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Tag: estado de exceção

  • “Cabe aos acusados provarem inocência na Justiça”

    “Cabe aos acusados provarem inocência na Justiça”

    Polícia Civil do Rio de Janeiro, em inacreditável ato falho de hoje, admitiu com todas as letras que vivemos em um Estado de Exceção. Em tuíte de resposta a jornalista que questionava se os 159 presos durante a operação contra as milícias em um show na Zona Oeste do Rio faziam parte da estatística de milicianos presos desde de 2008, revelada pelo G1, a instituição declarou: “Os dados são referentes às prisões efetuadas pelas polícias e não sobre condenações na Justiça.[…] Cabe aos acusados provarem a inocência na Justiça, direito amplamente garantido pelo Estado Democrático de Direito”. Isso está ERRADO! A base do Estado Democrático de Direito, desde os romanos, apregoa que os acusadores é que devem provar a culpa dos acusados e não esses a sua inocência! Apenas nos regimes autoritários, ou seja, em um Estado de Exceção, é que os acusados têm de provar sua inocência.

    Mas, infelizmente, isso é o que tem acontecido no Brasil desde o julgamento do chamado Mensalão, em que a ministra Rosa Weber, na época assessorada pelo juiz Sérgio Moro, com base na teoria do ‘domínio de fato’, levantada pelo então ministro e atual talvez pré-candidato a presidente da República Joaquim Barbosa (nunca usada antes nem depois no Judiciário brasileiro, portanto, ela própria de exceção) condenou o ex-ministro José Dirceu mesmo admitindo que não existiam provas cabais “porque a literatura jurídica me permite”. O caso de Rafael Braga, preso em 2014, portando, uma garrafa de desinfetante mas qualificada pela polícia como “material com potencial explosivo” é mais um exemplo. A surreal condenação de Lula por ter um apartamento “atribuído” a ele é outro, ainda que os advogados tenham provado a propriedade e o uso do imóvel, como garantia de dívidas com bancos, pela construtora.

    Seis horas depois da mensagem original, vendo sua divulgação nos portais e redes sociais, a Assessoria de Imprensa da Polícia Civil do Rio de Janeiro emitiu nota pedindo desculpas pelo “equívoco”, e afirmou que o conteúdo da mensagem “não representa o posicionamento da PCERJ, foi publicado sem a autorização da mesma” e apagou o tuíte original.

    A operação contra as milícias no Rio de Janeiro, que resultou nas prisões citadas está cheia de falhas. Mas as autoridades, há mais de duas semanas, se recusam a rever as injustiças cometidas e apenas um detido conseguiu até agora um habeas corpus para “responder ao processo em liberdade”. Todos os demais seguem no presídio de Bangu 9, para desespero das famílias. Para mais informações sobre esse caso, acesse as reportagens dos Jornalistas Livres em https://jornalistaslivres.org/2018/04/milicia-e-show-de-injusticas/https://jornalistaslivres.org/2018/04/nao-foi-operacao-medusa-foi-operacao-medonha/ 

  • PF tenta incriminar reitor suicidado para justificar suas barbaridades. UFSC apanha calada

    PF tenta incriminar reitor suicidado para justificar suas barbaridades. UFSC apanha calada

    Intimidada e aterrorizada pelos abusos de poder que se sucederam à prisão, banimento e consequente suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, a Universidade Federal de Santa Catarina não consegue reagir aos ataques da Polícia Federal e Corregedoria Geral da União tentando produzir provas para incriminar o reitor morto. Professores continuam banidos da universidade e a reputação do reitor continua sendo achincalhada pelas forças de repressão, sem que haja uma contraofensiva à altura. A recente exoneração do pivô da operação “Ouvidos Moucos”, o corregedor Rodolfo Hickel do Prado, assinada pelo reitor pro tempore Ubaldo Balthazar e referendada pelo Conselho Universitário, chegou tarde. Protestos de grupos, como o Floripa Contra o Estado de Exceção, não se transformam em ações criminais concretas por abuso de poder.

    Esse quadro de letargia é apresentado pelo jornalista Marcelo Auler, em longo trabalho de investigação reproduzido aqui com textos, fotos e imagens publicados no seu blog e site. Na parte mais incisiva da reportagem, o desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade afirma que a universidade teria documentos, argumentos e razões de sobra para entrar com ação criminal contra o Estado pelo banimento do reitor e pela violação dos seus direitos jurídicos constitucionais: “Provas contra o Cancellier, só se eles inventarem. É até humano que agora eles tentem apresentar provas para justificar a bobagem que fizeram“, afirma o desembargador ao jornalista. (Raquel Wandelli)

    UFSC, na defensiva, apanha calada

    Por Marcelo Auler (http://marceloauler.com.br/ufsc-na-defensiva-apanha-calada/)

    No próximo dia 26, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),  alvo de uma operação policial em 14 de setembro que acabou provocando o suicídio do seu então reitor,  Luis Carlos Cancellier de Olivo (Cau, entre os amigos), começará seu período letivo de 2018. Terá ainda quatro de seus docentes impedidos de ingressar no Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima – Florianópolis. Impedimento gerado por um pedido da Polícia Federal na “Operação Ouvidos Moucos” e concedido pela juíza Janaina Cassol Machado, da 1ª Vara Federal de Florianópolis, após a concordância do procurador da República André Bertuol.

    Os quatro, assim como outros dois servidores, são alvos no Inquérito Policial 5018469-32.2016.4.04.7200, ajuizado naquela Vara Federal. A investigação, cinco meses após a Operação, não teve até agora indiciamentos. Tampouco apresentou em público – como ocorreu com as acusações formuladas na coletiva no dia em que a Operação foi deflagrada – algum relatório que comprove os possíveis crimes apontados: desvio de verbas, através do pagamento de bolsas indevidas, inclusive a pessoas sem vínculos com a UFSC, despesas indevidas com viagens e o aluguel de carros a preços superfaturados. Tudo girando em torno dos cursos do Ensino a Distância (EaD).

    Desembargador Lédio Rosa: “Provas contra o Cancelier só se eles inventarem”. Foto: reprodução do Youtube

    A mais pesada, porém, foi a acusação de que o então reitor, Cancellier, tentava obstruir a apuração interna na UFSC. Motivo da sua prisão vexatória, do seu banimento do campus e, consequentemente, do seu suicídio, no dia 2 de outubro, humilhado e arrasado. No bolso o bilhete (veja na ilustração) que explicava a decisão de dar fim à vida jogando-se do 7º pavimento do Beiramar Shopping, em Florianópolis.

    Foi, na definição de Nilson Lage, professor aposentado da UFRJ e ex-professor da UFSC, um “show de boçalidade sem pé nem cabeça, encenado por dezenas de rapazes fantasiados com  balaclavas e portando armas automáticas para prender espantadíssimos professores em pacífico centro acadêmico – sem aviso prévio ou convite para depor“.

    Algo totalmente inusitado, por piores que tenham sido os “crimes” cometidos ali dentro. Não se tratava de um bando de marginais perigosos a merecer o tratamento dispensado pelas polícias a grupos armados.

    Oficialmente nada se sabe sobre o andar da “investigação” que parece longe de ser concluída. Em janeiro, a delegada Erika Mialik Marena, responsável pelo caso e que poderá deixá-lo se realmente for promovida a superintendente do Departamento de Polícia Federal (DPF) em Sergipe, pediu prorrogação de prazo para continuar as investigações.

    Neste sábado, 10/02, reportagem da Folha de S. Paulo – Mensagens indicam que reitor da UFSC foi avisado de operação sigilosa da PF – insinua que o reitor tinha sido avisado da Operação quatro meses antes, através de mensagens que recebeu em 2 de maio e 8 de julho.

    Uma informação que se choca com a própria decisão da juíza Janaína. Como noticiamos em 15 de outubro na reportagem Suicídio do reitor: “Agora, é claro, não aparecerá responsável”., ela admitiu ter demorado 50 dias para autorizar os pedidos da delegada Erika. Tal autorização só ocorreu em 28 de agosto passado.

    A delegada, por sua vez, demorou mais 16 dias para deflagrar a Operação Ouvidos Moucos, o que fez em 14 de setembro. Logo, nas datas anunciadas pelo jornal o pedido da Polícia Federal nem tinha chegado ainda ao juízo. Foi protocolado em 10 de julho. Dependia de uma manifestação do Ministério Público Federal (MPF).

    Ou seja, não havia operação definida. Apenas um manifestação pela sua realização, ajuizada dois dias depois da última mensagem recebida por Cancellier. Mensagem esta que, como se verá adiante, não versava sobre a Operação em si.

    O Blog, ao estar em Florianópolis (SC), em 18 de janeiro, solicitou ao juízo da 1ª Vara Federal vista do Inquérito. Pretendia checar datas e obter detalhes da investigação. O pedido, porém, foi negado. A resposta nos chegou após o retorno da viagem.

    A informação divulgada pela Folha neste sábado, porém, pode se encaixar no que previu o desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Lédio Rosa de Andrade, professor da UFSC e amigo de Cancellier.

    Ao conversar com o Blog na mesma semana de janeiro que estivemos em Florianópolis, ele admitiu que depois da desastrada operação policial se tentaria justificá-la buscando indícios contra o reitor:

    Provas contra o Cancellier, só se eles inventarem. É até humano que agora eles tentem apresentar provas para justificar a bobagem que fizeram“.

    O curioso é que desde que a “Operação Ouvidos Moucos” foi deflagrada, em setembro, a UFSC quedou-se em silêncio. Suas manifestações limitaram-se à divulgação de duas Notas Oficiais no dia da Operação – veja aqui e aqui -, nas quais, em momento algum protestou contra a ação da polícia em si e as prisões, incluindo a do reitor.

    Tampouco a reitoria ou qualquer dos Centros de Ensino (Faculdades) se preocupou em vir a público esclarecer as acusações que pesam sobre as despesas nos cursos de Ensino a Distância (EaD). Calou-se, por exemplo, quando a Polícia Federal, erroneamente, divulgou como valor do desvio R$ 80 milhões quando, na verdade, isto se refere ao gasto em Educação a Distância (EaD) em todo o país.

    Talvez ninguém possa afirmar que não tenham ocorrido desvios ou que algum dos servidores da UFSC não tenha responsabilidade nos casos descritos. Afinal, o próprio conceito de “desvio” é relativizado pelo excesso de rigor contábil da administração pública. Não raro funciona o “jeitinho brasileiro” com medidas não ortodoxas nas prestações de contas, que possam ser consideradas erros contábeis. Nem sempre, porém, correspondem a desvios ou “ganhos pessoais”.

    Trechos do relatório inicial da Polícia Federal que fala de gastos dirigidos com alugueis de carro. (Foto editada)

    No caso da UFSC, segundo dados do próprio relatório da PF, os repasses federais para o Ensino a Distância (EaD), entre dezembro de 2008 e agosto de 2014, somaram R$ 8.526.080,00. Atualizados para 2017, significavam R$ 11.927.422,20.

    Os R$ 8,5 milhões, porém, segundo o relatório policial, atingiram R$ 10.226.880,76 ao se acrescentar valores repassados pelo contrato 331/2009, de setembro de 2009 – R$ 1.700.800,76 -, que não estariam contabilizados nas informações da UFSC à Controladoria Geral da União (CGU).

    O que se depreende destas informações é que todos os contratos foram assinados em gestões anteriores ao do reitor Cancellier.

    Há, no entanto, acusações pesadas contra a Universidade e a Fundação de Amparo a Pesquisa e Extensão Universitária – FAPEU como os gastos superfaturados e/ou indevidos, segundo relatório da Polícia Federal, dirigidos a determinados grupos de empresas, na contratações de viagens para professores, dentro do Programa de EaD. Nenhuma das acusações mereceu explicações públicas por parte da reitoria.

    No relatório da PF aparecem possíveis “laranjas” como recebedores de bolsas que na verdade existem e realmente tutoraram turmas do EaD

    Da mesma forma no ponto em que fala sobre alugueis de carros, com motoristas, usados na condução de professores para ministrar os cursos em outros municípios. Segundo os dados apresentados pela Polícia Federal, com base nas informações prestadas pela Corregedoria Geral da União, as contratações teriam sido direcionadas para beneficiar grupos de empresas ligadas entre si. A principal delas seria a S.A Tour Viagens e Turismo Ltda., de propriedade de Murilo da Costa Silva.

    Fatos que poderiam ser devidamente esclarecidos. Mas a UFSC e a FAPEU se mantiveram silenciosas, sem quaisquer explicações sobre tais despesas. Alegaram em determinados momentos o sigilo do processo. Esqueceram que se a investigação é sigilosa, as denúncias foram tornadas públicas, em vários oportunidades e lançaram dúvidas sobre a gestão pública na Universidade.

    Discriminação ao carteiro e à armazenista

    Também não vieram a público explicar outra denúncia, aparentemente, infundada. Relaciona-se aos pagamentos de bolsas a pessoas que teriam funcionado como tutores das turmas do EaD, em especial no interior dos estados do Sul.

    O relatório da polícia, que se embasou nas informações da CGU, destaca “o fato de haver indícios de que muitos bolsistas indicados pela UFSC para atuarem como tutores podem não preencher os critérios estabelecidos pela legislação para percepção de bolsa no âmbito da UAB. São beneficiários para os quais, após consulta na base da RAIS (período de abrangência da consulta: 01/01/2004 a 31/12/2015), não se identifica experiência formal no magistério (ensino básico ou superior)”.

    O relatório conclui:

    “Há, inclusive, casos de beneficiários de bolsas para os quais a última ocupação registrada na base RAIS (exercício 2015) aparenta ser incompatível à função de tutor, tais como: “carteiro”, “motorista de carro de passeio”, “atendente de agência”, “operador de telemarketing técnico” e “digitador”.”

    RAIS é a Relação Anual de Informações Sociais mantida nos arquivos do Ministério da Previdência. Ela contém dados de todo o cidadão que um dia teve carteira de trabalho assinada ou foi servidor público. Os registros de trabalho são atualizados anualmente com as informações repassadas pelas empresas e órgãos governamentais. Mas, ali, normalmente constam profissões ou funções que foram exercidas quando de um primeiro contrato. Estas, nem sempre são atualizadas.

    De fato, como se comprova na relação de nomes, nas informações que a PF colheu do RAIS há diversos tipos profissionais entre as pessoas contratados como tutores. Porém, se a CGU e/ou a PF os procurasse(m) antes de realizar a Operação Ouvido Moucos, poderia(m) encontrar explicações razoáveis. O Blog conversou, por telefone, com duas destas pessoas.

    Elimar André Camargo Drey, gaúcho de 46 anos, aparece na lista de tutores. No RAIS estava empregado na Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) como carteiro. Profissão que realmente exerceu em Carazinho, no Oeste do Rio Grande do Sul, até outubro de 2017. Já trabalhou também, entre 1991 e 1995, na Brigada Militar gaúcha.

    Mas foi com base na sua formação universitária e na pós-graduação em ciências contábeis que se inscreveu no Edital publicado pela FAPEU, conquistando uma vaga de “tutor”. Exerceu esta atividade entre 2010 e 2015. Neste último ano faturou R$ 9.180,00.

    Somente depois da Operação Ouvidos Moucos realizada é que ele foi chamado à Polícia Federal de Passo Fundos (RS) para ser ouvido. Explicou que na época em que se candidatou o edital exigia a graduação e pós-graduação. Não havia a condição de experiência como professor, como parece constar atualmente, conforme se depreende do relatório da PF. A formação exigida ele a tem, em Ciências Contábeis, pela Uninter – Centro Universitário Internacional, uma faculdade com cursos a distância, sediada em Curitiba (PR).

    Trabalhei durante cinco anos naquilo que a minha formação admitia. A turma se formou e o curso acabou também. A Universidade não deu mais este curso“, explicou ao Blog.

    No link da turma de Ciências Contábeis cuja formatura será dia 22 de fevereiro, a homenagem à “armazenista”, na definição da Polícia Federal.

    O valor de sua bolsa era de R$ 765 mensais. Por 12 meses, portanto, equivalia aos R$ 9.180 apontados no relatório da CGU e da Polícia como possível pagamento indevido.

    Em uma visita à sua página de Facebook facilmente se encontra fotos de uma das turmas que tutorou. Ele, porém, não permitiu a republicação sem a devida autorização dos alunos.

    Em igual situação se encontra Daiana Mattos da Silva, 38 anos, gaúcha de Sapucaia do Sul, que o relatório da Polícia Federal, tendo por base apenas o RAIS, aponta como “armazenista”. Profissão certamente relacionada a algum trabalho no passado, já que seu primeiro emprego foi aos 20 anos.

    Formada em Ciências Contábeis, com pós-graduação na mesma cadeira, ela hoje mantém um escritório de contabilidade em Sapucaia do Sul (RS). Ali, tutorou turmas do EaD, em 2017, no curso mantido pela UFSC . Por estes cursos da Universidade Aberta, segundo dados da própria prefeitura da cidade, passaram mais de 1.280 moradores do município, de 2008 até o ano passado.

    A turma onde Daiana ministra aulas continuava em atividade no ano passado. A formatura está marcada para o próximo dia 22 como se confere na página criada pelos formandos. No convite consta que Diana, a “armazenista”, na definição da Polícia Federal, é um das mestras homenageada como “tutora presencial”.

    Tal como aconteceu com o “carteiro”, a “armazenista” – nas definições que Polícia Federal usou com base em registros antigos – preencheu os requisitos do edital para tutores. Ficou na quarta posição, graças à pós-graduação. Foi chamada quando os três colocados à sua frente não puderam realizar o trabalho. Mais uma vez, não houve pagamentos indevidos.

    São apenas dois exemplos de uma lista de 140 nomes. Não significa que entre os demais não possa haver casos de “tutores” não devidamente capacitados, como diz a polícia. Mas os dois casos que o Blog conferiu demonstram que uma checagem anterior poderia mostrar aos “investigadores” que é possível sim “carteiros” e “armazenistas” estarem capacitados para tutorarem turmas, já que com formação para tal. Faltou, na verdade, investigação mais detalhada.

    Curioso é a UFSC manter-se silenciosa mesmo possuindo exemplo claros que lhe serviriam para rebater algumas das acusações feitas. São comentados apenas em conversas com jornalistas, quando deveriam ter sido expostos publicamente, demonstrando o equivoco – que alguns podem considerar má fé – dos investigadores.

    Divergências quanto ao “banimento”

    Um silêncio que se mantém, por exemplo, diante dos seus professores e servidores mantidos afastados do campus. Após cinco meses não foram apresentados quaisquer comprovação dos indícios iniciais de envolvimento nas irregularidades apontadas.

    Apesar disso, a UFSC, talvez por receio, não tomou nenhuma atitude para as suas reintegrações, mesmo estando prestes a iniciar um novo ano letivo. Eles permanecem “banidos”, como definiu o reitor no bilhete escrito antes de se matar. Mas, recebendo os salários. Um deles até tentou reverter esse quadro.

    O professor Eduardo Lobo buscou judicialmente sua reintegração ao corpo docente da UFSC. Inicialmente junto a 1ª Vara Federal de Florianópolis, em 26 de outubro. Diante da demora na apreciação do pedido, impetrou um Mandado de Segurança no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em 12 de dezembro. Este perdeu o objetivo quando a juíza Janaina Cassol Machado, em 18 de dezembro, rejeitou a reintegração.

    A defesa de Lobo recorreu então a um Habeas Corpus no TRF-4 – HC 5073060-73.2017.4.04.0000 – questionando, diversos pontos das acusações apresentadas no início da Operação, inclusive a denúncia feita pela professora Taísa Dias de que Lobo a pressionou. No HC, sua defesa questionou:

    “1. Qual o crime (classificação jurídica) específico pelo qual está sendo investigado o paciente? 

    2. Qual o fato definido como crime no ordenamento jurídico está contido no trecho extraído do depoimento de Taísa Dias? 

    3. Qual o elemento concreto que demonstra algum envolvimento de Eduardo Lobo com o fato objeto da investigação? 

    4. Qual a necessidade de se manter Eduardo Lobo afastado de suas funções? 

    5. O que se está acautelando neste momento, considerando que as diligências na UFSC já foram cumpridas em sua integralidade e não há informação de testemunhas sendo “intimadas” pelos investigados?”.

    Também alegou “constrangimento ilegal por excesso de prazo, pois todas as apreensões foram finalizadas em 13/10/2017, e decorridos mais de cem dias nenhuma diligência complementar foi requerida, o que acarreta ao paciente e sua família injusto e grave sofrimento de ordem psicológica e moral, acrescentando que a manutenção das cautelares causam, também, prejuízo a terceiros, especialmente alunos do mestrado e doutorado“.

    Ao negar a liminar em longo despacho, a desembargadora Salise Monteiro Sanchotene preferiu aguardar informações do juízo onde tramita o inquérito e a manifestação do MPF sobre o pedido, como expôs ao final da decisão:

    “(,,,) embora ponderáveis os argumentos da defesa, ausente ilegalidade na manutenção das cautelares impostas, reputo indispensável aguardar as informações a serem prestadas pela autoridade impetrada e o parecer do Ministério Público Federal, podendo o feito aguardar a breve solução de mérito a ser tomada em julgamento definitivo pelo Colegiado”

    Em socorro do pleito da defesa de Lobo surgiu uma manifestação do técnico da Secretaria de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU), Karlon Joel Fiorini. Como noticiou O Globo, na última terça-feira (06/02) – Parecer do TCU defende volta de professores da UFSC – após analisar todo o caso, Fiorini, em relatório anexado ao  processo 023.418/2017-6, sugeriu ao ministro Walton Alencar Rodrigues, relator do processo naquela corte de contas, o retorno dos afastados ao seus cargos.

