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  • O primeiro debate presidencial nos EUA e a crise da democracia

    O primeiro debate presidencial nos EUA e a crise da democracia

    Na noite da última terça-feira, 29, ocorreu o primeiro debate presidencial para as eleições americanas. Trata-se de um momento importante na corrida eleitoral a pouco mais de um mês da votação em 3 de novembro. O cenário se mostra ainda bastante imprevisível e atípico em muitos aspectos. A começar pelo fato de que, no momento mesmo em que o debate ocorria, alguns cidadãos já haviam depositado seu voto nos correios. Uma das faces
    do caos geral criado pela crise do coronavírus.

    Mateus Pereira, Valdei Araujo, Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana*

    É comum que nesses espetáculos políticos o debate seja bastante tenso e acalorado. Mas com Trump a coisa atingiu outro nível. Ele subverte todas as regras de polidez e boa conduta que configuram a própria política como forma de mediar disputas. Biden também não deixou por menos: “Palhaço”, “mentiroso”, “racista” e “cachorrinho de Putin” foram alguns dos adjetivos usados pelo candidato democrata contra o seu adversário.

    No entanto, há uma diferença de grau entre o comportamento dos dois candidatos que não pode deixar de ser sublinhada. Desde a primeira pergunta, Trump falava não apenas no seu tempo, mas também no de seu rival, talvez esperando irritá-lo e deixá-lo confuso. Biden reconhecidamente não é um bom debatedor – algo escancarado pela série de gafes que ele cometeu durante os debates para a nomeação do Partido Democrata. Mesmo com todas as limitações e provocações, o democrata parece ter ganhado o debate, segundo os principais institutos de pesquisa dos EUA. Mas o ponto que mais chamou a atenção foi a performance de Trump e, em especial, a sua insistência em não respeitar as regras que a sua própria campanha havia aceitado previamente.

    Nem mesmo o moderador do debate, o aclamado jornalista Chris Wallace, escapou das interrupções constantes do candidato republicano. Ele precisou gritar e repreender Trump em mais de uma ocasião. Em uma delas[1] [2] disse: “Senhor presidente, eu sou o moderador aqui!”. Ainda no começo do debate, logo na segunda pergunta, precisou relembrá-lo a respeito do sistema de saúde nos EUA. Gesto que se repetiu ao longo de todo o evento. Em uma de suas respostas, Trump chegou a dizer que sabia que teria que debater com Biden e o moderador, colocando em dúvida a imparcialidade de Wallace: “Não estou surpreso com isso”, ironizou Trump.

    Por sua vez, Biden falou de forma muito mais lenta e com tom de voz mais baixo que seu adversário. Procurava olhar mais para a câmera e se dirigir diretamente ao público, e insistiu por diversas vezes na necessidade de pacificar e unificar o país. Tentou se apresentar como um moderado, enquanto Trump acusava-o de pretender implantar o socialismo nos EUA.

    Até que ponto esse discurso de moderado será bem aceito pelo público? Se Biden vencer essa postura pode indicar algum caminho para a esquerda e o centro brasileiro? Essas são perguntas que nos faremos até o final dessa eleição, que terá impactos diretos no futuro do governo Bolsonaro.

    Ao longo dos 90 minutos do espetáculo, Biden se manteve mais atento às regras pré-acordadas, fazendo menos interrupções e, quando era interrompido, parou de falar em alguns momentos, esperando a intervenção do moderador para garantir o seu tempo. No entanto, isso não foi possível durante todo o tempo do debate, em função das insistentes intromissões do atual presidente. “Você pode calar a boca por um minuto?”, perguntou retoricamente o candidato democrata, em diversos momentos do confronto.

    Mas Trump não se calava. Recusava-se a dar tempo para Biden ou Wallace falarem, o que deixou claro a sua intenção em tumultuar o debate e a sua tentativa de dominar a cena. Ao portar-se como um agitador – ao mesmo tempo em que, contraditoriamente, repetia o mantra de sua campanha, “Lei e ordem” – Trump transformou o debate em um verdadeiro show de cacofonia. Para tentar dar ordem àquele caos, o moderador chegou a gritar contra o presidente. Aliás, um dos pontos levantados na imprensa foi a necessidade de mudar as regras para os próximos debates – sugerindo inclusive a possibilidade de se desligar o microfone quando um candidato falar no tempo reservado ao adversário.

