conduta de menosprezo à gravidade do vírus, por outro, o seu diagnóstico pode motivar a sua base de apoiadores a comparecer às urnas e a engaja-los, ainda mais, na tarefa de convencer alguns eleitores indecisos. Isso pode ser decisivo em um processo eleitoral tão caótico e acirrado, como o dos EUA. Votos que podem ajudar Trump a questionar uma eventual vitória apertada de Biden, produzindo uma crise sem precedentes e com impactos no Brasil, inclusive. Afinal, ele tem ameaçado dar um golpe caso perca de forma apertada. E é justamente disso que se trata.

    Guardadas as devidas proporções, podemos traçar uma relação entre o diagnóstico de Trump, isto é, o acontecimento dele ter se contaminado pela COVID-19 a menos de um mês da eleição e o episódio da facada de Jair Bolsonaro, durante a campanha de 2018, no Brasil. Além de ter provocado a empatia em parte importante do eleitorado brasileiro, que o viu como uma vítima, aquele fato colocou Bolsonaro no centro das atenções da mídia por muito tempo. Essa superexposição midiática o fez ser mais conhecido entre o eleitorado nacional, e foi um fato decisivo para a sua vitória na última eleição – como afirmou o cientista político Jairo Nicolau em entrevista recente.[8]

    Há, certamente, diferenças importantes entre o episódio da facada de Bolsonaro e a infecção de Trump pelo novo coronavírus. A começar pelo fato de Trump já ser o atual presidente do país. Mas a questão é que, em nosso mundo atualista, estar constantemente exposto na mídia pode ser definidor. Assim, a própria confusão a respeito de seu estado clínico, como dissemos acima, contribui para a sua superexposição, pois na configuração atualista, a produção constante de notícias (verdadeiras ou simuladas) é o que importa. E mesmo dentro de um hospital, e em tratamento, o presidente americano conseguiu alcançar esse objetivo.

    Em pouco tempo saberemos as consequências, pois ao contrário do que a condição atualista pode querer nos iludir, as ações têm consequências. O problema é que a “névoa”  produzida pela desinformação, simbolizada aqui pela exposição da cloroquina no “museu dos bagulhos”, tem como um de seus objetivos nos impedir de perceber as consequências de determinadas ações – mesmo que seja muito difícil imaginar hoje a extensão de tais consequências, dada as especificidades do atual desenvolvimento técnico, em especial, em tempos de revolução digital. Como destaca o filósofo Günther Anders, nós somos cada vez mais incapazes de imaginar o que estamos de fato produzindo em termos de técnica e governo. As vidas perdidas, tanto nos EUA como no Brasil, durante essa pandemia, são uma prova disso, infelizmente. A democracia está em risco em muitos lugares, inclusive no Império Norte-Americano! E para terminar: os familiares das vítimas da ilusão da cloroquina jamais esquecerão esse crime!

     (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição.


    [1] https://www.youtube.com/watch?v=bYz-D0mefxI

    [2] https://www.amazon.com.br/Almanaque-COVID-19-esquecer-hist%C3%B3ria-presidente-ebook/dp/B08BX1CX55/ref=sr_1_1?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&dchild=1&keywords=almanaque+da+covid&qid=1601822251&sr=8-1

    [3] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/10/03/donald-trump-covid-19-coronavirus-medicos-eua.htm

    [4] https://www.youtube.com/watch?v=0n4D8QyRmsQ

    [5] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/10/03/trump-saude-covid-19.htm

    [6] https://www.nytimes.com/2020/10/03/us/politics/trump-covid-updates.html

    [7] https://jornalistaslivres.org/o-primeiro-debate-presidencial-nos-eua-e-a-crise-da-democracia/

    [8] https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-27/jairo-nicolau-bolsonaro-e-uma-lideranca-inequivoca-e-um-lula-da-direita.html


    [1] https://extra.globo.com/noticias/brasil/exercito-brasileiro-tem-estoque-de-cloroquina-para-18-anos-rv1-1-24500378.html

  • O duplo ataque recebido pela Venezuela nesta sexta-feira

    O duplo ataque recebido pela Venezuela nesta sexta-feira

    O Itamaraty acaba de publicar, na noite desta sexta-feira (4), um comunicado que declara todo o corpo diplomático venezuelano no Brasil como “personae non gratae”. Esta declaração é um instrumento jurídico extremo das relações internacionais para indicar que um representante oficial estrangeiro não é mais bem-vindo como tal em seu território.