    Segundo narra a reportagem, no documento o técnico argumenta não haver mais motivos administrativos para o afastamento dos professores, já que a auditoria foi concluída.

    O mesmo técnico sugere ao relator a abertura de uma investigação específica a respeito dos gastos da Universidade com o aluguel de carros. Em seu último despacho, proferido no mesmo dia 06/02, o ministro determinou a intimação dos envolvidos para apresentarem defesa nos autos.

    O demorado afastamento do corregedor

    O ex-corregedor Rodolfo Hickel do Prado (Foto: Henrique Almeida/UFSC)

    Tudo isso, porém, tem passado ao largo da reitoria da UFSC e do reitor pro tempore Ubaldo Cesar Balthazar. Ele assumiu o comando da universidade após o afastamento, por problemas de saúde, da vice-reitora Alacoque Lorenzini Erdmann. No dia do suicídio de Cancellier, ela se encontrava no exterior. Por isso, respondeu interinamente pelo cargo o decano dos pró-reitores, Rogério Cid Bastos, até a volta da vice-reitora.

    Alacoque, em 23 de outubro, dias antes de pedir o afastamento para tratamento de sua saúde, teria sido pressionada pelo superintendente regional da CGU, Orlando Vieira de Castro, e o procurador da República Bertuol a revogar o afastamento do corregedor-geral da UFSC,  Rodolfo Hickel do Prado.

    Ele é da Advocacia-Geral da União em Santa Catarina e foi colocado como coordenador da Corregedoria da UFSC dias antes de Cancellier assumir como reitor.

    Tornou-se desafeto do reitor Cancellier – mas não apenas dele. Prado foi quem levou à Polícia Federal a informação de que o então reitor estaria tentando obstruir a investigação administrativa em torno das irregularidades que a Operação Ouvido Moucos passou a também investigar.

    O afastamento do corregedor tinha começado ainda quando Cancellier estava vivo e determinou a abertura de um Processo Administrativo contra o mesmo. Respaldou-se em denúncias feitas por outro professor da Universidade, Gerson Rizzatti. O afastamento, porém, só viria a ocorrer após a morte do reitor. Foi um ato do seu chefe de gabinete, Áureo Moraes.

    Ao revogá-lo, segundo Moraes, “submetendo-se à pressão” de Castro e Bertuol, a vice-reitora gerou uma crise interna, com o pedido de afastamento do próprio chefe de gabinete e de outros vice-reitores. A licença médica de Alacoque ajudou a contornar a crise. Desde então Balthazar assumiu a reitoria, pro tempore.

    Prado também saiu de licença médica por dois meses, emendando o afastamento com um pedido de férias. Retornou à UFSC nesta semana, quando soube que não mais responderia pela coordenação da Corregedoria da UFSC.

    Através de uma Mandado de Segurança – 5024507-26.2017.4.04.7200 – distribuído à 3ª Vara Federal, tentou impedir sua demissão do cargo de chefia. Não encontrou acolhida do juiz Diógenes Tarcísio Marcelino Teixeira. Este, ao negar a liminar pedida deixou claro:

    “(…) ainda que o impetrante tenha alegado que está sofrendo retaliações do grupo político que atualmente dirige aquela universidade, não foram trazidos aos autos elementos que justifiquem a impetração deste mandado de segurança a título preventivo.

    Não se nega que o antigo reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier de Olivo, tenha exonerado e nomeado o impetrante, no mesmo dia, para o cargo de corregedor-geral (evento 1, OUT6 e OUT7), nem que o chefe de gabinete da reitora Alacoque Lorenzini Erdmann o tenha afastado de suas funções, por meio de portaria que foi posteriormente anulada (evento 1, OUT8 e OUT9), mas o fato é que o pedido formulado na petição inicial não apenas é demasiadamente genérico, como também está baseado em simples reportagens de jornal catarinense (evento 1, OUT10, OUT11 e OUT12).

    A mera presunção ou suposição não é suficiente para justificar a concessão da segurança, de forma que o deferimento da tutela pretendida, com base em ocorrências passadas, em matérias jornalísticas e em suspeitas do autor, revela-se como temerária“.

    Seu afastamento foi explicado em nota oficial da UFSC, onde consta:

    “A decisão do Reitor foi tomada em reunião de Colegiado com todos os Pró-Reitores e Secretários e o Procurador-Geral da UFSC. Considerando a perda da confiança e a prerrogativa do Reitor em designar os ocupantes de funções gratificadas e cargos de direção (FGs e CDs) na Administração Central, o Reitor definiu pela troca no comando da Corregedoria”.

    Os protestos se tornaram apenas isso: protestos. Sem maiores consequências ou atos e medidas concretas contra o arbítrio.

    Efetivamente foi esta a única medida concreta tomada pela reitoria após a Operação Ouvidos Moucos, além das notas oficiais referidas acima.

    Na época das prisões e, depois, com o suicídio do reitor, muitas foram as manifestações em protesto pela forma como tudo foi conduzido. Mas nada oficial por parte da UFSC, além das homenagens de praxe ao ex-reitor. Os protestos de então, pelo jeito, não passaram disso: protestos.

    Não por outro motivo que o desembargador estadual Andrade, na conversa que teve com o Blog, deixou clara sua insatisfação em frases como:


    Não fizeram nada como universidade, poderiam fazer muitas coisas. Poderiam judicializar isso. Provar que esse tipo de legalidade que eles dizem não é bem assim. Podemos dizer que tudo o que Hitler fez foi legal. Tem lei para justificar até a queima de judeus. Foi tudo legal, mas isso é fascismo“.

    Para ele, “está se praticando o velho jogo de deixar passar o tempo para cair no esquecimento. Falta reação das pessoas com alguma legitimidade. Não estão fazendo nada”.

    Um esclarecimento que poderia ter sido alardeado e evitaria, inclusive, a notícia da Folha neste sábado (10/02) diz respeito à troca de mensagens de Prata com Cancellier. Na época das mensagens a que o jornal se referiu, o ex-reitor da UFSC, Álvaro Prata, era secretário de Desenvolvimento Tecnológico do Ministério da Ciência e Tecnologia, em Brasília.

    Foi quem informou a Cancellier o real motivo de uma viagem que o corregedor Prado fez à Brasília. Oficialmente ele justificou a viagem por conta de uma reunião na CGU. Na prática, foi ao presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, Abílio Baeta Neves, denunciar irregularidades no uso das verbas repassadas a UFSC para os cursos de Educação a Distância. Foi nesta época, a partir das denúncias de Prado, que a Capes suspendeu os repasses à UFSC.

    Cancellier decidiu então ir à Brasília e, para tal, avocou o inquérito administrativo em tramitação na Corregedoria – órgão subordinado à reitoria. Queria detalhes para defender a verba suspensa. Recebeu um envelope fechado. Ao abri-lo no hotel, em Brasília, descobriu, tardiamente, que não lhe tinham sido enviados todos os documentos da investigação em curso. São explicações que a reitoria não veiculou como muitos professores da UFSC desejavam.

    Aliás, o silêncio da UFSC quase foi quebrado por iniciativa de um grupo de seus professores.

    No dia da Operação, em uma conversa via WhatsApp entre docentes do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ), do qual, por precaução, retirou-se o número do celular de Cancellier apreendido pela polícia, Balthazar – então diretor do Centro e hoje reitor pro tempore – explicou aos demais professores do grupo as acusações conta o então reitor.

    De acordo com o delegado da PF responsável pelas investigações e ao contrário do alardeado pela mídia (“desvio de 80 milhões de reais”), a investigação concentra-se no período 2011 à 2014 e diz respeito ao pagamento de bolsas a pessoas estranhas à UFSC, num total de aproximadamente R$ 350 mil. Há ainda uma acusação de superfaturamento em despesa de transporte num valor aproximado de R$ 1.000,00 (mil reais). O reitor não está sendo acusado pelo desvio de dinheiro público. A acusação é de obstrução das investigações. Segundo o Reitor em exercício, tal acusação é inverídica, tendo sido comprovado que a administração da UFSC colaborou com as investigações. Houve, em determinado momento do processo investigatório, um atrito com o corregedor geral da universidade, Rodolfo do Prado, o qual, em relatório enviado à Corregedoria Geral da República em SC, acusou o reitor de impedir o trabalho da CG/UFSC, afirmando que a univ. é administrada “por um bando de aloprados” e incompetentes“.

    Nas conversas via WhatsApp que se seguiram surgiram pedidos de que as explicações fossem levadas a público: “Isso tinha que ser divulgado na imprensa. Estou profundamente indignada com o que aconteceu hj“, escreveu, possivelmente, uma professora, não identificada.

    Muito importantes os esclarecimentos. É necessário divulgá-los não só na comunidade acadêmica. Em tempos de excessos de toda a ordem, que mais indicam um amargo regresso ao Regime Ancião, deve-se estar muito atento e não se perder nenhuma oportunidade de firmar as posições que se fizerem necessárias, e, obviamente, de responsabilizar os autores dos excessos“, postou outro professor cujo nome o Blog preserva, como o fará com todos os demais.

    Além das Notas Oficiais da Universidade, o grupo divulgou também notas de solidariedade e repúdio de diversas entidades como a OAB-SC e o Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina – IDASC. Inclusive o repúdio, naquela mesma tarde de 14 de setembro, do presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Roberto de Figueiredo Caldas, ao participar de um evento da UFSC.  Na sua manifestação, Caldas mostrou-se perplexo “diante do modo como se deu a prisão temporária do reitor da UFSC em flagrante violação a autonomia universitária”, segundo relatos feitos pelo WhatsApp.

    Repúdio ao arbítrio abafado pelo medo de represália

    A Nota Oficial dos Professores de Ciências Jurídicas da UFSC jamais divulgada.

    Nesse grupo de debate, no dia da libertação do reitor – 15 de setembro – teve início a cobrança de uma posição dos professores do Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) da UFSC, a denominação da Faculdade de Direito da UFSC.

    Daí surgiu a discussão em torno da conveniência ou não de divulgarem uma posição crítica à Operação.

    O maior receio veio de uma represália por parte das autoridades, notadamente a juíza Janaína.

    Ela, que no dia da Operação estava em licença por motivos de saúde, mesmo correndo o risco de ferir a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) que impede a um magistrado comentar decisões de outro, criticou publicamente a decisão da sua substituta temporária.

    Foi a juíza Marjôrie Cristina Freiberger, no exercício da titularidade da 1ª Vara, quem determinou a liberação do reitor, professores e servidores presos.

    Na conversa pelo WhatsApp surgiu a posição que teria sido emitida pela OAB-SC sobre a realização de um ato de repúdio aos arbítrios da operação policial. Consta ali, como o Blog constatou:

    Colegas, segue abaixo a resposta da OAB/SC, quando consultada, na sexta-feira à tarde, sobre a realização de um ato de desagravo em favor do Cau, contra os abusos praticados pela PF, cumprindo ordens da JF:

    “Amigo, estou seriamente inclinado a te desencentivar dessa ideia. Seja pela Ordem, seja pela UFSC. Cuidado com isso. Vcs vão tornar isso pessoal com o juiz, delegada, etc.. Vão confrontá-los. Então, condenar o Cancellier, para eles, passa a ser questão de ordem. Vai dificultar muito a defesa dele. Cuidado com tiro no pé!””

    Imediatamente após um dos professores alertou: “De outro lado o nosso silêncio pode ser muito mal interpretado…

    Também surgiram apelos à moderação: “Neste momento, o confronto é dispensável.

    Com a justificativa de que represálias pudessem ocorrer, o silêncio da reitoria se impôs também aos professores do CCJ, onde Cancellier estudou, pós-graduou-se, doutorou-se e depois dirigiu, antes de alçar à reitoria.

    O texto inicial da nota não divulgada à época – que publicamos acima – acabou debatido em uma reunião entre professores na segunda-feira (18/09). Foram feitas sugestões de modificação, entre elas a de “não confrontar-se com a imprensa; realizar alguma consideração técnica sobre o não cabimento da prisão temporária no caso, conforme aos seus requisitos legais; citar que a revogação da prisão em tempo curto por outra magistrada demonstra exatamente que a medida inicial não era necessária“.

    Nos debates surgiu, inclusive, uma posição nítida em defesa da reintegração do reitor ao seu cargo. A ideia apresentada foi de incluir na nota:

    É imperativo agora que o reitor seja restituído ao exercício de suas funções imediatamente, uma vez que já executadas as diligências policiais autorizadas. O titular de mandato eletivo não pode ficar afastado sine die, enquanto a autoridade policial demora-se na conclusão do inquérito, sob pena de conversão da medida cautelar em autêntica pena, aplicada antes da existência, sequer, de processo-crime”.

    Mas, se sobrepôs a tese de que a nota e um ato público para a sua leitura poderiam ajudar a acirrar ânimos. Recearam, inclusive, uma nova ordem de prisão contra os professores libertados no dia seguinte à Operação Ouvidos Moucos. O receio dominou, ao que parece, a maioria e o silêncio prevaleceu.

    Diante da posição receosa da UFSC, a única medida efetivamente adotada quanto ao arbítrio da Operação Policial foi da família do reitor.

    Seu irmão, Acioli, e os advogados contratados pelo próprio Cancellier antes de morrer – Nívea Dondoerfer Cademartori e Hélio Brasil – apresentaram uma reclamação ao ministro da Justiça. Ela foi encaminhada ao próprio Departamento de Polícia Federal (DPF) para investigar o caso. Mas a investigação não foi feita por Brasília. A repassaram à Superintendência responsável pela operação criticada.

    A investigação foi conduzida pela corregedoria da própria Superintendência do DPF em Santa Catarina. Ali, como narrou Walter Nunes, da Folha, na reportagem – Assessor produziu parecer para eximir delegada da PF em sindicância: “O delegado Luiz Carlos Korff, responsável por um parecer que recomendou o arquivamento de uma sindicância contra a delegada Erika Mialik Marena, que se notabilizou na Operação Lava Jato, é também o responsável por assessorá-la e os outros delegados de Santa Catarina no contato com a imprensa. Korff acumula os cargos de chefe do núcleo de correição da PF catarinense, que investiga a conduta dos policiais federais, e também o de diretor de comunicação da entidade, que faz a divulgação das operações, organiza entrevistas dos delegados e fornece informações a jornalistas.”.

    A partir do parecer, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, anunciou que pretende arquivar a reclamação. Isto gerou protesto do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção. Sua nota – Arquivamento da Denúncia de Abuso do Poder: Escárnio, Hipocrisia e Desfaçatez! – foi divulgada no Facebook e também no Jornal GGN, na postagem: Torquato Jardim nega pedido de sindicância do caso Ouvidos Moucos.

    A família do reitor também não se conformou, mas ainda estuda o que deverá fazer com relação ao caso. Da UFSC, porém, não deve esperar muita coisa.

  • Multiplicam-se no no país manifestações em repúdio ao ataque às universidades

    Multiplicam-se no no país manifestações em repúdio ao ataque às universidades

    Logo que a notícia da invasão da Universidade Federal de Minas Gerais foi divulgada na manhã de ontem (6/12), uma enxurrada de manifestações, cartas, moções de apoio tomaram conta do país em repúdio à prisão e à condução coercitiva do reitor Jaime Arturo Ramirez, da vice-reitora Sandra Goulart Almeida, da futura reitora Heloisa Starling e outros três dirigentes na Operação sadicamente chamada de “Esperança Equilibrista”. Grande parte das universidades do país emitiram notas denunciando uma ação orquestrada junto aos aparatos jurídicos e policiais com o propósito de violar a autonomia das instituições públicas de ensino superior para desmoralizá-las e torná-las vulneráveis ao projeto de privatização recomendado pelo Banco Mundial.

    As semelhanças entre a “Operação Ouvidos Moucos”, que trucidou a autonomia da UFSC e levou ao suicídio do reitor são muitas: prisão ilegal, prisão coercitiva, sem direito à defesa e à presunção de inocência, produção de espetáculo midiático e divulgação das denúncias de forma a confundir a opinião pública e tomar suspeitas por condenações. A grande diferença, contudo, é uma só: a UFMG tinha a experiência da UFSC e das consequências trágicas que o seu acovardamento ou omissão representariam à universidade inteira. Valendo-se dessa experiência recente, não titubeou em reagir de modo unificado em defesa dos seus dirigentes e da instituição.

    Suicídio do reitor Luiz Cancellier foi uma experiência muito amarga que serviu de alerta para todas as universidades. Foto: Pipo Quint Agecom/UFSC

    O reitor da Universidade Federal do Paraná, Ricardo Marcelo Fonseca  publicou um contundente manifesto que faz uma recapitulação das agressões sofridas pelas universidades brasileiras, desde a invasão da UFRGS em dezembro de 2016, passando pela prisão abusiva do reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, e de outros seis integrantes da universidade, com o seu desfecho traumático, até a ofensiva contra a UFMG . Em todas elas, aparece a denúncia do apelo ao combate à corrupção com o objetivo de insuflar o ódio na população mais desavisada e encobrir o propósito de desmoralização e desmonte de instituições históricas que desfrutam de forte prestígio na comunidade científica e na sociedade como um todo. Esse foi também o teor das notas emitidas pelas agremiações estudantis e diretórios acadêmicos, representados ainda pela nota da presidente da União Nacional dos Estudantes, Mariana Dias, todas elas desmascarando o caráter privatista que paira por trás das prisões e conduções coercitivas consideradas expedientes de governos autoritários.

    Mal a comunidade universitária do país se recuperava dos momentos de terror, a Universidade Federal de Santa Catarina foi novamente invadida na manhã de hoje por cerca de 90 policiais federais e auditores da Controladoria Geral da União e do Tribunal de Contas da União. Até por volta de meio-dia, policiais encapuzados e fortemente armados andavam pelo campus cumprindo 20 mandados judiciais expedidos pela 1ª Vara da Justiça Federal em Florianópolis (SC), sendo 14 de busca e apreensão e seis de condução coercitiva que se referem a indícios de irregularidades no uso de verbas públicas para pesquisas nos períodos de 2003 e 2004. As medidas ainda estão sendo cumpridas em Florianópolis (SC) e Balneário Camboriú (SC), conforme o delegado. O conteúdo político dessas ofensivas está dado claramente: ele é anterior a qualquer outro juízo sobre o mérito de combate à corrupção, uma vez que o direito ao contraditório, a defesa e à presunção de inocência foi negado aos acusados. E, dessa forma, a possibilidade de juízo sobre o teor das investigações foi negada também a toda a comunidade e a toda população.

    Os Jornalistas Livres lançam aqui uma primeira edição de um acervo dessas manifestações que a cada minuto se somam a muitas outras originadas nos mais diversos cantos e setores representativos do Brasil. Para a construção desse dossiê em aberto, os leitores e entidades estão convidados a enviarem contribuições de manifestos já publicados ou ainda por serem publicados, de modo que possam ser consultados por todos em um único endereço. Começamos pelas notas dos Compositores João Bosco e Aldir Blanc falando sobre a barbárie das operações – “Uma violência à cidadania”, segundo Bosco, que desautoriza a apropriação indébita do mote de seu hino contra as torturas praticadas pela Ditadura Militar. “Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção por quem trai seu desejo fundamental”.

    Em seu Blog, o jornalista Luiz Nassif dirá que o título sádico da criticadíssima Operação seria uma retaliação à faixa com a qual os estudantes do Centro de Ciências Jurídicas homenagearam o professor Cancellier na cerimônia fúnebre do Conselho Universitário, um dia após o seu falecimento: A faixa fixada em frente ao caixão também citava a canção O bêbado e o equilibrista: “Uma dor assim pungente não há de ser inutilmente”. Como conclui a nota do Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção: “O passado triste e sujo de manchas torturadas, imortalizado pela canção de João Bosco e Aldir Blanc, aviltada pelo sequestro indébito do seu sentido, é o que essas ações pretendem reeditar no nosso país”.

    Uma lista de 28 intelectuais, professores e dirigentes de instituições acadêmicas, publicou um “Manifesto em defesa ao Estado de Direito e da universidade pública no Brasil”. No documento, eles conclamaram todos os democratas a “repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao Estado de Direito e à memória desse país”. Entre eles estão nomes de referência internacional, como Boaventura de Sousa Santos, diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

    Em outra contundente nota de repúdio à ação da PF, a Sociedade Brasileira de Sociologia afirmou: “Lamentavelmente, repete-se a mesma truculência que ocorreu recentemente com a Universidade Federal de Santa Catarina cujo desfecho provocou o suicídio do então Reitor desta Instituição. A recorrência deste ato no interior da Universidade Federal de Minas Gerais atenta claramente contra o principio da autonomia das instituições universitárias assegurada pela Constituição Federal”. A Associação Brasileira de Antropologia também já aprovou uma nota em sua Reunião de Antropologia do Mercosul, realizada em Posadas, Argentina, contra os ataques às universidades de Santa Catarina, Pará, e Minias Gerais. “Manifesto de solidariedade com os acadêmicos brasileiros cujas liberdades básicas estão ameaçadas” também foi divulgado pelo Solidarity.University.Brazil@gmail.com. Acompanhe as atualizações por aqui.