    Ao assumir o papel de agitador, Trump se revela mais uma vez como um político bastante sintonizado com a condição atualista, na qual convivemos com mudanças rápidas e contínuas sem, no entanto, criarmos a possibilidade de transformações estruturais. Nessa condição, o respeito às regras do jogo deixa de ter importância. Quanto a isso, o contraste entre os dois candidatos se revelou não só em relação às regras do debate em si, mas também quanto à própria legalidade da eleição deste ano. Enquanto Biden não hesitou em aceitar o resultado do pleito de novembro, qualquer que ele seja, Trump se recusa a assumir tal compromisso, acusando o voto por correio de ser uma fraude, exatamente como Bolsonaro e os bolsonaristas fizeram e farão em relação à urna eletrônica.

    Há uma questão material, de fundo, importante e que torna o resultado da eleição americana imprevisível. Como bem afirma o cientista político polonês Adam Przeworski: “Eu tentava entender como alguém como Trump podia vencer uma eleição nos EUA e se manter popular entre 40% da população. A renda dos 50% da população pobre está estagnada desde o final dos anos 1970. As pessoas não acreditam que seus filhos estarão em melhor situação do que eles, o que acontecia desde 1820. Tivemos presidentes democratas e republicanos, e as pessoas percebem que quase nada mudou[3] .”[1] Para esse autor, a democracia pode ser definida como um regime político onde o governante deixa o poder quando perde as eleições. E é justamente isso que está em questão na atual eleição americana, como o debate deixou bastante claro frente à escandalosa atuação de Trump.

    O passado é um elemento mobilizado pelos políticos atualistas para promover a agitação e dispersão. Com efeito, o primeiro debate televisivo da eleição americana deste ano confirmou o argumento que apresentamos em uma coluna anterior.[2] Ao tratar sobre o tema dos protestos contra o racismo, Biden apresentou um discurso que se coaduna com uma visão liberal-progressista da história, ao afirmar que a igualdade racial nunca foi plenamente alcançada nos EUA, mas que esse valor deveria servir como guia para o futuro. Uma ideia de história que reconhece as suas fraturas e imperfeições requerendo ação contínua no presente.

    Trump, por sua vez, acusou a “esquerda” de promover o ódio e a divisão entre os americanos com a educação racial, e acusou essa pedagogia (“critical race theory”, ou “teoria racial crítica” em tradução livre) de destruir a essência americana de harmonia, convivência e paz. Ao propor essa visão simplista e congelada do povo americano, o espaço para a ação transformadora se fecha, bastando apenas atualizar tal essência idealizada e defendê-la contra aqueles que a ameaçam – nomeadamente a esquerda, os movimentos de negros e grupos minorizados que se recusam a aceitar o seu lugar nas hierarquias sociais que garantiriam a harmonia social: “Nós temos que voltar aos valores fundamentais deste país. Eles estão ensinando as pessoas que nosso país é um lugar horrível, que é um lugar racista, e eles estão ensinando as pessoas a odiar o nosso país. E eu não vou permitir que isso aconteça”.

    Diante de tal afirmativa, Biden retrucou: “Ninguém está fazendo isso. Ele que é o racista”. E reafirmou a necessidade de unificar o país, atravessado pelos protestos contra as injustiças e desigualdades raciais. Essa nostalgia, vinculada a um passado mítico, que guardaria uma suposta “alma americana”, motiva o temor de que essa alma do povo está sob constante ameaça de se perder, graças à ação corruptora da “esquerda radical”. A questão é que com essa estrutura retórica, Trump opera em duas frentes: de um lado, ele se apresenta como o salvador patriota, o defensor da “verdadeira América”; de outro ele envia uma mensagem implícita (nem tanto) para a sua base, majoritariamente constituída de eleitores brancos de classe média, sem formação superior ou moradores de áreas rurais.

    E aqui se nota como essa concepção essencializada de história se relaciona com a agitação atualista, encarnada pelo mandatário republicano. Ao se recusar a condenar abertamente os supremacistas brancos e acusar a esquerda, os grupos antifascistas e o Black Lives Matter como promotores da violência, Trump estimula o conflito interno no país e, consequentemente, o caos, a agitação, a radicalização e a divisão, afastando a possibilidade da moderação, da negociação e da construção do comum. É nesse ambiente que ele parece prosperar, ao custo (ou bonus) de corroer as próprias condições para a democracia.

    Trump age como um bombeiro que usasse sua posição para atiçar e não apagar os incêndios. Intensificar o caos e o conflito pelo conflito é parte de sua estratégia, pois isso dá a ele a chance de se apresentar como o único com força e disposição para superar a crise. Já Biden, com um discurso mais alinhado com a tradição democrático-liberal, procurou se posicionar, nesse debate, em relação aos seus planos para a saúde, economia, segurança e meio ambiente, acusando o seu adversário de não ter plano nenhum para o futuro.