    Este tipo de ação, em um governo que respeita as relações exteriores, ocorre quando justificada por algum fato que indique o rompimento das relações diplomáticas entre os países, o que não é o caso entre Brasil e Venezuela, senão os indícios do governo de Jair Bolsonaro em servir aos interesses dos Estados Unidos.

    O comunicado emitido pelo Ministério das Relações Exteriores, dirigido por Ernesto Araújo, declara que o corpo diplomático venezuelano não precisa sair do Brasil, mas não serão reconhecidos como autoridades representantes de Caracas. Perdem, então, o status diplomático, além das imunidades e privilégios correspondentes a estes cargos, por exemplo suas próprias moradias.

    O Ministro do Poder Popular para Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, declarou que esta é a resposta primitiva do governo do Brasil à carta enviada no dia 7 de agosto, cujo conteúdo demonstrava o interesse do governo venezuelano em relação ao brasileiro, em dialogar e enfrentar a crise sanitária pandêmica juntos, deixando de lado as diferenças. ”Definitivamente, o Itamaraty está sequestrado pela anti-diplomacia fascista, subordinada a Washington”, declarou Arreaza em seu Twitter.

    Esta é a segunda vez durante a pandemia da Covid-19 que o Ministério das Relações Exteriores do governo de Bolsonaro faz uso desta medida de diplomacia extrema, sem nenhum fato que justifique tal atitude. No fim de abril deste ano, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, interveio em outra manobra executada por Ernesto Araujo e vetou a tentativa de expulsão, que determinava 48h como prazo máximo para a saída de todo o corpo diplomático venezuelano do Brasil.

    Alegando que os funcionários não representavam nenhum perigo ao Brasil, a decisão assegurava que os representantes venezuelanos ficassem no país enquanto durasse o estado de calamidade pública e emergência sanitária reconhecido pelo Congresso Nacional em função da pandemia.

    Quatro meses depois, o estado de calamidade pública no Brasil cresceu exponencialmente, o Brasil já registra mais de 100 mil mortes pela Covid-19. Além de negar a cooperação proposta pelo governo de Maduro, que tem dado exemplo no combate à crise sanitária do coronavírus, o Ministério das Relações Exteriores insiste em colocar o corpo diplomático em risco mais uma vez.

    Já não bastasse a agressão sofrida pelo consul da Venezuela em Boa Vista, Faustino Torella, que morreu no dia 5 de agosto, após contrair a covid-19 em território brasileiro e ter seu tratamento negado nas unidades de saúde do estado de Roraima, segundo denunciam as autoridades venezuelanas. O governo de Bolsonaro continua a sinalizar o desprezo pela soberania do país vizinho, contribuindo para aumentar a tensão entre latino-americanos, que sempre mantiveram boas relações e respeito mútuo.

    AÇÕES COORDENADAS

    Também nesta sexta-feira (4), o governo da República Bolivariana da Venezuela denunciou, diante da comunidade internacional, novas agressões intervencionistas de Washington. Em violação ao Direito Internacional, o governo de Donald Trump pretende impor ilegalmente medidas coercitivas unilaterais contra as instituições democráticas venezuelanas, procurando interferir na realização das eleições parlamentares previstas na Constituição para dezembro de 2020.

    O governo dos Estados Unidos acusa a presidenta do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela, Indira Alfonzo, bem como três outras autoridades venezuelanas de realizar “interferências” para impedir que as eleições legislativas sejam transparentes.

    Em comunicado oficial, o governo da Venezuela afirma que “com estas medidas ilegais, a administração de Trump pretende impedir o inevitável. Nenhuma pressão externa poderá evitar que o povo venezuelano exerça seu direito ao voto e decida seu destino de maneira soberana”.

    Trump e sua trupe está sinalizando que não reconhecerá os resultados das eleições parlamentares marcadas para dezembro. O CNE Venezuelano tem tentando articular com a União Europeia (EU) e a Organização das Nações Unidas (ONU) para acompanhar como observadores internacionais e garantir a legitimidade das eleições.