     

    MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA

    MOVIMENTO EM DEFESA DA UFMG RECOLHE ASSINATURAS
    ➡️LINK PARA ADESÃO: https://goo.gl/auM3iQ
     
    Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal no dia 6 de dezembro de 2017.
    O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal têm se tornado rotina no país.
    Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade.
    É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.
    Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
    A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
    Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando não só coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.
    Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
    Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.
    https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSdqxrNVFx_y6BcYxAITHkQxQ_7uoj4E4t-n1smSTsRkUS4saQ/viewform

    NOTA OFICIAL DA PROCURADORIA-GERAL FEDERAL

    A Procuradoria-Geral Federal, órgão da Advocacia-Geral da União responsável pela representação judicial e extrajudicial, a consultoria e o assessoramento jurídico das autarquias e fundações públicas federais e de seus dirigentes, inclusive das Instituições Federais de Ensino, recebeu com preocupação as notícias amplamente divulgadas pela imprensa, dando conta de que garantias inerentes ao Estado de Direito teriam sido atingidas em operações que buscam investigar a prática de ilícitos.

    Nesse momento de comoção com os excessos relatados pela imprensa, a Procuradoria-Geral Federal vem a público ratificar o seu compromisso com essas tradicionais instituições e com seus dirigentes.

    A Procuradoria-Geral Federal tem o dever de zelar pelo respeito à legalidade, ao patrimônio e ao interesse público. Esse dever se concretiza em assegurar que o exercício da função pública se dê de forma responsável e juridicamente segura, livre da ameaça de qualquer forma de excesso ou de desrespeito às garantias fundamentais previstas em nosso ordenamento jurídico.

    As Universidades Federais são patrimônio da sociedade brasileira. A defesa dessas instituições e a defesa do Estado Democrático de Direito são dever e compromisso da PGF.

    Publicado : 18/12/2017 – Atualizado às : 15:12:49

    http://www.agu.gov.br/noticia/nota-oficial-da-procuradoria-geral-federal–637404

     

    NOTA EM DEFESA DA UNIVERSIDADE, DA DEMOCRACIA
    E DO ESTADO DIREITO

    O Partido dos Trabalhadores de Florianópolis vem mais uma vez a público manifestar seu repúdio contra as ações policiais e judiciais que têm sido realizadas em diversas universidades e institutos federais de educação, através de prisões preventivas injustificadas, conduções coercitivas, perseguição, humilhação e exposição pública de docentes e gestores.
    Essas ações, que já atingiram diversas instituições de ensino, entre elas a UFRGS, a UFPR, o IFSC de Abelardo Luz, a UFSC e a UFMG, e que culminaram com a morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, têm como objetivo desmoralizar a educação pública e destruir a soberania científica do país. Em alguns desses casos, configuram-se claros atos de perseguição política de docentes que têm atuação junto a movimentos sociais. Em outros, o que deveriam ser investigações sobre supostos maus usos do dinheiro público, feitas dentro da legalidade, da constitucionalidade e do respeito aos direitos e à cidadania, transforma-se em um recurso de perseguição, destruição de carreiras e de vidas e de ataque sistemático à autonomia universitária.
    Essas ações se somam aos enormes cortes de recursos da educação e da ciência e tecnologia patrocinado pelo governo golpista e abrem o terreno para a privatização da educação e implantação do ensino pago no país e para a destruição de nossa soberania científica.
    Instalou-se no Brasil um verdadeiro Estado de exceção, em que, em nome de uma genérica “luta contra a corrupção”, jogam-se no lixo todas as garantias constitucionais, a presunção de inocência e o devido processo legal.
    Convocamos toda a militância petista e a sociedade em geral para se engajarem na luta em defesa da universidade e da educação pública, pela democracia e pelo Estado de direito.​

    Executiva Municipal do PT de Florianópolis

    http://www.ptfloripa.org.br/index.php?option=com_acymailing&ctrl=archive&task=view&mailid=97&key=lSZ1Fzpq&subid=1134-NCSYTow0cRkPYu

    Prisão coercitiva é espetáculo fascista e abusivo

    Simone Schreiber – desembargadora Federal, TRF2

    A condução coercitiva é uma violência que não pode ser corrigida por habeas corpus, dada sua instantaneidade. A pessoa é conduzida pela polícia para prestar depoimento e, encerrado o propósito da diligência policial, é liberada. Contudo, é um ato violentíssimo e ilegal. Ilegal, pois a pessoa investigada não está obrigada a prestar depoimento, pode simplesmente invocar seu direito de não responder perguntas. E é evidente que se ainda não sabe nada sobre a investigação, e ainda não conseguiu conversar com um advogado sobre o tema, não deve responder a nenhuma pergunta. Então a condução coercitiva só tem razão de ser por sua dimensão de espetáculo. Espetáculo de humilhação da pessoa investigada. Não serve para rigorosamente mais nada, só para a polícia federal fazer sua propaganda institucional, mostrando sua “eficiência no combate ao crime”.

    Para mim está evidente que essa pretensa “democratização do direito penal, para pegar o andar de cima” sustentada com entusiasmo dentre outros pelo professor Luis Roberto Barroso só se presta à consolidação de uma jurisprudência de flexibilização de direitos fundamentais. Ao invés de avançarmos reforçando os direitos das pessoas “do andar de baixo” (para usar a expressão do Barroso), por exemplo, implementando as audiências de custódia, adotando a prisão preventiva em situações excepcionalíssimas, tornando efetivas as medidas cautelares alternativas, ampliando a atuação das defensorias públicas, etc, estamos adotando um caminho inverso, de desprezo, desamor pelos direitos fundamentais.

    Cada um de nós deve refletir sobre que modelo de processo penal deseja em um Estado Democrático, ao invés de se impressionar com o “escândalo da vez”. Há irregularidades nos contratos firmados por determinada Universidade Pública? Investiga-se sem fazer disso um espetáculo! Caso os fatos sejam confirmados após o processo, após produzidas as provas em contraditório judicial e exercida a ampla defesa, as penas previstas em lei são aplicadas. É assim que a justiça funciona ou deveria funcionar. E nós juízes deveríamos ser os primeiros a zelar pelo devido processo legal.

    É extremamente grave o que está acontecendo, não sei bem como chegamos até aqui, mas é preciso que os juízes façam essa reflexão. O mais impressionante é que pessoas que se tornaram juízes já sob a égide da Constituição de 1988 não aplicam normas de garantia previstas no Código de Processo Penal da ditadura Vargas!

    Nem o suicídio do Reitor Cancellier serviu para fazermos uma autocrítica! Está mais do que na hora de refletirmos sobre nossos atos, sobre o papel que a Justiça Federal tem desempenhado nessa crise institucional e para onde estamos indo!

    Foto: Lucca Mezzacappa | Jornalistas Livres

    CARTA DE REPÚDIO DA REITORIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

    Reitoria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) vem reiterar sua indignação e manifestar repúdio à ação de condução coercitiva de dirigentes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em operação que apura supostos desvios na construção do Memorial da Anistia. Em 6 de dezembro, o reitor, a vice-reitora e outros servidores foram levados pelos agentes da Polícia Federal para prestar depoimentos, sem mais explicações.

    A UFPB já se pronunciou contra o abuso em documento coletivo, assinado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), e reforça seu posicionamento em relação a essa nova agressão a gestores de universidades federais, que acontece depois de episódio semelhante envolvendo o reitor Luiz Cancellier de Olivo, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e que teve a consequência trágica de seu suícidio, no começo de outubro.

    A prática da condução coercitiva em fase de investigação, sem prévia notificação ou intimação, é questionada pela sociedade brasileira porque viola direitos e garantias fundamentais. Na sua face mais desrespeitosa e irresponsável, constrange cidadãos e os expõe ao espetáculo midiático e ao julgamento antecipado. No caso das comunidades universitárias vitimadas, é uma violência que atinge a honra, a imagem e a saúde de gestores e servidores que deram relevantes contribuições à sociedade, como manifestou, em nota (link is external), a UFMG.

    Em Minas Gerais e em Santa Catarina, sob o pretexto de apurar irregularidades administrativas, o alvo das investidas parece ter sido o mesmo: a desmoralização e enfraquecimento das universidades públicas federais.

    A UFPB se solidariza com os dirigentes e toda a comunidade acadêmica da UFMG. Com a UFMG e as demais universidades federais brasileiras, está pronta para resistir e para enfrentar as afrontas à nossa dignidade, à nossa capacidade de gestão e às nossas próprias esperanças, que se equilibram, sim, nos esforços que dedicamos à construção de uma realidade melhor para o País.

    Nós não vamos recuar na defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade.

    Margareth de Fátima F. M. Diniz Reitora da UFPB

     

    SUICÍDIO DE CANCELLIER SACUDIU UNIVERSIDADES DO PAÍS

    Luís Felipe Miguel, jornalista, cientista político e professor da UNB

    Quando a Polícia Federal fez aquela operação de guerra para invadir a UFSC e prender o reitor, houve muito espanto, alguma indignação e pouca solidariedade. Por um lado, a ação policial era claramente desproporcional ao que a situação exigiria – mas nós já nos habituamos a isso, uma vez que a Lava Jato transformou a repressão em espetáculo. Por outro lado, havia as manchetes da mídia, falando no colossal desvio de 80 milhões. Manchetes mentirosas, ficaria claro em seguida; no momento, porém, funcionou a dependência cognitiva que faz com que a gente se baseie no jornalismo para saber do que ocorre fora de nosso círculo imediato.

    A fraca reação à agressão à UFSC mostra como mesmo setores mais críticos e melhor informados estão narcotizados pelo discurso do combate à corrupção a qualquer custo, pouco sensíveis à degradação dos direitos individuais e refratários a entender o jogo político que organiza a perseguição seletiva a pessoas e instituições. Seria de investigar o papel dos “isentões” e do “lavajatismo de esquerda” na produção desse estado de coisas.

    O ataque à UFMG já suscitou uma reação bem mais forte, tanto em Minas quanto no resto do Brasil e mesmo no exterior. Não há dúvida de que o suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier foi fundamental para essa mudança. A comoção causada por seu gesto extremo fez aflorar a insensatez da operação policial, sua arbitrariedade, o desrespeito aos preceitos legais e mesmo a banalidade das acusações. As pessoas foram presas e humilhadas sem que fossem rés, antes mesmo de serem convidadas a depor, numa ação cujo custo, para a PF, superou o valor pretensamente desviado. Fica evidente que os motivos por trás dela não eram a defesa da moralidade pública ou a proteção às boas práticas administrativas.

    Quando script similar é seguido em Belo Horizonte, é fácil entender o sentido da operação da PF e suas implicações.

    Cau sempre foi um moderado, um conciliador. A surpreendente radicalidade de seu ato final cumpriu um importante papel político. Não abalou as autoridades no judiciário ou na polícia, que continuam firmes na trilha do arbítrio, amparadas pela impunidade que o retrocesso em curso no Brasil lhes garante. Estão aí a ação na UFMG, a nova ação na UFSC ou mesmo a promoção da delegada da PF de Florianópolis para provar. Mas ele sacudiu a comunidade universitária, quebrou parte de nosso marasmo e fomentou nossa mobilização. A história da resistência ao desmonte dos direitos, no Brasil de hoje, há de guardar seu nome, com destaque.

    Luís Felipe Miguel, publicado na sua página do Facebook

     

    Estado policial, porta de entrada do inferno

    ​​Algo de muito grave ocorre no Brasil. Não falo apenas – apenas? – de tremendos retrocessos sociais, regressão econômica ou cultural. Se isso não fosse suficiente para nos alarmar, a desagregação das instituições de Estado avança rapidamente – ameaçando a existência daquilo que se chama de nação.

    Faz cem anos, o liberal Max Weber definia o Estado a partir do monopólio da coerção legitima. De outro lado do muro, o revolucionário Lenin dizia que o Estado era, em suma, uma rede de tribunais, prisões, polícia. Os dois tinham diante de si, para teorizar, o Estado da época – não muito mais do que repressão organizada, monopólio da lei, da ordem e da defesa. Pouco mais do que espada.

    O Estado mudou ao longo do século XX, mas as “forças da ordem” seguem sendo sua espinha vertebral. Até mesmo as políticas sociais e regulatórias podem ser vistas, tantas vezes, como uma forma enviesada de vigiar e punir.

    Pois é essa espinha vertebral que parece, agora e aqui, atingida por uma doença letal. Faz algum tempo, promotores, juízes e delegados ensaiam movimentos que colocam em dúvida sua identidade. Delegados que dirigem investigações de impacto e ao mesmo tempo se permitem agitação eleitoral explícita. Bem, talvez se pudesse atribuir o descuido à polarização eleitoral. Acontece. Só que não. Um outro se põe  na berlinda escandalizando o país (e o mundo) com a afirmação singela de que a carne industrializada continha veneno – vitamina C. O nome da operação – Carne Fraca – transformou-se no seu objetivo não deliberado. Até hoje a carne brasileira é vista com suspeição no mercado internacional. O delegado trapalhão foi posto na geladeira. Seus modos, porém, seguem procriando.

    Mais recentemente, uma delegada visivelmente desequilibrada e ansiosa por demonstração de poder, manipula informações e induz uma juíza, essa também visivelmente apressada, a promover um espalhafato grotesco e de trágicas consequências, com o suicídio de um reitor de universidade acossado por uma matilha de cães.

    Passa algum tempo e a cena se repete, também com espalhafato e requintes de truculência, se assim podemos dizer. A Universidade Federal de Minas Gerais é exibida, em operação tosca, como antro de perversões, poucos dias depois de ali se ter realizado um protesto contra a pantomima de Florianópolis.

    Mas seria fastidioso listar e descrever as manifestações da praga. Como o estrelismo de um juiz que se faz fotografar portando fuzil e com pose de justiceiro, filme B de uma hollywood suburbana.

    Mas estas cenas, por enquanto, parecem ocorrer em círculos até mesmo favorecidos da escala social. A cena seguinte, igualmente desmoralizante, ocorre em outro quadrante. Ouço no bar a notícia de que o chefe do tráfico da Rocinha fora preso por uma ação combinada das polícias Civil, Militar e Federal, da Guarda Nacional e das Forças Armadas. Só faltou a guarda suíça do Vaticano. Surpreendente que alguém ache que o tráfico seja mesmo comandado por alguém como ele, num barraco do morro. E mais surpreendente que seja necessário essa conjunção de estrelas para capturá-lo. Seria mais razoável verificar a movimentação de algumas contas bancárias. Porém chego em casa e me espanto ainda mais com as imagens do pós-combate. Policiais se fazendo fotografar ao lado da estrela presa. Uma polícia feminina faz uma selfie com o astro capturado. Lembro-me da letra do funk: “Ela não anda, ela desfila, tira foto para botar no facebook”. É a isso que se reduz o braço da lei?

    Nos andares inferiores da sociedade, aqueles com os quais em geral menos nos incomodamos, já é usual ver esse comportamento. Pouca gente se incomoda – muita gente aprova – que a polícia invada barracos aos pontapés, sem mandado e tantas vezes sem outro motivo senão demonstrar a própria forca. Pode demonstrar a força, mas desmancha a autoridade. Deixa de ser vista como a ordem legitimada e passa a ser igualada aos seus adversários (aparentes?), os criminosos.

    Quando indivíduos e mesmo frações organizadas dentro das corporações de segurança assim se comportam, eles não erguem a imagem dessas corporações. Eles a rebaixam. O resultado dessa escalada é a desintegração das instituições da ordem – espinha dorsal do Estado. A quem interessa que um Estado se desmanche e uma nação se desfaça? A quem aproveita? – perguntam os advogados quando diante de um crime sem culpado à vista.

    Os personagens desses atos estapafúrdios podem ser movidos pela sua imaturidade, pela sua ambição desmedida, apenas isso. Ou não. De qualquer modo, com esses atos não promovem a lei. Eles a lançam na sarjeta e no pântano. E ali, ela é disputada pelos crocodilos. Crocodilos que falam – ou não – o idioma nacional. São eles que espreitam, sombrios, salivando para abocanhar o que sobra da operação de desmanche.

    A reversão desse processo exige bem mais do que agentes salvadores – fardados ou não. Um “resgate” dessa natureza seria aprofundar o mal. O quadro exige um reencontro da nação consigo mesma – reorganizando o pacto de convivência em condições mais justas e equilibradas, menos vulnerável ao desespero e à incerteza. Um pacto tutelado foi constituído sob o medo da chamada transição politica. Esse ciclo revela seu limite.

    É preciso um esforço de cidadania, se não quisermos voltar à condição de colônia ou ao estatuto de terra de ninguém e, portanto, alvo de todos os abutres do mundo. Na história contemporânea processos como esses costumam ser chamados de Assembleias Constituintes. O Brasil foi descoberto há pouco mais de 500 anos. Precisa ser refundado. Não por acaso, nem por vontade de um rei. Por uma decisão soberana, do único soberano aceitável em uma democracia.

    Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes é professor aposentado, colaborador na pós-graduação em Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. É também coordenador de Difusão do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-Ineu). Seus livros mais recentes são: “O Peso do Estado na Pátria do Mercado – Estados Unidos como país em desenvolvimento” (2014) e “Educação Superior nos Estados Unidos – História e Estrutura” (2015), ambos pela Editora da Unesp.

     

    Ex-reitores manifestam apoio a dirigentes da UFMG

    “Nós, ex-reitores e ex-vice-reitores da Universidade Federal de Minas Gerais, tornamos pública nossa indignação pelos fatos ocorridos no dia 6 de dezembro, quando os atuais dirigentes da UFMG e outros membros da comunidade universitária foram levados, por medida coercitiva, à sede da Polícia Federal, para prestar depoimento em investigação que transcorre em sigilo.

    Repudiamos o uso de medida coercitiva quando sequer foi feita uma intimação para depoimento, em claro descumprimento ao disposto nos artigos 201, 218 e 260 do Código de Processo Penal. Por condução coercitiva, entende-se, na interpretação do Desembargador Cândido Ribeiro, “um instrumento de restrição temporária da liberdade conferido à autoridade judicial para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu a intimação e cuja presença seja essencial para o curso da persecução penal, seja na fase do inquérito policial, seja na da ação penal”.

    Diante de tal definição, repudiamos inteiramente o uso da condução coercitiva e mais ainda a brutalidade e o desrespeito com que foram tratados o Reitor e a Vice-Reitora, as ex-Vice-Reitoras e outros dirigentes e servidores da UFMG, em atos totalmente ofensivos, gratuitos e desnecessários.

    A UFMG e seus dirigentes sempre se pautaram pelo respeito à lei e pelo cumprimento de decisões judiciais. Os fatos ocorridos atingem, portanto, esta grande e respeitável instituição: a Universidade Federal de Minas Gerais, um patrimônio de nosso Estado e do país.

    Reiteramos nossa confiança na Universidade Federal de Minas Gerais e na probidade de seus dirigentes, aos quais prestamos nossa total solidariedade e apoio”.

    Reitor Eduardo Osório Cisalpino – Gestão 1974-1978
    Reitor José Henrique Santos – Gestão 1982-1986
    Reitora Vanessa Guimarães Pinto – Gestão 1990-1994
    Reitor Tomaz Aroldo da Mota Santos – Gestão 1994-1998
    Reitor Francisco César de Sá Barreto – Gestão 1998-2002
    Reitora Ana Lúcia Almeida Gazzola – Gestão 2002-2006
    Reitor Ronaldo Tadêu Pena – Gestão 2006-2010
    Reitor Clélio Campolina Diniz – Gestão 2010-2014
    Vice-Reitor Evando Mirra de Paula e Silva – Gestão 1990-1994
    Vice-Reitor Jacyntho José Lins Brandão – Gestão 1994-1998
    Vice-Reitor Marcos Borato Viana – Gestão 2002-2006

     

    Conselho das fundações de apoio vê abuso em mandados

    06/12/2017 19:10

    “O Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) vem a público para dizer que acompanha com atenção os acontecimentos em Minas Gerais. Sabe-se que foram convocados a prestar informações à Polícia Federal, sobre dois projetos já encerrados, um ex-reitor e seu ex-vice-reitor, o reitor e vice atual e o nosso colega presidente da Fundep, além de um dos membros da diretoria do Confies.

    Foram mandados de condução coercitiva da PF dados por algum juiz, supostamente.

    Em princípio, esses mandados são abusivos, pois deveriam ser antecedidos por carta convocando-os para prestar esclarecimentos.

    O dano à imagem dos convocados está feito.

    Como em outros casos, isso é irreparável, face ao comportamento estridente da mídia que se nutre financeiramente disso.

    Estamos aguardando o relato dos colegas com quem falamos há pouco na PF por telefone e do colega Bruno Teatrini, advogado da Fundep, para tomar alguma decisão sobre o que o Confies fará em defesa deles e de nossa afiliada. Já comuniquei a Andifes.