    Mas, na condição atualista, falar sobre planos futuros parece ter menos importância do que saber navegar na agitação dos tempos e se apresentar como o defensor de uma essência idealizada que deve ser preservada a qualquer preço. Se, por um lado, a postura de agitador pode denotar um desespero por estar atrás das pesquisas, ela pode também passar a mensagem de força e destemor, de alguém que luta contra tudo e contra todos, inclusive contra o moderador do debate. De toda forma, o primeiro debate presidencial da eleição americana deste ano deu mais uma demonstração de como a democracia pode ser frágil frente agitadores populistas em um tempo atualista.

    O destino do moderado e do agitador mostrará alguns caminhos de ação frente à atual crise democrática. É provável que se Biden vencer com uma margem apertada ou se os conflitos durante e depois da votação se disseminarem a eleição seja judicializada e conflitos de rua possam se espalhar pelo país. Trump está trabalhando firme para que isso aconteça, incentivando seus eleitores a fiscalizar os locais de votação e espalhando denúncias vazias acerca de fraudes. A nós, americanos do Sul, que vivemos sob uma democracia ameaçada, resta torcer para a vitória dos moderados. Mas, após assistir ao debate, fica a certeza de que a dúvida será a nossa companheira até o encerramento (ou mesmo depois) das eleições. Afinal, Trump surfa na onda atualista como um surfista experiente e isso não é pouco. Caso o campo democrático consiga sobreviver ao desafio, deverá ainda ser capaz de governar e reverter as causas estruturais que estão corroendo as democracias, em especial a concentração de renda e precarização do trabalho.

      (*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Mateus Pereira e Valdei Araujo são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto em Mariana. Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição.


    [1] https://istoe.com.br/a-democracia-brasileira-esta-em-risco-com-bolsonaro/

    [2] https://jornalistaslivres.org/as-eleicoes-nos-eua-e-bolsonaro-na-onu/


  • EUA apertam bloqueio econômico contra Venezuela, mas o país segue como exemplo no combate ao coronavirus

    EUA apertam bloqueio econômico contra Venezuela, mas o país segue como exemplo no combate ao coronavirus

    Por Clara Luiza Domingos, especial para Jornalistas Livres

     

    Carolus Wimmer, presidente do Comité de Solidariedad Internacional y Lucha por La Paz na Venezuela (COSI Venezuela) e secretário de relações internacionais do Partido Comunista da Venezuela participou do Boletim Semanal Venezuela, que foi ao ar na última quinta-feira (11.06), no Facebook e Youtube do Jornalistas Livres, para denunciar as ofensivas imperialistas dos Estados Unidos contra o país da revolução bolivariana. O exemplo venezuelano no combate ao coronavirus  foi um dos temas do Boletim desta semana, além de como os EUA têm insistindo em sua agressão em plena crise sanitária mundial.

    Semanalmente o Jornalistas Livres coloca no ar o Boletim Venezuela, para tratar dos assuntos mais importantes envolvendo a Venezuela, com o objetivo de informar o público fatos e análises que, muitas vezes, não chegam pela mídia hegemônica, dando voz a lideranças que possam expor os problemas vividos diariamente pelos venezuelanos e os conflitos internacionais.

     

    Boletim #1 Venezuela e o ataque imperialista dos EUA durante a pandemia da Covid-19

     

    Wimmer iniciou sua fala destacando que a crise sanitária do coronavírus é mais uma das crises do capitalismo e ressaltou a diferença de resultados no combate a pandemia entre países que não são regidos pelo sistema econômico capitalista. “Atualmente, a Venezuela tem 2700 infectados e 23 falecidos, em comparação com outros países da América Latina, é relativamente pouco e esperamos que siga assim”.

    De acordo com Carolus, governo de Nicolás Maduro tomou as medidas sugeridas pela OMS a tempo, reconhecendo a pandemia rapidamente. Maduro rapidamente decretou o isolamento por três meses, fechou as fronteiras internacionais, interrompeu o tráfico nacional entre um estado e outro e já realizou 36 mil testes por milhão de habitantes, que em números gerais representa mais de 1 milhão de testes realizados no país. 

    Carolus também destacou que a parceria com o governo cubano na construção de um sistema de saúde gratuito, selada há 10 anos, durante o governo de Hugo Chavez, construiu uma estrutura física e profissional que permite atender a todo o povo venezuelano gratuitamente durante a crise sanitária.