    Em função das duras agressões imperialistas impostas pelo bloqueio econômico desde a administração de Barack Obama, em 2015, potencializadas por Donald Trump, as eleições de dezembro se revelam como uma das mais importantes eleições parlamentares da Venezuela. O papel da assembleia é fundamental para aprovar acordos internacionais por meio dos quais o governo pode receber fundos e créditos internacionais e reverter toda a crise econômica criada por Washington no país latino-americano

    Desde as últimas eleições para o congresso venezuelano, em 2015, quando o governo perdeu maioria para a oposição, o partido de Nicolás Maduro, Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), aumentou consideravelmente seu número de militantes. Em 2015, o PSUV era composto por 5 milhões de pessoas, hoje, registra-se 7,8 milhões de militantes, em um país com 30 milhões de habitantes, o que faz do PSUV um dos maiores partidos do mundo.

    Esta crescente organização popular no partido que guarda o legado de Hugo Chavez pode ser um indicador dos resultados das eleições de dezembro, o que contraria os interesses imperialistas dos Estados Unidos sobre o país com a segunda maior reserva de petróleo do mundo.

  • Dan Kovalik – No More War

    Dan Kovalik – No More War

    O advogado e especialista em Direitos Humanos Daniel Kovalik, professor na Escola de Direito da Universidade de Pittsburgh, realizou um webinar no último dia 14 de julho onde comentou as mais recentes denúncias sobre violações e assassinatos de mulheres ocorridas em bases norteamericanas pelo mundo.

    Dan Kovalik é autor de vários livros críticos à política externa dos EUA sendo o último deles “No more war”. Quase todos os títulos podem ser encontrados no formato e-book ou encomendados pela Amazon.

    Transcrição, tradução e legendas: Juliana Medeiros
    Revisão: Maria José Campos


    Deixe-me começar com alguns eventos mais recentes.

    Eu hoje li algo sobre uma servidora da marinha, Thae Ohu – eu acredito que ela seja uma vietnamita-americana e militar – que foi sexualmente abusada por seus colegas de marinha. Quando ela reclamou com seus oficiais superiores foi colocada na prisão militar, onde continua presa.

    O desenrolar de outra história tem obtido também muita atenção, a de Vanessa Gillen, uma soldado que aparentemente foi morta e desmembrada por um colega soldado [em uma base] nos EUA.

    Então, por que estou trazendo esses casos? Em grande parte por conta do que vemos com frequência aqui, na grande mídia dos EUA (NPR, NYT..). Eles dizem: “Hey, os EUA não podem deixar lugares como o Afeganistão, porque precisamos estar lá para proteger as mulheres afegãs”. Certo? Bom, vamos encarar o fato de que o governo dos EUA sequer pode proteger seus próprios soldados, as mulheres soldados mas alguns homens também, dos seus próprios companheiros.

    Um em cada 30, pelo menos 1 em 30 – e esses números são os “oficiais”, portanto provavelmente são mais altos – 1 em cada 30 mulheres em relatórios militares já foram sexualmente violentadas por seus colegas soldados. Esse é um problema gigantesco! E de novo, se os militares só podem lidar com esse tipo de problema colocando pessoas na prisão por reclamarem de terem sido sexualmente violentadas, como eles poderiam proteger mulheres em outros países? E esse é um fato que nós já sabemos: eles não podem.

    Então, por exemplo, no Afeganistão nós temos gente como [o jornalista] Scott Simon na [rádio] NPR dizendo: “nós não podemos deixar o Afeganistão e deixar as mulheres nas mãos do Talibã, elas serão abusadas”.

    Vejam, o Talibã não é bom e eles são cruéis com as mulheres, sim. Mas agora mesmo, com soldados norte-americanos em solo lá [no Afeganistão] e eles já estão [na região] nos últimos 19 anos, indo para o 20º, o Afeganistão segue sendo o pior país no mundo, segundo a ONU, para os direitos das mulheres. O pior!

    Então, voltamos à pergunta: o que os EUA estão fazendo para proteger as mulheres no Afeganistão? O que eles fizeram nos últimos 50 anos?