    O Confies declara-se em solidariedade aos colegas e continuará sua luta para aperfeiçoar o sistema de controle em um ambiente democrático, que preserve os direitos individuais do cidadão inscritos da Constituição Federal.

    Rio de Janeiro, 6 de dezembro de 2017
    Fernando Peregrino
    Presidente do Confies

     

    NOTA DO CANTOR E COMPOSITOR JOÃO BOSCO EM REPÚDIO À OPERAÇÃO “ESPERANÇA EQUILIBRISTA”

    Recebi com indignação a notícia de que a Polícia Federal conduziu coercitivamente o reitor da Universidade Federal de Minas Gerais, Jaime Ramirez, entre outros professores dessa universidade. A ação faz parte da investigação da construção do Memorial da Anistia. Como vem se tornando regra no Brasil, além da coerção desnecessária (ao que consta, não houve pedido prévio, cuja desobediência justificasse a medida), consta ainda que os acusados e seus advogados foram impedidos de ter acesso ao próprio processo, e alguns deles nem sequer sabiam se eram levados como testemunha ou suspeitos. O conjunto dessas medidas fere os princípios elementares do devido processo legal. É uma violência à cidadania.

    Isso seria motivo suficiente para minha indignação. Mas a operação da PF me toca de modo mais direto, pois foi batizada de “Esperança equilibrista”, em alusão à canção que Aldir Blanc e eu fizemos em honra a todos os que lutaram contra a ditadura brasileira. Essa canção foi e permanece sendo, na memória coletiva do país, um hino à liberdade e à luta pela retomada do processo democrático. Não autorizo, politicamente, o uso dessa canção por quem trai seu desejo fundamental.

    Resta ainda um ponto. Há indícios que me levam a ver nessas medidas violentas um ato de ataque à universidade pública. Isso, num momento em que a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, estado onde moro, definha por conta de crimes cometidos por gestores públicos, e o ensino superior gratuito sofre ataques de grandes instituições (alinhadas a uma visão mais plutocrata do que democrática). Fica aqui portanto também a minha defesa veemente da universidade pública, espaço fundamental para a promoção de igualdades na sociedade brasileira. É essa a esperança equilibrista que tem que continuar.

    João Bosco
    07/12/2017

     

    NOTA DE ALDIR BLANC SOBRE A OPERAÇÃO “ESPERANÇA EQUILIBRISTA”

    João Bosco e Adi Blanc: “Lá no mata-borrão do céu”

    Depois da operação “Esperança Equilibrista”, João Bosco e eu esperamos que a Polícia Federal prenda também Temereca, Mineirinho Trilhão157, que foi ajudado pela Dra. Carmen Lúcia, e o resto, aquela escória do Quadrilhão que impera, impune, no Plabaixo.

    A nova Operação se chamaria “De frente pros crimes” dos que sempre ficam impunes, com ajudinhas de Gilmares, Moros, PFs, etc.

    Também esperamos que ninguém se suicide ou seja suicidado nessas operações, o que já é marca registrada das forças repressoras que servem aos direitistas do Brasil.

    Ass. João Bosco/ Aldir Blanc

     

    NOTA DE REPUDIO À AÇÃO DA PF NA UFMG E EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO

    A Sociedade Brasileira de Sociologia vem expressar seu veemente repúdio diante da violência cometida no dia 06/12/2017 contra seus dirigentes e funcionários.

    A condução coercitiva dos dirigentes e professores da UFMG  para depoimento na sede da Polícia Federal representa um ato autoritário e afastado do objetivo de realização da justiça. A Sociedade Brasileira de Sociologia vem expressar seu veemente repúdio diante da violência cometida no dia 06/12/2017 contra seus dirigentes e funcionários.

    Lamentavelmente, repete-se a mesma truculência que ocorreu recentemente com a Universidade Federal de Santa Catarina cujo desfecho provocou o suicídio do então Reitor desta Instituição.

    A recorrência deste ato no interior da Universidade Federal de Minas Gerais atenta claramente contra o principio da autonomia das instituições universitárias assegurada pela Constituição Federal. A Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) expressa sua solidariedade aos docentes, alunos e funcionários da Universidade Federal de Minas Gerais.

    A SBS se junta a demais Associações Científicas existentes no país para defender a autonomia das universidades públicas, para resguardar o exercício do livre pensamento e da liberdade de expressão, princípios estes que vem sendo atacados de forma crescente por determinados setores da sociedade nacional.
    A SBS reafirma com mais esse documento seu firme compromisso em defesa da universidade pública e gratuita e da preservação da democracia no País.

    BRASÍLIA, 07 DE DEZEMBRO DE 2017

     

    Universidades contra privatizacão
    ENTIDADE CHAMA “OPERAÇÃO RESISTÊNCIA”

    Cristina del Papa, coordenadora do Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino, faz um vigoroso chamado a todas as entidades de ensino e a toda a população para integrar a #OperacaoResistencia contra a tentativa de desmoralização das universidades públicas pela ofensiva fascista e neoliberal.

    Com clareza e coragem impressionantes, Cristina del Papa traz um relato sobre a reunião do Conselho Universitário da UFMG – Universidade Federal de Minas Geraisapós prisão de seus dirigentes na manhã do dia 7/10. A sindicalista fala dos detalhes brutais da prisão de homens e mulheres inocentes das instituições de ensino que ferem os direitos humanos.

    O interesse dos ataques truculentos da Polícia Federal contra a UFMG e a UFSC são claros, diz ela: desqualificar as universidades perante a opinião pública para privatizar e acabar com o sistema federal de ensino enquanto focos de resistência contra esta ditadura.
    (Raquel Wandelli/Jornalistas Livres)

    Fonte: Sindifes – Sindicato dos Trabalhadores Instituições Federais de Ensino

    Manifesto de solidariedade aos acadêmicos brasileiros cujas liberdades básicas estão ameaçadas

    ESQUERDAS MUNDIAIS – Solidarity.University.Brazil@Gmail.Com

    Na Quarta-feira, 6 de dezembro de 2017, a Polícia Federal Brasileira emitiu um mandato para levar ao lugar de seis colegas da Universidade Federal de Minas Gerais, incluindo o presidente e a vice-presidente desta grande universidade pública. Sem os investigadores terem sido chamados a testemunhar, as forças da ordem intervieram no campus, equipadas com armas de assalto e para alguns rostos mascarados, a fim de levar os nossos colegas sob coacção na esquadra.

    O objecto da operação é a participação destes universitários no memorial da amnistia política de belo horizonte, um monumento de homenagem às vítimas da última ditadura militar cuja construção contraria explicitamente as redes conservadoras em plena ascensão no aparelho de estado brasileiro. A informação divulgada até à data pela polícia não indica qualquer suspeita de irregularidade, mas sim um hipotético emprego de fundos destinados ao memorial em outras atividades de investigação e bolsas estudantis. Para além da óbvia discrepância entre o objecto do inquérito e os meios utilizados, o objectivo deste destacamento de força é intimidar os colegas envolvidos num trabalho de memória dos crimes cometidos sob a ditadura, através do memorial e do A sua participação na Comissão Nacional da verdade (2012-2014). O nome da operação policial, “esperança equilíbrio”, goza, aliás, com um incrível cinismo uma das canções mais famosas de luta pela amnistia e a recuperação de Democracia.

    As detenções no campus da Universidade Federal de Minas Gerais não têm nada a ver com o emprego regular da polícia: São uma operação de terror. Visam intimidar o meio académico brasileiro, desencorajar as tomadas de posição política dos intelectuais, e impedir a continuação das políticas de memória e de justiça transicional sobre a ditadura militar. Não se trata de medidas isoladas: nos últimos meses, os professores e investigadores identificados como hostis ao governo em vigor ou que participaram em projectos memória em torno da ditadura foram objecto de processos judiciais injustificados em todo o país. Há algumas semanas atrás, esta perseguição levou ao suicídio do presidente da Universidade Federal de Santa Catarina.

    Nós, professores e investigadores de todas as nacionalidades, condenamos firmemente o tratamento infligido aos nossos colegas da Universidade Federal de Minas Gerais. Consideramos que a instrumentalização da coerção policial e dos processos judiciais para fins de perseguição política, ou lawfare, é incompatível com o estado de direito. Estes processos afectam dramaticamente a imagem do Brasil no estrangeiro e a sua identificação pela comunidade internacional como uma verdadeira democracia.
    Se quiser associar-se, obrigado por enviar o seu nome, nome, cargo, disciplina e filiação institucional em:

    Solidarity.University.Brazil@Gmail.Com
    Traduzido do Francês

     

    MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL

    Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal no dia 6 de dezembro de 2017.

    O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal têm se tornado rotina no país.

    Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade.
    É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.

    Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.

    A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.

    Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando não só coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.

    Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
    Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.

    ATUALIZAÇÃO

    Recebemos mais de 3.500 assinaturas só no dia de 08 dezembro. Agora já somos quase 5 mil apoiadores!

    Continuem compartilhando nosso manifesto!

    ➡️LINK PARA ADESÃO: https://goo.gl/auM3iQ

     

    Nota da Universidade Federal de São João del Rey pela Democracia

    É com consternação que tomamos conhecimento do espetáculo criado pela Polícia Federal na manhã de hoje, ao conduzir coercitivamente os últimos três reitores e vice-reitores da Universidade Federal de Minas Gerais, para prestar informações em uma operação nomeada “Esperança Equilibrista”, sem que houvesse qualquer resistência prévia destas mesmas autoridades para colaborar em qualquer processo judicial ou administrativo acerca do projeto de implantação do Memorial da Anistia em Minas Gerais.

    Cientes da importância inafastável da transparência dos serviços públicos, condenamos o que se apresenta como uma operação para esclarecer eventuais problemas na execução orçamentária de um programa acadêmico mas que, ao se utilizar de um hino da resistência à ditadura militar como título, busca desqualificar a importância dos estudos de resgate da memória e da história desse país, já tão vilipendiadas nas inúmeras tentativas de apagamento perpetradas por governos autoritários como o atual.

    O momento da ação soma-se, oportunamente, aos ataques à liberdade de pensamento e à autonomia universitária que vêm ganhando solo neste país. Em um claro processo de criminalização da atividade acadêmica, do pensamento crítico e do livre pensar, nos últimos meses deparamo-nos com um crescente número de ações judiciais e denúncias que visam acuar e amedrontar professores e pesquisadores que desenvolvem estudos e ações progressistas em suas Universidades. São vários os casos de colegas que respondem a acusações infundadas de doutrinação e desvio ideológico em suas atividades.

    Ainda neste quadro de ataque à autonomia universitária, vivenciamos a trágica perseguição e achincalhamento moral ao reitor da Universidade Federal de Santa Catarina quando, excedendo a busca da Justiça e ocupando um papel persecutório, a Polícia Federal e o Poder Judiciário precipitaram um quadro depressivo que levou ao suicídio de Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Tais ações de investigação, marcadas por um caráter inquisitório em clara tentativa de marginalização social das autoridades universitárias, acontecem em paralelo ao esvaziamento financeiro dos orçamentos e repasses ao ensino superior federal e às tentativas de desmonte das universidades estaduais.

    Tais cortes orçamentários seguem a cartilha e recomendações do Banco Mundial que, fazendo coro a parcela da sociedade, considera que a universidade pública não deve continuar a exercer suas atividades de forma gratuita. Tal relatório e tal visão social visam retroceder o acesso ao ensino superior a apenas um grupo privilegiado da população brasileira, aqueles com condições de financiar seus estudos sem comprometer a liquidez do orçamento familiar.

    Trata-se de um projeto de desmonte do ensino público superior. Da restrição ao acesso à universidade. Da subordinação do povo que, sem acesso à formação, tem restringida também a sua soberania.

    Estendemos a toda a comunidade da UFMG, aos envolvidos no Projeto Memória e na instalação do Memorial da Anistia o nosso apoio.

    Continuaremos juntos na luta pela autonomia universitária plena.

    São João del-Rei, 06 de dezembro de 2017

    Comitê UFSJ Pela Democracia, contra o Golpe e Pelos Direitos

     

    NOTA DO CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UFMG

    O Conselho Universitário da UFMG reuniu-se nesta quinta-feira, dia 7, e emitiu comunicado em que agradece o apoio da sociedade, destaca a mobilização da comunidade acadêmica e garante estar a Universidade preparada para prestar os esclarecimentos necessários sobre a implantação do Memorial da Anistia.

    A sessão contou com a presença dos professores Clélio Campolina Diniz (reitor na gestão 2010-2014), Ronaldo Tadêu Pena (reitor na gestão 2006-2010), Ana Lúcia Gazzola (reitora na gestão 2002-2006) e Tomaz Aroldo da Mota Santos (reitor na gestão 1994-1998). Leia a íntegra da nota:

    “O Conselho Universitário da Universidade Federal de Minas Gerais, em sessão realizada em 7 de dezembro de 2017, vem a público agradecer à comunidade universitária pelas manifestações espontâneas de solidariedade a seus dirigentes e de repúdio às ilegalidades perpetradas contra os membros desta Casa. Este Conselho lamenta as consequências incalculáveis produzidas pela espetacularização midiática para a honra, a imagem e a saúde mental de gestores e servidores que deram relevantes contribuições à sociedade.

    As manifestações mostram de maneira inequívoca a coesão e a prontidão desta comunidade na defesa intransigente dos valores e propósitos permanentes desta Instituição. A designação da operação desrespeita nossa comunidade ao fazer uma alusão debochada a um símbolo da superação de um período sombrio de nossa história recente, o que desvirtua o propósito de homenagear as vítimas da ditadura expresso na criação do Memorial da Anistia.

    A UFMG está pronta. Ela está pronta, como sempre esteve e sempre estará, a prestar qualquer esclarecimento à sociedade, como é seu dever. Ela está pronta, como sempre esteve e sempre estará, a cooperar com as autoridades. Ela está pronta, como sempre esteve e sempre estará, a defender as instituições federais de ensino contra qualquer ataque.

    A condução coercitiva sem prévia intimação é prática sem respaldo jurídico e, além de vulnerar a ampla defesa, a dignidade da pessoa humana e a presunção de inocência, caracteriza constrangimento ilegal. A UFMG exige a plena observância dos direitos e garantias fundamentais contemplados na Constituição brasileira. A UFMG nunca se curvará ao arbítrio.

    Belo Horizonte, 7 de dezembro de 2017″
    A nota também pode ser lida neste arquivo em pdf:
    Maquete Memorial da Anistia

    NOTA DA ADMINISTRAÇÃO CENTRAL DA UFSC

    Administração Central da UFSC se manifesta sobre mais uma operação policial no campus
    A Administração Central da UFSC, por meio da presente nota, torna público seu posicionamento diante de operação policial que promoveu conduções coercitivas de servidores e busca e apreensão em locais do campus Trindade na manhã desta quinta feira, 07 de dezembro.

    1. Não houve, de parte das autoridades envolvidas, qualquer comunicado à instituição quanto à ação levada a cabo na data de hoje, na UFSC e em outros locais;
    2. Não houve, até o presente momento, qualquer notificação formal à instituição, a respeito do objeto das investigações, das pessoas investigadas ou dos motivos da operação;
    3. As menções de que as denúncias teriam sido encaminhadas pela administração da UFSC, conforme consta de algumas notícias veiculadas pela mídia, não se referem oficialmente a nenhuma ação que a atual gestão tenha praticado;
    4. As conduções coercitivas de servidores mostraram-se, como as prisões e outras conduções ocorridas em setembro, desnecessárias, considerando, ao que tudo indica, que não haveria resistência ou negativas em prestar todos os esclarecimentos às autoridades por parte dos envolvidos.
      Assim, manifestamos novamente nossa surpresa diante de outra operação policial, com ampla cobertura midiática, afetando diretamente a comunidade universitária sem que tenha sido respeitada a relação institucional entre os responsáveis pela operação e a Universidade Federal de Santa Catarina.

    Reafirmamos, por fim, nossa convicção de que todo e qualquer ato que configure irregularidade deva ser rigorosamente apurado, desde que seguidos os princípios da presunção de inocência, do direito à ampla defesa e ao contraditório, com base no devido processo legal, rejeitando qualquer ação apenas espetaculosa e midiática, a exemplo do que vivemos recentemente e cujo trágico desfecho é de conhecimento de toda a sociedade.

    Administração Central da UFSC
    07 de dezembro de 2017

     

    NOTA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DIRIGENTES DE INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO SUPERIOR

     

    *UM ANO DE ATAQUES CONTRA AS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS* 

     (Nota do reitor da UFPR Ricardo Marcelo Fonseca)
    Há quase um ano, no dia 9 de dezembro de 2016, a polícia federal irrompeu na UFRGS, em vista de uma suspeita de fraude em um programa de extensão. A polícia federal batizou todo o movimento de “Operação PhD”. Pouco tempo depois, em 13 de fevereiro de 2017, algo similar aconteceu na nossa universidade: numa operação (batizada de “Research”), foram envolvidos mais de 180 agentes federais, cumprindo vários mandados de prisão e oito conduções coercitivas.
     
    Mas o pior estava por vir: no dia 14 de setembro de 2017, numa operação batizada de “Ouvidos moucos” (em alusão direta à suposta falta de respostas da Universidade aos órgãos de controle), a polícia chega na UFSC para cumprir sete mandados de prisão temporária e cinco de condução coercitiva. Mais de 115 policiais foram envolvidos na operação – que vieram inclusive de outros estados. Nesse caso, porém, houve um fato grave adicional: o próprio Reitor da UFSC – Luiz Cancellier de Olivo – foi preso “por obstruir investigações”. Os supostos desvios (ainda em fase de investigação e apuração) teriam ocorrido na gestão anterior a dele. Levado a um presídio, algemado, submetido à revista íntima e solto logo depois, mas impedido por ordem judicial de colocar os pés na universidade que o elegeu, Cancellier cometeu suicídio no dia 02 de outubro de 2017.
     
    Para quem imaginava que esta tragédia serviria para que a escalada contra as universidades fosse objeto de reflexão e cuidado, hoje, dia 6 de dezembro de 2017, vem outro grande choque: o alvo foi a UFMG. Outra operação policial, com 84 policiais federais, 15 auditores da CGU e dois do TCU cumpriu oito mandados de condução coercitiva e onze de busca e apreensão. A operação – não sem certo mal gosto irônico – foi intitulada “Esperança equilibrista” (numa referência direta a uma canção símbolo da época da redemocratização brasileira, “O bêbado e o equilibrista”). Foram conduzidos coercitivamente os atuais reitor e vice-reitora da UFMG (Jaime Ramirez e Sandra Almeida), além de servidores e dirigentes das gestões anteriores.
     
    Como se viu, em pouco menos de um ano, 4 das maiores universidades federais do Brasil (UFMG, UFRGS, UFSC e UFPR), sofreram impactantes operações policiais, com quantidade de agentes (geralmente também acompanhados de auditores de órgão de controle) suficientes para um conflito armado. Todas com imensa e desmedida repercussão midiática. Em alguns desses casos, com prisão ou condução coercitiva das autoridades máximas – no planos administrativo e simbólico – das instituições universitárias. Nunca se viu um cenário desses antes.
     
    As universidades, seus professores, servidores técnicos e pesquisadores teriam se pervertido tanto assim em um ano? Teriam se transformado de repente em ninhos de bandidos? E se perceba: se está falando de instituições tradicionais – a nossa UFPR é centenária – que durante décadas foram vistas como celeiros do conhecimento brasileiro e da formação de gerações. As universidades não são perfeitas, como nenhuma instituição pública ou privada o é, mas seguramente não são esse antro de corrupção, descontrole e ineficiência que as ações policiais sugerem e que a mídia propaga.
     
    Se é assim, é melhor olhar com certa frieza para o que há de comum nesse triste contexto. Primeiro, operações policiais e órgãos de controle têm elegido as universidades públicas como principais focos de sua atenção. Não são os ministérios, autarquias ou os demais órgãos federais – seguramente nenhum deles berços infalíveis de virtudes infinitas; agora os olhos do controle e da repressão se voltam para as universidades públicas.
     
    Segundo: de repente – mais do que em qualquer outro tempo – a imprensa se concentra no que acontece nas Universidades. Mas não para falar sobre os milagres cotidianos que operamos (na formação das pessoas, na ciência, na tecnologia, na inovação ou na inclusão social), mas naquilo que, aos seus olhos, lhe parece suspeito, mesmo que ainda não haja investigação ou decisão definitiva sobre o que se noticia.
    Terceiro: todas essas confusões – todas – são feitas sem que haja um juízo condenatório definitivo: o escarcéu repressivo e midiático acontece antes e a apuração de responsabilidades vem depois.
     
    Quarto: parece que houve uma suspensão de alguns direitos no Brasil, como a presunção de inocência, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana. O clima policialesco e a mentalidade inquisitória parecem ter definitivamente suplantado uma cultura de direitos que valorizava a liberdade. Em nome de um certo moralismo administrativo e de uma sanha punitivista, garantias e direitos individuais são colocados como detalhes incômodos e inconvenientes.
    Quinto: o princípio da autonomia universitária (prevista no art. 207 da Constituição), por todas as razões antes já mencionadas, hoje foi reduzido a pó e a letra morta.
     