    “Há um reconhecimento do risco para a saúde, uma responsabilidade do governo Venezuela em atender de uma forma direta os infectados, e também tomar medidas preventivas, isso em um momento quando a Venezuela vive a agressão direta do imperialismo dos estados unidos e de seus aliados europeus. Isso é um crime contra os venezuelanos. Isso já não tem nada a ver com as diferenças políticas e ideológicas. É um direito de cada povo receber nesse momento da pandemia os produtos necessários a nível de medicina e a nível da vida”, afirma Carolus, lembrando que o bloqueio econômico durante a pandemia foi criticado inclusive pela subsecretária geral das Nações Unidas (ONU) para Assuntos Políticos e de Construção da Paz, Rosemary DiCarlo.

    Cooperação Internacional

    Apesar de países como os Estados Unidos, Inglaterra e França insistirem em não cumprirem as ordens da ONU em defesa dos direitos humanos, o presidente do COSI Venezuela destaca em sua fala a contrapartida de cooperação internacional de países como Rússia, Irã, China e outros países. “Há dois dias chegou o sexto avião da China cheio de produtos com medicamentos e materiais para hospitais”, conta Wimmer.

    Os Estados Unidos têm apertado o bloqueio econômico, imposto desde 2013, ameaçando sanções a embarcações ligadas ao comércio do petróleo na Venezuela, dessa forma, atacando o coração da economia venezuelana.

    “Os EUA têm interesse nos recursos naturais da Venezuela, no petróleo, no gás, nos recursos minerais, na biodiversidade, na reserva de água doce, porque o capitalismo está em crise, querem se salvar roubando os recursos de outros países, especialmente dos países da América do Sul e da África.”, ressalta Carolus.

    “Venezuela pode comprar as coisas, não precisamos de presentes, mas com esse bloqueio naval e o sistema jurídico mundial é um juiz, os EUA castigam empresas de outros países que fazem negócios com Venezuela”, denuncia a liderança do COSI Venezula.

    Wimmer explica no vídeo que não basta ter petróleo no território, é necessária tecnologia moderna, maquinaria e produtos químicos para fazer com que o óleo mineral natural chega às bombas como combustível. “Normalmente, qualquer país importa produtos, isso é como funciona a economia do petróleo, mas ao ter o bloqueio total dos EUA, não podemos importar nada. Naturalmente, temos o colapso das refinarias”, explica.

    Para ajudar na crise vivida pela Venezuela, no início do mês de Junho, o Irã enviou cinco petroleiros iranianos carregados de combustíveis para satisfazer a demanda interna da Venezuela. Um total de 1,53 milhão de barris de gasolina e outros hidrocarbonetos. Todos os petroleiros foram escoltados pela Marinha e Força Aérea da Venezuela após entrarem nas águas territoriais venezuelanas, já que os EUA ameaçaram usar força para impedir a chegada dos navios aos portos da Venezuela.

    Carolus alerta para essa tentativa de impedir a entrada de petroleiros nos portos venezuelanos gera um risco de conflito bélico a nível mundial, já que China, Irã e Rússia também estão envolvidos e posicionam ao lado da Venezuela.

    Contudo, a chegada dos petroleiros no país da revolução bolivariana está sendo fundamental para resolver muitos problemas cotidianos que tem surgido depois das sanções impostas pelos EUA, como a fome, já que a gasolina é fundamental para a produção agrícola.

    “Somos muito otimistas, mas também muito vigilantes, o povo venezuelanos e a classe trabalhadora precisa ser vigilante, porque há fatores negativos do Estado como corrupção, burocracia e ineficiência, temos inimigos externos e internos, onde está a contra-revolução, operada pela oposição venezuelana”, destaca Wimmer.

     

    Assista na íntegra o Boletim Semanal Venezuela, que foi ao ar na última quinta-feira (11/06), conduzido pelas jornalistas Clara Luiza Domingos e Martha Raquel:

     

  • Protestos se intensificam contra o assassinato de George Floyd

    Protestos se intensificam contra o assassinato de George Floyd

    Em Miami, Florida, os protestos contra o assassinato de George Floyd por policiais em Minneapolis, estado de Minnesota, continuaram neste fim de semana. Milhares de pessoas sairam às ruas no centro da cidade. Em Coral Gables, periferia de Miami, policiais também participaram dos protestos, se ajoelhando e rezando junto a manifestantes. Brancos e negros carregavam cartazes e gritavam palavras de ordem se levantando contra o racismo e o genocídio negro.