    Os EUA em 1979 apoiaram [fundamentalistas islâmicos] Mujahedin, incluindo um de seus principais líderes, Osama Bin Laden, a iniciar atividades terroristas no Afeganistão contra o governo socialista que havia lá (e que protegia os direitos das mulheres) para derrubar a presença da URSS no Afeganistão. Nós sabemos disso, a partir do Relatório de Segurança Nacional do ex-Conselheiro Zbigniew Brzezinski do [ex-presidente] Jimmy Carter. Ele admitiu isso: que os EUA apoiaram o Mujahedin não para lutar contra as tropas soviéticas no Afeganistão, mas para tirá-los de lá. E foi exatamente o que aconteceu.

    Os EUA vêm dando apoio a esse jihadismo de direita e anti-feminista no Afeganistão desde 1979. E agora nós ouvimos que os EUA não podem sair do Afeganistão para não deixar as mulheres à sua própria sorte? Isso não faz nenhum sentido!

    Eu gostaria de ler algumas passagens do meu livro para dar-lhes uma ideia sobre esses temas.

    O capítulo 9 cujo título é: “As forças armadas dos EUA não são uma organização feminista”. De cara, você poderia dizer “eu nunca pensei que pudesse ser uma organização feminista”. E de novo, de várias maneiras, somos levados a acreditar nisso. Então, aqui está uma parte desse capítulo:

    “É sabido que durante a guerra dos EUA no Vietnã, por exemplo, o estupro era, de acordo com o testemunho dos próprios soldados dos EUA: um “procedimento de operação padrão” e os homens que serviram e mataram no Vietnã eram considerados por seus companheiros como “veteranos em dobro” se eles estuprassem mulheres e meninas vietnamitas, e também todos que fossem considerados inimigos ou ainda “alvos justos de estupro”.

    E de novo: “companheiros, co-membros da mesma unidade militar também foram violentados em cenários de combate.

    Um estudo preliminar de mulheres veteranas no Vietnã estima que tenha sido mais de 29% das mulheres militares norte-americanas que serviram no Vietnã, as vítimas de tentativas ou violações sexuais completas pelos próprios colegas militares dos EUA.

    Agora, você poderia dizer: “e o que dizer da Segunda Guerra Mundial? Nós éramos os caras bonzinhos!”. Bom, o Vietnã não foi a única vítima desse procedimento, nem mesmo considerando na que chamamos “Guerra do Bem” [II Guerra Mundial], segue mais um trecho do livro:

    “As forças aliadas, incluindo as forças dos EUA, se envolveram em estupros inclusive de “cidadãos de países aliados”. Por exemplo, como um artigo do Duke Law Journal explica, “o estupro de mulheres francesas por soldados norte-americanos na Segunda Guerra Mundial foi suficientemente perverso para provocar uma diretiva do quartel-general do General Eisenhower em dezembro de 1944 para o Comando das Forças Armadas dos EUA anunciando que o General estava gravemente preocupado e instruindo que rápidas e apropriadas punições fossem administradas”. Isso porque aparentemente, os estupros cresceram 260% depois do “Dia D”! E nesse caso agora, porque as tropas americanas estavam usando largamente suas armas (apontando mesmo) para cometer estupro contra mulheres aliadas, mulheres francesas [na ocupação] na França.

    Jean Bricmon em seu livro “Imperialismo Humanitário” diz que quando você vai para uma guerra o resultado é a tortura. Inevitavelmente. Apesar de todas as regras que temos sobre guerras, de proibir torturas, de proibir civis como alvos, de cuidar para que civis sejam protegidos, os que invadem outros países sempre torturam essas pessoas nesses países.

    E eu adicionaria a isso, e não estou sozinho, que muitos estudos apoiam a afirmação de que também as guerras agressivas [não defensivas] significam sempre estupros. Quando nossos soldados vão para a guerra no Iraque, no Afeganistão, eles estupram. Então, essa noção de que os EUA estão nesses países para proteger as mulheres é inacreditável.

    Tem esse outro grande livro.. estou tentando lembrar o nome do autor agora, eu o citei no meu livro, ele fala sobre a complexidade das bases norte-americanas ao redor do mundo.. David Vine, creio que é esse o nome.

    Nós temos mais de 800 bases militares pelo mundo e em todas as bases militares dos EUA, nas mais de 800 delas, sempre houve funcionários civis em serviço nessas bases. Nossos soldados, adicionalmente a estuprarem suas próprias companheiras [militares] tem abusado de mulheres [civis] em todas essas bases. Isso é excepcionalmente bem aceito, ninguém se assusta com isso.