    O momento é de fato grave: enquanto deputados ou senadores filmados em flagrante delito por graves desvios são soltos pelos seus pares, reitores têm sua liberdade cassada. A sociedade deve, com muita premência, pensar que tipo de mundo pretende construir quando instituições como as universidades públicas (responsáveis por cerca de 90% da ciência e tecnologia do Brasil) são demonizadas, expostas, desrespeitadas e quando seus dirigentes são imolados publicamente.
     
    O Brasil precisa pensar em que tipo de futuro quer apostar. E para mim a resposta só pode ser essa: é momento de resistir e defender a Universidade Pública. Viva a UFRGS! Viva a UFSC! Viva a UFMG! Viva a UFPR!
    Ricardo Marcelo Fonseca
    Reitor da UFPR
    6 de dezembro de 2017

    MENSAGEM DE REPÚDIO DO PROFESSOR BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS PELA CONDUÇÃO COERCITIVA DO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

    Na minha qualidade de Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, quero manifestar o mais vivo repúdio pela despropositada e ilegal condução coercitiva de que foi vítima o Reitor e a equipa reitoral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    Quero ao mesmo tempo testemunhar a mais veemente solidariedade a estes académicos íntegros e quero pedir-lhes, em nome da comunidade académica internacional, que não se deixem intimidar por estes actos de arbítrio por parte das forças anti-democráticas que tomaram conta do poder no Brasil.

    Eles sabem bem que nada disto tem a ver pessoalmente com eles enquanto indivíduos, pois sabem que não há nenhuma razão jurídica que justifique tais acções. Os actos de que são vítimas visam, isso sim, desmoralizar as universidades públicas e preparar o caminho para a sua privatização.

    Estamos certos que estes desígnios não se cumprirão, pois a resistência da comunidade académica e do conjunto da cidadania democrática brasileira a tal obstarão.

    O Reitor da UFMG e a sua equipa reitoral estão agora na linha da frente dessa resistência e merecem por isso não apenas a nossa solidariedade, mas também todo o nosso respeito.

    Coimbra, 6 de Dezembro de 2017
    Boaventura de Sousa Santos
    Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

     

    NOTA DE SOLIDARIEDADE ÀS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS E DE REPÚDIO AOS ATAQUES DO ESTADO DE EXCEÇÃO

    O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção e o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça vêm a público manifestar seu repúdio ao violento  ataque sofrido pela UFMG no dia 6 de dezembro de 2017, bem como aos novos ataques sofridos pela UFSC na manhã deste dia 7 no âmbito da “Operação Torre de Marifim”. Eles representam uma grave violação ao Estado de Direito e à autonomia constitucional universitária que ofende todas as instituições democráticas do país. Ao mesmo tempo, os coletivos prestam inteira solidariedade ao seu corpo de dirigentes, professores e servidores agredidos pela prisão ilegal, condução coercitiva e humilhação de homens e mulheres de conduta ilibada e de contribuição largamente reconhecida à comunidade científica e à sociedade em geral.

    Forjadas num vexaminoso conluio entre Corregedoria Geral da União, Polícia Federal, Justiça Federal e Ministério Público Federal, essas operações reiteram expedientes abusivos, característicos de um Estado de Exceção. Assim como os ataques anteriores e novos impostos à UFSC, a intervenção militar sofrida pela UFMG denuncia seu verdadeiro propósito no bojo da ofensiva neoliberal sofrida pelo Brasil: promover a desmoralização e o desmonte de instituições de ensino de lisura e qualidade inabaláveis.

    Na sequência do show de horrores patrocinado pela famigerada Operação “Ouvidos Moucos” na UFSC, que culminou com a morte traumática do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, a comunidade universitária nacional assiste à caluniosa operação “Esperança Equilibrista” dar seu bote contra a segunda maior universidade do país. O mesmo padrão de conduta abusiva, violenta, espetaculosa e difamatória dos agentes da Polícia Federal desmascaram uma única operação nacional de caráter fascista. Não restam dúvidas sobre sua real finalidade: criar as condições de implantação do projeto neoliberal privatista das instituições públicas de ensino superior, a começar pelas que desfrutam de largo prestígio por sua contribuição histórica à sociedade brasileira.

    Estamos confiantes de que a reação nacional e internacional fará com que os canhões desses atentados à imagem e ao corpo das instituições se voltem contra o próprio governo que os agasalhou. É de amplo conhecimento a pauta neoliberal que está em curso por trás dessas ofensivas, com a tarefa de destruir as condições de educação pública de qualidade para abrir caminho à privatização do ensino recomendada pela cartilha do Banco Mundial. Elas ocorrem no bojo de outras ofensivas desencadeadas a partir da tomada do poder pelo Governo Temer, como a destruição das leis trabalhistas, a entrega criminosa dos recursos naturais, a privatização de setores essenciais para a soberania nacional e, finalmente o desmonte da Previdência Social e do sistema público de saúde. Humilhando, constrangendo e aviltando a dignidade dos seus dirigentes, essas operações difamatórias revelam seu claro propósito de incitar o ódio da opinião pública ignara, apelando para a falsa bandeira do combate à corrupção.

    Diante do devastador cenário nacional, assistimos hoje, contudo, ao crescimento da compreensão do povo brasileiro sobre a armadilha dessa bandeira marcada pela hipocrisia, que serve como um cavalo de troia para a retirada dos seus direitos e anulação das políticas públicas. Forjadas na calúnia, no abuso de autoridade e na ilegalidade de prisões que aviltam os direitos humanos e jurídicos dos representantes eleitos das comunidades universitárias, essas intervenções denunciam um mesmo modus operandi. O grande dispêndio de recursos para mobilizar contingente excessivos de policiais, superior ao desvio de recursos que essas operações colocam sob suspeita, por si só desmentem o seu caráter moralista.  Conforme demonstram as contas da UFSC e da UFMG, rastreadas e aprovadas por todos os órgãos federais de controle e fiscalização, não há recursos públicos a recuperar que possam justificar os danos ao Estado Democrático de Direito e à vida comunitária causados por essa onda de violações.

    O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção se une a todas as forças democráticas do país no levante em defesa das nossas universidades. Nosso mais veemente repúdio à Operação “Esperança Equilibrista”, que desde seu nome expressa a afronta e o deboche deste governo não só pelo patrimônio material e imaterial da educação pública, como também pela memória histórica e cultural do nosso país. Não à toa, seu alvo é um símbolo democrático como o Memorial da Anistia, dedicado à documentação dos crimes cometidos pela Ditadura Militar contra artistas, intelectuais, estudantes, educadores e operários brasileiros, que em grande medida partiram de ataques idênticos às nossas instituições universitárias. O passado triste e sujo de manchas torturadas, imortalizado pela canção de João Bosco e Aldir Blanc, aviltada pelo sequestro indébito do seu sentido, é o que essas ações pretendem reeditar no nosso país. Não conseguirão, contudo, nos intimidar: os atentados fascistas só servirão para acordar os incautos e nos tornar mais fortes e mais coesos.

    NÃO PASSARÃO! DITADURA NUNCA MAIS, SUICÍDIO NUNCA MAIS!

    Assina

    Floripa Contra o Estado de Exceção e Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça
    Florianópolis, 07 de dezembro de 2017.

     

    A Trincheira Simbólica contra o Estado de Exceção

     

    Fonte das fotos: https://www.ufmg.br/online/arquivos/005910.shtml
    O General João Figueiredo foi o responsável por sujar de tinta e limpar o sangue do papel que portava a lei n° 6.683, que anistiava todos que cometeram crimes políticos e eleitorais e funcionários públicos no descumprimento das leis entre setembro de 1961 e agosto de 1979.

    Fruto de forte pressão popular, como resultado, trouxe de volta ao Brasil exilados políticos, entre eles artistas e políticos. Uma onda de otimismo e esperança encheram as ruas e deu força para movimento das eleições diretas. O “Bêbado e o Equilibrista” de Aldir Blanc e João Bosco na voz de Elis Regina marcou uma época e virou hino da abertura política.

    Quem poderia imaginar que a lei da Anistia, a despeito de seu valor simbólico, alimentou o parasita fascista no seio da democracia e criou escola. Centenas de presos políticos contrários ao regime militar, cumpriram suas penas integralmente mesmo após a vigência da lei por crimes imputados pela justiça dos generais, acusados de terrorismo e mortes, sem possibilidade de recurso. Quanto aos agentes da repressão estatal, ficaram impunes pela mesma lei dos crimes de sequestro, estupro, tortura, assassinato, terrorismo e ocultação de cadáveres.

    Que tipo de exemplo você sinaliza a jovens que acompanharam a abertura política, a constituinte de 1988, a primeira eleição e toda a história política até o golpe de 2016 com os generais criminosos e torturadores do DOI-CODI gozando de liberdade, curtindo sua aposentadoria com total liberdade, enquanto famílias das vítimas tentam se recuperar após serem destroçadas pelas mãos de ferro do estado fascista. Ainda que o estado posteriormente tenha indenizado filhos, esposas ou mães, recuperado aposentadorias das antigas funções públicas ou o mero reconhecimento público de crimes dos agentes da repressão de estado pela comissão da verdade, nada disso foi capaz dissipar a materialização do ideal opressor incentivado pelo valor simbólico de sua história.

    Hordas de mancebos de gerações alienadas, movidos pelo estigma individualista do ideal propugnado pelo “American way of life” e que hoje ocupam cargos públicos no ministério público, polícia federal e justiça federal são candidatos ideais a herdarem o fenótipo fascista, moldado pelo eloquente simbolismo que a impunidade de seus antecessores alforriados. Eles só precisam de um pouco de ódio para florescerem.

    Sob a batuta do mercado, o golpe de 2016 que serve de terra prometida para as novas oportunidades, criam-se também novas demandas para tais mercenários dispostos a polir o ódio e alimentar o ego. Se a fome por petróleo, energia elétrica e água potável é tão implacável quanto a fome de uma tempestade de gafanhotos, porque ignoraríamos o grande potencial econômico que a educação é capaz de oferecer para um país com mais de 50 milhões de estudantes, 8 milhões dos quais, estudantes do ensino superior. Seria plausível desconfiar dos recentes ataques policiais-midiáticos à universidades federais como a UFSC e UFMG? Porque ignorar o poder letal da desmoralização pública de instituições respeitáveis e com grandes orçamentos?

    Sem sombra de dúvida as universidades e as escolas agregam uma resistência ao golpe de estado, como foi com os “Ocupa Escola” de 2016.  Já no golpe de 1964, a repressão voltou seu olhar para as universidades, celeiro de “subversivos” como eram chamados pelos colaboracionistas e golpistas.

    Independente do mérito das respectivas investigações, impossível justificar missões policiais com mais de cem agentes públicos compostos por políciais federais e auditores federais nas duas universidades e que despenderam gastos astronômicos. O que justificaria passar por cima da lei e sequestrar o reitor Cau Cancelier e mantê-lo em cárcere? O que justificaria a condução coercitiva do reitor e vice-reitora, ex-reitor e ex-vice-reitora da UFMG sem terem sido intimados anteriormente?

    A “guerra contra o terror” de George W. Bush geraram as leis patrióticas no pós onze de setembro para aplacar a ameaça do oriente médio e que tiraram a liberdade de milhares de muçulmanos sem julgamento. Criou-se um precedente para o Estado de Exceção para justificar a “liberdade” dos cidadãos estadounidenses. Seria a “guerra contra a corrupção” uma cópia mal feita para justificar o retorno à estabilidade das elites e o domínio da senzala? Hoje é fato consumado que os desastres das missões no Afeganistão e Iraque escondiam interesses privados de grandes corporações. Porque aqui no Brasil a guerra contra a corrupção seria diferente? Interesses poderiam acobertar tais operações? É preciso que Brasil tome providências urgentemente contra o avanço do Estado de Exceção e abusos de autoridades. Não bastou o precedente do reitor Cancellier?

    Sobre o nome da operação na UFMG “Esperança Equilibrista” envolvendo o memorial da Anistia, não há ironia, que melhor forma de transformar simbolicamente os sonhos revolucionários que atingi-los diretamente. Não é de hoje que as apropriações culturais deformam o simbolismo original, mas “O Bêbado e o Equilibrista” é maior do que qualquer ameaça fascista e nunca deixará de ser hino.

    Chico Caprario
    Estudante UFSC

     

    CARTA ENTREGUE PELO COLETIVO FLORIPA CONTRA O ESTADO DE EXCEÇÃO AO REITOR PRÓ-TEMPORE DA UFSC

    NOTA DA ADUFC-SINDICATO CONTRA A INVASÃO DA POLÍCIA FEDERAL À UFMG

    NOTA DA ADUFC-SINDICATO CONTRA A INVASÃO DA POLÍCIA FEDERAL À UFMG

    A diretoria da Adufc-Sindicato vem a público repudiar de forma veemente a invasão patrocinada pela Polícia Federal, na manhã de quarta-feira (06), à Reitoria da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    Numa ação autoritária e injustificada, aos moldes dos regimes de exceção, e ferindo a autonomia universitária, os agentes da PF levaram coercitivamente para prestar depoimento na sede da Polícia Federal, em Belo Horizonte, o Reitor Jaime Arturo Ramírez, a vice-reitora Sandra Goulart (eleita para a reitoria a partir de 2018), além de três ex-reitores e ex-vice-reitores.

    A ação intolerável da PF, denominada “Esperança Equilibrista coincide com o lançamento, na próxima semana, do relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais e às vésperas da votação da Reforma da Previdência.

    É importante lembrar que o atual superintendente da Polícia Federal, responsável pela operação na UFMG, foi recentemente indicado pelo presidente ilegítimo Michel Temer. Na posse afirmou não ser “uma única mala cheia de dinheiro, indício de corrupção”.

    A invasão desta quarta-feira na Universidade Federal de Minas Gerais é parte de uma estratégia que visa desmoralizar e enfraquecer o ensino superior público, com o claro objetivo de entregá-lo à iniciativa privada.

    Enquanto o governo de Michel Temer conspira contra o povo brasileiro, buscando aprovar a reforma da Previdência, juntamente com um Congresso Nacional venal, a Polícia Federal cumpre um papel deplorável de servir como instrumento para tentar desestabilizar a Universidade Pública Brasileira.

    Nos solidarizamos com a comunidade da UFMG e conclamamos os que fazem a universidade pública a reagir às arbitrariedades e violências praticadas pelo governo de Michel Temer e a Polícia Federal.

    PELA UNIVERSIDADE PÚBLICA, GRATUITA, INCLUSIVA E DE QUALIDADE!

    FORA MICHEL TEMER!

    A DIRETORIA

     

    Nota da Frente Brasil Popular sobre a operação da PF na UFMG*

    Em uma ação intolerável e inconstitucional na manhã desta quarta-feira, 6 de dezembro a Polícia Federal invadiu a UFMG. Na sequência conduziu coercitivamente os três últimos reitores e vice-reitores da universidade.

    Em clara demonstração do avanço do estado de exceção a operação foi denominada “Esperança Equilibrista”, ocorrendo há menos de uma semana do lançamento do relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais e as vésperas da votação da Reforma da Previdência, como tem sido prática das forças do golpe.

    A atual direção da Policia Federal indicada pelo governo do golpe preserva os corruptos e persegue os honestos. A atual operação, conduzida pela PF com apoio de Ministério e da CGU do atual governo federal, tem claro objetivo de desmoralizar a universidade pública, o pensamento crítico, a educação e a pesquisa acadêmica brasileira.

    É preciso lembrar que após o impeachment o governo ilegítimo sequer nomeou novo presidente para a Comissão da Anistia responsável por lançar o projeto em 2008, paralisando os trabalhos.

    Demonstra claro recado ideológico e ataca uma obra fundamental para defesa da democracia e a cultura democrática brasileira. O Memorial da Anistia visa dignificar os que lutaram contra o regime militar, assim como os memoriais existentes da Alemanha nazista, do apartheid na África do Sul, e da ditadura Pinochet de Allende.

    Exigimos a imediata destituição do diretor da Policia Federal e a paralisação do processo tamanha a extensão da arbitrariedade.

    Abaixo o estado de exceção e ao ativismo judicial e policial persecutório seletivo!

    Ditadura nunca mais!

    Em defesa da universidade pública, da autonomia universitária e do pensamento crítico!

    Pelo direito a memória, a verdade e a justiça!

    *Frente Brasil Popular MG*

     

    CARTA DE MINAS GERAIS

    Nem é possível dizer bom dia em Minas Gerais hoje.
    O fascismo cresce quando ficamos calados! Nós não ficaremos calados! A UFMG sofre o mesmo ataque que a Universidade de Santa Catarina sofreu! Nossos reitores foram levados coercitivamente no início desta manhã, daqui a pouco uma entrevista coletiva tornará tudo um “espetáculo” de promoção pessoal dos agentes que estão atuando nisso, poucas perguntas serão feitas pela mídia comercial, as pessoas serão condenadas, antes sequer de serem acusadas e julgadas.
    Não haverá o contraditório!

    Nós faremos o contraditório!

    Para quem tem compromisso com a democracia convidamos para um ato que começa AGORA na porta da Polícia Federal (Rua Nascimento Gurgel, 30, Gutierrez)

    À imprensa, coletiva às 14 horas na sala de imprensa da Assembleia Legislativa

    Texto presente nas páginas de Rudá Guedes Ricci e Beatriz Cerqueira.

     

    CARTA DA UNE

    “A UFMG não tem medo de investigação, tem medo é de perseguição política!”

    Presidente da UNE, Marianna Dias: “Querem dar a sensação que a universidade é corrupta para poder justificar a falta de investimento público”

    É um ultraje. A Polícia Federal extrapolou da provocação para a indignidade ao nomear a operação que conduziu coercitivamente os reitores da UFMG nesta quarta-feira (06/12) de “Esperança Equilibrista” nome da música de João Bosco & Aldir Blanc, hino do Brasil na época da ditadura e da anistia. Pior do que utilizar uma letra simbólica em uma operação que ameaça uma obra que homenageia os perseguidos políticos é fazer referência aos cartazes que defenderam o ex-reitor da UFSC, professor Luiz Carlos Cancelier que depois de ser levado ao escárnio público, não conseguiu lidar com a situação de injustiça e acabou se suicidando em Outubro. Na época estudantes, professores e funcionários utilizaram a letra da música em protestos contra a prisão de Cancelier. A PF achou que podia achincalhar a defesa de um professor honrado com histórico de luta pela sua instituição. Não pode! Não vamos tolerar que zombem da nossa luta!

    Temos visto o Estado brasileiro e suas instituições abusarem do poder para perseguir novamente defensores da educação pública e da democracia brasileira. É uma repetição infeliz de um dos períodos mais tristes da nossa história, o estado de exceção está batendo na nossa porta.

    Querem dar a sensação que a universidade é corrupta para poder justificar a falta de investimento público, os cortes no essencial para que elas funcionem, fazer com que bolsas para pesquisadores sejam suspeitas de desvio de dinheiro, assim como acontece agora no Memorial da Anistia que vem sendo construído pela UFMG.

    Para a UNE é emblemático que esta operação da Polícia Federal seja justamente sobre a pesquisa desenvolvida para memória daqueles que lutaram contra os abusos da Ditadura Militar. Uma nova onda de perseguição política e patrulhamento ideológico que se assemelha com aquele período está em curso.

    O espetáculo, as conduções coercitivas sem necessidade, o julgamento midiático, fotos intencionalmente vazadas de cidadãos investigados, tudo está sendo usado para deslegitimar o óbvio: ninguém é culpado até que se prove.

    O Memorial da Anistia, ao que sabemos, teve todas as suas contas aprovadas. A UFMG resiste e a sua comunidade acadêmica sai em sua defesa.

    O reitor da UFSC deixou em carta póstuma que começou a morrer no dia que foi preso. A nossa democracia também segue doente deste o golpe que tirou a primeira mulher à frente da República e agora espalha morte por onde passa.

    Não temos medo de investigação, temos medo de injustiças continuadas, de abusos sistemáticos, perseguições políticas, de governos sem representatividade, de presidentes levados ao poder sem voto.
    Estaremos de pé para defender a soberania do voto popular, o Estado Democrático de Direito, e as nossas universidades públicas que desde as cotas estão mais próximas da cara do povo brasileiro. Como profetizou nosso presidente ilustre, Honestino Guimarães, que perdeu a vida na luta: “Podem nos prender, podem nos matar, mas um dia voltaremos, e seremos milhões”!

    *Marianna Dias é presidenta da União Nacional dos Estudantes.
    Manifesto organizado por professores da UFMG e da USP e assinado por intelectuais de diversas partes do país e do exterior em defesa da universidade pública e em repúdio aos atos de violência cometidos hoje em Belo Horizonte. Os que quiserem aderir enviar email para avritzer1@gmail.com

    MANIFESTO EM DEFESA DO ESTADO DE DIREITO E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA NO BRASIL

    Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal no dia 6 de dezembro de 2017. O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal tem se tornado rotina no país.
    Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a autonomia da universidade. É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.
    Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
    A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui 33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
    Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando não só coagir, mas intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção. Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade, especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.
    Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.

    Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.