    Coral Gables
    Policiais se unem a protestos

    Coral Gables
    Policiais se unem a protestos

    No sábado e domingo, grandes protestos aconteceram nas ruas de Nova York, Filadélfia, Dallas, Las Vegas, Seattle, Des Moines, Memphis, Los Angeles, Atlanta, Portland, Chicago e Washington D.C, além de Miami.

     

    Camila Quaresma, ambientalista brasileira radicada em Miami há mais de 20 anos, faz um relato sobre a manifestação:

     

    “Se não existe movimentação, nada muda. Assim foi a organização de todos os protestos nos Estados Unidos. Ontem, em Miami, a mensagem era única entre participantes de diferentes cores, crenças, raças e idades: “Enough is enough!”, algo como “Chega!”, “Basta!”, “Passaram dos limites!”.

     

    O que aconteceu com George Floyd foi assassinato. Ponto. E não foi o primeiro… São muitos exemplos: Breonna Taylor, Ahmaud Arbery, Tamir Rice, Trayvon Martin, Oscar Grant, Eric Garner, Philandro Castile, Samuel Dubose, Sandra Bland, Walter Scott, Terence Crutcher… Até quando os negros não se sentirão seguros por serem negros? Até quando a cor da pele, ou as diferenças entre culturas justificam racismo? “Enough is enough.”

    Acho que o mais importante de tudo é continuar a ecoar  essa mensagem tão importante, e com isso, pressionar por mudanças mais drásticas não só no treinamento policial, mas também nas consequências a policiais que não cumprem com seu próprio dever.

     

    Importantíssimo que isso não seja esquecido com as distrações do vandalismo que aconteceu depois. Está errado, mas também não podemos esquecer que tal vandalismo vem de várias fontes: pessoas que querem que a mensagem não seja esquecida, ou pessoas que querem ser ouvidas mas a raiva da injustiça é tao grande que não conseguem gritar, pois o grito está preso na garganta. Errado, mas o buraco é mais embaixo.

     

    Enquanto isso, eu foco na lembrança do arrepio que senti na espinha ao estar cercada de tanta gente diferente com uma energia tão unificada em conquistar o bem. Das centenas de pessoas que estavam comigo na tarde de ontem, brancos, negros, latinos, e tantas outras raças e culturas que dão o significado tão maravilhoso de se viver em Miami: vamos voltar às ruas, gritar mais alto, lutar pelo que é nosso direito e tentar assim, fazer a diferença!

    Protestos em Miami

    Fotos de Coral Gables: @SJPeace/Twitter

    Fotos de Miami: Camila Quaresma

  • Noam Chomsky: Os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição

    Noam Chomsky: Os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição

    Para o filósofo e linguista Noam Chomsky, a primeira grande lição da atual pandemia é que estamos diante de “outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo”, que no caso dos Estados Unidos está agravado pela natureza dos “bufões sociopatas que dirigem o governo” liderado por Donald Trump.

    De sua casa em Tucson (Arizona) e longe de seu gabinete no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), desde que transformou para sempre o campo da linguística, Noam Chomsky repassa em uma entrevista com “Efe” as consequências de um vírus que deixa claro que os governos estão sendo “o problema e não a solução”.

    Que lições positivas podemos extrair da pandemia?

    A primeira lição é que estamos diante de outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo. Se não aprendemos isso, a próxima vez que acontecer algo parecido vai ser pior. É óbvio após o que ocorreu depois da epidemia do SARS em 2003. Os cientistas sabiam que viriam outras pandemias, provavelmente da variedade do coronavírus. Teria sido possível se preparar naquele ponto e abordá-lo como se faz com a gripe. Mas não se fez.

    As empresas farmacêuticas tinham recursos e são milionárias, mas não o fazem porque os mercados dizem que não há lucros em se preparar para uma catástrofe virando a esquina. E depois vem o martelo neoliberal. Os governos não podem fazer nada. Estão sendo o problema e não a solução.

    Estados Unidos é uma catástrofe pela jogada que fazem em Washington. Sabem como culpar todo mundo exceto a eles mesmos, apesar de serem os responsáveis. Somos agora o epicentro, em um país que é tão disfuncional que nem sequer pode prover de informação sobre a infecção à Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Qual sua opinião do gerenciamento da administração Trump?