    Sabe, nós falamos sobre como o Japão abusou de mulheres da Coreia durante a Segunda Guerra Mundial e a Coreia continua reclamando sobre isso e o Japão jamais se desculpou. E [achamos que] isso é legítimo. Mas e sobre as mulheres que os soldados americanos abusaram todos esses anos e continuam fazendo?

    Esse é o grande ponto que eu tentei trazer no meu livro. Essa ideia de que os EUA e o Ocidente estão saindo pelo mundo para proteger os direitos humanos e protegendo pessoas de genocídios é uma fantasia. Mas é uma fantasia com um propósito. Nós nos convencemos de que isso é verdade para justificar o contínuo gasto de mais de um trilhão de dólares por ano atualmente e as contínuas guerras agressivas ao redor do mundo.

    Um grande exemplo disso é a invasão da Líbia em 2011. E por que esse tão enigmático exemplo? Primeiro, pelo lado americano, ela foi liderada por Barack Obama e por três conselheiras que realmente empurraram os EUA a participar desse ataque da OTAN na Libia. E essas foram Samantha Power, Susan Rice e Hillary Clinton. Elas pressionaram para que ele entrasse nessa “incursão humanitária”. Mas nós sabemos agora, como muitos de nós já sabíamos então, que essa intervenção humanitária era uma mentira.

    Houve três principais mentiras para justificar o ataque da OTAN na Líbia:

    Número UM e a mais ultrajante de todas – que a Hillary Clinton gostava muito de promover – de que Muammar Gadafi estava distribuindo Viagra às suas tropas para praticar estupros em massa na Líbia; a Anistia Internacional mais tarde derrubou essa acusação, ninguém conseguiu encontrar qualquer evidência disso.

    DOIS, a denúncia – de novo, levada por Samantha Power, Hillary Clinton e Susan Rice – de que Gadaffi estava a ponto de cometer um genocídio em Benghazi; mas se olhamos os e-mails internos particularmente da equipe de Hillary Clinton [e, lembrando, eles também estão no meu livro] nós vemos a equipe de Hillary comentando entre eles que, quando a missão OTAN/Obama na Líbia começou, não havia qualquer preocupação com a questão dos direitos humanos em Benghazi. Que tudo já havia acabado e a oposição havia tomado conta de Benghazi e não havia qualquer risco [aos direitos humanos] naquele momento.

    A TERCEIRA e pior leviandade, foi a de que “mercenários negros” estavam sendo usados por Muammar Gaddafi para impor essa guerra contra seu próprio povo. Alguns grupos de direitos humanos e própria Anistia Internacional, inicialmente, apoiaram essa acusação. Embora a Anistia Internacional tenha, tarde demais, derrubado essa acusação. O que eles acabaram dizendo foi: “Não. Desculpem, não eram mercenários, eram trabalhadores estrangeiros, da África Subsaariana”. E, a propósito, a mídia na época até dizia que se podia identificar os mercenários negros, porque eles usavam capacetes amarelos. Claro, porque eles eram trabalhadores da construção!

    Então, essa mentira, não apenas pavimentou o caminho para essa intervenção na Líbia, a outra coisa que essa mentira fez foi criar um genocídio na Líbia. Porque os jihadistas, apoiados pela OTAN para derrubarem Gaddafi, começaram a atacar qualquer um com a pele negra, baseados nessas mentiras.

    Eles exterminaram cidades e localidades inteiras com população negra africana, mataram negros africanos, aprisionaram em massa, e até hoje ninguém fala disso! E os negros subsaarianos continuam sendo colocados nas ruas da Líbia e vendidos, como escravos! 

    Esse é o resultado da “intervenção humanitária” na Líbia, a que quase ninguém nos EUA jamais se opôs. Até mesmo [o programa de jornalismo independente] “Democracy Now” foi um veículo de apoio para essa invasão. E até hoje, não só Democracy Now, NPR [National Public Radio] mas muitos outros se recusam a rever os fatos sobre essa invasão, em ser honestos com suas visões em apoiar isso. E para ser franco, muito poucos se opuseram ao envolvimento dos EUA na Líbia.

    E você sabem, esse tipo de coisa foi o que me motivou a escrever esse livro. A guerra, a guerra imperialista é uma imensa parte do problema dos EUA.