    Assinam:

    Paulo Sérgio Pinheiro (ex ministro da secretaria de estado de direitos humanos)
    Boaventura de Sousa Santos (professor catedrático da Universidade de Coimbra)
    André Singer (professor titular de ciência política usp e ex-secretário de imprensa da presidência)
    Ennio Candotti (ex-presidente e presidente de honra da SBPC)
    Newton Bignotto (professor do Departamento de Filosofia da UFMG)
    Leonardo Avritzer (ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política)
    Fabiano Guilherme dos Santos (presidente da ANPOCS)
    Maria Victória Benevides (professora titular da Faculdade de Educação da USP)
    Roberto Schwarz (professor titular de Literatura da Unicamp)
    Renato Perissinoto (presidente Associação Brasileira de Ciência Política)
    Fábio Wanderley Reis. (Professor Emérito da UFMG)
    Cícero Araújo (Professor do Departamento de Ciência Política da USP)
    Sérgio Cardoso (Professor do Departamento de Filosofia da USP)
    Marilena de Souza Chauí (Professora titular do Departamento de Filosofia da USP)
    Fábio Konder Comparato (Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP)
    Ângela Alonso (professora do Departamento de Sociologia da USP)
    Juarez Guimarães (professor do Departamento de Ciência Política da UFMG)
    Michel Löwy. (Pesquisador do CNRS, França)
    Adauto Novaes (Arte e Pensamento)
    Maria Rita Kehl (psicanalista)
    Thomás Bustamante (Professor da Faculdade de Direito da UFMG)
    Lilia Moritz Schwarcz (Professora do Departamento de Antropologia da USP)
    Gabriel Cohn (ex-diretor da Faculdade de Filosofia da USP)
    Marcelo Cattoni (professor da Faculdade de Direito da UFMG)
    Amélia Cohn (professora do Departamento de Medicina Preventiva da USP)
    Dulce Pandolfi (Historiadores pela Democracia)
    Oscar Vilhena Vieira (Diretor e professor a Faculdade de Direito da FGV-SP)
    Alfredo Attié (Presidente da Academia Paulista de Direito Titular da Cadeira San Tiago Dantas)

    CARTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPel)

    A administração da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) vem a público manifestar sua indignação com o tratamento dispensado as Universidades Federais brasileiras nos últimos meses. Os fatos ocorridos ontem na UFMG, e amplamente noticiados, representam mais um ataque a esse patrimônio da sociedade brasileira. Devemos lembrar que ataques similares já ocorreram na UFRGS, na UFPR e na UFSC, sendo que esse último culminou inclusive no suicídio do Reitor.

    O financiamento das Universidades Federais tem sido severamente reduzido, embora as propagandas oficiais tentem noticiar o contrário. Ao longo do ano, os recursos foram repassados num ritmo “conta gotas” inédito, sendo que cada nova liberação do recurso, já deficitário, gerava uma peça publicitária como se representasse incremento de financiamento. Na verdade, nossos recursos de investimentos, para obras e equipamentos, diminuíram quase a zero. Nossos recursos de custeio, para manutenção da Universidade, são insuficientes e diminuem a cada ano.

    A alta cúpula do Ministério da Educação defende publicamente a cobrança de mensalidade em Universidades Públicas, atacando mais uma vez esse patrimônio histórico da sociedade brasileira. Aliás, quem deveria por ofício nos defender, nos ataca. O Plano Nacional de Educação é solenemente ignorado, tendo em vista que suas metas jamais serão atingidas com o corte drástico de recursos vivenciado pelas Universidades Federais. Nossa autonomia, um direito constitucional conquistado com muita luta, é diariamente ferida.

    Apoiamos que irregularidades sejam analisadas e corrigidas, mas jamais de modo truculento. Esse descaso e desrespeito com as Universidades Federais brasileiras deve ser motivo de indignação para toda a população. A administração da UFPel manifesta sua solidariedade a nossa coirmã UFMG e nosso repúdio ao modo como as Universidades Federais vêm sendo tratadas num país que tanto carece de educação de qualidade.

     

    NOTA CONJUNTA SOBRE A AÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL NA UFMG

    ADUFU, SINTET, DCE E APG-UFU repudiam, veementemente, a ação orquestrada pela Polícia Federal (PF) na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na manhã desta quarta-feira (06). A ação, denominada “Esperança Equilibrista”, que visa a apurar desvios de recursos nas obras do Memorial da Anistia, conduziu coercitivamente o reitor, a vice-reitora e outras seis pessoas. Operação de mesma natureza ocorreu na Universidade Federal de Santa Catarina, no último setembro, e teria levado o então reitor Luiz Carlos Cancellier, em 2 de outubro deste ano, ao suicídio.

    O reitor Jaime Arturo e a vice-reitora Sandra Goulart são docentes de pensamento democrata e progressista, defensor e defensora da universidade pública e, por isso, a ADUFU se solidariza com todas as pessoas levadas coercitivamente, repudiando a ação truculenta da PF que, mesmo após a morte de Cancellier, não procurou modificar a sua abordagem, capaz de destruir ou manchar a imagem dessas pessoas e da universidade.

    Vale ressaltar que não entendemos essas ações como isoladas, mas fruto de uma tentativa de desqualificação das gestões públicas e de abertura para o debate sobre a privatização das universidades públicas, uma vez que, no atual contexto, o governo veio à público defender a cobrança de mensalidade nas instituições de ensino superior brasileiras.

    Sendo assim, a ADUFU e demais entidades reafirmam o seu compromisso com a defesa incansável da educação pública, gratuita e de qualidade e reiteram a importância do direito ao contraditório e da presunção de inocência para todos e todas indistintamente, direitos garantidos pela constituição de 1988.

    Diretoria Executiva da ADUFU, Gestão Resistir e Lutar, Seção Sindical do ANDES
    Sindicato dos Trabalhadores Técnico – Administrativos em Instituições Federais de Ensino Superior de Uberlândia – SINTET UFU
    Diretório Central dos Estudantes da UFU, Gestão Todos os Cantos – DCE UFU
    Associação de Pós-Graduandos da UFU – Gestão 2016-2017 – APG UFU
    Uberlândia, 06 de dezembro de 2017

     

    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA

    Via Professora Sonia W Maluf

    Caros/as, estou na XII Reunião de Antropologia do Mercosul, em Posadas, Argentina, e acabamos de aprovar uma nota apresentada pela ABA (Associação Brasileira de Antropologia) em repúdio aos ataques à universidade pública brasileira e às ações da PF e do MPF que ferem a autonomia universitária e representam um ataque ao ensino público, sobretudo no casos recentes da UFPA (invasão, patrocinada por um prefeito e seus capangas, de uma atividade da profa. Rosa Acevedo sobre a ação da mineradora Belo Sun na região), UFMG (prisão de reitor, vice-reitora e outros docentes) e UFSC (ação anterior e ação feita hoje). A nota ainda não foi publicada, mas logo que for envio. A RAM reunião mais de 2000 antropólogos e estudantes de antropologia do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai, e outros paises da América Latina.

     

    CANCELLIER Vol. 2: AGORA MEGANHAGEM LEVA EM CONDUÇÃO COERCITIVA REITOR DA DA UFMG!

    A tática é de intimidação da academia, especialmente a da universidade pública. Claro: ela constitui um dos pontos nodais da resistência da sociedade brasileira ao(s) golpe(s). Tanto golpe o político (Temer e demais ladrões), quanto o econômico (desmonte do Estado e da soberania), o social (fim dos direitos), o jurídico (“República da meganhagem”) e o cultural (neo-fascimo ultraliberal “de rede social”).

    Se precisar desenhar para os mais lentinhos:

    (1) Foi na UFMG que o MPF instaurou investigação contra grupo de estudos que abordava “marxismo” em 2017;
    (link: https://www.ocafezinho.com/2017/08/03/mpfmg-arquiva-pedido-de-investigacao-de-grupo-de-estudos-marxistas-da-ufmg/)
    (2) O alegado desvio de dinheiro na UFMG é relativo à construção de um Memorial da… ANISTIA (!);
    (link: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/12/06/interna_gerais,922419/pf-faz-operacao-contra-desvio-de-dinheiro-em-obra-da-ufmg.shtml)
    (3) Em 2016, a professora italiana Maria Rosaria Barbato, da Faculdade de Direito da UFMG, foi intimada a depor na PF após “denúncia anônima” de que participara de ato contra o golpe, o que violaria o (antigo) Estatuto do Estrangeiro.
    (link: https://www.ufmg.br/online/arquivos/043530.shtml)
    (4) O Banco Mundial recomenda privatização das universidades públicas brasileiras (2017).
    (link: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/11/21/internas_economia,918285/banco-mundial-sugere-fim-do-ensino-superior-gratuito-no-brasil.shtml)
    (5) A (minha) UERJ seguiu na frente, como o projeto piloto do fim da universidade pública.
    (“Meirelles exige fim da UERJ para ajudar o Rio” – link: https://www.ocafezinho.com/2017/09/05/meirelles-exige-fim-da-uerj-para-ajudar-rio/)
    (6) O martírio do Reitor Cancellier, da UFSC, é o exemplo (literalmente) lapidar do que pode esperar quem, na academia, ousar se insurgir.

    Abaixo, relato do professor da UFMG Carlos Alberto Ávila Araújo:

    “Todo apoio ao reitor da UFMG Jaime Ramirez e vice-reitora Sandra Goulart levados coercitivamente pela polícia hoje. Não havia necessidade. Bastava convocá-los. Não há corrupção. Basta verificar os fatos para ver o que de fato ocorreu. Mas o papel da polícia federal no Brasil hoje é o de proteger os corruptos (Aécio, Perrella, Geddel, Temer, Globo, Moro) e perseguir todos os que lutam contra o golpe. E também convencer a população que é preciso privatizar tudo”.

    Pegos de surpresa, não hesitamos, Miguel Do Rosario, Wellington Calasans, Tássia Camargo, Tadeu Porto e eu, em tornar este o tema do Programa Cafeína, de O Cafezinho, desta semana. Hoje, ao vivo, (excepcionalmente) às 19h, horário de Brasília. Receberemos a ex-Professora da UFMG e atual Professora da UnB Beatriz Vargas Ramos, Professora de direito penal e de criminologia.

    Não nos intimidarão! Abaixo o golpe! Abaixo a meganhagem!

    Jornalista Rômulus Maya, do Blog O Cafezinho

    É HORA DE DEFENDER A UNIVERSIDADE

    André Singer
    9/12/2017

    Na quarta (6), três meses depois do episódio que levou o então reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) ao suicídio, a Polícia Federal (PF) resolveu repetir a dose com o da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O procedimento foi o mesmo. Agentes chegam de surpresa à casa da vítima, que nunca fora intimada a depor, cedo de manhã, e a levam, sob vara, para alguma instalação policial.

    O engenheiro Jaime Arturo Ramirez teve mais sorte do que o advogado catarinense Luiz Carlos Cancellier, sendo liberado após algumas horas. O segundo, submetido à humilhação de algemas, correntes nos pés, desnudamento, revista íntima, uniforme de presidiário e a cela onde teve que dormir, matou-se 15 dias mais tarde.

    Ao deixar as dependências da PF, Ramirez, levado ao mesmo tempo que outros seis quadros da UFMG, fez uma declaração sucinta: “Fomos conduzidos de forma coercitiva e abusiva para um depoimento à Polícia Federal. Se tivéssemos sido intimados antes, evidentemente teríamos ido de livre e espontânea vontade”. Alguém duvida?

    Segundo os documentos disponíveis, o Ministério Público foi contrário à condução coercitiva. Mas a PF insistiu, e a juíza encarregada acatou a demanda, alegando “possibilitar que sejam ouvidos concomitantemente todos os investigados, (…) impedir a articulação de artifícios e a subtração de provas”. Sem qualquer justificativa consistente, a direção da universidade, tal como havia ocorrido em setembro na UFSC, foi tratada como uma quadrilha de assaltantes, justificando o aparato —84 policiais— destinado a capturá-los.

    Na realidade, de acordo com o reitor de uma instituição congênere, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a onda de criminalização dos campi começou no final de 2016, quando “a Polícia Federal irrompeu na UFRGS [a federal do Rio Grande do Sul], em vista de uma suspeita de fraude em um programa de extensão”. Em fevereiro de 2016, a própria UFPR foi atingida: 180 agentes cumpriram vários mandados de prisão e oito conduções coercitivas. Depois veio a prisão de Cancellier, a condução de Ramirez e, para cúmulo, mais uma incursão semelhante, na quinta, de novo na UFSC.

    Reparem nos nomes das operações sequenciais da PF: “Research”, “PhD”, “Ouvidos moucos”, “Esperança equilibrista” e “Torre de Marfim”. É óbvio que estamos diante de uma ação orquestrada e arbitrária, usando os mecanismos de exceção abertos pela conjuntura política, com o objetivo de desmoralizar o sistema público de ensino superior no Brasil.

    Se a sociedade civil não for capaz de superar divergências e se unir na defesa da universidade, teremos perdas irreparáveis. Não só na educação como na democracia.

    Publicado na Folha de S. Paulo/UOL

    É por isso que a sugestão da presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMD), Eugênia Gonzaga, tem um sentido especial. Sugere ela que a UFMG assuma de vez o Memorial, defina o Coleginho como o local para a exposição das memórias da ditadura, e transforme o prédio ao lado em um enorme memorial em defesa das liberdades, dos direitos humanos, incluindo um Memorial das Músicas em Defesa das Liberdades.

    As violências cometidas contra a Universidade Federal de Santa Catarina, a Universidade Federal de Minas Gerais e o Memorial da Anistia, podem ter uma resposta à altura: a campanha para ampliar o escopo do memorial, incluindo no prédio anexo um Memorial das Músicas em Favor das Liberdades Civis, uma maneira de juntar as lembranças da ditadura com o papel inestimável da música popular, em uma cidade fundamentalmente musical, como Belo Horizonte.

    Seria a maneira retumbante, musical, de responder aos desaforos da Polícia Federal, de batizar a operação com pedaço da letra de uma das músicas símbolos da anistia.

    Todo país que passou por ditadura militar tratou de celebrar os mortos, montar memoriais, museus, como maneira de registrar a violência, impedindo sua repetição.

    Faltava um memorial no Brasil.

    O Memorial da Anistia, em Belo Horizonte, foi pensado dessa maneira. No início, o espaço a ser ocupado era o Coleginho, construção antiga que simbolizava a resistência dos estudantes contra a ditadura. Constatou-se que as fundações não suportariam as obras. Decidiu-se por um prédio maior, bancado pelo Ministério da Justiça, mas que ficaria sob a responsabilidade da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

    A nova concepção obviamente encareceu o projeto. E as sucessivas interrupções no envio de verbas federais, com o posterior desinteresse do MJ, gerou despesas adicionais, como a manutenção de equipes de segurança, guardando o local antes das obras serem completadas.

    É possível que haja desvios. E, constatados, que os responsáveis sejam punidos.

    Mas a operação deflagrada pela Polícia Federal, Advocacia Geral da União, Controladoria Geral da União, com a cumplicidade de uma juíza irresponsável, tem alvo maior: a desmoralização da ideia de Memorial da Anistia.

    Na audiência pública realizada em 6 de setembro, em Belo Horizonte, representantes da AGU já manifestavam interesse em ocupar o prédio, alegando que a AGU estava mal instalada na cidade. A extinta Comissão da Anistia também se candidatou ao local.

    Da parte da PF de Minas Gerais – a mais partidarizada, depois de Curitiba – o empenho em conspurcar a obra em si, e não em apurar desvios.

    As violência cometidas, da violência com que acadêmicos foram conduzidos, até o batismo da operação, somado ao fato precedente, do suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, exigem uma posição imediata contra o arbítrio. E a melhor maneira, seria a música, a mesma música que foi sequestrada pelos milicianos para batizar a operação.

    É por isso que a sugestão da presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos (CEMD), Eugênia Gonzaga, tem um sentido especial. Sugere ela que a UFMG assuma de vez o Memorial, defina o Coleginho como o local para a exposição das memórias da ditadura, e transforme o prédio ao lado em um enorme memorial em defesa das liberdades, dos direitos humanos, incluindo um Memorial das Músicas em Defesa das Liberdades.

    Se a UFMG sair à frente, não haverá dificuldades em convocar os maiores artistas brasileiros para eventos em BH, visando arrecadar recursos para completar a obram, honrar os mortos e os artistas da resistência.

    O novo edifício permitirá festivais anuais de canções que celebrem os direitos sociais e esse enorme país.

    Que a resistência em torno do Memorial seja um marco da luta contra a nova ditadura.

    Luis Nassif (Publicado no GGN em 9/12/2017)

     

    Carta Aberta à comunidade científica brasileira e internacional

    Para estancar as veias abertas da Volta Grande do Xingu

    Com os sentimentos de repúdio, alerta e indignação denunciamos à comunidade científica brasileira e internacional a violência institucionalizada por meio da invasão do prefeito do município de Senador José Porfírio (PA), Dirceu Biancardi, a um seminário de pesquisa acadêmica na Universidade Federal do Pará (UFPA), na tarde da última quarta-feira, 29 de novembro de 2017.
    Na ocasião, um grupo de pesquisadores, professores, estudantes e integrantes de movimentos sociais foi duramente hostilizado e impedido, por mais de 30 minutos, de sair do auditório em que seria realizado o seminário “As Veias Abertas da Volta Grande do Xingu – Uma análise dos impactos da mineradora Belo Sun sobre a região afetada por Belo Monte”, ato que se configura como crime de cárcere privado. Para cercear o debate e forçar a abertura de uma sessão não programada e controlada por ele, o prefeito contou com o apoio de uma comitiva de mais de 40 pessoas, entre as quais se encontravam vereadores, funcionários públicos locais, garimpeiros, assentados, indígenas Juruna, comerciantes e moradores do município, aparentemente incitados à defesa do empreendimento Belo Sun, assim como a presença do deputado estadual Fernando Coimbra.
    O evento consistia no segundo dia da programação promovida pela UFPA, em parceria com a Universidade do Estado do Pará, a Fundação Rosa Luxemburgo e o Movimento Xingu Vivo para Sempre. Não fosse a violenta interrupção, a agenda permitiria a discussão dos resultados de pesquisas e informações levantadas sobre o maior projeto de mineração de ouro a céu aberto do Brasil. A intenção da empresa responsável pelo empreendimento, a canadense Belo Sun, é de operar a poucos quilômetros da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
    De acordo com dados levantados pelas organizações envolvidas, a exploração mineral sob a forma industrial na região deve aprofundar ainda mais os problemas causados pela usina, cujos graves impactos sociais, ambientais e econômicos para as populações, ecossistemas e redes de relações locais são frequentemente reportados no Brasil e internacionalmente.

    AMEAÇAS A OPOSITORES AO PROJETO DE BELO SUN
    Nos cenários de atuação das grandes mineradoras no interior da Amazônia, são recorrentes as denúncias de que as empresas atuam, por meio de constrangimentos diretos e indiretos, cooptação de pessoas ou recompensas individualizadas, para desfazer os laços comunitários, colocando membros e grupos uns contra os outros nos processos de negociação das condicionantes associadas à realização dos empreendimentos.
    Além disso, direitos territoriais são constantemente violados pelo deslocamento compulsório de moradores, provocando danos irreparáveis aos modos de vida, de relações sociais, de formas de relação com a natureza, de sustento material e de práticas culturais nos espaços atingidos.
    As ameaças de contaminação ambiental, em proporções catastróficas, por resíduos altamente poluentes também estão associadas ao projeto.
    Nesse contexto, requerem urgente investigação e medidas protetivas as ameaças diretas e indiretas a opositores do projeto Belo Sun, cujos direitos constitucionais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade se encontram sob riscos.

    CENSURA À PESQUISA
    Um dos realizadores do encontro, o projeto de pesquisa “Nova Cartografia Social da Amazônia” tem como prática comum o debate crítico, aberto, plural e inclusivo com populações locais, a exemplo de grupos quilombolas, indígenas, extrativistas e outros tantos que representam a diversidade social da Amazônia.
    Entre as organizações proponentes da pesquisa se encontra o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA (Naea/UFPA), reconhecido nacional e internacionalmente por realizar há mais de quatro décadas atividades de formação, pesquisa e debate sobre o desenvolvimento e os impactos de grandes projetos relacionados às realidades específicas e situações marcadas por conflitos socioambientais.
    Nesse sentido, também exigem providências imediatas as intimidações à comunidade acadêmica e a própria invasão ao espaço universitário, que ameaçam a produção e socialização do conhecimento crítico e de qualidade, fundamentado em pesquisas rigorosas para subsidiar políticas com fins de interesse público, inclusão socioambiental, ampliação e defesa dos direitos sociais e democráticos.

    Sendo assim, convocamos a todas e a todos em defesa:

    – Da autonomia das universidades públicas brasileiras, a partir da investigação e responsabilização processual dos autores da interrupção do seminário;
    – Da defesa das pessoas ameaçadas, especialmente as lideranças locais e os opositores do projeto Belo Sun, a partir da abertura de inquéritos policiais e medidas protetivas que assegurem os seus direitos constitucionais à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade;
    – Da defesa da democracia e da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença, especialmente num contexto de tensões como o amazônico;
    – Do respeito ao debate e à divergência de posições como princípio fundamental também ao campo da ciência e da tecnologia e das atividades de produção do conhecimento e compartilhamento da informação.