    A maneira como isto se desenvolveu é surreal. Em fevereiro a pandemia estava já fazendo estragos, todo mundo nos Estados Unidos o reconhecia. Justo em fevereiro, Trump apresenta alguns orçamentos que vale a pena olhar. Cortes no Centro de Prevenção e Controle de Doenças e em outras partes relacionadas com a saúde. Fez cortes no meio de uma pandemia e incrementou o financiamento das indústrias de energia fóssil, a despesa militar, o famoso muro…

    Tudo isso diz algo da natureza dos bufões sociopatas que administram o Governo e porque o país está sofrendo. Agora buscam desesperadamente culpar alguém. Culpam a China, a OMS… e o que têm feito com a OMS é realmente criminoso. Deixar de financiá-la? Que significa isso? A OMS trabalha em todo mundo, principalmente em países pobres, com temas relacionados com a diarreia, a maternidade… Então que estão dizendo? “Ok, matemos um montão de gente no sul porque talvez isso nos ajude com nossas perspectivas eleitorais”. Isso é um mundo de sociopatas.

    Trump começou negando a crise, disse inclusive que era um boato democrata… Pode ser esta a primeira vez que os fatos venceram Trump ?

    A Trump há que lhe conceder um mérito… É provavelmente o homem mais seguro de si mesmo que já existiu. É capaz de sustentar um cartaz que diz “amo vocês, sou seu salvador, confiem em mim porque trabalho dia e noite para vocês” e com a outra mão te apunhalar pelas costas. É assim que se relaciona com seus eleitores, que o adoram independentemente do que faça. E recebe ajuda por um fenômeno mediático formado por Fox News, Rush Limbaugh, Breitbart… que são os únicos meios que assistem os republicanos.

    Se Trump diz em um dia “é só uma gripe, esqueçam dela”, eles dirão que sim, que é uma gripe e que há que se esquecer. Se no dia seguinte diz que é uma pandemia terrível e que ele foi o primeiro a se dar conta, gritarão em uníssono e dirão que ele é a melhor pessoa da história.

    Ao mesmo tempo, ele mesmo olha Fox News pelas manhãs e decide o que supõe que tem que dizer. É um fenômeno espantoso. Rupert Murdoch, Limbaugh e os sociopatas da Casa Branca estão levando o país à destruição.

    Pode esta pandemia mudar a maneira com que nos relacionamos com a natureza?

    Isso depende dos jovens. Depende de como a população mundial reaja. Isto nos poderia levar a estados altamente autoritários e repressivos que expandam o manual neoliberal inclusive mais que agora. Recorde: a classe capitalista não cede. Pedem mais financiamento para os combustíveis fósseis, destroem as regulações que oferecem alguma proteção… No meio da pandemia nos Estados Unidos, eliminaram normas que restringiam a emissão de mercúrio e outros contaminantes… Isso significa matar mais crianças estadunidenses, destruir o meio ambiente. Não param. E se não há contraforças, é o mundo que nos sobrará.

    Como fica o mapa de poder em termos geopolíticos depois da pandemia?

    O que está acontecendo a nível internacional é bastante chocante. Isso que chamam de União Europeia. Escutamos a palavra “união”. Ok, veja a Alemanha, que está gerenciando a crise muito bem… Na Itália, a crise é aguda… Estão recebendo ajuda da Alemanha? Felizmente estão recebendo ajuda, mas de uma “superpotência” como Cuba, que está mandando médicos. Ou chinesa, que envia material e ajuda. Mas não recebem assistência dos países ricos da União Europeia. Isso diz algo…

    O único país que tem demonstrado um internacionalismo genuíno tem sido Cuba, que tem estado sempre sob estrangulamento econômico por parte dos EE.UU. e por algum milagre têm sobrevivido para seguir mostrando ao mundo o que é o internacionalismo.

    Noam Chomsky

    Mas isto não se pode dizer nos Estados Unidos porque o que tens de fazer é culpar Cuba de violações dos direitos humanos. De fato, as piores violações de direitos humanos têm lugar ao sudeste de Cuba, em um lugar chamado Guantánamo que Estados Unidos tomou à ponta de pistola e se nega a devolver.

    Uma pessoa educada e obediente supõe-se que tem que culpar a China, invocar o “perigo amarelo” e dizer que os chineses vêm nos destruir, nós somos maravilhosos.

    Há um chamamento ao internacionalismo progressista com a coalizão que Bernie Sanders começou nos Estados Unidos ou Varoufakis em Europa. Trazem elementos progressistas para contrarrestar o movimento reacionário que se forjou da Casa Branca (…) da mão de estados brutais do Oriente Médio, Israel (…) ou com gente como Orban ou Salvini, cujo desfrute na vida é se assegurar de que as pessoas que fogem desesperadamente da África se afoguem no Mediterrâneo.