    Eu vou lhes dar outro exemplo disso, recentemente Trump anunciou que queria remover 900 tropas da Alemanha. E queria começar a remover também as tropas do Afeganistão e trazê-las para casa. E nós vemos agora os Democratas, particularmente os que deram ouvidos a Liynn Chenney [Republicana], a mulher de Dick Chenney, que tentou aprovar a legislação para prevenir Trump de remover essas tropas. E se nós olhamos para os Democratas e os Liberais, eles na verdade estão atacando à direita de Trump em relação a esse tipo de problema. E acho que precisamos ser honestos sobre isso, com as cores que isso tem.

    Porque votar em Joe Binden em novembro? É, eu provavelmente vou, eu acho que ele também está entre as pessoas mais cruéis, mas eu também sei que as pessoas podem lutar contra Binden cada centímetro para evitar que ele continue essas guerras intermináveis no mundo.

    Outro exemplo, é esse outro novo inimigo amargo de Trump, John Bolton, que foi seu Conselheiro de Segurança Nacional, ele foi tanto um propagador de guerras, que Trump chegou a dizer: “eu tenho o melhor cara, ele pode ir comigo a qualquer lugar”. E Trump estava muito certo sobre isso.

    Então, Bolton escreveu esse livro com coisas sobre Trump que estão “bem descritas”, sabe como é, mas Bolton se tornou um herói para muitos liberais [esquerda] nos EUA porque ele estava “atacando Trump”. Só que ele estava [no livro] atacando Trump à direita, por exemplo, dizendo: “se Trump for reeleito ele vai encontrar-se com o Presidente Nicolás Maduro da Venezuela”. O que a propósito eu acho que seria uma coisa boa, eu gostaria que um presidente dos EUA fizesse isso. Mas porque foi Trump quem teria ganhado para fazer isso, os liberais estão dizendo: “ah, isso é ruim, ele é mau, é um ditador etc”.

    Então, nós temos que ter nossos princípios nessas questões, o primeiro é o princípio antiimperialista. Não importa quem esteja no comando, eu espero que possa ser Joe Binden, mas se é Joe Binden, nós tampouco vamos poder dormir. Temos que continuar pressionando nossos governos para encerrar essas guerras intermináveis.

    Ok, então esses são meus marcos principais. A propósito eu estou ao vivo no meu Facebook com meu celular e estou ao mesmo tempo no Zoom com meu computador, então é meio difícil ler todos os comentários e peço desculpas por isso. E eu nem sei que horas são. Vocês, amigos, tem comentários, perguntas, considerações, eu estou a postos para responde-los.

    Ok, obrigado Paul. Para o pessoal que está ao vivo no Facebook, eu quero dizer que vou responder agora uma pergunta do Reverendo Paul Dordal, ex-congressista, e ativista pela paz de Pittsburgh, que está no Zoom, vá em frente Paul.

    Claro Paul, bom ele me pediu mais exemplos sobre essas falsas alegações de “intervenções humanitárias” dos EUA. A propósito, Paul serviu como Capelão Militar durante a invasão do Iraque, tá certo Paul? Certo.

    Bom, há muitos exemplos, eu poderia voltar à outra história do meu livro no que eu acredito que foi nossa primeira “intervenção humanitária” e essa foi a “intervenção humanitária” do Rei Leopoldo II, da Bélgica, no Congo. Que teve início no final do século 19.

    Vocês provavelmente já aprenderam um bocado sobre isso porque durante os recentes protestos do BLM [Black Lives Matter] uma estátua do Rei Leopoldo II foi derrubada na Bélgica e a razão para isso é que o Rei Leopoldo decidiu pessoalmente invadir o Congo, por seus próprios interesses, especialmente para obter benefícios com o roubo de marfim. Mas o Rei Leopoldo, assim como muitos líderes, era muito esperto e sabia que a maioria dos países não iria apoiar que ele controlasse um país africano só para retirar seus recursos naturais. Então, ele apareceu com esse plano – e ele já tinha enviado emissários para o Congo e para o mundo, incluindo os EUA – para alegar que ele estava indo ao Congo para proteger as mulheres congolesas. E em particular, dos mercadores de escravos árabes que ainda existiam nessa região. Mas ele não estava interessado em proteger ninguém, era só uma justificativa e ele foi muito eficaz nisso. Ele conseguiu convencer muitas pessoas e governos – e os EUA foram os primeiros a reconhecer seus interesses no Congo – de que essa seria uma “intervenção humanitária” e inclusive conseguiu que pessoas lhe dessem dinheiro para sua aventura “humanitária” no Congo.