     

    Open letter to the Brazilian and international scientific community

    To staunch the open veins of the Volta Grande do Xingu

    With feelings of repudiation, alarm, and indignation, we report to the Brazilian and international scientific community the institutionalized violence committed by the mayor of the municipality of Senador José Porfírio (Pará), Dirceu Biancardi, by means of invasion on an academic research seminar at the Federal University of Pará (Universidade Federal do Pará, or UFPA), last Wednesday afternoon, November 29, 2017. At the time, a group of researchers, professors, students, and members of social movements were harshly harassed and impeded, for more than 30 minutes, from leaving the auditorium in which the seminar “The Open Veins of Volta Grande do Xingu – An analysis of the impacts of the Belo Sun mining company on the region affected by Belo Monte,” an act that constitutes a crime of false imprisonment.
    In order to close the debate and force the opening of an unplanned and controlled session, the mayor was supported by a delegation of more than 40 people, including city councilmembers, local public officials, prospectors, settlers, individuals from the Juruna indigenous group, businesspeople, and residents of the municipality, apparently encouraged to defend the Belo Sun venture, as well as the presence of the state representative Fernando Coimbra.
    The event comprised the second day of the program promoted by UFPA, in partnership with the State University of Pará, the Rosa Luxemburg Foundation, and the Xingu Forever Alive Movement (Movimento Xingu Vivo Para Sempre). If there hadn’t been a violent interruption, the schedule would have allowed for a discussion of research results and information collected on the largest open-pit gold mining project in Brazil. The intention of the company responsible for the project, the Canadian company Belo Sun, is to operate a few kilometers from the Belo Monte hydroelectric plant in Pará.
    According to data collected by the organizations involved, industrial mineral exploration in the region ought to further deepen problems caused by the plant, whose grave social, environmental, and economic impacts on populations, ecosystems, and networks of local relations are frequently reported in Brazil and internationally.

    Publicado pelo GGN 9/12/2017

    THREATS AGAINST OPPONENTS OF THE BELO SUN PROJECT

    In the case of large mining companies in the interior of the Amazon region, there are recurring complaints that companies act, through direct and indirect constraints, the cooptation of individuals, or individual payoffs, to undo community ties, placing members and groups against one another in negotiation processes around the constraints associated with the realization of business ventures.
    Additionally, territorial rights are constantly violated by the forced displacement of residents, provoking irreparable damages to ways of life, social relations, forms of relating to nature, material livelihood, and cultural practices in the spaces affected.
    Threats of environmental contamination in catastrophic proportions through highly polluted waste also are associated with the project.
    In this context, direct and indirect threats to opponents of the Belo Sun project, whose constitutional rights to life, liberty, equality, security, and property are under threat, require urgent investigation and protective measures.

    CENSORSHIP OF RESEARCH
    One of the organizers of the meeting, the research project “New Social Cartography of the Amazon,” has as a common practice of critical, open, plural, and inclusive debate with local populations, for example quilombola, indigenous, extractive, and other groups that represent the social diversity of the Amazon.
    Among the organizations proposing the research is the Center for Advanced Amazonian Studies at UFPA (Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, or NAEA), recognized nationally and internationally for more than four decades of training, research, and debate on the development and impacts of large projects related to specific realities and situations marked by socioenvironmental conflicts.
    In this sense, the intimidation of the academic community and the invasion of university space, which threaten the production and socialization of critical and quality knowledge based on rigorous research that supports policies geared towards public interest, socioenvironmental inclusion, and the expansion and defense of social and democratic rights, requires immediate action.

    Therefore, we call on all in the defense of:
    -The autonomy of Brazilian public universities, through the investigation and charging of those who organized the interruption of the seminar;
    -The protection of the threatened persons, especially local leaders and the opponents of the Belo Sun project, through the opening of police investigations and protective measures that ensure their constitutional rights to life, liberty, equality, security, and property;
    -The protection of democracy and of liberty of expression of intellectual, artistic, scientific and communicative activity, irrespective of censorship or license, especially in a context of tensions such as the Amazon;
    -The respect for debate and the divergence of positions as a fundamental principle in the field of science and technology, and of activities of knowledge production and sharing of information.

     

    Carta abierta a la comunidad científica brasileña e internacional

    Para parar las venas abiertas de Volta Grande do Xingu

    Con sentimiento de repudio, de alerta y de indignación denunciamos a la comunidad científica brasileña e internacional, la invasión del señor Dirceu Biancardi, alcalde del municipio Senador José Porfirío, en el estado de Pará, Brasil, al seminario de investigación académica en la Universidad Federal de Pará (UFPA), en la tarde del miércoles 29 de Noviembre del 2017. Calificamos este hecho como un acto de violencia institucional.

    El impedimento a que el grupo de profesores, investigadores, estudiantes e integrantes de movimientos sociales presentes salieran del auditorio donde seria realizado el seminário “Las Venas abiertas de Volta Grande do Xingu: Un análisis de los impactos de la minera Belo Sun sobre la región afectada por Belo Monte”, constituye y es entendido como retención ilegal de personas.

    Para reprimir el debate y controlar la apertura de una sesión que no había sido programada, el alcalde tuvo apoyo de una comitiva de cuarenta personas, entre las que se encontraban concejales, funcionarios públicos locales, mineros, colonos, indígenas de la nación Juruna, comerciantes y algunos habitantes del municipio. Ellos fueron aparentemente presionados para defender el proyecto Belo Sun. El diputado estadual Fernando Coimbra también estuvo presente en la comitiva.

    El ataque al evento académico se llevó a cabo en el segundo día de la programación. El seminario fue promovido por la UFPA, en cooperación con la Universidad do Estado do Pará, la fundación Rosa Luxemburgo y el movimiento Xingu Vivo para Siempre. Si no fuera por la interrupción violenta, la programación hubiera permitido la discusión de los resultados de investigaciones sobre el proyecto de minería de oro a cielo abierto más grande en Brasil. La intención de la empresa dueña del proyecto, la canadiense Belo Sun, es operar a pocos kilómetros de la hidroeléctrica de Belo Monte, en el estado de Pará.

    De acuerdo con los datos levantados por las organizaciones involucradas, la exploración de minerales sobre la forma industrial en la región debe profundizar todavía más los problemas ya causados por la planta hidroeléctrica de Belo Monte, cuyos graves daños sociales, ambientales, y económicos para las poblaciones, para los ecosistemas y para las redes sociales locales ya fueron registrados y denunciados tanto en Brasil como ante la comunidad internacional.

    AMENAZAS A LOS OPOSITORES AL PROYECTO BELO SUN

    En los escenarios da acción de las grandes mineras presentes en la Amazonia, son recurrentes las denuncias de presión, violenta o indirecta, captación de personas o dádivas de recompensas individuales, con el fin de deshacer lazos comunitarios y poner a las personas y grupos en confrontación cuando se realizan los procesos de concertación asociados a la realización de tales proyectos extractivistas.

    Además de la violación constante a los derechos sobre el territorio por el desplazamiento obligado de los habitantes, hecho que causa daños irrecuperables a los modos de vida, a las relaciones sociales y comunitarias, a la relación con la naturaleza, y al sustento tanto material como de las prácticas culturales en la regiones afectadas. Así como las amenazas al medio ambiente en proporciones catastróficas por los residuos altamente contaminantes que también están asociados al proyecto.

    En este contexto, se hace urgente investigar y tomar medidas que protejan a los opositores del proyecto Belo Sun, ya que sus derechos constitucionales a la vida, a la libertad, a la igualdad, a la seguridad e a la propiedad están en riesgo.

    CENSURA A LA INVESTIGACIÓN ACADEMICA

    Uno de los organizadores del encuentro, el proyecto de investigación “Nueva Cartografía Social de la Amazonia”, tiene como objetivo promover el debate crítico, abierto, plural e incluyente con las comunidades locales tales como grupos quilombolas, indígenas y otros que representan la diversidad de la Amazonia.

    Igualmente, dentro de las organizaciones que proponen la investigación está el Núcleo de Altos Estudios Amazónicos de la UFPA (Naea/UFPA), que cuenta con reconocimiento nacional e internacional por realizar hace más de cuatro décadas actividades de formación, investigación y debate sobre el desarrollo e impactos de mega proyectos, y su relación con las realidades específicas y situaciones marcadas por conflictos socioambientales.

    En este sentido, también se hace urgente tomar acciones inmediatas contra las intimidaciones a la comunidad académica y contra la invasión a un espacio universitario, ya que estos hechos amenazan la producción y socialización del conocimiento crítico y de calidad, fundamentado en estudios rigorosos para subsidiar políticas públicas cuyo fin es el interés colectivo, la inclusión socioambiental y la ampliación y defensa de los derechos sociales y democráticos.

    Siendo así, convocamos a todos y todas a defender:

    – La autonomía de las universidades públicas brasileñas, a través de la investigación judicial y responsabilización de los autores de la interrupción del Seminario.

    -A las personas amenazadas, especialmente a los y las líderes locales y a quienes hacen oposición al proyecto Belo Sun, a través de la apertura de procesos policiales y de medidas protectoras que garanticen los derechos constitucionales a la vida, a la igualdad, y a la propiedad privada.

    -La democracia y la libertad de expresión de la actividad intelectual, artística, científica y de comunicación, independiente de las censuras o de los permisos, considerando las tensiones características del contexto amazónico.

    -El respeto al debate y a la divergencia de posiciones como principio fundamental del campo de la ciencia y de la tecnología, y de las diferentes actividades de producción del conocimiento y divulgación de la información.

  • ESPECIAL: Postagens inverídicas que levaram ao linchamento moral do reitor da UFSC continuam nas páginas oficiais da PF

    ESPECIAL: Postagens inverídicas que levaram ao linchamento moral do reitor da UFSC continuam nas páginas oficiais da PF

    Família apresentou ao Ministério da Justiça requerimento de abertura de inquérito para apurar a responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada Érika Marena nos abusos de poder que culminaram com a prisão, afastamento da universidade, linchamento moral e suicídio de Cancellier

    Passados dois meses da prisão do reitor da UFSC Luiz Carlos Cancellier de Olivo e 48 dias do seu suicídio, as informações comprovadamente inverídicas do anúncio da Polícia Federal sobre o seu envolvimento na Operação Ouvidos Moucos permanecem inalteradas nas páginas oficiais do órgão. A mesma postagem que levou ao linchamento moral e midiático do reitor continua no dia de hoje (19/11) alimentando julgamentos e informações caluniosas nas redes sociais e nos meios de comunicação. Uma representação contra a delegada da Superintendência da Polícia Federal em Santa Catarina, Érika Mialik Marena, foi protocolada e entregue ao ministro da Justiça e Segurança Torquato Jardim, no dia 31 de outubro, pelo irmão Acioli, em nome do irmão Júlio e do filho do reitor, Mikhail Vieira Cancellier de Olivo, mas até agora os advogados da família não obtiveram qualquer resposta. A denúncia requer a abertura de procedimento investigativo para “apurar com rigor responsabilidade administrativa, cível e penal da delegada pelos abusos e excessos cometidos no trágico desfecho e prevenir a ocorrência de novos episódios”.

    Representação contra a delegada federal assinada por Acioli Cancellier (ao centro), ladeado pelo irmão Júlio Cancellier e o o reitor (de branco).     Foto: Arquivo Pessoal

    Na postagem do dia 14 de setembro, a Polícia Federal anuncia que estava deflagrando uma batida no Brasil, com a prisão de sete integrantes da UFSC (incluindo o reitor), como suspeitos pelo desvio de verbas de R$ 80 milhões do Ensino a Distância dentro da autodenominada “Operação Ouvidos Moucos”. Essas informações induziram a mídia e seus leitores a tomarem a verba total repassada pela Capes ao Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB) e aplicada em cursos, projetos e bolsas do Ensino a Distância no período de dez anos como o valor de recursos sob suspeita de desvio. No entanto, o valor investigado está, conforme amplamente esclarecido no dia seguinte pela universidade e reconhecido pela própria juíza Janaína Cassol, restrito a duas listagens de valores das bolsas supostamente transferidos indevidamente, uma no montante de R$ 300 mil e outra de R$ 200 mil. O valor sob suspeição não passa, portanto, de R$ 500 mil.

    Na representação, os familiares denunciam que no dia da deflagração da operação a delegada convocou coletiva de imprensa e deu entrevista ao vivo, divulgada pelo canal do Youtube da Polícia Federal para “denunciar” o suposto desvio de mais de 80 milhões de reais na UFSC, “antes mesmo de concluir a oitiva de Luiz, que durou mais de 5 (cinco) torturantes horas”.

    Essa informação oficial, seja na coletiva ou nas páginas do órgão, foi decisiva para o julgamento público que defenestrou a reputação pública de Cancellier, conforme argumenta o pedido de inquérito. Durante o velório do professor, no dia 2 de outubro, uma universitária deu a maior prova disso, ao interromper a cerimônia fúnebre para esmurrar o caixão em frente aos familiares e amigos ainda compungidos de dor gritando: “Ladrão, ladrão, devolva os R$ 80 milhões que roubou da universidade!”

    O documento mostra que as postagens e a entrevista coletiva da Polícia Federal no dia da prisão produziram uma segunda distorção, igualmente grave e incriminadora: a de que Cancellier, jornalista por profissão, graduado, mestre e doutor em Ciências Jurídicas, e professor de Direito Administrativo, havia sido indiciado por envolvimento nas suspeitas de desvio. (Veja aqui a coletiva convocada pela delegada da PF e publicada no seu canal do Youtube: http://(https://www.youtube.com/watch?v=n8nIa-NKcVU&feature=youtu.be)

    Veículos de comunicação que tomaram esses dados oficiais como verídicos e definitivos, sem ouvir o contraditório, tiveram que esclarecer na sequência que o reitor não era indiciado, nem sequer citado nas investigações da operação que apurava possíveis desvios praticados num período de seis anos atrás, fora, portanto da sua administração, iniciada em maio de 2016. Conforme foi retificado na sequência pela Reitoria da UFSC e pela juíza, a prisão se referia à denúncia de tentativa de interdição das investigações da Polícia Federal, levantada pelo titular da Corregedoria Geral da UFSC, Rodolfo Hickel do Prado, hoje afastado para licença de saúde de 61 dias. O processo da operação foi avocado pela Corregedoria Geral da União, que também responde pelo pedido de investigação da sua conduta, encaminhado pela reitoria da UFSC.

    A arguição mostra que a delegada extrapolou suas funções institucionais, acolhendo sem o menor cuidado denúncia infundada de um declarado desafeto político do reitor, contra o qual fez diversos pronunciamentos na imprensa local, inclusive o acusando de redução salarial. Soube-se mais tarde que o corregedor, ao contrário de Cancellier, não era mais um homem público de ficha limpa desde 2013. No momento em que fez a acusação, Hickel respondia a seis processos na justiça envolvendo crime de trânsito contra a coletividade, com tentativa de carteiraço e crime de calúnia e difamação com abuso de autoridade, pelo qual foi condenado na instância cível e penal. Além disso, respondeu a duas ações de indenização movidas pela ex-mulher e ex-noiva por tortura psicológica e física, conforme reportagem investigativa publicada pelos Jornalistas livres em 30 de outubro. https://jornalistaslivres.org/2017/10/exclusivo-corregedor-que-denunciou-reitor-a-pf-ja-foi-condenado-por-calunia-e-difamacao/

    O primeiro a observar a permanência da notícia caluniosa foi o próprio irmão do reitor, Acioli Cancellier de Olivo, matemático, pesquisador e professor de pós-graduação aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do MCTI em São José dos Campos, provocado pela insistência do erro de alguns veículos de imprensa, mesmo depois de amplamente corrigidos. A postagem da PF, que consta da representação da família, foi printada pelos denunciantes no dia 31 de outubro, com 789 curtidas e 159 compartilhamentos. Chama atenção o grau de ódio, proporcional ao grau de desinformação dos comentários:

    Vera Trancoso: “Parabéns, guerreiros, vocês são os heróis desta nação, pena que não há leis severas para eles e nem cadeias comuns para pagar as punições, abraços”.

    Selma Cabulon: “Parabéns PF. O povo só pode contar com vcs pra acabar com esse bando de corruptos sem vergonha o Brasil não tolera mais isso chega e enquanto isso o povo morre por falta de recursos”.

    Acompanhados sempre da hashtag de cunho promocional #EuconfionaPF, o texto das postagens da PF começa com o número de agentes mobilizados pela operação: “105 policiais federais para cumprir 16 mandados de busca e apreensão, 7 de prisão temporária e 5 de condução coercitiva, além do afastamento de 7 pessoas de funções públicas que exercem”. Informa ainda que a Operação Ouvidos Moucos, também sempre citada em formato de hashtag, “contou com o apoio do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União – CGU e do Tribunal de Contas da União – TCU para desarticular organização criminosa que desviou recursos para curso de Educação a Distância (EaD) da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC”. O texto é assinado também por hashtags promocionais da PF #euconfionapf e #issoaquiépf.  Abaixo do texto, a imagem-símbolo da campanha com a manchete sobreposta e acesa por detalhes em amarelo:

    #OpOuvidosMoucos

    Combate desvio de mais de R$ 80 milhões de recursos para EaD

    Com base nessas afirmações, o reitor foi acusado de ser o chefe da quadrilha e a UFSC, uma universidade com largo renome no país, um antro de corrupção, de acordo com o próprio desabafo que ele assinou , em artigo publicado em 28 de setembro, no jornal O Globo, quatro dias antes do suicídio.

    “A humilhação e o vexame a que fomos submetidos — eu e outros colegas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) — há uma semana não tem precedentes na história da instituição. No mesmo período em que fomos presos, levados ao complexo penitenciário, despidos de nossas vestes e encarcerados, paradoxalmente a universidade que comando desde maio de 2016 foi reconhecida como a sexta melhor instituição federal de ensino superior brasileira… Nos últimos dias tivemos nossas vidas devassadas e nossa honra associada a uma “quadrilha”, acusada de desviar R$ 80 milhões. E impedidos, mesmo após libertados, de entrar na universidade.” https://oglobo.globo.com/opiniao/reitor-exilado-21879420

    Em busca da uma informação atualizada ou revisada em outros canais da Polícia Federal, encontramos no seu site oficial, o release sobre a operação, com as seguintes afirmações comprometedoras:

    “As investigações começaram a partir de suspeitas de desvio no uso de recursos públicos em cursos de Educação à Distância oferecidos pelo programa Universidade Aberta do Brasil – UAB na UFSC. A operação policial tem como foco repasses que totalizam cerca de R$ 80 milhões. Foi identificado que docentes da UFSC, empresários e funcionários de instituições e fundações parceiras teriam atuado para o desvio de bolsas e verbas de custeio por meio de concessão de benefícios a pessoas sem qualquer vínculo com a Universidade. O programa UAB foi instituído em 2006 pelo Governo Federal com o objetivo de capacitar prioritariamente professores da rede pública de ensino em regiões afastadas e carentes do interior do país”.

    “Os alvos da operação são investigados pelos crimes de fraude em licitação, peculato, falsidade documental, estelionato, inserção de dados falsos em sistemas e organização criminosa. Também chamou a atenção dos policiais a pressão que a alta administração da UFSC exerceu sobre integrantes da Corregedoria da universidade que realizavam internamente a apuração administrativa, o que resultou na prisão de um integrante da alta gestão da instituição.” http://www.pf.gov.br/agencia/noticias/2017/09/pf-desarticula-organizacao-criminosa-que-desviava-recursos-da-ufsc

    Nota-se que o release oficial da PF revela a data de implantação do programa UAB na UFSC (2006), mas omite um dado fundamental, que poderia denunciar o próprio caráter ilógico e descabido da prisão: o período dos desvios, naturalmente bem conhecidos pela delegada e pelo corregedor que alimentou a operação. Eles eram anteriores à gestão de Cancellier, referentes aos anos de 2011 e 2015, conforme nota divulgada pela Administração Central nda UFSC no mesmo fatídico 14 de setembro.  Da forma como foi divulgado pela PF, o release leva ao engano de que os supostos desvios aconteceram na gestão atual.  Depois de disseminada a informação, não houve quem conseguisse conter a calúnia e difamação nas redes sociais e convencer os ardorosos fãs da PF e correligionários de Bolsonaro de que o reitor não tinha qualquer envolvimento pessoal com os alegados desvios de verbas. 