    Coloque todo esse “reacionarismo” internacional de um lado e a pergunta é… serão contestados? Eu só vejo esperança no que Bernie Sanders tem construído.

    Que tem perdido…

    Diz-se comumente que a campanha de Sanders foi um fracasso. Mas isso é um erro total. Tem sido um enorme sucesso. Sanders tem conseguido mudar o âmbito da discussão e a política, e coisas muito importantes que não podiam ser mencionados há alguns anos e que agora estão no centro da discussão, como o Green New Deal, essencial para a sobrevivência.

    Não lhe financiaram os ricos, não tem tido apoio dos meios… O aparelho do partido teve que manipular para evitar que ganhasse a indicação. Da mesma maneira que no Reino Unido o ala direita do Partido Trabalhista destruiu Corbyn, que estava democratizando o partido de uma maneira que não podiam suportar.

    Estavam dispostos até a perder as eleições. Temos visto muito disso enos Estados Unidos, mas o movimento permanece. É popular. Está crescendo, são novos… Há movimentos comparáveis na Europa, podem marcar a diferença.

    Que acha que passará com a globalização tal e qual a conhecemos?

    Não há nada de mal com a globalização. É bom viajar à Espanha, por exemplo. A pergunta é: que forma de globalização? A que se desenvolveu tem sido sob o neoliberalismo. É a que se tem desenhado. Tem enriquecido os mais ricos e existe um enorme poder em mãos de corporações e monopólios. Também tem levado a uma forma muito frágil de economia, baseada em um modelo de negócio da eficiência, fazendo as coisas ao menor custo possível. Esse raciocínio leva a que os hospitais não tenham certas coisas porque não são eficientes, por exemplo.

    Agora o frágil sistema construído está colapsando porque não pode lidar com algo que tem saído mal. Quando desenhas um sistema frágil e centralizas a produção em um só lugar como a China… Olha a Apple. Fatura enormes lucros e poucos ficam na China ou em Taiwan. A maior parte de seu negócio vai para onde provavelmente têm localizado um escritório do tamanho de meu estúdio, na Irlanda, para pagar poucos impostos em um paraíso fiscal.

    Como é que podem esconder dinheiro em paraísos fiscais? Isso faz parte da lei natural? Não. De fato nos Estados Unidos até Reagan, era ilegal. Assim como as compras de ações. (…) Eram necessárias? Reagan legalizou.

    Tudo foi projetado, são decisões… que têm consequências que vemos ao longo dos anos e uma das razões que se encontra é o mal chamado “populismo”. Muita gente estava enfadada, ressentida e odiava o governo de forma justificada. Isso tem sido um terreno fértil para demagogos que podiam dizer: sou teu salvador e os imigrantes isso e aquilo, etc.

    Acha que, depois da pandemia, os Estados Unidos estarão mais perto de uma previdência universal e gratuita?

    É muito interessante ver essa discussão. Os programas de Sanders, por exemplo, previdência universal, taxas universitárias gratuitas… Criticam-no em todo o espectro ideológico. As críticas mais interessantes vêm da esquerda. Os colunistas mais liberais do New York Times, CNN e todos eles… Dizem que são boas ideias, mas não para os estadunidenses.

    A previdência universal está em todas as partes. Em toda Europa de uma forma ou de outra. Em países pobres como Brasil, México… E a educação universitária gratuita? Em todas as partes… Finlândia, Alemanha, México… em todos os lados. De modo que o que dizem os críticos na esquerda é que Estados Unidos é uma sociedade tão atrasada que não pode ser colocado à altura do resto do mundo. E isso diz bastante da natureza, da cultura e da sociedade.

    Tradução: Comitê Carioca de Solidariedade a Cuba

    Foto: Apu Gomez

    Texto original: http://www.cubadebate.cu/especiales/2020/04/22/noam-chomsky-el-unico-pais-que-ha-demostrado-un-internacionalismo-genuino-ha-sido-cuba/#.XqH1_mZKh0w

    Cuba Salva Bloqueio Mata

  • EUA deportaram 780 brasileiros em sete meses

    EUA deportaram 780 brasileiros em sete meses

     

     

     

    O 14º voo trazendo brasileiros deportados dos Estados Unidos chegou nessa sexta-feira, 24, no Aeroporto Internacional de Confins, na Grande Belo Horizonte. Desta vez desembarcaram 85 pessoas.  Desde outubro, foram repatriados 780 brasileiros que tentaram entrar nos EUA clandestinamente usando a fronteira com o México, a maioria de Minas Gerais.