    Bem, o que aconteceu é que Leopoldo, ele mesmo, escravizou milhares de congoleses para apoiar sua extração de madeira, para construir rodovias, para facilitar sua retirada de recursos do país através dos rios [do Congo] para fora do país e para retirar o marfim. Ele escravizou milhares de congoleses e os torturou, se os congoleses não eram submissos a ele, ou ao trabalho que precisava ser feito, suas mãos eram cortadas, isso é bastante conhecido, às vezes seus genitais eram cortados, e no final como resultado do seu brutal tratamento, houve ainda mais de 10 milhões de pessoas no Congo que foram mortas durante essa incursão.

    E claro que essa incursão se encerrou por conta de pessoas honestas no Ocidente. Alguns deles não existem mais hoje em dia, mas naquela época tínhamos pessoas como [os escritores] Mark Twain, por exemplo, ou Arthur Conan Doyle – que descreveu isso inclusive em suas histórias de Sherlock Holmes – sobre o que o Rei Leopoldo estava fazendo. E essas pessoas, com pressão e organização, conseguiram que a comunidade internacional terminasse com essa incursão do Rei Leopoldo no Congo.

    E eu discuto isso no meu livro, o que o Rei Leopoldo fez no Congo foi “em nome dos Direitos Humanos” e o que o Ocidente continua fazendo em todo o mundo também é “em nome dos Direitos Humanos”. Só que agora de uma maneira mais sofisticada, claro, e pior. Mas no final é o mesmo jogo incluindo, a propósito, no Congo.

    Muitas pessoas não se dão conta de que sob Bill Clinton, começando em 1996, a administração Clinton apoiou os governos de Ruanda e Uganda a invadirem o Congo. De novo, sob o pretexto de “parar o que seria um genocídio” que estaria ocorrendo lá e era por isso que Ruanda queria entrar no Congo. Mas o resultado foi que essas forças de Ruanda e Uganda apoiadas por Bill Clinton mataram 6 milhões de pessoas no Congo, a maioria delas congoleses. E nós nos damos conta disso, eu procuro detalhar isso no meu livro, a partir da leitura da mídia hegemônica. A maioria das maiores empresas de mineração dos EUA, no final, a maioria delas conseguiu imensos lucros e benefícios nessa incursão no Congo. E através dessas invasões, as primeiras a ganharem com isso foram justamente as de Hope, no Arkansas, que são empresas muito próximas a Bill Clinton, como sabemos.

    E depois de Clinton, algumas pessoas gostam de se referir ao primeiro presidente negro [Obama], com Hillary trabalhando com ele, mas ele prosseguiu com esse massacre de 6 milhões de congoleses, em nome dos Direitos Humanos, e isso era uma completa mentira. E nós podemos ir além, mas enfim, essa é a mais comum das armadilhas, a ideia de que os EUA estariam apoiando a prevenção de genocídios sob o princípio dos Direitos Humanos, quando na verdade é o Ocidente e os EUA que tem cometido genocídios pelo mundo.

    Bom, tem alguém que gostaria de fazer alguma pergunta ou podemos encerrar aqui? Eu acho que às vezes, menos é mais. E nessas circunstâncias, vejo meu amigo John sorrindo, eu acho que provavelmente é verdade. Então porque não terminamos aqui? Acho que é um bom ponto para encerrar. Eu quero agradecer a todos por acompanharem e de novo esse é meu livro e você pode conseguir em qualquer lugar, na Amazon ou encomendar na sua livraria. Eu realmente estou grato por vocês estarem aí, eu acho que é um período duro para estar atrás de livros como esse, mas acho que tem uma boa mensagem aí e algo que podemos aprender. Obrigado a todos que estão conectados, isso realmente significa o mundo para mim. Nós estamos vivendo tempos muito difíceis e estamos todos atravessando um enorme desafio com essa pandemia e ver vocês disponíveis aí para me ouvir, significa tudo para mim. Vocês foram muito pacientes e muito gentis. Eu desejo a todos, boa tarde, boa noite e boa sorte. Obrigado!