    A manutenção do erro na fonte oficial de informação explica, na avaliação de Acioli, porque a Folha de S. Paulo, por exemplo, persiste na divulgação do desvios de R$ 80 milhões, mesmo depois de uma errata do próprio jornal que chamou a atenção da ombudswoman Paula Guimarães e a levou a fazer uma vigorosa crítica à redação em sua coluna dominical.  Ainda assim, o erro continuou se repetindo, mesmo em artigos francamente favoráveis ao reitor e críticos dos desmandos da operação, como o de Élio Gaspari. (Leia aqui a coluna: http://m.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2017/10/1925311-jornalismo-de-ouvidos-moucos.shtml)

    Na denúncia, os irmãos alegam que Cancellier era réu primário, sem registro de nenhum antecedente criminal. “Nunca foi processado, sequer administrativamente, tendo fixado residência em Florianópolis nas proximidades da UFSC, que era a extensão de sua casa até o dia em que, como relatou em seu bilhete de despedida, foi defenestrado e banido daquele espaço público”. O documento também denuncia a “larga e instantânea cobertura da imprensa local e nacional, que, apesar do sigilo, contou com o fornecimento de informações processuais privilegiadas, a exemplo da exato momento de cumprimento dos mandados de prisão”. Essa espetacularização midiática foi confirmada durante entrevista coletiva ao reitor pró-tempore Ubaldo Balthazar pelo jornalista Carlos Damião, blogueiro e colunista do Notícias do Dia, que disse ter recebido o aviso da prisão do reitor no seu e-mail pessoal às 7:20 do dia 14 de setembro, antes portanto, da operação ser deflagrada. O requerimento de Aciolli copia a decisão que deferiu as medidas de prisão, busca e apreensão pela juíza Janaína Cassol, na qual foi determinado sigilo da operação, nos seguintes termos:

    De acordo com a Lei 4.898, de 1965, que regulamenta a representação nos casos de abuso de autoridade, dispõe, em seu artigo 4º, constitui abuso “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei” e praticar “ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal”, segundo enfatiza o requerimento. Alega a denúncia ainda que a autoridade policial “não só submeteu o falecido reitor à imensurável vexame ao conduzir sua prisão, em local inadequado (penitenciária), como causou mácula irreparável à sua honra, ao divulgar a informação de que ele estaria envolvido em suposto desvio milionário, quando o próprio caderno investigativo afirma que seu envolvimento estaria restrito à alegada interferência administrativa”.

    Coletiva convocada pela delegada para discutir reitor morto quebrou o sigilo determinado por lei

    A ausência do necessário sigilo garantido por lei, com a divulgação excessiva de informações equivocadas pela PF, foi decisiva na produção do discurso de ódio que viralizou como ato contínuo à prisão, avaliam os irmãos. “Todos os investigados foram estigmatizados, mas especialmente o reitor, em cuja figura a participação em um falso desvio milionário foi atribuída pela autoridade presidente do inquérito e, posteriormente, pela mídia”, argumenta Acioli. A divulgação de sua imagem de forma espetaculosa em primeiro plano pelos jornais e veículos de televisão personalizou e sintetizou na figura de Cancellier a representação máxima de um país onde a corrupção descontrolada teria tomado conta até das instituições universitárias.

     

    O pedido de inquérito afirma nas primeiras linhas: “Luiz Carlos Cancellier de Olivo não resistiu à pressão de ser humilhado publicamente pela injusta acusação por um fato anômalo jamais praticado (tentativa de obstrução administrativa), tendo este fato sido determinante para a prática do ato extremo que culminou em seu falecimento precoce e que tem acarretado danos irremediáveis aos familiares”. E conclui, ao final de seis páginas, afirmando: “Agora, além da imensurável tristeza para os familiares e amigos por esta insuperável perda, fica a reputação manchada por inverdades indevidamente divulgadas pela representada aos meios de comunicação, que se estendem a todos da família de Luiz Cancellier”.

    A Justiça brasileira levou 38 anos para reconhecer a culpa da Ditadura Militar pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, por “tortura e maus tratos”. Quanto tempo a República de Temer e Mouro levará para admitir perante a comunidade universitária e perante todo o país a culpa pelo suicídio de Luiz Cancellier?

    Prestes a completar dois meses da tragédia que consternou o país, o Estado finge ignorar os escandalosos erros, abusos e excessos nesse caso, já denunciados pela Ordem dos Advogados do Brasil, bem como por renomados juristas e cientistas políticos. É notória “a ilegalidade, arbitrariedade, a forma absolutamente desproporcional como as duas medidas, a de prisão e de afastamento do cargo foram incorporadas”, diz o criminalista Fábio Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito Democrático (em entrevista ao jornalista Fernando Morais, do Nocaute). Mas a resposta da sociedade civil organizada vem crescendo como uma avalanche que tende a tornar o sacrifício de Cau um grande levante contra o Estado de Exceção.

    Essas manifestações extravasam da política para a linguagem artística, provocando apresentações teatrais, como Luz em Einstein, da diretora Carmem Fossari, que terminou sua estreia com a projeção de uma tela dedicando a obra, que fala do estado de exceção na ciência, ao reitor suicidado. “A peça remete ao tema da intolerância política e étnica que levou ao fascismo europeu nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial e que hoje retorna no Brasil e no cenário mundial em formas ainda mais sofisticadas, representando um profundo recuo civilizatório”, analisa o professor de arquitetura e vereador Lino Peres (PT).

    Um grito silencioso cortou a escuridão do campus universitário no dia 9/11 à noite, durante o Projeto Experimenta, da Secretaria de Cultura e Arte, quando a professora e “artivista” Clélia Mello exibiu uma montagem com todos os textos, manchetes, imagens de jornais, sites e páginas que ela foi capaz de recolher pela internet. Partindo da pergunta “Quem matou o reitor Cancellier?”, projetada ao centro, e a palavra “Silêncio” nas laterais, a intervenção impactou a comunidade universitária com a projeção dos recortes de mídia em ritmo motocontínuo, como ela explica. Cinco aparelhos simultâneos projetaram os textos e imagens em alta velocidade nas paredes da Reitoria da UFSC, “único lugar onde o reitor pôde adentrar na UFSC depois da invasão policial, já morto, para ser velado dentro de um caixão”, ela anota.

    Intervenção “artivista” de Clélia Mello, projetada à noite nas paredes da universidade

    Com as luzes da universidade completamente apagadas, seguiram-se 12 vídeos editados em frequências diferentes com fotofilmes dos protagonistas da operação, entre eles o corregedor, a delegada, a juíza, a delatora, a vice-reitora, os policiais que prenderam, algemaram e acorrentaram o reitor etc. “A partir da invasão da UFSC pela Polícia Federal, eu me centrei no estado policialesco que vai culminar com a morte de Cancellier como uma vítima de toda essa caça esdrúxula”. A professora do Curso de Cinema esclarece que não filtrou as mensagens, nem impôs um posicionamento a priori. O efeito de arrancar a comunidade universitária do silêncio causado pelo trauma surge da própria afecção e sensibilidade provocadas no inconsciente imagético das pessoas. “Cada um é despertado a fazer seu próprio balanço e sua própria síntese dos elementos que se interligam na tragédia”.

    Já são também pelo menos três documentários produzidos sobre o caso, um deles lançado na abertura do XXVI do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (Conpedi), realizado na capital do Maranhão, São Luís, entre os dias 15 a 17 de novembro de 2017. O documentário CAU provoca uma profunda reflexão crítica sobre o papel e as ações que autoridades públicas e a mídia desempenham ao ferir as garantias fundamentais do direito.

    Em nome da Inocência: JUSTIÇA, outro documentário, é assinado por Jailson Lima da Silva, Lédio de Rosa Andrade e Sérgio Graziano. Será lançado junto com o livro homônimo,  em Sessão Especial proposta pelo deputado Rodrigo Minotto (PDT). A homenagem ocorrerá no plenário deputado Osni Régis da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, no dia 21 de novembro, às 19 horas.

    O terceiro documentário está sendo dirigido pelo cineasta Eduardo Paredes, autor do premiado Novembrada, que será exibido no Palácio Cruz e Sousa, no dia 30 de novembro, data do aniversário do célebre levante organizado por estudantes da UFSC e trabalhadores no apagar das luzes do governo do general Figueiredo em visita a Florianópolis. A sessão igualmente homenageia a memória do reitor, que participou desse protesto contra a ditadura militar quando era um jovem líder estudantil, em 1979.

     

    Sem provar nada contra seus indiciados, sem retificar as informações distorcidas que inflamaram o ódio na opinião pública e midiática, sem pedir desculpas aos familiares pela perda traumática de um irmão e de um pai inocente, a “hollywoodiana” operação Ouvidos Moucos, como é qualificada pela denúncia, conseguiu apenas arrancar do franciscano reitor o único bem que ele tinha, além de um apartamento de classe média: sua vida e sua reputação. A Justiça levou 38 anos para reconhecer a culpa da Ditadura Militar pelo assassinato do jornalista Vladmir Herzog, divulgando um novo laudo que comprova a sua morte por “lesão e maus tratos” no “II Exército (DOI-CODI)”. Quantos tempo a República “Ordem e Progresso” de Temer e Mouro levará para admitir perante a comunidade universitária e perante todo o país a culpa pelo suicídio de Luiz Cancellier?

    Sobre Vladmir Herzog https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/09/herzog-morreu-torturado-justica.html

     

    NO SENADO

    A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado realiza audiência pública na terça-feira (21), às 9 horas, para analisar as circunstâncias que levaram à morte do reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O requerimento para a audiência pública é da senadora Regina Sousa (PT-PI), atendendo ao pedido de investigação entregue no dia 31 de outubro por uma rede de mais de cem juristas brasileiros. Foram convidados para o debate Claudio Lamachia, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); José Sérgio da Silva Cristóvam, conselheiro estadual da OAB-SC; Diana Dias Sampaio, secretária-geral da Associação Nacional dos Técnicos de Nível Superior; Luis Eduardo Acosta, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior; e Juliano Scherner Rossi, procurador federal junto a UFSC.

    Senadora acatou pedido de instauração de inquérito e já começa na terça, 21/11, a investigar episódios que levaram o reitor ao suicídio. Foto: Senado

    Antes, no dia 31 de outubro  já havia sido realizado uma sessão solene no Senado em homenagem ao reitor que se tornou um grande manifesto político multipartidário que tomou o caso do reitor da UFSC como um vigoroso exemplo de combate aos abusos de poder e ao Estado de Exceção. A título de ser uma homenagem ao professor suicidado, a cerimônia ocupou o espaço na tribuna para uma sucessão de discursos vigorosos contra as condições da prisão e afastamento do reitor da universidade, que revezaram ao microfone vozes de vários partidos, que vão do deputado Armindo Chinaglia (PT), o senador Roberto Requião (MDB histórico), o desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, o ex-senador Nelson Wedekin (MDB histórico), o deputado Esperidião Amin (PP), até a ex-senadora e líder do governo Lula e Dilma Ideli Salvatti (PT). https://www.facebook.com/lediorosa/videos/10203996144980494/

    AULA PÚBLICA:

    SC se levanta contra Estado de Exceção na UFSC e no Brasil

    A partir da aula pública em Florianópolis deve se articular uma Frente Nacional de Luta contra o Estado de Exceção

    A Universidade Federal de Santa Catarina realiza a Aula Pública: “Resistência ao abuso de poder e ao fascismo: em defesa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e da Autonomia Universitária”, por iniciativa do Coletivo Floripa contra o Estado da Exceção, com aclamação unânime do Conselho Universitário. O evento ocorrerá no Teatro Garapuvu, no dia 27 de novembro, às 14 horas, com a participação do desembargador catarinense Lédio Rosa de Andrade, senador da República Roberto Requião, autor do projeto de Lei Cancellier contra o Abuso de Autoridade, o jurista e deputado Patrus Ananias, o ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, o procurador de Estado João dos Passos Martins, o Padre Vilson Groh, da União Arquidiocesana das Comunidades Eclesiais de Base e o Coletivo Catarinense Memória, Verdade e Justiça.

    O Coletivo Floripa Contra o Estado de Exceção conclama todos os cidadãos que defendem a verdade e a justiça a divulgarem esse evento que se projeta como um marco nacional na defesa do Estado Democrático e de Direito. Toda a comunidade mais ampla está convidada a vir participar, compreender e debater o significado dos episódios de abuso de poder que violaram a autonomia da universidade, levaram à prisão ilegal de seis dos seus integrantes no dia 14 de setembro, humilharam e baniram o reitor Luiz Carlos Cancellier da UFSC, culminando com a sua perda trágica. O convite para a Aula Pública registra:

    “Que o suicídio do professor Cancellier, encarcerado no Presídio de Florianópolis sem a constituição de denúncia, nem direito à defesa, algemado nas mãos e acorrentado nos pés, alvo de uma acusação infundada e caluniosa agasalhada sem a devida verificação pela Polícia e pela Justiça Federal, sirva para levantar o Brasil contra a afirmação de um estado policialesco que tende ainda a vitimar muitos outros inocentes.”

     

     

     

    Senador Roberto Requião e Patrus Ananias estarão em Florianópolis no mesmo dia 27, junto com os deputados Pedro Uczai, Celso Pansera e Décio Lima para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Eletrosul. O ato que se insurge contra a privatização e entrega do setor estratégico de energia, ocorrerá às 9 horas no auditório Deputada Antonieta de Barros, na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Participam parlamentares federais, estaduais e municipais, Frente Brasil Popular, Intersul, Intercel e outras entidades que defendem a soberania nacional.

  • JUSTIÇA PARA REITOR DA UFSC:  Entidades deflagram amplo movimento contra Estado de Exceção

    JUSTIÇA PARA REITOR DA UFSC: Entidades deflagram amplo movimento contra Estado de Exceção

    Nos corredores do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina, onde o reitor Luiz Carlos Cancellier se formou bacharel, mestre e doutor em Direito e atuou como estudante, professor e diretor, ainda reina pesado o constrangimento de um luto trágico e, sobretudo, desnecessário. O silêncio só é quebrado pelo grito dos cartazes em fundo negro que seus alunos penduraram no teto e nas paredes dos quatro andares do prédio,  no dia seguinte ao seu gesto de desespero político, em 2 de outubro. Levado ao suicídio após um vexaminoso processo de linchamento judicial, policial e midiático contra o qual ele não teve o menor direito de defesa ou a menor chance de escapar vivo com dignidade, Cancellier é homenageado a partir da crítica que ele próprio fazia em sala de aula à justiça brasileira do período da ditadura.

    Afixados nas portas, paredes, entradas das salas de aula, esses cartazes que maltratam a consciência dos justos martelam frases como: “Se falhamos enquanto sociedade, não falhemos enquanto justiça”; “Não à espetacularização da justiça”; “Por trás dos autos sempre há vidas”, “Prisão não faz investigação”, “Acusação não é sentença de condenação”. Um deles responsabiliza claramente a mídia pela tragédia: “Contra o processo penal midiático e a banalização da prisão”.  Outro, particularmente, é muito emblemático para este tempo quando o espetáculo midiático levou as massas a aplaudirem um perigoso estado policialesco que namora com o fascismo e, do qual, o reitor da UFSC tornou-se, a vítima fatal mais contundente: “A mais perfeita das ditaduras é feita em nome da justiça”. Várias personalidades brasileiras que foram alvo da Lava-Jato, como a ex-primeira dama Marisa, cuja morte por AVC é atribuída em grande parte a sua perseguição judicial e à do marido Lula, também são vítimas do estado de suspensão dos direitos. O suicídio, porém, expõe uma face ainda mais cruel que remete aos resultados dos excessos e abusos praticados por processos semelhantes ao brasileiro, como o Mãos Limpas, na Itália.

     

    No intervalo de 18 dias entre a prisão e a morte,  Cancellier foi arrancado abruptamente de sua universidade por 120 agentes da Polícia Federal convocados de várias partes do Brasil, passou por exame íntimo algemado nu antes de ser trancafiado no Presídio de Florianópolis, foi submetido à reclusão domiciliar e à proibição de se aproximar da UFSC.  Tudo isso sem processo judicial, sem nenhum antecedente criminal e sem direito à defesa. Percebendo que com o isolamento a que foi condenado sem sentença não havia saída para enfrentar o processo demolidor de sua moral nas mídias golpistas e nas redes sociais, optou por um gesto interpretado largamente por juristas e amigos intelectuais como uma atitude política. O reitor sacrificou a própria vida para denunciar o curso que as ações judiciais e policialescas vinham tomando, levando o país a um estado de exceção que ele, conciliador e amigo da diplomacia, nunca imaginara vivenciar. “Professor Cancellier, teus alunos preservarão tua universidade”, diz uma faixa na entrada do Centro que ele dirigiu. Da prisão no dia 14 de setembro ao suicídio no Shopping Beira Mar, os alunos do Centro de Ciências Jurídicas parecem nunca ter posto em dúvida a inocência do mestre, aliás, a presunção de inocência é um princípio básico do Direito.

    O amplo e corajoso grupo que passou a fazer reuniões e a organizar uma reação contra os abusos judiciais que levaram ao suicídio do reitor também nunca colocou em dúvida esse direito.  Depois de vários encontros de trabalho, o coletivo lança nesta quarta-feira (18/10), um manifesto intitulado “Em defesa do Estado Democrático de Direito e da Autonomia Universitária: Floripa contra o Estado de Exceção!”. Subscritas nessa carta, centenas de instituições da área jurídica, acadêmica, social; entidades classistas; organizações suprapartidárias; OnGs em defesa dos direitos humanos; personalidades políticas e intelectuais expressivas na defesa dos direitos democráticos deflagram a partir do documento um conjunto de ações contra o estado de exceção instaurado no país.

    A ideia é encorpar esse coletivo e transformá-lo numa grande frente nacional contra o estado de exceção, incluindo nomes expressivos da esquerda e do PMDB histórico, também assombrados com o desdobramento ditatorial do momento político do país.  O calendário das ações será detalhado pelo coletivo nos próximos dias, mas dois momentos fortes já estão previstos: no dia 26 de outubro, à tarde, haverá um grande ato em frente ao prédio da Polícia Federal, na Beira-mar Norte, em Florianópolis, com entrega oficial do documento à Seção Regional da OAB, já incluindo o abaixo-assinado com as adesões não cessam de chegar de todo o Brasil. Uma aula pública explicando o sentido e os procedimentos do estado de exceção também está sendo organizada para o dia 6 de novembro, com a participação do senador Roberto Requião, autor do Projeto da Lei Cancellier Contra o Abuso de Poder e o advogado Patrus Ananias, que foi ministro do Desenvolvimento Agrícola do Governo Dilma. Ambos participam, nesse mesmo dia, de um ato paralelo contra as privatizações, com o lançamento, para todo o país, da Frente Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional.

    Denunciando ataque à autonomia universitária sem precedentes na história do país, o coletivo exige no manifesto apuração de linchamento moral do reitor por práticas hediondas de desmoralização pública, com a responsabilização de todas as autoridades policiais, jurídicas e administrativas envolvidas nesse crime. Por fim, se pronuncia pela aprovação da Lei Cancellier (PL 7596/17) pela Câmara Federal, cujo nome já foi aprovado pelo Senado Federal, definindo os crimes de abuso de autoridade cometidos por servidores públicos e membros dos três poderes.

    Leia abaixo o manifesto original e faça sua adesão às assinaturas pelo email: floripacontraestadodeexcecao@gmail.com

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    LINK DO MANIFESTO: http://floripacontraestadodeexcecao.blogspot.com.br/2017/10/em-defesa-do-estado-democratico-de.html

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  • Moro não errou ao condenar Vaccari

    Moro não errou ao condenar Vaccari

    Moro sofreu uma derrota técnica e moral na segunda instância. Ele sabia que não poderia condenar apenas com base em delações. Mas, engana-se quem imagina que isso tenha sido um “erro”. Com a condenação de Vaccari, ele acertou em cheio em seu objetivo de influenciar a cena política do país.

    O juiz federal teria errado se tivesse imaginado que, na segunda instância, o tribunal revalidaria a condenação de João Vaccari Neto, a quinze anos de prisão, sem provas que legitimassem as delações.

    Todos já aprendemos, nessas idas e vindas das recém-aprovadas delações premiadas, que a delação precisa ser acompanhada de provas para justificar a condenação. Sérgio Moro certamente sabia disso e ainda sabe, há muito tempo.

    Muito ao contrário, seu intento, solidariamente afinado com outros juízes e com grupos de procuradores e policiais federais, foi perfeitamente bem-sucedido. A espalhafatosa prisão do tesoureiro do Partido dos Trabalhadores no início do processo de impedimento de Dilma, a manutenção de sua detenção por dois anos e sua condenação foram essenciais para a construção da “opinião pública” favorável à deposição da presidenta e ao aprofundamento da Lava Jato.

    O que se critica não são as condenações e prisões de corruptos e de corruptores, mas o uso desses processos com fins político-partidários. Está em curso no país uma guerra política com cores de processos judiciais regulares. O que se denuncia é o estado de exceção a que estamos submetidos. As condenações baseadas em delações sem provas, em indícios ou em convicções demolem a democracia.

    Ao reformar a sentença de Moro, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4a. Região dão mostras de que há quem perceba os desvios da letra da lei e esteja disposto a colocar o estado de direito de volta nos trilhos. Entre os juízes, procuradores e policiais existem aqueles que têm convicção da falta de provas.

    O site do TRF noticiou que o desembargador federal Victor Luiz dos Santos Laus “acompanhou o desembargador Leandro Paulsen, que já havia proferido voto na sessão do início do mês. Conforme Paulsen, o material probatório é insuficiente. ‘A existência exclusiva de depoimentos prestados por colaboradores não é capaz de subsidiar a condenação de 15 anos de reclusão proferida em primeiro grau de jurisdição, uma vez que a Lei 12.850/13 reclama, para tanto, a existência de provas materiais de corroboração que, no caso concreto, existem quanto aos demais réus, mas não quanto a João Vaccari’”.

    Vamos ao próximo combate.