    O desembarque foi monitorado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) devido à pandemia do novo coronavírus. Segundo a BH Airport, ainda não houve nenhum passageiro sintomático em voos com deportados. Os Estados Unidos registram cerca de 50 mil mortes provocadas pela covid-19, liderando o ranking entre os países que lutam contra a doença.

    Vários brasileiros que vieram dos EUA em outros voos relataram maus-tratos, segundo o site G1. Muitos passam fome durante a prisão. Homens, mulheres e crianças, de vários estados do país, desembarcam apenas com a roupa do corpo, documentos e o que sobrou do dinheiro que levaram.

    Um casal de Guanhães, no Vale do Rio Doce, Leste de Minas, com cerca de 35 mil habitantes, vendeu a geladeira, o fogão, o sofá e até a cama. Semanas depois, o homem, a mulher e o filho de três anos estavam presos em um centro de detenção nos Estados Unidos. “A gente morava de aluguel, tinha muita dívida e decidimos tentar vida nova nos Estados Unidos, a exemplo de muita gente da minha região”, disse a mulher que preferiu se identificar apenas como Lidiana. “Ficamos 22 dias presos e meu filho passou fome. A gente só comia burrito (uma iguaria mexicana) e carne de soja. Foi muito sofrimento”.

    Sua família foi detida após atravessar um rio em Juarez, no México, fronteira com os Estados Unidos. “Me arrependo demais de ter ido pra lá. Vendemos todas as nossas coisas e voltamos só com a roupa do corpo”, contou Lidiana.

    Em outubro de 2019 o governo Bolsonaro alterou a política de trato de brasileiros nos EUA e a chegada do primeiro voo com deportados marcou a retomada de uma medida que não era aceita pelo Brasil desde 2006.

     

     

     

  • Belluzzo: governo “tem medo de romper a bolha ideológica em que se manteve por muito tempo”

    Belluzzo: governo “tem medo de romper a bolha ideológica em que se manteve por muito tempo”

    A repórter dos Jornalistas Livres Kátia Passos conversou com o economista e professor titular do Instituto de Economia da Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo no dia 28 de março sobre a situação econômica do país na crise do coronavírus, as relações com os grandes empregadores e a necropolítica de Bolsonaro.

    Belluzzo foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (1985-1987) e de Ciência e Tecnologia de São Paulo (1988-1990), formado em Direito e Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP) e doutor em economia pela Unicamp, também fundou a Facamp e é conselheiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

    Para ele, estamos vivendo uma situação de “ruptura dos nexos mercantis”, que seria quando os circuitos de produção, fornecimento e circulação dos processos econômicos são interrompidos. Diferentemente de uma depressão econômica, quando ocorre desemprego, temos as ligações entre empresas, pessoas e outras empresas interrompida pela necessidade da quarentena que tem sido praticada em todo o mundo. 

    A solução, para Belluzzo, adotada pelos países deveria ser semelhante às adotadas nas circunstâncias das duas grandes guerras mundiais: em massa e planejada, uma vez que “estamos em uma economia de guerra em que o inimigo está espalhado entre nós e não sabemos bem avaliar, apesar do esforço dos cientistas e da saúde, os economistas estão devagar e avaliando muito mal isso. E na verdade isso exige uma ação maciça e intensa do Estado e ao mesmo tempo planejamento”. Intervir na economia com um plano de ação que envolva empresários e trabalhadores de cada setor e organizar as retomadas produtivas, de forma progressiva, para organizar o sistema é sugestão a de Belluzzo

    Preservar vidas e economia não são opostos para o professor, que  traça um paralelo com a guerra, no qual a organização dos setores  deve ser feita na forma de uma convocação do exército, que alinhe as pessoas capazes de garantir os fluxos de serviços e priorizar a saúde, por meio da construção de leitos e conversão de linhas produtivas para montar equipamentos. Garantir a renda de quem está em casa também deve ser prioridade, mesmo que alguns critiquem os efeitos na dívida pública “nos Estados Unidos, na segunda guerra, a dívida pública chegou a  152% do PIB. Foi um chute enorme, e daí? E daí nada”.

    A forma como o governo brasileiro tem lidado com a crise também foi criticada pela falta de informações claras, a lentidão na garantia das rendas e falta de organização econômica. Segundo Belluzzo o governo Bolsonaro tem “medo de negar aquilo que eles falaram o tempo inteiro: que o Estado não tem importância, que o Estado só atrapalha. Tem medo de romper a bolha ideológica sobre a qual se mantiveram por muito tempo. E não é hora disso, de fazer ideologia”.

    Veja a entrevista